terça-feira, 20 de dezembro de 2022

Ameríndios A modernidade entre teólogos, colonos e piratas

1. No século XVI, a submissão dos indígenas americanos e a questão de sua conversão a uma religião que se pretendia universal, única e verdadeira, abalou os cimentos da Igreja e do próprio cristianismo. A catástrofe humana provocada no continente “descoberto” não demorou muito para ser percebida como tal nas metrópoles: a conquista da América, que chegou a ser celebrada como a maior empresa de “civilização” da história,[i] supôs a destruição de populações inteiras de nativos. Dobyns estimou que, nas principais regiões da atual América Latina, 95% da população indígena (32,5 milhões de pessoas) foi exterminado;[ii] uma empresa diante de cujo horror a própria Igreja Católica recuou da sua intenção inicial de canonizar Isabel de Castela (chamada de “a Católica” por especial licença papal) e Cristóvão Colombo. Em outra ordem de coisas, a conquista também pôs a questão do direito ao butim obtido do saque colonial pelas potências colonizadoras, gerando múltiplos conflitos, regulares e irregulares, entre elas. O Direito Internacional Público nasceu no meio a uma série de confrontos bélicos nos sete mares por esse butim, nos séculos XVI e XVII, que um historiador (Charles R. Boxer) não vacilou em qualificar como a primeira guerra de alcance mundial. Os primeiros episódios da controvérsia acerca do estatuto dos colonizados tiveram por teatro a Espanha, primeira potência colonizadora nas Américas.[iii] Houve um definidor debate, em 1550, em Valladolid, na sequência de inúmeras denúncias de maus-tratos aos indígenas americanos realizadas pelos missionários dominicanos. Realizado no Colégio de San Gregorio, foi um debate moral e teológico sobre a conquista das Américas – que havia sido justificada com a necessidade de conversão dos povos indígenas ao catolicismo – pondo em discussão as relações entre os colonos europeus e os indígenas do Novo Mundo. Segundo um de seus protagonistas, o destacado teólogo Juan Ginés de Sepúlveda, os índios não tinham alma, não eram, portanto, passíveis de salvação, não eram filhos de Deus, o que autorizava sua escravização. Sepúlveda, autor de uma História de Carlos V, era hostil ao reformismo luterano (mas admitia algumas ideias de Erasmo) e se encontrava no centro de reforma religiosa espanhola “concebida e aplicada de cima para baixo graças a um plano realizado em colaboração entre a Igreja e o Estado, o que não aconteceria no restante da Europa até a nacionalização das igrejas na segunda metade do século XVI”.[iv] A argumentação de Sepúlveda a respeito dos índios americanos não diferia em muito daquela, dois séculos posterior, de Montesquieu a respeito dos africanos, cuja escravidão o autor francês justificava em nome de sua inferioridade, ao ponto de duvidar de sua humanidade.[v] Abrindo uma trilha diversa, depois da conquista do império asteca e dos povos maias de Yucatã (o que aconteceu simultaneamente com o início da guerra contra os incas), outro clérigo, Bartolomé de Las Casas, escreveu sua Brevíssima Relação da Destruição das Índias. Las Casas demonstrava que a organização social das sociedades americanas originárias era extremamente complexa, que possuíam sistemas capazes de concentrar populações gigantescas: Tenochtitlan, na época da conquista era, provavelmente, a segunda maior cidade do mundo, perdendo apenas para Chang’na (Xanghai), na China. Las Casas se opôs às teses de Sepúlveda, que considerava América como uma região inóspita povoada de seres inferiores, e era defensor da ideia da desigualdade dos índios em relação aos europeus (recorrendo à autoridade de Aristóteles, declarou àqueles “escravos por natureza”) e incentivador da ideia de “guerra justa”. A guerra santa dos cristãos ibéricos era assim substituída pelo conceito de guerra justa (bellum iustum). A noção de “guerra santa” tinha sido tomada pelo cristianismo ibérico de seus antigos senhores árabes. A colonização da América foi realizada sob a égide da hegemonia clerical: daí que o conflito suscitado pela questão do estatuto civil do conquistado fosse discutida em termos religiosos, mas com um fundo jurídico, envolvendo a própria noção de justiça, e político. Na nova interpretação ibérica da guerra, o índio fazia ius à vida desde que aceitasse os fundamentos de fé católica. Não foi por outra razão que o frade Sepúlveda fez a defesa teológica da conquista espanhola na América e da escravização de seus habitantes. A religião organizada sempre fomentou a empatia coletiva entre seus membros, ao mesmo tempo em que limitou o sentimento empático pelos indivíduos que não faziam parte do mesmo grupo. A posição de Sepúlveda não era e expressão de um anacronismo medieval, mas de uma religiosidade limitadora da capacidade empática de ver o outro como semelhante, expressa em termos racionais. O domínico Las Casas, do seu lado, propôs a substituição do trabalho (escravidão) indígena por escravos importados da África, e considerava a ação evangelizadora o único objetivo legitimador da colonização. Jorge Luis Borges ironizou Las Casas num relato de sua História Universal da Infâmia: “Em 1517 o padre Bartolomé