sábado, 15 de setembro de 2018

Sanders lança a Internacional Progressista

 Político mais popular dos Estados Unidos, o senador Bernie Sanders, que assinou documento contra a prisão política de Lula, lançou neste sábado um dos mais importantes documentos políticos das últimas décadas: o manifesto que pede uma Internacional Progressista. O objetivo é fazer frente a movimentos autoritários, como o de Donald Trump, nos Estados Unidos, mas também de Jair Bolsonaro, no Brasil, que semeiam o ódio e cultivam uma agenda econômica que beneficia poucos bilionários, que já controlam mais da metade da riqueza global. "É hora de os democratas de todo o mundo formarem uma Internacional Progressista no interesse da maioria das pessoas em todos os continentes, em todos os países", diz ele.
Leia a íntegra do documento:
Por Bernie Sanders – Está em curso uma luta global que tem enormes consequências. O que está em jogo é nada mais, nada menos que o futuro do planeta, economicamente, socialmente e ambientalmente.
Em um momento de enorme riqueza e desigualdade de renda, quando 1% do mundo agora tem mais riqueza do que os 99% restantes, estamos vendo o surgimento de um novo eixo autoritário.
Embora esses regimes possam diferir em alguns aspectos, eles compartilham atributos-chave: hostilidade às normas democráticas, antagonismo em relação à liberdade de imprensa, intolerância em relação às minorias étnicas e religiosas e a crença de que o governo deve beneficiar a si próprio e a interesses financeiros egoístas.
Os líderes deste eixo autoritário também estão profundamente ligados a uma rede de oligarcas bilionários que vêem o mundo como seu brinquedo econômico.
Aqueles de nós que acreditam na democracia, que acreditam que um governo deve prestar contas ao seu povo, devem entender o alcance desse desafio, se quisermos enfrentá-lo de forma eficaz.
Deve ficar claro agora que Donald Trump e o movimento de direita que o apóia não são um fenômeno exclusivo dos Estados Unidos. Em todo o mundo, na Europa, na Rússia, no Oriente Médio, na Ásia e em outros lugares, estamos testemunhando movimentos liderados por demagogos que exploram medos, preconceitos e queixas das pessoas para alcançar e manter o poder.
Essa tendência certamente não começou com Trump, mas não há dúvida de que os líderes autoritários de todo o mundo se inspiraram no fato de que o mais antigo e mais poderoso líder democrata do mundo parece se deliciar com a destruição das normas democráticas.
Há três anos, quem teria imaginado que os Estados Unidos permaneceriam neutros entre o Canadá, nosso vizinho democrático e o segundo maior parceiro comercial, e a Arábia Saudita, um estado-cliente monárquico que trata as mulheres como cidadãos de terceira classe? Também é difícil imaginar que o governo de Netanyahu em Israel teria aprovado a recente "lei do estado-nação", que basicamente codifica o status de segunda classe dos cidadãos não-judeus de Israel, se Benjamin Netanyahu não soubesse que Trump estaria do seu lado.
Tudo isso não é exatamente um segredo. Com os Estados Unidos afastando-se cada vez mais dos nossos aliados democráticos de longa data, o embaixador estadunidense na Alemanha tornou claro recentemente o apoio do governo Trump aos partidos extremistas de direita por toda a Europa.
Além de hostilidade de Trump às instituições democráticas, temos um presidente bilionário, de forma inédita, que tem descaradamente defendido seus próprios interesses econômicos e os de seus comparsas nas políticas governamentais.
Outros estados autoritários estão muito mais avançados ao longo deste processo cleptocrático. Na Rússia, é impossível dizer onde terminam as decisões do governo e os interesses de Vladimir Putin e seu círculo de oligarcas. Eles operam como uma unidade. Da mesma forma, na Arábia Saudita, não há debate sobre a separação, porque os recursos naturais do estado, avaliados em trilhões de dólares, pertencem à família real saudita. Na Hungria, o líder autoritário de extrema-direita Viktor Orbán alia-se abertamente a Putin na Rússia. Na China, um círculo interno liderado por Xi Jinping consolidou o poder de forma constante, tomando medidas drásticas contra a liberdade política interna enquanto promoveu agressivamente uma versão do capitalismo autoritário no exterior.
