quinta-feira, 8 de junho de 2023

Itala CONCEITOS PARA A MODELAGEM DE SISTEMAS DINÂMICOS E COMPLEXOS COM AUTO-ORGANIZAÇÃO

CONCEITOS PARA A MODELAGEM DE SISTEMAS DINÂMICOS E COMPLEXOS COM AUTO-ORGANIZAÇÃO Ettore Bresciani Filho Itala Maria Loffredo D’Ottaviano RESUMO Neste trabalho, são inicialmente reapresentados alguns conceitos de sistêmica, de sistemas dinâmicos e de sistemas térmicos anteriormente publicados. A seguir, são apresentados alguns conceitos fundamentais dos sistemas complexos, e particularmente aqueles decorrentes das relações entre sistemas dinâmicos caóticos e sistemas térmicos, sempre procurando destacar, quando é o caso, a participação do processo de auto-organização. A seguir são apresentados alguns conceitos para a modelagem de sistemas complexos e dinâmicos e particularmente para a modelagem de sistemas que apresentam o processo de auto-organização. Considerações Iniciais Os Conceitos Básicos de Sistema, a seguir apresentados, foram retirados dos seguintes trabalhos publicados: Bresciani F. (1996), Bresciani F. & D’Ottaviano (2000; 2019); Bresciani F. & D’Ottaviano (2004); Bresciani F. & D’Ottaviano & Milanez, (2008). Os Conceitos Básicos de Sistemas Complexos foram extraídos com adaptações da introdução do livro de Bar-Yam (1997). A descrição das relações entre os Conceitos de Sistemas Dinâmicos Caóticos e Sistemas Térmicos são adaptações do artigo de Baranger (2007) e da introdução do livro de Schlögl & Beck (1997). Alguns desses conceitos estão também descritos em Heylighen et al. (2007). No estudo da modelagem de sistemas o livro de Boccara (2004) serviu de roteiro. Conceitos Básicos de Sistema 1. Um sistema pode ser definido como uma entidade constituída por uma coleção de objetos que mantém relações entre si e com objetos de seu meio ambiente, e que possui identidade e um conjunto de características. Nesse sentido, um sistema consiste num conjunto de objetos que formam uma estrutura parcial a qual possui uma funcionalidade. Um sistema pode ser identificado pelos seus estados (ou situações), e a evolução do sistema pode ser identificada pelas mudanças desses estados. A descrição dos estados, e das suas evoluções, de um sistema permite estabelecer uma perspectiva a partir do exterior do sistema. Esses estados decorrem de comportamentos dos objetos do sistema, e de suas relações com o meio-ambiente, e são caracterizados pelos valores atribuídos a variáveis que se referem às propriedades elementares do sistema e que são denominadas variáveis de estado (ver Bresciani F. & D’Ottaviano (2000)). 2. A organização do sistema pode ser considerada sob os aspectos formal e informal, que se relacionam dinamicamente, no processo de transformação organizacional, e se complementam e se entrelaçam na constituição do sistema. A organização formal do sistema é constituída por uma estrutura, predeterminada ou preconcebida - por objetos internos, externos ou de fronteira - para atender a um funcionamento pretendido em direção a uma finalidade prefixada. Porém, mesmo sem a existência de finalidade prefixada, pode haver determinação quando os objetos possuem baixos graus de autonomia para exercerem suas atividades. A organização informal do sistema é constituída também por uma estrutura parcial, com um funcionamento correspondente, que não é predeterminada ou preconcebida ou planejada, mas que, pelo contrário, decorre espontaneamente das atividades de objetos internos, e eventualmente de fronteira, do sistema, com elevados graus de autonomia. As mudanças organizacionais (estruturais ou funcionais) do sistema, pelo menos algumas delas, podem também ser predeterminadas ou preconcebidas ou planejadas, por meio de atividades de objetos de fora, de dentro ou de fronteira. Porém, as mudanças organizacionais do sistema podem também ser espontâneas e conseqüência das atividades autônomas de objetos internos, e eventualmente de fronteira, do sistema; bem como, podem ser conseqüência da interação destas atividades autônomas com as predeterminadas. E tanto a organização informal como as mudanças organizacionais espontâneas podem apresentar propriedades e comportamentos inesperados, imprevistos, imprevisíveis e incertos. Esses comportamentos e propriedades, baseados na existência de relações de sinergia, decorrem dos altos graus de liberdade nas atividades dos objetos, ou das altas sensibilidades dos objetos às contingências e circunstâncias ambientais, ou até dos eventos casuais (ver Bresciani F. (1996)). 3. A auto-organização se caracteriza como um fenômeno de transformação ou de criação de uma organização, que decorre fundamentalmente da interação das atividades predeterminadas, se as houver, com essa atividade autônoma e espontânea de objetos internos, e eventualmente de fronteira do sistema, através de processos recorrentes. A atividade espontânea decorre da existência de grau mínimo de autonomia aos objetos atuantes. Por sua vez os processos recorrentes precisam estar presentes para que os objetos autônomos, em suas atividades, se integrem em uma organização com auto-referência. Em alguns casos pode-se admitir que a organização que emerge no sistema, decorrente do fenômeno de auto-organização, não tem as características que permitam a sua qualificação como uma criação organizacional. Portanto, nesses casos, a organização emergente pode ser qualificada apenas como uma reprodução ou duplicação de uma organização já existente ou que já tenha existido anteriormente. Convém destacar que processos de reprodução sem novidade têm recebido a denominação de autopoiese. As mudanças predeterminadas podem ser concorrentes ou concordantes com as mudanças espontâneas ou ainda, complementares e facilitadoras dessas últimas. Contudo as mudanças predeterminadas também podem ser divergentes, discordantes e antagônicas das mudanças espontâneas e, portanto, podem causar dificuldades ao desenvolvimento dessas últimas, contribuindo para se ter no sistema um estado de contraposição, contradição e conflito. A influência de atividades autônomas dos objetos do meio-ambiente - ou seja, objetos externos e eventualmente de fronteira - no sistema pode ser caracterizada como ruído, perturbação ou flutuação que é introduzido no sistema e que pode contribuir também, de algum modo, para a ocorrência do fenômeno de auto-organização (ver Bresciani F. & D’Ottaviano (2000); Debrun (1996)). 4. O sistema linear é aquele no qual as mudanças sucessivas de estado (ou situação), entendendo mudança de estado como mudança dos níveis de variáveis que caracterizam o estado, a partir de um dado estado considerado inicial, ocorrem de forma que se mantém constante a proporcionalidade considerada de acordo com a seguinte relação entre: a diferença entre os níveis das variáveis do estado atual e do estado anterior (ou do estado posterior), e a diferença entre os níveis de uma variável de medição da evolução do estado (que pode ser a variável representativa do tempo) correspondentes ao estado atual e ao estado anterior (ou ao estado posterior). No sistema não-linear essa proporcionalidade pode não ocorrer obrigatoriamente. E, no caso dos sistemas com evolução hipersensível às condições iniciais, uma pequena mudança no valor de uma das variáveis no estado inicial pode causar uma grande mudança nos estados subseqüentes do sistema. Um sistema dinâmico é aquele no qual pelo menos uma de suas variáveis de estado depende do tempo, e um sistema dinâmico não-linear é aquele no qual essa dependência do tempo é não-linear. Essas variáveis representativas do sistema, que são quantidades dependentes do tempo, são particularmente denominadas dimensões do sistema. 5. Um sistema é considerado aberto ao ambiente quando influencia e é influenciado pelo seu meio-ambiente, trocando energia e massa com esse meio-ambiente; a troca isolada de informação não está sendo considerada, a não ser aquela informação contida na massa e na energia. Um sistêmico dinâmico é conservativo quando não perde energia para o meio-ambiente ou não ganha energia do meio-ambiente. Caso o comportamento do sistema leve à perda de energia para o meio-ambiente, o sistema é considerado degenerativo ou dissipativo; e caso o comportamento comporte ganho de energia do meio-ambiente, o sistema é considerado regenerativo. 