de las Casas teve muita pena dos índios que se extenuavam nos laboriosos infernos das minas de ouro antilhanas, e propôs ao imperador Carlos V a importação de negros que se extenuassem nos laboriosos infernos das minas de ouro antilhanas”; cabe apontar, porém, que “Las Casas, que em 1516 tinha sugerido importar escravos para as Antilhas, terminou lamentando a ideia, e em 1560 sustentava que a escravidão negra era tão injusta quanto a dos índios”:[vi] a preocupação inicial de Las Casas com a “religião verdadeira” cedeu o passo a preocupação humanista. O papa católico, Paulo III, mediando no debate, estabeleceu uma distinção entre os muçulmanos, “infiéis” que combatiam a fé verdadeira, e por isso não podiam ser convertidos, e os ameríndios, “incapacitados”, crianças inocentes que precisavam ser direcionadas e cujos direitos precisavam ser tutelados. Com base nisso, diversos historiadores postularam que a expansão ibérica na América correspondia a um conceito próprio do feudalismo, diversamente da posterior colonização inglesa, que pouco caso fazia dessas distinções e se vinculava a um processo de acumulação capitalista, o que não acontecia na Espanha. Além de simplista, essa argumentação ignora o caráter universal do debate. Sepúlveda considerava natural que homens superiores, representantes da perfeição, da força e da virtude, dominassem os inferiores, sinônimos de imperfeição, fraqueza e vício. Sepúlveda citou um dos princípios da Política de Aristóteles para justificar sua posição: “Quando os homens diferem entre si tanto quanto a alma difere do corpo, ou um homem de um animal, eles [os ‘animais’] são escravos por natureza, porque é melhor que estejam sob a autoridade de um senhor”. Na bellum iustum eram legítimas as sanções contra os vencidos, incluída a escravidão. A Igreja introduziu uma distinção: só poderiam ser escravizados os índios “infiéis” (ou “pagãos”), os que aceitaram a fé cristã só podiam ser obrigados a pagar um “resgate” mediante os institutos de trabalho forçado. A “guerra justa” era legitimada por Sepúlveda em termos modernos, não “feudais”, na medida em que os valores dos homens superiores seriam os valores universais e, ao impô-los à força sobre os outros, estariam fazendo um bem à humanidade. Bartolomé de Las Casas, ao contrário, era partidário da ideia da igualdade entre todos os homens, e tomava como linha de argumentação os ensinamentos de Cristo. A guerra contra os índios era “injusta”, pois eles se limitavam a viver nas suas terras ancestrais e não haviam agredido os espanhóis. Seguindo Tomás de Aquino, Las Casas afirmava que a fé era “um ato livre da vontade” (Aristóteles, citado por Sepúlveda, era para ele um grande filósofo, mas não tinha conhecido o Deus verdadeiro revelado por Cristo). A única colonização admissível era a pacífica, como a que Las Casas tentou realizar na Capitania de Guatemala. Para rejeitar a “guerra justa” contra os ameríndios, Las Casas enfatizava as virtudes, o caráter meigo e pacífico dos índios, vendo a possibilidade de eles se tornarem bons e verdadeiros cristãos. A argumentação de Las Casas teve eco na Europa: sob sua influência, a escravização dos ameríndios foi proibida pela Igreja, abrindo caminho para o lucrativo tráfico negreiro. Os colonizadores foram obrigados a importarem os negros da África, o que enriqueceu à própria Igreja Católica. Os conquistadores espanhóis, que nunca levaram a sério a proibição eclesiástica, inventaram diversos subterfúgios para escravizar os aborígines. Diante disso, a Coroa espanhola alarmou-se com a rápida diminuição da população indígena; não lhe convinha esse extermínio, que só produzia enormes ganhos de curto prazo aos seus executores, os colonizadores, e sim a implantação de um sistema tributário viável no longo prazo. Lhe fazendo eco, as missões jesuíticas (vindas da Espanha) no Paraguai, protegendo os ameríndios ao seu alcance da voracidade dos colonizadores, permitiram poupar a vida de boa parte da população indígena da região – os guaranis. Na sua tarefa americana, os membros da ordem deram vazão à sua vocação para o martírio “ya ofrecida la vida por atraer a Dios Nuestro Señor a esta desamparada gente”, nas palavras do sacerdote Roque González. A polêmica, implícita ou explicitamente, teve repercussões até o presente, e esteve no cerne do ressurgimento de enormes movimentos políticos indigenistas no último quartel do século XX, com argumentos que não pouparam nenhuma das posições polares da controvérsia metropolitana do século XVI: “A fraqueza dos índios tem uma dimensão descomunal na interpretação lascasiana. Em seu propósito de convencer que o índio é um ser desarmado e impessoal, Las Casas chega a pintá-lo simplesmente como um imbecil”.