segunda-feira, 11 de junho de 2018

Bonecas substituem garotas de programa em bordel de Paris

SEM CORAÇÃO

Bonecas substituem garotas de programa em bordel de Paris

ISABEL JUNQUEIRA
Feitas com um material mais barato que o silicone, as funcionárias do Xdolls costumam receber a clientela inteiramente nuas e já deitadas
Feitas com um material mais barato que o silicone, as funcionárias do Xdolls costumam receber a clientela inteiramente nuas e já deitadas Christophe Bertolin_IP3_Getty Images
Areunião do Conselho de Paris já ultrapassava as seis horas de duração quando a prefeita Anne Hidalgo colocou em debate a moção de número 189, apresentada pelos comunistas. “O que é mais essencial do que combater o sexismo e a violência contra as mulheres?”, vociferou Hervé Bégué, um dos 163 políticos que integram o órgão, semelhante às câmaras municipais brasileiras. No último dia 22 de março, o orador reivindicava a interdição de um estabelecimento pioneiro na França, o Xdolls. Inaugurado em janeiro no sul de Paris e registrado como “salão de jogos”, o espaço lembra um bordel, só que ali as garotas de programa não têm carne nem osso. São bonecas hiper-realistas que, além de movimentarem as pernas, os braços, os pés, as mãos e o pescoço, dispõem de três orifícios bem estratégicos.
Os comunistas, sob o apoio de diversos coletivos feministas, apregoavam que o Xdolls reverencia o estupro e encoraja a volta dos bordéis tradicionais, proibidos no país há sete décadas. Convidado para opinar durante a reunião, um representante da polícia advogou em favor da novidade: “Segundo o Código Penal, esse tipo de negócio não estimula a prostituição ou o proxenetismo, já que não põe os clientes em contato com pessoas.” Vários conselheiros do sexo masculino apoiaram ruidosamente o argumento e classificaram de puritana a tese dos comunistas. No final das discussões, a maioria votou contra a moção, inclusive parte das conselheiras, e o Xdolls continuou funcionando.
A casa oferece os serviços de cinco senhoritas. A morena Kim destaca-se pelos seios fartos. Lily possui traços asiáticos e a pele tão alva quanto a de Nicole Kidman. Candice parece uma adolescente. Sofia é loira e Sarah, ruiva. Para desfrutar de alguma das moças, basta desembolsar 89 euros por hora e 100 de caução.
Os célebres bordéis – ou maisons closes – que converteram Paris na capital dos prazeres durante o século XIX e a primeira metade do século XX desapareceram logo após a Segunda Guerra Mundial. Até então, as autoridades consideravam a prostituição um “mal necessário” e a toleravam em ambientes fechados. Exigiam, porém, que as profissionais do ramo tivessem registro na polícia e se submetessem a exames médicos regulares. Guias especializados, como o extinto Guide Rose, inventariavam anualmente os lupanares parisienses, dos mais luxuosos às sinistras maisons d’abattage (casas de abate). Mas havia outra maneira de os interessados descobrirem o caminho das pedras: por determinação do governo, as fachadas dos prédios que abrigavam prostíbulos exibiam números de tamanho exagerado, bem maiores que os habituais.
Em dezembro de 1945, a ex-prostituta, ex-espiã e conselheira municipal Marthe Richard – integrante de um partido cristão – liderou uma campanha para fechar os bordéis de Paris, alegando que muitos deles haviam colaborado com os nazistas ou se aproximado em demasia da máfia. Como a demanda surtiu efeito, a ativista resolveu ampliá-la. Foi assim que, no dia 13 de abril de 1946, proibiram-se os bordéis em todo o território francês. Com o tempo, no entanto, o país viu surgirem as casas de massagem e outras versões disfarçadas de prostíbulos.