6. O sistema ‘determinístico’ é aquele no qual os estados se desenvolvem a partir dos estados anteriores, de acordo com uma determinada lei pré-estabelecida. Ou seja, conhecendo-se o estado do sistema em qualquer estágio (ou instante) anterior, que pode ser particularmente o inicial, é possível determinar o estado do sistema em um estágio (ou instante) posterior, que pode ser particularmente o final. Em outros termos, pode-se afirmar que causas iguais dos processos envolvidos no sistema produzem efeitos iguais. O sistema dinâmico caótico é visto comumente com sendo um sistema com um comportamento aleatório, mas efetivamente tem um comportamento dominantemente conduzido por regras determinísticas, mesmo também quando ocorre aleatoriedade. E é esse comportamento que caracteriza o que muitas vezes se denomina determinismo caótico. Desse modo o caos determinístico se refere a sistemas com processos que são também de natureza determinística, mas que têm, muitas vezes, um comportamento que não se pode prever, predizer ou determinar. O ‘caos determinista’ se diferencia do que se denomina ‘caos entrópico’, pois o primeiro apresenta periodicamente o aparecimento e o desaparecimento de comportamentos com padrões organizados - com possibilidade de previsibilidade de comportamento ao longo do tempo - e o segundo evolui de modo a provocar a descaracterização da organização do sistema. 7. O espaço de fases é representado pelo diagrama de fases, que indica a evolução do estado com o tempo. As curvas do diagrama de estado são denominadas trajetórias de fase ou linhas de fluxo e representam graficamente as soluções da equação (diferencial) do movimento. As soluções da equação dependem da energia total; no caso do pêndulo, por exemplo, depende da posição inicial ou amplitude máxima a partir da qual o pêndulo é deixado para se movimentar. 8. Quando a energia total no sistema se conserva, o sistema é denominado conservativo (ou hamiltoniano). Quando a energia total no sistema não se conserva, ou seja, se dissipa para o meio ambiente, o sistema é denominado dissipativo. No espaço de fases do sistema dissipativo os pontos de convergência das trajetórias são denominados atrator, e é somente em um sistema dissipativo que se pode introduzir o conceito de atrator. O sistema, além dos termos conservativos e dissipativos de energia, pode ter também um termo de geração de energia que provém de fontes externas para compensar as perdas de energia no sistema. Nesse caso o atrator evolui para um ciclo limite cuja representação gráfica pode ser uma figura circular. Observe-se que todo o atrator, em qualquer sistema, constitui uma órbita, ou seja, um conjunto de estados. E ainda, um conjunto invariante de órbitas, ou trajetórias, é considerado um atrator quando as órbitas de pontos próximos tendem a fazer parte desse conjunto. 9. No estudo dos sistemas dinâmicos caóticos são fundamentais os conceitos de sistema com atrator caótico (ou atrator estranho), de sistema com evolução hipersensível às condições iniciais e de sistema com transição de comportamento organizado para comportamento caótico. Nos sistemas dinâmicos verifica-se que além dos atratores pontuais e periódicos (representados por figuras, como ciclos limites ou como toros), podem existir outros tipos atratores denominados estranhos, que representam os estados cuja evolução é hipersensível às condições iniciais. Esses atratores podem ser representados por trajetórias de aspecto alongado e dobrado (como ferraduras), e de aspecto irregular e com dimensões fracionadas (denominadas dimensões fractais). O aspecto irregular do atrator resulta da dinâmica caótica do sistema que é de natureza determinística, não sendo causada por perturbações, flutuações ou ruídos externos de natureza estocástica. O aspecto fractal se revela por meio de uma figura cuja forma se repete em escalas dimensionais cada vez menores, portanto, mantendo um certo padrão de semelhança, mas que não é obrigatoriamente completo (ver mais adiante) (ver Bresciani F. & D’Ottaviano (2004)). 10. Pode-se imaginar uma situação de um sistema dinâmico não caótico, no qual a condição inicial é estacionária e o atrator é um ponto fixo, e na condição com oscilação periódica, o atrator é um anel ou um círculo. A seguir pode-se ainda imaginar que o sistema evolui para um sistema dinâmico caótico, e as seguintes características estão presentes: a figura geométrica representativa do atrator é de dimensão não inteira ou dimensão fracionada (fractal), ou seja, a figura não é uma curva ou uma superfície lisa; o movimento no sistema apresenta a característica de ser hipersensível às condições iniciais; e surge o aparecimento brusco de um espectro contínuo de freqüências temporais (infinidade de modos de vibração) que caracteriza a bifurcação, ou seja, a transição de um comportamento organizado (escoamento periódico) para um comportamento caótico (escoamento turbulento). Desse modo, observa-se que o caos é decorrente de uma evolução temporal hipersensível às condições iniciais, e o movimento caótico é caracterizado pelo atrator estranho. 11. Os denominados parâmetros de controle comandam o comportamento do sistema dinâmico. Para um determinado valor de um parâmetro de controle, denominado crítico, o sistema perde a estabilidade estrutural e sofre uma bifurcação, e o diagrama de fases muda qualitativamente com aparecimento e desaparecimento de pontos. Os denominados parâmetros de ordem (ou parâmetros de organização, ou variáveis coletivas de sinergia) são os graus de liberdade relevantes. Esses parâmetros do sistema representam o comportamento dos objetos; eles se estabelecem pela necessidade de haver coordenação e cooperação entre os objetos e caracterizam a causalidade circular entre os objetos. Os parâmetros de ordem são particularmente importantes na transição de fase próxima das condições de não-equilíbrio, na qual a perda de estabilidade dá origem a padrões novos ou diferentes, ou à troca entre padrões de comportamento do sistema. Ou seja, os parâmetros de ordem são aqueles que permitem coordenar as relações entre as variáveis do sistema, estabelecer a cooperação entre os objetos do sistema, refletir a causalidade circular típica das variáveis dos sistemas não-lineares e caracterizar mudanças de comportamento do sistema. Cabe lembrar que os parâmetros de controle ou de ordem podem sofrer alterações com o desenvolvimento do sistema, particularmente quando ocorre auto-organização no sistema. 12. No paradigma newtoniano da mecânica, os fenômenos físicos observados podem ser reduzidos a um conjunto de partículas elementares cujos movimentos são governados por leis determinísticas da natureza, de tal modo que os arranjos de partículas existentes no passado, no presente e no futuro podem ser determinados. Contudo esse paradigma não permite o exercício da busca de novidade, e não explica muitos dos fenômenos considerados complexos na observação feita na natureza e nos laboratórios. Nos últimos anos gradativamente vem se desenvolvendo o conceito de auto-organização para estudar os fenômenos nos quais surgem espontaneamente novas estruturas com os objetos constituintes do sistema - particularmente com capacidade de adaptação autônoma ao meio-ambiente em mudança - caracterizando-se assim como fenômenos com novidade. No processo de auto-organização a formação de novas estruturas, ou padrões de arranjo, dos objetos do sistema não decorre de uma imposição de um agente externo ao sistema, mas da ação interna autônoma dos objetos constituintes do sistema. A emergência de novas estruturas pode ser facilmente observada tanto nas condições naturais do mundo real circundante como nas condições artificiais de laboratório. A formação de novas estruturas pode corresponder a situações nas quais o sistema pode ou não atingir condições de equilíbrio. Os fenômenos de auto-organização podem ser interpretados sob a perspectiva conferida pelos estudos dos sistemas dinâmicos e térmicos, estudos tradicionalmente contidos na disciplina denominada termodinâmica (ou ciência dos fenômenos térmicos). 13. Convém fazer uma revisão resumida dos conceitos básicos que regem as leis (ou os princípios) da termodinâmica, e do conceito de entropia, sob a perspectiva macroscópica dos fenômenos observados. Cabe lembrar que a termodinâmica pode também ser estudada, e a entropia pode também ser definida, a partir da perspectiva microscópica dos fenômenos térmicos observados, utilizando a denominada teoria da mecânica estatística. E particularmente o conceito de entropia pode também estar associado aos conceitos desenvolvidos na teoria de informação. A termodinâmica tem por objeto de estudo a evolução do sistema verificando a ocorrência das mudanças de estado de equilíbrio térmico e de energia interna do sistema quando troca calor e trabalho com o seu meio-ambiente. Muitas vezes, o destaque é para o estudo do trabalho externo realizado pelo sistema. Na termodinâmica o sistema é constituído de um ou mais objetos ou corpos com uma certa quantidade de matéria que ocupa um determinado espaço. Esse sistema é separado do restante do universo, que constitui o seu meio ambiente (ou meio exterior ou vizinhança), para se tornar um objeto de estudo. As relações estabelecidas entre os objetos do sistema são de natureza dinâmica e térmica. O estado do sistema é definido, em cada instante, pelo conjunto de suas propriedades de estado que podem ser a temperatura, o volume, a pressão e outras. As propriedades de um sistema podem ser extensivas ou intensivas. As propriedades extensivas do sistema são aquelas que dependem da massa e resultam da soma das propriedades dos objetos do sistema, como a massa, o volume e a energia. As propriedades intensivas do sistema são aquelas que não dependem da massa e são atribuídas a cada objeto do sistema, como a temperatura, a pressão e a densidade. É possível se estabelecer muitas relações entre as propriedades do sistema, mas as equações de estado são definidas pelas relações entre as variáveis de estado como a pressão, o volume e a temperatura do sistema (ver Bresciani F. & D’Ottaviano, 2008). 