[vii] Segundo o mesmo autor: “Os suicídios coletivos, os abortos praticados pelas mulheres índias, mencionados por Las Casas circunstancialmente (na História das Índias) são sempre atribuídos ao medo-pânico que os índios tinham do espanhol. Às vezes, o dominicano faz menção das doenças que dizimaram as populações, que os historiadores assinalam como a causa principal da catástrofe demográfica da América. Essa imagem da destruição e da violência está irremediavelmente associada a uma visão derrotista da América que se perfila como componente de uma historiografia que tem privilegiado muito mais o primeiro termo da relação entre conquistadores e conquistados. Nesse sentido, a obra de Las Casas exerceu uma influência notável entre historiadores, ensaístas e romancistas do continente… Encoberta pela destruição e o genocídio, os dois temas prediletos do discurso lascasiano, se desenvolve a ideia de que a conquista se abateu sobre povos pusilânimes, covardes, de antemão destinados à derrota”.[viii] Chegando a conclusão semelhante, mas com outro método, Tzvetan Todorov concluiu que ambas as visões não testemunhavam conhecimento sobre o “outro”, pois em nenhuma delas esse “outro” era reconhecido pelo estatuto de ser humano simultaneamente semelhante e diferente. Enfatizando a desigualdade, Sepúlveda construía para o índio uma imagem de não humano, o que justificaria escravizá-lo e tomar posse de suas terras e riquezas. Enfatizando a igualdade, Las Casas queria provar que os índios eram naturalmente talhados para a cristianização, sem admitir e reconhecer sua identidade própria. Las Casas amava nos índios a possibilidade que eles ofereciam de concretizar seu ideal de evangelização. Ele identificava-se aos índios porque via nesse “outro” a projeção de si mesmo. Em sua velhice, porém, o frade domínico enunciou uma transformação: passou a reconhecer que cada cultura tinha seus próprios valores, e caberia a seus integrantes escolher seu próprio futuro. Após sua longa convivência com os índios, ele chegara à conclusão de que o ponto comum, universal e igualitário entre os homens, não era o Deus da religião cristã, mas sim a própria ideia de divindade. Las Casas, afinal, foi exceção dentro da norma. 2. Na América portuguesa, Manuel da Nóbrega defendeu que os índios possuíam memória, entendimento e vontade, as três potencialidades agostinianas da alma, confirmando sua condição humana. A evangelização indígena, portanto, se justificava. Em 1537 a Igreja, pela bula Sublimis Deus, reconheceu que os “índios” americanos eram “homens verdadeiros, não somente capazes de abraçar a fé do Cristo, mas também inclinados a fazê-lo” e que esses “homens”, “embora estejam fora da fé em Cristo não devem ser privados da liberdade e posse de seus bens, ao contrário, devem poder usufruir livremente dessa liberdade e dessas posses, sem serem reduzidos à servidão”. Clérigos e leigos na América interpretavam essas normas à sua maneira. Manuel da Nóbrega, no Brasil, José de Acosta, na América espanhola, defenderam o trabalho compulsório indígena em sua função “civilizadora”, para tornar perene e efetiva a catequese cristã, obstaculizada pela suposta inconstância e maus hábitos dos nativos americanos. A perseguição religiosa aos indígenas tornou-se independente de sua original função justificadora da empresa evangelizadora. Os missionários vindos inicialmente à América, no entanto, já traziam consigo conceitos abstratos sobre Estado, lei e direito natural, que foram sendo especificados no contexto da colônia, onde sofreram modificações que haveriam de ser incorporadas pela teologia jurídica metropolitana e pela nascente filosofia política, voltando depois à América, onde caucionaram escolhas realizadas desde o início da colonização.[ix] O confronto metropolitano sobre os nativos americanos foi decisivo na formação do direito internacional moderno e do seu conceito fundamental, a soberania (soberania nacional sobre seu próprio território, e soberania sobre territórios conquistados situados além-fronteiras). Esse direito nasceu do processo de expansão colonial, mais do que de conflitos internos na Europa. O debate sobre a legitimidade da conquista da América se expressou em termos teológicos (nos sermões de Montesinos ou no debate entre Las Casas e Sepúlveda), mas teve um conteúdo laico que se projetou sobre o Direito. Nas suas lições de 1542 sobre A Guerra Justa, o teólogo dominicano Francisco de Vitoria defendeu o direito natural dos índios às suas terras, e rejeitou a “Doutrina do Descobrimento”, que concedia aos europeus títulos e direitos de propriedade sobre as Américas. Segundo Vitoria, o dom divino da razão outorgara aos povos nativos, enquanto seres humanos, direitos e obrigações, entre os que se incluía a propriedade e o domínio das suas terras. Quando os povos nativos desconhecessem essas normas (obrigações incluídas), que eles obviamente não conheciam, as guerras contra eles estavam justificadas, incluídas as guerras de conquista.[x] Considerado (com Hugo Grotius e Alberico Gentili) um dos fundadores do Direito Público Internacional, Vitoria elucidou a legitimidade da colonização na distinção entre títulos ilegítimos (os referidos à conquista e ocupação dos novos territórios) e legítimos (os referidos à colonização e civilização dos povos indígenas).