Devemos entender que esses autoritários fazem parte de uma frente comum. Eles estão em estreito contato uns com os outros, compartilham táticas e, como no caso dos movimentos de direita europeus e norte-americanos, compartilham até mesmo alguns dos mesmos financiadores. A família Mercer, por exemplo, os defensores da infame Cambridge Analytica, foram patrocinadores principais de Trump e do Breitbart News, que opera na Europa, Estados Unidos e Israel para promover a mesma agenda anti-imigrante e anti-muçulmanos. O mega-doador republicano Sheldon Adelson atua tanto nos Estados Unidos quanto em Israel, promovendo uma agenda compartilhada de intolerância e nos dois países.
No entanto, a verdade é que, para efetivamente nos opormos ao autoritarismo da direita, não podemos simplesmente retornar ao status quo fracassado das últimas décadas. Hoje, nos Estados Unidos e em muitas outras partes do mundo, as pessoas trabalham mais horas para estancar os salários e se preocupam com o fato de seus filhos terem um padrão de vida mais baixo do que o deles.
Nosso trabalho é lutar por um futuro no qual a nova tecnologia e a inovação funcionem para beneficiar todas as pessoas, não apenas algumas. Não é aceitável que 1% da população mundial detenha metade da riqueza do planeta, enquanto 70% da população em idade ativa disponha de apenas 2,7% da riqueza mundial.
Juntos, os governos do mundo devem se unir para acabar com o absurdo de empresas ricas e multinacionais mantenham mais de US$ 21 bilhões em contas bancárias offshore para evitar pagar sua parcela justa de impostos e exigir que seus respectivos governos imponham uma agenda de austeridade.
Não é aceitável que a indústria de combustíveis fósseis continue a gerar enormes lucros, enquanto suas emissões de carbono destroem o planeta para nossos filhos e netos.
Não é aceitável que um punhado de gigantes da mídia multinacional, de propriedade de um pequeno número de bilionários, controle o fluxo de informações no planeta em grande medida.
Não é aceitável que as políticas comerciais que beneficiam as grandes corporações multinacionais prejudiquem as pessoas que trabalham em todo o mundo.
Para combater eficazmente a ascensão do eixo autoritário internacional, precisamos de um movimento internacional progressista que se mobilize por uma visão de prosperidade compartilhada, segurança e dignidade para todas as pessoas e que aborde a enorme desigualdade global que existe, não apenas em riqueza, mas também na riqueza do poder político.
Tal movimento deve estar disposto a pensar de forma criativa e ousada sobre o mundo que gostaríamos de ver. Enquanto o eixo autoritário se comprometeu a derrubar uma ordem mundial pós-Segunda Guerra Mundial que eles acreditam que limita seu acesso ao poder e à riqueza, não é suficiente simplesmente defendermos essa ordem como ela existe agora.
Devemos honestamente ver como essa ordem não cumpriu muitas de suas promessas e como os autoritários exploraram com habilidade essas falhas para gerar apoio à sua agenda.
Devemos aproveitar a oportunidade para conceituar uma ordem global genuinamente progressista baseada na solidariedade humana, uma ordem que reconheça que cada pessoa neste planeta compartilha uma humanidade comum, que todos queremos que nossos filhos cresçam saudáveis, tenham uma boa educação, tenham empregos decente, bebam água limpa, respirem ar puro e vivam em paz.
Nosso trabalho é alcançar pessoas de todos os cantos do mundo que compartilhem esses valores e lutem por um mundo melhor.
Em uma época de explosão de riqueza e tecnologia, temos o potencial de criar uma vida decente para todas as pessoas. Nosso trabalho é construir uma humanidade comum e fazer tudo o que pudermos para nos opor a todas as forças, poder governamental irresponsável ou poder corporativo irresponsável, que tentam nos dividir e confrontar uns aos outros. Sabemos que essas forças trabalham juntas através das fronteiras. Nós devemos fazer o mesmo.
Mais recentemente, os fanáticos de direita xenofóbicos também formaram sua própria Internacional Nacionalista, colocando pessoas orgulhosas contra outras para controlar sua riqueza e política.
É hora de os democratas de todo o mundo formarem uma Internacional Progressista no interesse da maioria das pessoas em todos os continentes, em todos os países.
Nossa Internacional Progressista deve liderar uma visão de prosperidade verde e compartilhada que a engenhosidade humana é capaz de fornecer, desde que a democracia tenha a oportunidade de torná-la possível.
Para isso, precisamos fazer mais de uma campanha juntos. Vamos formar um conselho comum que elabore um plano comum para um New Deal internacional, um Novo Bretton Woods (resoluções da conferência monetária e financeira das Nações Unidas), progressista.
(texto publicado neste sábado no The Guardian)