14. A primeira lei da termodinâmica, também denominada lei da conservação da energia, afirma que se um sistema está sujeito a um processo constituído de uma transformação térmica cíclica, o trabalho líquido (trabalho produzido menos o trabalho recebido) fornecido para as vizinhanças é igual ao calor líquido (calor recebido menos o calor rejeitado) extraído dessas vizinhanças. Costuma-se afirmar que a primeira lei da termodinâmica se aplica também a sistemas isolados, ou seja, a sistemas que não trocam energia e matéria com o exterior. Neste caso, diz-se que a energia de um sistema isolado se mantém constante. Contudo cabe destacar que o conceito de sistema isolado é arbitrário, pois basta incluir em um determinado sistema aberto a sua vizinhança para que esse sistema possa ser considerado isolado. O Universo, abrangido na sua totalidade, pode ser considerado um sistema isolado, e assim considerando, a quantidade de energia no Universo permanece constante. A segunda lei da termodinâmica indica que um sistema operando em um ciclo térmico não pode produzir uma quantidade positiva de trabalho nas suas vizinhanças se estiver acoplado a uma única fonte de calor; ou seja, para que a quantidade de trabalho possa ser positiva é preciso existir pelo menos duas fontes térmicas com diferentes temperaturas. Com o auxílio desta lei mostra-se que muitos processos são irreversíveis, pois não se pode fazer a inversão do processo de transferência de calor de um corpo quente para um corpo frio espontaneamente, ou seja, sem a ação de uma fonte de energia externa ao sistema. 15. A função (de estado) denominada entropia de um sistema térmico, é utilizada unicamente para conveniência do desenvolvimento do modelo matemático do sistema. Em um sistema com um processo reversível, e que sofre uma transformação isotérmica, a entropia varia de uma certa quantidade que é igual à quantidade de calor (trocada pelo sistema com o meio-ambiente) dividida pela temperatura absoluta do sistema (no momento da troca de calor). E ainda, em uma transformação, a diminuição da energia utilizável do sistema corresponde a aumento da entropia do conjunto, formado pelo sistema e pelo meio, ou seja, a entropia pode ser uma medida de energia utilizável de um sistema. Nos processos reversíveis que ocorrem em sistemas isolados (ou seja, processos adiabáticos ou que não trocam calor com o meio-ambiente), a variação da entropia é nula. Nos processos irreversíveis que ocorrem em sistemas isolados, a variação da entropia é sempre maior do que zero, ou seja, a entropia sempre aumenta durante a transformação. Pode-se notar que não existe um princípio da conservação da entropia, ou seja, a variação da entropia ou é nula ou sempre aumenta nos sistemas isolados; ou ainda, não existe qualquer tipo de processo, com transformações em sistema isolado, no qual a entropia diminua. Costuma-se também afirmar que a segunda lei da termodinâmica se aplica a sistemas isolados, ou seja, a sistemas que não trocam energia e matéria com o exterior. Mas como já foi destacado o conceito de sistema fechado ao ambiente (ou isolado) é arbitrário. O Universo, se considerado como um sistema isolado, tem a qualidade da sua energia ser degradada de modo irreversível; desse modo, considerando o Universo como um sistema isolado pode-se afirmar que a sua entropia está sempre aumentando, pois ele é constituído de processos naturais que são irreversíveis e que ocorrem sempre com aumento de entropia. 16. O conceito de entropia pode ser associado aos conceitos de organização e de desorganização (ou não identificação de organização). Nesse caso haveria necessidade de considerar os aspectos termodinâmicos microscópicos da matéria. Contudo, de um modo simplificado, pode-se indicar que nos processos naturais os sistemas passam espontaneamente de um estado mais organizado para outro menos organizado. Um exemplo clássico pode ser dado quando dois gases, provenientes de recipientes diferentes, são colocados em um mesmo recipiente; nesse processo os gases se misturam em uma condição que se pode considerar de menor organização e, portanto, com um aumento de entropia do sistema. Convém destacar que a definição termodinâmica clássica de entropia independe de qualquer modelo estrutural ou organizacional para o sistema. Mas se for considerado esse modelo, a entropia estará relacionada a uma distribuição espacial ao acaso de partículas e de energia de partículas da matéria constituinte do sistema; e a partir dessas considerações pode-se construir uma associação entre os conceitos de entropia e de probabilidades de ocupação do espaço disponível pelas partículas. 17. Na associação dos processos de auto-organização com os processos termodinâmicos convém fazer uma primeira distinção. Quando um processo termodinâmico leva um sistema a uma condição de equilíbrio (termodinâmico), o processo de auto-organização associado pode ser considerado de natureza estática, isto é, no sentido de ter conduzido a um equilíbrio estático. Contudo podem existir outros processos que são considerados de natureza dinâmica, ou seja, processos nos quais as condições de equilíbrio não são atingidas; nesse caso o processo de auto-organização, associado a condições afastadas do equilíbrio termodinâmico, pode ser considerado de natureza dinâmica. Por exemplo, quando os sistemas são abertos ao meio-ambiente e existe um fluxo permanente de energia e entropia entre o sistema e o meio-ambiente, as condições de equilíbrio podem não ser atingidas. A contínua geração de entropia pelo sistema é dissipada, ou exportada, para o meio-ambiente. As estruturas formadas são as denominadas estruturas dissipativas. Nesses casos o processo de auto-organização associado é considerado de natureza dinâmica O sistema nessas condições fica dependente de uma fonte externa de energia para mantê-lo longe das condições de equilíbrio. Desse modo fica também mais sensível às condições existentes no meio-ambiente e com mais capacidade de reagir de modo dinâmico às influências, ou perturbações, de origem nesse meio-ambiente; e com mais capacidade de se controlar por meio dos mecanismos de retroação para manter o seu estado longe do equilíbrio. Quando a fonte de energia externa se extingue, a organização constituída no sistema, e caracterizada com uma estrutura denominada dissipativa, se desintegra para atingir a condição de equilíbrio estável. Conceitos Básicos de Sistemas Complexos 18. O estudo de sistemas complexos pode ser de interesse para diferentes áreas do conhecimento humano: das ciências exatas e tecnológicas às ciências biológicas e humanas. Esse estudo tem caráter interdisciplinar e permite conceber princípios e leis de aplicação geral, e caracterizar propriedades universais, para as diferentes áreas como, por exemplo: na física - as leis mecânicas (clássicas e quânticas) do processo dinâmico de movimento dos meios (sólidos e fluidos) discretos e contínuos; na biologia - as leis dos mecanismos celulares e moleculares dos processos dinâmicos de variação, seleção e evolução; na administração – as leis da sociologia no processo dinâmico burocrático; e na psicologia, no processo dinâmico das relações interpessoais e intrapessoais. 19. A complexidade de um sistema pode ser definida, com base no senso comum, como a característica do sistema se apresentar como sendo um conjunto de objetos interconectados (interconnected) e entrelaçados (interwoven). A diferença entre essas duas formas de relação entre os objetos pode contribuir para classificar um sistema como sendo simples ou complexo. A dificuldade para descrever o comportamento do sistema complexo reside no fato de se ter que descrever o comportamento de cada um dos objetos desse sistema e o comportamento das relações entre esses objetos (ver Bar-Yam (1997)). 