[xi] As primeiras guerras contra os indígenas americanos já tinham acontecido, mas não com essa justificativa. Francisco Pizarro conduzira as guerras contra os incas para lhes impor a obediência e o respeito pela autoridade universal do Papa e do imperador espanhol, o que Vitoria rejeitou. Pizarro e Cortés escravizaram os aborígenes americanos e se apoderaram de seus bens para punir sua rebelião contra o imperador (Carlos V), cujo direito de posse americano se apoiava na “doação” do máximo pontífice, e ocuparam suas terras, repartindo seus habitantes para evangelizá-los, segundo o mandado papal. Na negação desse argumento, Vitoria lançou uma primeira pedra contra o poder temporal da Igreja, contra a “cidade de Deus” agostiniana. Nas Relectiones sobre Indias (1539), ele desmontou a argumentação que justificara o comportamento dos conquistadores, o Requerimiento (aos “índios”) dos juristas espanhóis Palacios Rubio e Matias de Paz. Carlos V não era, segundo Vitoria, senhor do mundo, nem poderia privar os índios de suas propriedades e soberania em virtude de um mandato papal. Não poderia sequer lhes impor tributos com essa base. Os americanos nativos teriam até o direito de rebelião contra essas medidas, caso lhes fossem impostas. Vitoria reconheceu que os espanhóis tinham se defrontado, na América, com sociedades urbanas organizadas, com leis, poder político e religiões próprias. Os indígenas estavam, portanto, dotados de razão. Seus territórios e posses não poderiam ser investidos nem expropriados. A prática da sodomia (homossexualidade) por parte dos aborígenes não poderia justificar uma agressão armada, porque era um pecado como tantos outros e tão disseminado que, caso ele justificasse a guerra, levaria a um conflito constante entre todos os países e povos. Já o canibalismo e os sacrifícios humanos, constatados nos aborígenes americanos, não eram moralmente suportáveis, e autorizavam a guerra para proteger os sacrificados: Vitoria introduzia o direito de tutela que, doravante, justificaria a colonização. A vontade de Deus, expressa através do Papa, poderia legitimar a guerra de conquista contra os “infiéis” adultos, mas não a colonização baseada no direito de tutela de criaturas consideradas infantis. A servidão (ou escravidão) natural proposta por Sepúlveda era uma condição perene, a tutela proposta por Vitoria previa a emancipação futura do indivíduo tutelado. Sobre a base do ius societatis et communicationis configurou-se a filosofia da conquista ibérica da América. Partindo da humanidade dos indígenas, Vitória expôs os direitos e deveres políticos comuns a colonizadores e colonizados, por ele tratados como iguais. Os índios não poderiam ser expropriados de seus bens, pela sua suposta falta de cultura ou de fé verdadeira. Eles só poderiam ser confiados à tutela do poder colonizador se estivessem em situação de miséria ou de atraso, sendo esta necessariamente reconhecida pelas suas lideranças (ou representantes), cujo consenso se tornou parte integral da empresa colonizadora espanhola.[xii] As teses de Vitoria foram elaboradas depois do conhecimento dos relatos sobre a conquista do Império Inca. Já existia a norma do assassinato de cem indígenas para cada cristão assassinado, praticada pelos conquistadores desde a segunda viagem antilhana de Colombo. As teses vitorianas serviram de base, junto à doutrina lascasiana, para as “Leis Novas” de novembro de 1542, que restringiam as encomendas e a escravidão dos indígenas, mas que davam sustento duradouro à imposição do poder colonial sobre eles. Do humanismo teológico até o iluminismo laico, a razão europeia balançou entre esses argumentos relativos à legitimidade da empresa colonial e à escravidão indígena e africana. A “modernização” da colonização ibérica não mudou o eixo da submissão das populações nativas: “Na transição do índio selvagem ao índio civilizado e cristão, as normas jurídicas que ordenavam as práticas sociais no espaço da redução não eram leis civis, mas leis canônicas e, sobretudo, leis naturais… Esse eixo jurídico, é fundamental notar, teve validade durante todo o período colonial, incluindo as reformas pombalinas e bourbônicas. Pois a Igreja, como o Estado, repôs incessantemente a distância entre o índio e o vassalo cristão durante todo o período colonial, à semelhança do paradoxo de Zenão entre Aquiles e a tartaruga. Quanto àqueles índios que resistiram à missão e à colonização, eles não deixaram de ser incorporados, ainda que a sua revelia, pois se tornavam alvos de guerras justas determinadas pelo direito natural de gentes: toda a margem dos impérios ibéricos na América tornou-se assim um imenso repositório de mão de obra escrava legítima, recrutada entre caribes, araucanos, mindanaos, chichimecas, apaches, aimorés”.[xiii] A base disso não era um racismo explícito: indígenas americanos e escravos negros africanos foram classificados desde a perspectiva do homem branco como modelo universal. Nos impérios coloniais modernos a opressão étnica foi um desdobramento implícito da opressão (exploração) de classe: os impérios foram concebidos como uma comunidade política “que incluía os indígenas e as castas, não existia um racismo institucionalizado contra eles”.[xiv] A mestiçagem não superou essa opressão: raramente surgiam relações fixas entre brancos e negras, ou entre os primeiros e as índias. A miscigenação subordinou-se ao poder de mando e desmando do colono, ao sentimento de propriedade e posse em relação aos índios e negros. Em alguns casos, os senhores adotavam escravas ou índias como suas amantes habituais, mas não restringiam sua escravidão e integravam a prática sexual na atenção da vontade do senhor. 