Hoje, as mulheres podem usar o corpo como bem entenderem na França, sem nenhuma penalidade. Já o ato de lucrar com o trabalho sexual alheio configura um delito. Em 2016, a Assembleia Nacional aprovou uma lei desfavorável também àqueles que contratam prostitutas. Clientes pegos em flagrante amargam uma multa de 1 500 euros.
Só quem aceita pagar antecipadamente pelo usufruto das bonecas é que recebe o endereço do Xdolls. Mesmo com as coordenadas em mãos, remetidas por e-mail, os que procuram o “salão de jogos” às vezes se confundem, pois não há número nem letreiros na fachada de vidro escuro. O proprietário do negócio, Joaquim Lousquy, de 28 anos, insiste para que os fregueses mantenham o segredo. Aprendeu a lição com o espanhol LumiDolls, primeiro bordel do gênero a funcionar na Europa. A casa de Barcelona, nascida em fevereiro de 2017, divulgou sua localização com estardalhaço e atraiu tantos curiosos que o dono do imóvel, avesso a tumultos, rescindiu o contrato de aluguel duas semanas depois da abertura. O estabelecimento mudou de lugar e, agora, prioriza a discrição.
Situado numa ruela do pacato 14° arrondissement, o Xdolls ocupa o térreo de um edifício residencial. O interior de 70 metros quadrados tem iluminação vermelha, fotos sensuais nas paredes, revistas pornográficas espalhadas pelos cantos e cheiro de incenso. “Viu como é limpo?”, perguntou mais de uma vez o único funcionário (humano) da maison parisiense, enquanto passava um esfregão no piso de madeira.
Dentro de um dos três quartos – ou “espaços de jogo”, como prefere Lousquy –, as bonecas made in China já estavam prontas para o trabalho, nuas e deitadas numa cama com lençol descartável. Elas costumam receber a clientela assim: sem roupa ou apenas de lingerie. Macias e levemente pegajosas, são de elastômero termoplástico. O material revolucionou o mercado de sex dolls por se revelar mais barato que o silicone, ainda que menos durável. Como a pele das bonecas é fria, o bordel fornece cobertores elétricos aos clientes – além de lubrificantes, vibradores e até óculos de realidade virtual, que projetam filmes pornôs.
As cinco meninas, bastante magras, pesam entre 25 e 40 quilos. “Por razões éticas, nenhuma mede menos de 1,43 metro”, explicou Lousquy. A dificuldade em operá-las desagradou o empresário Laslo Sardanapale. O cinquentão reservou um horário no Xdolls para fazer um test drive acompanhado da namorada. “Foi esquisito… A boneca, um tanto desengonçada, se mexia demais.” Ele saiu da experiência com inúmeras fotos de lembrança e um GIF em que a parceira estapeia o rosto do manequim.
Joaquim Lousquy descobriu os bordéis de sex dolls no fim de 2017, quando leu uma reportagem sobre o assunto. Sócio de empresas que comercializam lâmpadas de LED e cigarros eletrônicos, o rapaz encontrou uma justificativa misógina para importar o serviço originário do Japão: “Oferecemos bonecas mais limpas que as mulheres de verdade.” Toda vez que deseja higienizar o corpo oco das funcionárias, Lousquy desatarraxa a cabeça delas. Após a limpeza, passa talco na pele de cada uma.
O jovem pretende abrir franquias em toda a França a partir de julho. A ideia é começar por Pigalle, zona boêmia de Paris. Cético, Siham Benmohad – gerente da 4Woods Europe, uma distribuidora de manequins japoneses – acredita que bordéis como o Xdolls não vão durar muito. “As bonecas são objetos de um homem só. Nossos clientes não gostam de dividi-las.” Por via das dúvidas, Lousquy já se preparou para a eventual mudança de ventos. No site da casa, vende sex dolls com pelos pubianos customizados. O preço mínimo é de 1 700 euros. J

ISABEL JUNQUEIRA

Isabel Junqueira é jornalista brasileira radicada em Paris

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