20. Mas talvez uma definição mais completa seja a que considera a complexidade do sistema como a característica do sistema se apresentar como sendo um conjunto de objetos interdependentes (interdependent), não somente interconectados nem entrelaçados; pois essas duas últimas relações não caracterizam obrigatoriamente relações de interdependência que são fundamentais para a definição da complexidade do sistema. Uma verificação que se pode realizar é a retirada de uma parte do sistema; duas possibilidades podem ocorrer: primeira, as características da parte podem ou não ser afetadas, mas as do todo restante não são afetadas; segunda, as da parte podem ou não ser afetadas, mas as características do todo são afetadas - nesse último caso fica caracterizado um sistema complexo completo no sentido de que é afetado pela retirada de partes, pois existe interdependência entre as partes. 21. As características comuns e universais dos diferentes sistemas complexos podem ser as seguintes: qualidades dos objetos constituintes e número desses objetos; interação entre os objetos e a intensidade dessa interação; os processos de formação e operação do sistema e a escala tempo desses processos; a diversidade e variabilidade do sistema e as suas demandas; as atividades do sistema e seus objetivos. A identificação qualitativa dessas características é a primeira fase de um processo de modelagem do sistema. A segunda fase consiste na quantificação dessas características, para definir as propriedades do sistema. 22. Os objetos ou componentes de um sistema complexo podem ser por sua vez sistemas simples ou também sistemas complexos. Quando um sistema complexo decorre da interação de objetos com características individuais de sistemas simples, pode-se afirmar que ocorre uma emergência de complexidade. Quando um sistema simples decorre da interação de objetos com características individuais complexas, pode-se afirmar que ocorre uma emergência de simplicidade; um sistema coletivo, ou seja, constituído de mais de um objeto, pode apresentar a característica de complexidade em pequena escala, quando se considera cada objeto individualmente, e a característica de simplicidade em grande escala, quando se considera o todo constituinte do sistema. 23. O termo emergência é utilizado no sentido de emergência de características de comportamento do sistema. As características de comportamento do sistema não podem ser observadas a partir das características de comportamento individual dos objetos do sistema. O comportamento do sistema depende do comportamento coletivo dos objetos do sistema. Mas podem ocorrer emergências locais dentro do sistema que dependem do comportamento de parte dos objetos do sistema, como podem ocorrer emergências globais que dependem do comportamento do conjunto dos objetos do sistema. No estudo da complexidade em geral são tratadas as emergências globais, isto é, as características que decorrem do comportamento de todo o conjunto do sistema. 24. Como exemplo de emergência, podem ser consideradas as características do comportamento de um gás contido em um recipiente. Os objetos do sistema são as partículas (moléculas) de gás e os seus comportamentos individuais podem ser descritos pelas suas respectivas posições e velocidades. Mas as emergências globais, estudadas na termodinâmica, na forma de características emergentes, são a temperatura e a pressão do conjunto de partículas. Essas características não são determinadas a partir do conhecimento dos comportamentos individuais das partículas. Essas características decorrem do comportamento do conjunto das partículas. Contudo pode-se tomar uma pequena parte desse conjunto, e as mesmas características de temperatura e pressão estão presentes; assim sendo, elas são denominadas de características intensivas e características emergentes locais. 25. Para se definir a complexidade de um sistema e comparar a complexidade de um sistema com a de outro sistema, eventualmente indicando se a complexidade de um é maior que a do outro, não basta a caracterização qualitativa de complexidade, ou seja, há necessidade de se estabelecer critérios quantitativos de definição de complexidade do sistema. Na caracterização quantitativa do sistema complexo, ou seja, na definição quantitativa do grau de complexidade de um sistema pode-se tomar como base algumas teorias relacionadas à mecânica estatística e à teoria de informação. Por exemplo, considerando a teoria de informação pode-se afirmar de modo simplificado que a complexidade de um sistema é a quantidade de informação necessária para a sua descrição. Ou seja, supondo que um sistema possa assumir um determinado número de estados, pretende-se conhecer o estado no qual o sistema se encontra em um dado momento; o número de dígitos binários (bits) para especificar esse estado está relacionado ao número de estados possíveis que possam ser assumidos. Para especificar o estado há necessidade de enumerar os estados e, assim sendo, se requer tantos números quantos estados possíveis. 26. Quatro questões podem ser formuladas para a caracterização do sistema complexo: 1ª.- Quais são as estruturas de um sistema complexo (e particularmente as eventuais subestruturas que se estendem além do sistema)? 2ª. – Quais os tempos ou períodos de ocorrência dos processos dinâmicos de um sistema complexo (e particularmente o tempo de resposta de processos de mudanças estruturais diante da influência do meio-ambiente do sistema)? 3ª. - Quais os processos (de organização projetada ou de auto-organização) que dão origem ao sistema complexo? 4ª. - Como podem ser caracterizados os diferentes graus de variedade de complexidade? (ver Bar-Yam (1997)) Conceitos de Sistemas Dinâmicos Caóticos e Sistemas Térmicos 27. Inicialmente cabe lembrar que os conceitos a seguir descritos, já foram, em parte, apresentados anteriormente e novamente utilizados para completar a explicação. O caos é um conceito matemático, mas é pouco estudado pelos físicos, e a razão principal é que eles se dedicam mais a outros temas, como a mecânica quântica e a relatividade (segundo Baranger (2007)). Há trezentos anos, com Newton e Leibniz, surge o denominado cálculo matemático (integral e diferencial); o cálculo permite a análise matemática não somente de figuras geométricas planas e espaciais regulares (linha reta, parábola, círculo, elipse, esfera, elipsóide, etc.), mas de figuras geométricas de qualquer forma desde que apresentem as características de continuidade e suavidade, ou seja, não apresentem a interrupção na forma e não apresentem mudança brusca de forma (por exemplo, como no encontro de duas retas). O procedimento é o seguinte: suponha a existência de uma curva qualquer irregular (mas suave), divida a curva em segmentos, represente cada segmento por uma reta tangente em um ponto médio, aumente o número de segmentos, e no limite (para um número suficientemente grande de segmentos), o conjunto de pontos tangentes com as linhas retas representa a curva dada; esse é o conceito básico do cálculo, analisar curvas planas ou figuras espaciais desde que sejam suaves, ou seja, possam ser representadas por funções matemáticas suaves. Em decorrência desse conceito básico, surge a análise matemática; ela se ocupa de diversos tipos de funções e equações (integrais, diferenciais, séries), permitindo a solução determinista e quantitativa de muitos problemas da física e da matemática. A relatividade e a mecânica quântica se apóiam decididamente na análise matemática. Mas a teoria do caos procura resolver outros problemas e não utiliza somente a análise matemática (ver Baranger (2007)). 28. Os conceitos de caos e de complexidade estão associados, e é a partir de 1970 que o assunto ganha interesse maior. O caos pode ser considerado no espaço e no tempo. Inicialmente pode-se descrever o conceito de caos no plano. Um objeto que é considerado caótico no plano pode ser um fractal. A figura fractal é uma figura que não se apresenta de forma simples, na medida que se amplia a sua observação em partes cada vez menores, e que não apresenta as características de suavidade e, em alguns casos, de continuidade como no Conjunto de Cantor, Triângulos de Sierpinski e Conjunto de Mandelbrot. Nos dois primeiros, à medida que são observadas partes cada vez menores as figuras formadas são auto-semelhantes, o que não ocorre no terceiro, de natureza muito mais elaborada. Os fractais não são somente construções geométricas artificiais, mas ocorrem também na natureza, como é de conhecimento comum. Na física das partículas elementares, que utiliza tradicionalmente a análise matemática, o processo de observação ampliada tem revelado a existência de partículas que em seu conjunto têm as características de fractais; o átomo pode ser representado por um fractal com um certo grau de autossemelhança. 