3. Os aspectos humanitários da política indígena metropolitana se alicerçaram sobre a recomendação de substituição do índio pelo negro africano, levada adiante em grande escala (13 milhões de indivíduos), o que fez nascer o “negro” indiferenciado como categoria humana separada e sobreposta à diversidade social e cultural preexistente na África, pressuposto que poucos criticaram de modo radical: “Os historiadores tratam, de hábito, todas as classes de escravos como se mostrassem semelhança monolítica, mas poucos desses historiadores adotariam o único princípio justificável de tal procedimento – os negros são negros”.[xv] O negro foi criado pela escravidão colonial moderna, tanto quanto o índio foi criado pela colonização “europeia” que, por sua vez, criou o europeu, apresentado como o “homem moderno” portador da universalidade humana. Os limites do humanitarismo religioso eram determinados não pela doutrina cristã, mas pela realidade e necessidades objetivas das potências colonizadoras. Dentro delas acharam abrigo as correntes internas da própria Igreja, que estava em processo de cisão na Europa: os primeiros franciscanos que chegaram ao México, em 1524, consideravam próxima a “última era do mundo”, isto é, um período de paz, de reconciliação e de conversão geral ao cristianismo, que precederia o fim da história, tinham a convicção de poder reconstituir a idade de ouro da Igreja primitiva do outro lado do Atlântico, longe da cristandade europeia pervertida, com os pobres e simples da América. Os jesuítas estabeleceram no Paraguai um território separado feito de reduções, pequenas aldeias fortificadas na floresta, onde viviam os índios convertidos ao cristianismo, mas a correção das fronteiras coloniais colocou alguns desses redutos em território português. Portugal mantinha à época a escravatura aborígene: os portugueses tentaram roubar aos jesuítas os índios para depois vendê-los como escravos, o que Espanha aprovou. O Papa interveio em favor de Portugal, excomungando os jesuítas das reduções. Depois, um exército, com os canhões e espadas benzidas pelos padres ao serviço do Estado, atacou as reduções, massacrou os jesuítas e tomou os índios como escravos. Um Te Deum solene celebrou a vitória. Pouco depois o Papa interditou a ordem dos jesuítas, culpada por não ter servido com lealdade à família Bourbon, reis de França e de Espanha, monarcas absolutos e grandes amigos da Igreja Católica. A piedade religiosa sucumbiu diante dos imperativos colonizadores. O papel da Companhia de Jesus na gestão colonial da mão de obra indígena foi um passo no caminho da secularização da Igreja.[xvi] Para Todorov, a superioridade da comunicação dos europeus lhes permitiu a conquista da América mediante o massacre das populações locais. O índio teria sido incapaz de conceber “o outro”, porque “devido às viagens marítimas para Ásia e África, os conquistadores europeus estavam mais preparados para a diversidade e tinham maior ‘abertura de espírito’ que os índios americanos. Ao perceberem que os estrangeiros não eram inferiores e que não podiam ser submetidos, os índios passaram a divinizá-los… Isto é tão importante que torna sem sentido comemorarmos a descoberta ou condenarmos o genocídio que se seguiu. Este foi o início dos tempos modernos, de nossa história moderna”.[xvii] A concepção de “alteridade” não era, porém, especificamente ibérica, nem europeia, pois já caracterizava à civilização árabe em sua expansão comercial: os árabes não só precisavam de um mercado, mas também de um conhecimento dos outros (cultural e linguístico) para poder comerciar. Para o mexicano Octavio Paz nem caberia falar em genocídio americano, dado que na conquista “a circunstância mais significativa (é) o suicídio do povo asteca. (Os povos indígenas) estão presos do mesmo horror, que se expressa quase sempre como uma fascinada aceitação da morte”.[xviii] Isso esquece a secular resistência contra a colonização de diversos povos indígenas (particularmente nos extremos meridional e setentrional da América). Também não é correto afirmar que o índio não entendia o que acontecia durante a colonização devido à sua incapacidade para assimilar a “alteridade”: “No Nordeste americano, os indígenas estavam em contato com os ‘viajantes’ franco-canadenses para o comércio de peles. Estes eram gente pobre, pequenos traficantes, mas que tinham com os indígenas um contato muito íntimo. É muito surpreendente ver quanto o pensamento ameríndio se alimentou pela boca desses viajantes, transformou e integrou uma parte de suas narrativas na sua própria mitologia”.[xix] A ideia do “suicídio indígena” reproduz o raciocínio acerca da passividade ignorante dos ameríndios. Acontece que “o índio não era tão pacífico, obediente e desenganado como o pintou Las Casas. Na realidade, a destruição e o assassinato foram produto, entre outras causas bastante conhecidas, de uma relação de guerra que se desenvolveu porque existiam combatentes de um lado e do outro. O conquistador matava porque o índio lhe opôs diversas formas de resistência, a começar militar, até as sub-reptícias, como a ruptura da comunicação verbal”.[xx] A derrota dos povos indígenas diante de exércitos inferiores em número, mas vindos de sociedades com maior desenvolvimento produtivo (e, portanto, também da ciência, da técnica e da arte militar) deveu-se a diversos fatores, dos quais um foi, no entanto, o decisivo, o político. A vitória dos conquistadores/colonizadores foi política, antes de ser militar e social: “As vitórias mais extraordinárias (dos conquistadores) foram exatamente aquelas que opuseram um pequeno número de espanhóis a um grande número de índios organizados em exércitos regulares. A vitória era mais fácil contra exércitos mais poderosos ou estados mais sólidos, e muito mais difícil contra tribos não organizadas, esparsas e nômades. Os antigos impérios dominavam rigorosamente numerosas populações. Para estas, era aceitar com ingenuidade e um pouco depressa substituir o antigo señorío por outro. Era a oportunidade para se vingar dos antigos opressores”. No sul chileno e noroeste argentino, e nos atuais EUA e Canadá, onde existiam tribos “esparsas e nômades”, a resistência indígena foi feroz; a Coroa espanhola autorizou, por isso, a escravidão dos índios “bravos” e “de guerra”; a própria Igreja possuiu numerosos escravos; “essas zonas de resistência nos revelam a extraordinária capacidade de assimilação do mundo indígena no plano militar para se apropriar dos meios de defesa, do aprendizado de montar a cavalo ao das armas de fogo; da construção de defesas fixas à aquisição de uma mobilidade extrema: toda a ciência militar espanhola foi assimilada com perfeição e até mesmo ultrapassada”.[xxi] 4. A conquista da América, efetuada pelas armas, devia ser mantida e organizada por outros meios: o papel da Igreja foi central para manter a dominação dos indígenas americanos: “Funcionando como ideologia legitimadora, o cristianismo colocou certos limites às práticas coloniais que sancionava. Mas, por sancionar essas práticas e por fornecer aos colonos as justificativas morais para seus empreendimentos, o cristianismo deixou de ser capaz de prevenir a ascensão de interesses entrincheirados que terminaram por desconsiderar as restrições morais da teologia cristã e acabaram jogando a lógica da conversão religiosa na lixeira da História”.[xxii] Quais eram as políticas em disputa no conflito entre europeus e ameríndios? Para as potências colonizadoras, tratava-se de submeter a qualquer custo o continente e suas populações, em virtude da lógica mercantil mundial de expansão europeia. Para os índios, nada disso se colocava como alternativa. Claude Claude Lévi-Strauss deu o exemplo das tribos do Canadá: “Nos conflitos que sempre as opuseram aos canadenses vindos da Europa, eles não pararam de dizer que eles nunca recusaram a chegada dos brancos, que nunca foram seus inimigos. Eles jamais se lamentaram da presença dos brancos, mas apenas do fato que estes os haviam excluído”.[xxiii] Parece estar aí a chave da vitória militar dos europeus, e da aparentemente inexplicável derrota dos indígenas americanos: “Para o índio, a guerra é um ritual que não se leva ao extremo. Uma vez o inimigo derrotado, ele é abandonado, pois os guerreiros que demonstraram superioridade estão satisfeitos. Os índios não possuíam o conceito da aquisição territorial, não podendo, portanto, se apropriar da ideia de guerra metódica no estilo europeu”.[xxiv] Não só a estratificação e conflitos presentes nas sociedades americanas (que foram usados na estratégia político/militar dos conquistadores), mas também aspectos de sua cultura, foram usados e reformulados para sustentar a empresa colonial. Sobre a base do massacre das populações locais, o sistema colonial americano fez prosperar como nunca o comércio e a navegação mundiais. No período manufatureiro a supremacia comercial era a que proporcionava o predomínio industrial, antes da indústria se transformar na mola propulsora do comércio internacional. A dívida pública apoderou-se de toda a Europa durante o período colonial americano, como constatou Marx: “O sistema colonial, com seu comércio marítimo e suas guerras comerciais, serviu-lhe de incubadora. Assim, ele se consolidou primeiramente na Holanda. A dívida pública, isto é, a alienação do Estado – despótico, constitucional ou republicano – imprime sua marca sobre a era capitalista. A única parte da assim chamada riqueza nacional que realmente integra a posse coletiva dos povos modernos é sua dívida pública. Daí que seja inteiramente coerente a doutrina moderna segundo a qual um povo se torna mais rico quanto mais se endivida. O crédito público se torna o credo do capital. E ao surgir o endividamento do Estado, o pecado contra o Espírito Santo, para o qual não há perdão, cede seu lugar para a falta de fé na dívida pública”.