29. O conceito de caos pode também ser descrito no tempo. Para tal inicia-se definindo o conceito de sistema dinâmico como o sistema cuja configuração muda com o passar do tempo; esse sistema pode ser representado por equações de movimento e por algumas variáveis, contínuas ou discretas, sendo uma delas obrigatoriamente o tempo. Um determinado conjunto de valores, que podem ser assumidos pelas variáveis, determina o que se denomina espaço de fases do sistema; uma situação atual de um sistema é representada no estado de fases por um ponto; à medida que decorre o tempo, o ponto se movimenta no espaço de fases segundo uma trajetória (ou órbita); a equação de movimento permite calcular a posição do ponto em cada instante, conhecendo a posição inicial do ponto ou as condições iniciais; e se é possível calcular a trajetória pode-se afirmar que se tem a solução da equação de movimento. A trajetória no sistema dinâmico caótico é muito sensível às condições iniciais; as trajetórias a partir de duas posições iniciais muito próximas podem evoluir de forma totalmente separadas e divergentes. Na mecânica clássica o oposto à característica de sensibilidade (às condições iniciais) é a integridade (às condições iniciais), ou seja, um sistema íntegro pode ser exemplificado com um sistema periódico, ou seja, por um sistema com variáveis que variam periodicamente com o tempo (como o sistema de gravitação celeste ou o sistema de oscilação harmônica). 30. A conexão entre o caos espacial e o caos temporal é muito próxima em um sistema dinâmico caótico. Por exemplo, considere o caso do sistema ter um espaço de fase na forma de uma esfera, nas condições iniciais; com a evolução das trajetórias no espaço de fase, no decurso do tempo, a forma inicial de esfera se altera assumido a forma de um fractal: o sistema dinâmico caótico é uma ‘máquina de fabricação’ (expressão de Baranger, op.cit.) de fractais, e cada conjunto de figuras fractais pode ser considerado como proveniente de um sistema dinâmico caótico. 31. A conexão entre sistema dinâmico caótico e sistema complexo também é muito próxima. Nos dois casos, os sistemas são não lineares. O sistema linear é expresso por equações de movimento que não contêm expoentes (maiores que o número 1) nas variáveis; essas equações apresentam soluções exatas; e muitos fenômenos são modelados com equações lineares, ou com aproximações de comportamento linear para facilitar a solução. Mas não é o caso dos sistemas dinâmicos caóticos e nem dos sistemas complexos. Os sistemas complexos podem ser ou podem conter, em alguns casos, sistemas dinâmicos caóticos; mas os primeiros podem ser identificados em diferentes escalas, enquanto os segundos são comumente identificados em escalas de menor tamanho. 32. Os sistemas complexos podem ter diferentes definições. E nessas definições pode-se verificar que comumente esses sistemas são apresentados como tendo as seguintes características: os sistemas complexos são constituídos de muitos objetos; os objetos constituintes dos sistemas complexos são interdependentes (os sistemas simples podem ser subtraídos de alguns de seus objetos constituintes sem que ocorram modificações expressivas); os sistemas complexos possuem organizações diferentes para as diferentes escalas de consideração; os sistemas complexos podem produzir comportamentos emergentes. E nos sistemas complexos podem coexistir condições de comportamentos caóticos e não-caóticos, mas cabe destacar que os sistemas caóticos podem ser constituídos de poucos objetos. 33. A emergência pode ser verificada nas condições de observação em uma escala maior (ou seja, com menor ampliação), mas pode não ser verificada em uma escala menor (ou seja, com maior ampliação). Em outras palavras, as atividades isoladas dos objetos de um sistema (observação em escala menor) podem não apresentar as características de comportamento emergente; mas esse comportamento pode ser verificado (observação em escala maior) nas atividades globais do sistema que é constituído por esses objetos. A emergência pode assim ser considerada como uma característica do sistema que pode ser observada, ou não, dependendo da escala de observação. 34. O fenômeno de auto-organização é um exemplo de emergência no sistema, no qual se observa a criação de uma nova organização ou a mudança de uma organização existente, de um modo parcial ou global no sistema (como já foi mencionado). Particularmente, sistemas complexos adaptativos são sistemas que modificam a sua organização para se adaptar às condições dinâmicas do meio-ambiente, podendo também exercer influência e modificar o meio-ambiente; e ainda, sistemas auto-reprodutivos são sistemas com nascimento, crescimento e morte com características de sistemas complexos adaptativos. 35. Retomando a explicação da conexão entre sistemas complexos e sistemas dinâmicos caóticos, algumas vezes é citada na literatura que a complexidade surge no limite do caos; mas essa afirmação exige uma explicação: a maior parte dos sistemas dinâmicos não lineares, em algum estágio de seu desenvolvimento, podem apresentar comportamento caótico, dependendo do nível do denominado parâmetro de controle; ou seja, para alguns valores desse parâmetro o comportamento pode ser caótico, e para outros pode não ser caótico; o valor do parâmetro, no qual o comportamento muda, de um comportamento não-caótico para um caótico, é considerado um ponto crítico, como ocorre na transição de fases em sistemas físicos (por exemplo, na mudança do estado sólido para o líquido, ou vice-versa). 36. Os comportamentos de competição e cooperação em um sistema também são atividades cujas verificações podem depender da escala de observação. Em muitos sistemas (por exemplo, sistemas vivos) pode-se observar a competição entre os objetos constituintes (observação em escala maior), e a cooperação entre esses mesmos objetos quando são observados (em escala menor) no conjunto de suas atividades no sistema, no qual são partes constituintes. 37. No estudo dos sistemas complexos estão também presentes as considerações das teorias da mecânica estatística e da termodinâmica, com as primeiras procurando as explicações propostas pelas segundas. Essas explicações se referem, entre outros fenômenos, aos comportamentos organizados e desorganizados da energia (o comportamento desorganizado da energia é denominado de calor nos estudos de física e química). A primeira lei da termodinâmica afirma que toda a energia organizada ou desorganizada de um sistema (isolado) se conserva, ou seja, o seu valor numérico se mantém ao longo do tempo. 38. A segunda lei da termodinâmica contudo pode ter diferentes enunciados, e entre eles aquele que menciona a característica de entropia do sistema; a entropia pode ser considerada como uma medida quantitativa da desorganização da energia; e a segunda lei pode ser enunciada de um modo que compara a organização e a desorganização da energia, quando se refere à evolução com o tempo de um sistema isolado (ou seja, que não troca energia com o meio-ambiente): a evolução espontânea ao longo do tempo de um sistema isolado não pode ter diminuição de entropia (ou seja, aumento de organização); a entropia sempre aumenta com a evolução espontânea até que o sistema atinja a condição de equilíbrio, e, nesse caso, a entropia é máxima e se mantém constante; essa evolução é um fenômeno irreversível. Em outras palavras mais simples, um sistema não pode aumentar a sua organização sem ajuda externa. 39. Como conciliar o comportamento irreversível do sistema termodinâmico com comportamento reversível do sistema mecânico? Por que o comportamento caótico é importante para a existência da segunda lei da termodinâmica? O denominado ‘caos dissipativo’ pode estar presente em sistemas dissipativos, ou seja, em sistemas que não conservam energia, ao contrário do denominado ‘caos conservativo’ que pode estar presente nos sistemas que conservam a energia. O caos conservativo conduz à formação de atratores de formatos regulares e o caos dissipativo à formação de atratores de formatos irregulares, denominados atratores estranhos. Nos dois casos pode se ter o atrator com a forma fractal, mas atrator não se conceitua somente em sistemas dissipativos? Essas questões serão respondidas em outro trabalho (ver Baranger, op.cit.) 40. O sistema termodinâmico é constituído de muitos objetos e não se pode obter uma distinção entre energia (calor) organizada e desorganizada. E assim sendo, no espaço de fases não se consegue determinar exatamente o ponto que representa um determinado estado do sistema, mas é possível estimar a posição desse ponto por meio de uma distribuição de probabilidade; ou seja, em algumas regiões no espaço de fases a probabilidade de encontrar o ponto referido é grande e em outras é pequena ou nula, de acordo com um determinado tipo de distribuição de probabilidade. 41. O estado do sistema pode ser representado por um número que se pode denominar ‘quantidade de informação do estado do sistema’. Se a distribuição de probabilidade pelo espaço de fases do sistema é uniforme, considera-se que não se conhece nada e essa quantidade de informação é nula. Mas se o espaço de fase se apresenta dividido em duas partes, cada uma considerando um determinado estado diferente, a quantidade de informação é igual a um bit (usando uma denominação da ciência da computação). Continuando a divisão do espaço de fases, agora em um número de partes cada vez maior pode-se expressar a quantidade de informação na forma de uma equação (na forma de uma equação logarítmica), e essa quantidade de informação pode ser igualada à entropia (com sinal negativo) mais uma constante (com sinal positivo); e nesse caso, a entropia é considerada como uma quantidade que expressa a falta de informação; tanto a quantidade de informação como a entropia são variáveis adimensionais. Quando se sabe apenas que um ponto representando o estado do sistema está em um determinado volume no espaço de fase, mas não se sabe qual a posição desse volume, esse ponto pode ser qualquer um entre os muitos pontos possíveis; esse grande número de possibilidades é medido por uma quantidade denominada de entropia (informacional), e essa quantidade é uma medida da desorganização. Como essa entropia evolui ao longo do tempo e como associar essa evolução a um comportamento caótico? Essa é uma questão a ser respondida em outro trabalho, contudo algumas indicações de desenvolvimento dos argumentos são dadas a seguir (com base em Schlögl & Beck (1997)) 42. A caracterização quantitativa do movimento caótico por meio da termodinâmica e da análise termodinâmica dos conjuntos ‘multifractais’ faz parte da ciência dos sistemas dinâmicos não lineares e tem muitos campos de aplicação. Os conceitos de termodinâmica são usados para a análise de sistemas dinâmicos não lineares estabelecendo métodos de análise para esses sistemas; e assim sendo é possível estabelecer paralelos entre esses métodos e aqueles da mecânica estatística convencional. De um modo geral na física estatística, e em particular na mecânica estatística, procura-se descrever convencionalmente os sistemas que apresentam comportamentos ‘quasi-estocásticos’ (comportamento próximo daquele determinado pelas leis da probabilidade) por meio de equações determinísticas. 43. Inicialmente (final de Século XIX) admitia-se que a condição necessária para a descrição de um comportamento ‘não preditivo’ (imprevisível) (unpredictable) (comportamento quasi-estocástico de longo tempo, ou seja, comportamento que pode ser descrito apenas por meio da estatística) era considerar o sistema com um grande número de graus de liberdade (por exemplo, observar microscopicamente a trajetória, no espaço de fases, correspondente ao movimento aleatório de uma simples molécula de gás). E era comum denominar esse comportamento como sendo caótico. Posteriormente (no decorrer do Século XX) os estudos de sistemas dinâmicos não lineares com comportamento caótico evoluíram e se tornaram mais conhecidos. 44. Um sistema dinâmico é descrito por uma equação determinística de evolução no tempo de modo contínuo ou discreto (como já se mencionou). Na descrição da evolução no tempo de modo contínuo a equação é uma equação diferencial e de modo discreto a equação é uma relação recursiva (iterativa) (a situação posterior depende da situação anterior). Na descrição de sistema dinâmico caótico pode ser adotado o modo de evolução discreta do tempo denominado ‘mapa’ (map). O mapa é uma lei de evolução no tempo expresso pela equação recursiva, e permite que se estude de modo mais simplificado o comportamento caótico, por meio de métodos de cálculo analíticos e numéricos. 45. Desse modo, cada estado pode ser caracterizado por um conjunto de (n) variáveis que pode ser representado por um ponto (com n dimensões) no espaço de fases. E dado um ponto inicial (x0) pode-se obter os pontos seguintes (x1, x2 ...) para determinar a trajetória, por meio de relação recursiva. Contudo, para a determinação de trajetórias muito longas, como regra geral, não é possível adotar métodos de cálculo analíticos, mas sim numérico-computacionais. Além disso, os denominados mapas caóticos (trajetórias de sistemas dinâmicos com comportamento caótico) são muito sensíveis às condições iniciais, ou seja, se a condição inicial representada pelo ponto (x0) é conhecida com uma precisão menor, somente é possível calcular a trajetória com determinação e predição para um tempo também menor. A partir dessa situação, a descrição somente pode ser estatística; ou seja, somente se pode determinar a posição de cada ponto, subseqüente na trajetória, por meio de uma distribuição estatística dessa posição, e isso caracteriza uma região de distribuição estatística da posição desse ponto no espaço de fases. 46. Mas a determinação dessa região nem sempre é uma tarefa simples. Para um mapa caótico genérico a distribuição de probabilidade pode ser muito complicada: em muitos pontos do espaço de fases as densidades de probabilidades podem ser diferentes determinando o que se pode denominar de um espectro de singularidades; o conjunto de pontos no espaço de fases que atrai as trajetórias (denominado atrator) tem uma estrutura fractal; em algumas regiões do espaço de fases , dependendo da sensibilidade às condições iniciais, podem crescer mais rapidamente que outras com a evolução do tempo. Assim sendo, a teoria dos sistemas caóticos tem por tarefa encontrar uma forma para descrever esse comportamento. E para tal, têm sido utilizadas técnicas análogas às utilizadas na termodinâmica convencional, com a denominação de ‘formalismo termodinâmico de sistemas dinâmicos’; essas técnicas são particularmente aplicadas para a análise de conjuntos fractais, de um modo geral com a denominação de ‘termodinâmica de multifractais’, que permite a construção dos mapas citados anteriormente. 47. O formalismo termodinâmico, portanto, é usado para analisar o comportamento complexo gerado por um sistema dinâmico não linear utilizando métodos da mecânica estatística. Mas o uso da termodinâmica não é devido a uma dimensão elevada no espaço de fases, como ocorre na mecânica estatística tradicional, pois a dimensão do espaço de fases no mapeamento de sistemas caóticos é muito pequena, ou seja, normalmente não maior do que 3 (três); mas sim é devida à complexidade típica dos sistemas não lineares; ou seja, não se pretende conhecer os detalhes da complicada distribuição de probabilidade no espaço de fases, mas apenas algumas características passíveis de serem quantificadas como, por exemplo, a dimensão fractal. E para analisar o comportamento caótico de modo quantitativo, são utilizados os conceitos da termodinâmica, particularmente o conceito de entropia que já é usado na teoria estatística e na teoria da informação. Mas analogicamente outros conceitos são também usados como os de temperatura, pressão e energia livre. 48. Portanto, alguns dos principais tópicos que podem ser estudados são: (1) Conceitos básicos da teoria de sistemas dinâmicos não lineares relevantes para estudo de sistemas caóticos: mapas, atratores, densidade de probabilidade invariante, partição de espaço de fases e técnica da dinâmica simbólica. (2) Análise estatística dos sistemas caóticos, utilizando os conceitos básicos de teoria de informação e de termodinâmica que são relevantes para estudo desses sistemas caóticos: análise de distribuições complicadas e possivelmente distribuição fractal de probabilidade, que podem ser geradas pelo mapeamento caótico apresentado em termos de densidade de probabilidade invariante com a presença de atratores; estudo de distribuições que apresentam a mesma estrutural formal das distribuições canônicas generalizadas da termodinâmica, estudo dos fractais e multifractais (fractais distribuição de probabilidade), e utilização do conceito de energia livre associado a funções de partição. (3) Análise dinâmica dos sistemas caóticos, ou seja, análise da evolução com o tempo desses sistemas caóticos, na qual são estudados eventos como: relações iterativas em subconjuntos (células) no espaço de fases, ocorrência de sequências completas de células em trajetórias, ocorrência de determinados índices de expansão local de objetos de pequenos volumes no espaço de fase; índices que caracterizam os sistemas dinâmicos associados às densidades de energia livre da termodinâmica. Esses temas serão tratados em outro trabalho. Conceitos de Modelagem Sistemas Dinâmicos e Complexos 49. O modelo matemático do sistema dinâmico é a representação matemática simplificada desse sistema que permite descrever