[xxv] Essa dívida converteu-se em uma das alavancas mais poderosas da acumulação capitalista, pois enriqueceu, de improviso, os agentes financeiros que serviam de intermediários entre o governo e a nação, dando origem ao sistema internacional de crédito. No Novo Mundo, dada a abundância quase ilimitada de terras, as instituições coloniais tiveram de enfrentar o problema da obtenção e disciplinamento do trabalho, fator de produção mais escasso da empresa colonial. Todas as potências colonialistas, sem exceção, resolveram esse problema através do trabalho compulsório ou da escravidão das populações indígenas, e da escravidão africana. Os primeiros embarques de ouro americano foram obtidos através do saque e do extermínio das altas culturas indígenas. A colonização exigiu meios mais estratégicos: “A colonização organizou-se no sentido de promover a primitiva acumulação capitalista nos quadros da economia europeia, estimular o progresso burguês nos quadros da sociedade ocidental. É esse sentido profundo que articula todas as peças do sistema: em primeiro lugar, o regime de comércio desenvolve-se nos quadros do exclusivo metropolitano. Daí a produção colonial orientar-se para aqueles produtos indispensáveis ou complementares das economias centrais; a produção organizava-se de molde a permitir o funcionamento global do sistema. Não bastava produzir os produtos com procura crescente nos mercados europeus, era indispensável produzi-los de modo que sua comercialização promovesse estímulos à acumulação nas economias europeias. Não se tratava apenas de produzir para o comércio, mas para uma forma especial do comércio, o comércio colonial; é o sentido último (aceleração da acumulação primitiva de capital) que comanda todo o processo de colonização. Isto obrigava as economias coloniais a organizarem-se de molde a permitir o funcionamento do sistema de exploração colonial, o que impunha a adoção de formas de trabalho compulsório ou, na sua forma limite, o escravismo”.[xxvi] Devido a isso, o mecanismo usado para a valorização dos territórios americanos da Espanha foi a exploração compulsória dos nativos: os repartimientos e as encomiendas atuaram de forma eficaz nesse sentido. A exploração do índio como força de trabalho sempre foi justificada para obtenção de recursos necessários à expansão do cristianismo. As exportações mineradoras se caracterizaram como atividade-meio para esse fim. Seu objetivo atendia ao financiamento da construção de um grande império colonial espanhol e católico. A existência deste condicionava a hegemonia da Espanha no contexto europeu, e facultava ao país a liderança no processo da Contrarreforma no continente. O Tribunal do Santo Ofício alcançou as áreas coloniais, a exemplo da cidade de Lima, onde a Inquisição teve um papel significativo de controle social e político. Por outro lado, a Coroa aplicava grande parte de seus ingressos na edificação de monumentos religiosos. 5. Os primeiros 150 anos da colonização espanhola foram os de predomínio da produção mineira. Esse século e meio foi, segundo Celso Furtado, “marcado por grandes êxitos econômicos para a Coroa, e para a minoria espanhola que participou diretamente da conquista”. O caminho aberto pela mineração foi depois percorrido por outros tipos de produção primária. O povoamento do Chile, baseado inicialmente produção de ouro, encontrou uma base permanente na agricultura de exportação, cujo mercado era o polo econômico peruano. A América espanhola compreendeu quatro grande vice-reinados: os da Nova Espanha (México), Nova Granada (Colômbia), Peru e o do Rio da Prata (Argentina, Uruguai, Paraguai e Bolívia). A produção agropecuária implicava uma ocupação efetiva do território, com um assentamento efetivo da população.[xxvii] A colonização efetiva do Brasil, por sua vez, não começou antes de meados do século XVI. Antes desse período, Portugal pouco se ocupou com o Brasil, preocupando-se mais com as rotas orientais de obtenção de especiarias e artigos de luxo. A descoberta do Brasil era questão de importância secundária para a metrópole. A expedição do espanhol Juan Diaz de Solís (1515), que descobriu o Rio da Prata, constatou a existência de um florescente comércio de pau brasil no litoral brasileiro. Foi assim que o topônimo original de Terra da Santa Cruz foi substituído pela denominação de Brasil para denominar as novas terras americanas de posse de Portugal. Tratava-se ainda de empresas comerciais só litorâneas, deixadas na mão de particulares: só em 1513 foi designado um comissário da Coroa com o encargo de perceber impostos dos extratores-comerciantes. Os esforços portugueses de controlar militarmente a costa brasileira foram uma ação de defesa, visando impedir o estabelecimento de enclaves costeiras da França e da Inglaterra. Estes países não aceitavam a divisão do Novo Mundo entre os países ibéricos e estavam também interessados na extração do pau brasil, utilizado na fabricação e tintura de lãs na Inglaterra e nos Países Baixos. Durante a conquista, a aquisição de terra não foi o principal objetivo dos colonos, que estabeleceram no Novo Mundo uma sociedade organizada em torno de núcleos urbanos. Esses centros dependiam da população indígena camponesa, que proporcionava o abastecimento de alimentos. O sistema de encomienda parecia ser a fórmula ideal para as relações hispano-indígenas, para submeter os indígenas ao trabalho compulsório. Os encomenderos percebiam tributos ou serviços pessoais, e