e avaliar a sua evolução com o tempo. Existem diferentes tipos de sistemas dinâmicos que são estudados em muitas áreas de conhecimento como na física, biologia, sociologia, engenharia e economia. Muitos sistemas dinâmicos considerados complexos apresentam algumas características típicas: são constituídos de muitos objetos (elementos, agentes etc.); apresentam emergências na forma de comportamentos dinâmicos, em alguns casos auto-organizados, que não podem ser antecipadas a partir da análise dos comportamentos dos objetos individuais; e quando os comportamentos dinâmicos são auto-organizados não resultam da presença de um objeto central que controla esses comportamentos. “The appearance of emergent properties is the single most distinguishing feature of complex systems” Boccara (2004) 50. Um modelo simples deve contemplar na sua concepção os elementos principais do sistema dinâmico, por exemplo: o modelo simplificado de aumento da população é um modelo que permite determinar o aumento de população ao longo do tempo em uma dada área geográfica; nesse modelo não estão considerados, por exemplo, os índices de reprodução, mortalidade, imigração e emigração. Para aprimorar o modelo de evolução de uma população deve-se considerar que: (1) cada organismo vivo deve ter pelo menos um genitor do mesmo tipo; (2) existe um limite superior de número de organismos que podem ocupar um certo espaço físico (espaço finito) devido aos efeitos limitantes do meio –ambiente. O modelo que atende essas condições é o denominado modelo logístico , que considera uma taxa de aumento de população e uma capacidade de se manter que corresponde ao tamanho da população que o meio-ambiente pode suportar (limitação de alimentação). Esse modelo pode também contemplar a ação de predadores com a inclusão de um novo termo na equação que corresponde à redução do aumento da população. 51. Um sistema dinâmico (representado matematicamente como sistema de equações não lineares) pode ser apresentado por meio de uma lei de evolução que permite determinar o estado do sistema em um dado tempo conhecendo o estado do sistema em um dado tempo anterior. Os estados podem ser representados no denominado espaço de fase, ou diagrama de fase, e o tempo de evolução pode ser considerado de modo contínuo ou discreto. Um exemplo clássico de sistema dinâmico físico é o do oscilador ou movimento harmônico simples, que pode ser ilustrado pelo dispositivo denominado pêndulo simples , e o espaço de fases é preenchido com os valores das posições representadas pelos ângulos de inclinação do pêndulo, a partir da posição de equilíbrio, e das velocidades angulares do pêndulo nessas respectivas posições (para completar a descrição desse dispositivo, e de outros mais, ver Bresciani F. & D’Ottaviano (2004)). 52. Um dos modelos de estudo de dinâmica populacional é aquela correspondente a duas espécies com relações de ‘presas’ e ‘predadores’ que apresentam, algumas vezes, oscilações de populações acopladas, mas defasadas. Cabe destacar que esses modelos de dinâmica populacional podem ter aplicações no estudo de outros fenômenos nos quais estão presentes ações de cooperação e de competição, que caracterizam algumas vezes os fenômenos auto-organizados. 53. O modelo mais simples é representado pelas equações de Lotka-Volterra (1925,1926) (apud Boccara (2004), p.17) . Nesse modelo a ausência de ‘predadores’ leva a um aumento populacional de ‘presas’ ; e a ausência de ‘presas’ conduz a uma redução populacional de ‘predadores’ até a extinção; como resultado das interações ‘presas’ e ‘predadores’, as respectivas populações diminuem ou aumentam em taxas proporcionais às freqüências dos encontros entre eles, com as populações podendo atingir um ponto de equilíbrio com estabilidade assintótica com o passar do tempo; o conjunto de trajetória no espaço de fases (indicando os níveis das populações de ‘predadores’ e de ‘presas’) assume a aparência de uma figural oval, ou seja, de órbitas fechadas; nesse caso, pode-se demonstrar que (como no caso do movimento harmônico do pêndulo) as populações das duas ‘espécies’ oscilam, segundo uma curva senoidal, com o passar do tempo, com uma certa defasagem entre os pontos de máximo (e de mínimo); essa oscilação é conhecida como variação cíclica das populações de ‘espécies’. 54. Cabe destacar, contudo que essas equações precisam ser modificadas nos estudos ecológicos mais realistas (e em estudos de economia e de outras áreas do conhecimento) pois outros fatores devem ser considerados. Como por exemplo: competição entre indivíduos da mesma ‘espécie’, relações entre a taxa de consumo dos ‘predadores’ e a densidade de ‘presas’, eficiência de transformação de alimentação extra em predadores extras, densidade das populações dependentes do espaço, defasagem de resposta de cada população às mudanças, e consideração do tempo como uma variável não contínua. Em alguns casos, as trajetórias no espaço de fase podem assumir outras formas (como, por exemplo, de uma espiral crescente a partir de um ponto central) e as oscilações das populações podem se apresentar como curvas senóides decrescentes com o tempo. Considerações da presença de perturbações ou flutuações do meio-ambiente, na estabilidade do sistema, também devem ser consideradas em alguns casos. 55. Como exemplo de aplicação do modelo do Sistema Dinâmico ‘Presa & Predador’ pode-se utilizar o NetLogo Wolf Sheep Predation (System Dynamics) Model (WILENSKY, 2005) . Neste modelo considera-se um ecossistema simples com base nas equações de Lotka-Volterra, que conforme, foi mencionado, é um par de equações diferenciais, de primeira ordem, não linear que descreve a dinâmica de sistemas biológico nos quais duas espécies interagem. Em cada etapa da evolução das populações de presas e predadores o valor do fluxo de nascimentos de ‘presas’ é adicionado ao estoque de ‘presas’; o valor do fluxo de mortes de ‘presas’ é subtraído do estoque de ‘presas’; e ele é realizado com o fluxo de nascimentos, mortes e estoque de ‘predador’. São consideradas as seguintes quantidades: (a) taxa de nascimento de ‘presas’ influenciando o nascimento de ‘presas’; o nascimento de ‘presas’ aumentando o estoque de ‘presas’; o estoque de ‘presas’ influenciando o nascimento e a morte de ‘presas’; (b) a eficiência do ‘predador’ influenciando o nascimento de ‘predadores’; o nascimento de ‘predadores’ aumentando o estoque de ‘predadores’; o estoque de ‘predadores’ influenciando o nascimento e a morte de ‘predadores’; a taxa de morte de ‘predadores’ influenciando a morte de ‘predadores’; (c) a taxa do ‘ato predatório’ influenciando o nascimento de ‘predadores’ e a morte de ‘presas’; estoque de ‘predador’ influenciando a morte de ‘presas’. 56. No modelo de epidemia de Kermack & McKendrick (1927) (apud Boccara (2004), p.45) , estuda-se a disseminação de infecção em uma população. A população é dividida em três grupos de indivíduos distintos: os indivíduos suscetíveis que são capazes de contrair a doença e tornarem-se infectados; os indivíduos infectados que são capazes de disseminar a doença para outros indivíduos; indivíduos removidos que tiveram a doença e morreram; indivíduos se recuperaram e ficaram imunes, ou mantidos isolados até que se recuperem e fiquem imunes à doença. A infecção e a remoção são governadas pelas seguintes três regras - Regra 1: a taxa de mudança na população suscetível é proporcional ao número de contatos entre indivíduos suscetíveis e infectados, ou seja, é proporcional ao produto de número de indivíduos suscetíveis e de indivíduos infectados (o modelo ignora o período de incubação); Regra 2: os indivíduos infectados são removidos segundo uma taxa proporcional ao número de indivíduos infectados; Regra 3: o número total de indivíduos (suscetíveis, infectados, e removidos) é considerado constante (o modelo ignora nascimentos, mortes por outras causas, imigração, emigração e outros fatores de mudança populacional). Pode-se verificar, com esse modelo, que a população de indivíduos suscetíveis decresce com o passar do tempo (curva logarítmica), e de indivíduos infectados cresce até um certo tempo e depois passa a decrescer também (curva na forma de sino não simétrico). 57. Como exemplo de aplicação do modelo de Sistema Dinâmico ‘Epidemia’ pode-se utilizar o NetLogo Virus Model (WILENSKY, 1998). Neste modelo são utilizadas as informações contidas no trabalho de Yorke (apud Wilensky,1998), com as quais busca-se estudar a transmissão e a perpetuação de um vírus em uma população humana; a população é considerada em três grupos: população saudável e suscetível à infecção, população doente e infectada, e população saudável e imune. Neste modelo considera-se que os indivíduos podem morrer de infecção ou de velhice, e quando a população cai abaixo de um determinado nível (capacidade de ‘carrying’ do meio ambiente), a população saudável pode reproduzir descendentes saudáveis e suscetíveis. A densidade da população influencia a freqüência de contato entre os indivíduos (infectados, imunes e suscetíveis). A troca de população (ou evolução da população) ocorre com a morte de indivíduos infectados, ou imunes ou suscetíveis; todos os indivíduos que nascem substituem aqueles que morrem, e se tornam ao nascer suscetíveis. Alguns indivíduos se recuperam e outros morrem pela idade avançada (no modelo a idade avançada é de apenas 27 anos!). A taxa de reprodução é considerada constante, e todo o indivíduo saudável tem a oportunidade de reproduzir (no modelo quatro vezes até completar 27 anos!). O grau de imunidade corresponde aos indivíduos que são infectados e que se recuperam até o fim da vida; mas em alguns casos a imunidade não é absolutamente segura (no modelo é assegurada a imunidade). O grau de infecção, ou de transmissão da doença para outros indivíduos, depende da velocidade de dispersão do vírus que está associada ao nível de contatos entre esses indivíduos; alguns vírus precisam de contatos mais íntimos e freqüentes entre os indivíduos para serem transmitidos. A duração da infecção corresponde ao tempo em que o indivíduo infectado se recupera ou morre; e esse tempo pode proporcionar maior ou menos oportunidade de transmissão do vírus para outro indivíduo. 58. Nos modelos de sistemas dinâmicos de campo médio (mean-field type models) são utilizadas quantidades médias das variáveis envolvidas, não são tratadas as correlações (de espaço) entre os atores (elementos, agentes) do sistema, e as interações locais entre os atores são consideradas como uniformes no longo prazo. Ou seja, as interações entre os atores não são tratadas e o objetivo é conhecer a evolução de quantidades médias de atores (populações) e a variação de densidade desses atores (densidade de populações) ao longo do tempo, sendo que cada espécie de atores é considerada como homogeneamente distribuídas no espaço físico ocupado por elas. Nos casos em que a variável de espaço é considerada (por meio de equações diferenciais parciais), admite-se que a densidade de população é uma função do espaço suave (admite o cálculo da derivada parcial) e o elemento de volume do espaço contém muitos atores (a serem definidos). Em geral, esses modelos são expressos matematicamente com equações diferenciais e com equações de recorrência. Contudo são modelos simplificados dos sistemas dinâmicos, mas podem ser úteis para a compreensão de sistemas dinâmicos com muitos agentes (elementos, atores) (ver Boccara, op.cit.). 59. Nos modelos baseados em agentes (agent-based models) considera-se a distribuição espacial dos agentes (atores, elementos). Esses modelos são formulados em termos de redes de autômatos, que é um sistema dinâmico completamente discreto, e que consiste em grafos no qual cada vértice (ou nó) do grafo assume um estado segundo um conjunto finito de valores; o estado do vértice muda com o tempo de acordo com uma regra que depende dos estados dos outros vértices vizinhos do grafo. Um grafo é um conjunto de vértices (ou nós) unidos por um conjunto de arestas (ou arcos), sendo que um arco não une obrigatoriamente a vértices distintos. Por exemplo, no modelo de sistema dinâmico de epidemia, o estado do vértice (local) pode ser indicado pelos números (apenas símbolos) 0, 1 ou 2, sendo: 0 para um local vazio; 1 para o local com um indivíduo suscetível; e 2 para o local com um indivíduo infectado. Os critérios para o desenvolvimento de modelos, segundo estes conceitos, será objeto de outro estudo (ver Boccara, op.cit.). Considerações sobre Modelagem dos Sistemas com Auto-Organização 60. Convém, neste ponto, recuperar a definição de auto-organização: a auto-organização se caracteriza como um processo interno, autônomo, espontâneo e recorrente de mudança da organização ou de criação de organização, no qual pode-se identificar as propriedades de autonomia nas atividades de objetos internos e das suas relações, a presença do círculo recorrente no processo e a participação de forças de competição e cooperação (ver Bresciani F. & D’Ottaviano (2000)). No processo de auto-organização a formação de novas estruturas e funcionalidades, que conferem determinadas características de comportamento do sistema, não decorre de uma imposição de um agente externo ao sistema, mas da ação interna autônoma dos objetos constituintes do sistema em interrelação com o meio-ambiente. O fenômeno de auto-organização é um exemplo de emergência no sistema, e a emergência de novas estruturas e funcionalidades pode ser facilmente observada tanto nas condições naturais do mundo real circundante como nas condições artificiais de laboratório. Particularmente, sistemas dinâmicos complexos adaptativos são sistemas que modificam a sua organização para se adaptar às condições dinâmicas do meio-ambiente, podendo também exercer influência e modificar o meio-ambiente; e ainda, sistemas auto-reprodutivos são sistemas com nascimento, crescimento e morte com características de sistemas dinâmicos complexos adaptativos. 61. A propriedade de participação de forças de competição e cooperação pode se manifestar nos modos de comportamentos de competição e cooperação entre os objetos do sistema. Entretanto, a verificação desses comportamentos pode depender da escala de observação. Em muitos sistemas (por exemplo, sistemas vivos) pode-se observar a competição entre os objetos constituintes (observação em escala maior), e a cooperação entre esses mesmos objetos quando são observados (em escala menor) no conjunto de suas atividades no sistema, no qual são partes constituintes. 62. A identificação da presença de processos de auto-organização nos sistemas estudados neste texto (representados pelos modelos de presa-predador e de epidemia), pode ser feita respondendo as seguintes questões: (1) O processo verificado é apenas interno ao sistema? (2) O processo é autônomo? (3) O processo é recorrente? (4) Surge uma nova organização ou a mudança da organização ao longo do desenvolvimento do processo? (5) Quais são as forças de competição? (6) Quais são as força de colaboração? 63. Considerando o processo contido no sistema dinâmico das relações ‘presa e predador’ verifica-se que o processo é interno, ou seja, é restrito à área onde convivem presas e predadores; o processo é autônomo pois não existe uma força externa controlando as ações de presas e predadores; o processo é recorrente no sentido de que o crescimento de número de presas é controlado pelo número de predadores atuantes, e o número de predadores é controlado pelo número de presas disponíveis; a cada instante ocorre uma nova organização caracterizada pela distribuição de presas e predadores na área de convivência mantendo as relações decorrentes das respectivas necessidades de sobrevivência; as forças de competição se caracterizam pelas ações dos predadores e das presas para a manutenção de suas respectivas existências, predadores se alimentando de presas e se reproduzindo para manter a sua espécie, e presas se alimentando de vegetais e se reproduzindo, no mesmo espaço dos predadores, para manter a sua espécie. Mas como identificar as forças de cooperação? As forças de cooperação, se manifestam indiretamente, e podem ser assim consideradas: as ações dos predadores para reduzir o número de presas que não pode ultrapassar a disponibilidade de alimento na forma de vegetais; e as presenças das presas se constituindo em alimentação de predadores, que com a diminuição de seu número, pela ação dos predadores, também provocam a diminuição desses predadores, com a existência equilibrada das respectivas espécies. 64. Considerando o processo contido no sistema dinâmico de ‘epidemia’ verifica-se que o processo é interno, isto, é restrito de uma determinada população; o processo é autônomo pois não existe uma força externa controlando a transmissão e perpetuação do vírus na população; a cada instante ocorre uma nova distribuição de população segundo os três grupos, ou seja, população saudável e suscetível à infecção, população doente e infectada, e população saudável e imune; as forças de competição se caracterizam pela ação do vírus que infecta a população e pela ação de imunização que ocorre na população. Mas como identificar as forças de cooperação? As forças de cooperação se manifestam indiretamente, e se caracterizam pelas ações dos vírus que permite a imunização de parte da população, permitindo a reprodução e a manutenção da existência dessa população. Referências BAR-YAM, Y., Dynamics of Complex Systems. Readings (Massachusetts): Addison-Wesley, 1997, 849p. 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