deviam cuidar da instrução e evangelização do índio “encomendado”. Como instituição legal, a encomienda não implicava direitos sobre as terras dos índios, “beneficiados” pelas novas leis espanholas. Durante longo tempo, a demanda de terra foi limitada, em vista da grande densidade de agricultores indígenas em comparação aos diminutos grupos dos colonos europeus. Em meados do século XVI, a emigração espanhola para o Novo Mundo se elevou, multiplicando os assentamentos urbanos. Em Potosí, principal centro mineiro produtor de prata na América do Sul, os espanhóis utilizaram a técnica nativa das guayras, e também fizeram uso das folhas de coca e das lhamas, que tiveram seus usos originais reorientados. As folhas de coca serviam como paliativo da fadiga do trabalho à qual os nativos eram submetidos, seu mercado consumidor era garantido pelas minas; as lhamas desempenhavam papel essencial, principalmente por representarem o meio de transporte com as mais diversas localidades. A exploração do “Cerro Rico” começou em 1545 e “durante o período colonial superou em produção total acumulada a soma de seus dois concorrentes, as jazidas mexicanas de Zacatecas e Guanajuato, com um grande auge em finais do século XVI, ao qual se seguiu um rápido esgotamento e inexorável queda da produção ao longo do século XVIII e do primeiro terço do século XVIII”.[xxviii] Os espanhóis introduziram a amálgama do mercúrio para a produção de prata, o que desencadeou uma grande elevação na produção. Com o eixo mineiro e seus elementos complementares, a transformação econômica e ecológica da América, a completa reorientação de sua atividade produtiva, foi enorme. A colonização europeia combinou a queda brutal da população nativa com a penetração dos espanhóis e a propagação de plantas e animais europeus. Em poucos anos os grãos transformaram a paisagem tradicional dos campos indígenas, inauguraram a exploração de riquíssimas terras, introduziram o uso permanente de técnicas de cultivo, tais como o arado, a irrigação e a parelha de animais. A penetração da colonização europeia nas terras temperadas e quentes foi estimulada pela demanda europeia de produtos tropicais, como o tabaco, o cacau, o índigo, o anil, o palo tinte e outras plantas, que desde a segunda metade do século XVI passaram a serem exploradas em escala comercial. O gado se espalhou pelo México e pela região da Bacia do Rio da Prata pela ação dos agricultores, os animais invadiram e destroçaram o cultivo aberto dos índios, transformaram terras de cultivo em campos de pastoreio, deslocaram o sistema de assentamento e reduziram os recursos alimentícios dos indígenas. A dominação espanhola esteve sempre ligada à escravatura por dívidas imposta aos povos indígenas: a forma utilizada para isso foi a peonagem, uma espécie de escravatura mediante a qual os proprietários poderiam retê-los e forçá-los a trabalhar de graça como forma de reembolsar dívidas que esses trabalhadores se comprometeram a pagar penhorando as suas propriedades. A peonagem era o sistema através do qual os peões ficavam ligados à propriedade da terra por vários meios, incluindo a dívida herdada.[xxix] A rápida transformação da agricultura americana, a produção de açúcar, a ligação entre pecuária, agricultura e mineração, as transformações econômicas provocadas pela pecuária, e o papel dos religiosos como introdutores de conhecimentos, alteraram para sempre a distribuição da terra.[xxx] Na conquista do México, os espanhóis se apoderaram das melhores terras, as que haviam pertencido aos chefes militares e religiosos astecas. Os espanhóis não se interessaram pela agricultura: a agricultura indígena era suficiente para satisfazer a demanda. A partir da segunda metade do século XVI, o desinteresse dos espanhóis pela terra e pelas atividades agrícolas foi diminuindo: houve uma maior distribuição de terras, coincidindo com as grandes epidemias e a dizimação indígena, e provocando a limitação do espaço indígena. As transformações na distribuição e no uso da terra, como consequência da extensão da pecuária, estimuladas pela Coroa e pelos seus representantes, foram enormes. Grande parte das terras redistribuídas, no entanto, não foi cultivada ou dedicada à pecuária, mas apenas ocupada. A decisão da Coroa de levar a cabo uma massiva distribuição da terra entre os colonos institucionalizou o processo de ocupação desordenada da terra, e deu estabilidade aos proprietários agrícolas, em um momento em que o descobrimento dos veios de metais preciosos e a exploração das minas, junto à decadência da agricultura nativa, requeriam a criação de novos recursos alimentícios. A nova distribuição das terras determinou, finalmente, as formas de exploração da mão de obra. A hacienda pôde estabilizar-se quando conseguiu criar seu próprio sistema de atração, manutenção e reposição dos trabalhadores. A adoção do novo sistema de trabalho introduziu mudanças nos povos e comunidades indígenas, devido a que antes da conquista, os índios produziam seus próprios meios de subsistência, e depois também os excedentes requeridos por seus dominadores, em um mesmo espaço e com os mesmos métodos de produção. Deixaram assim o lugar ocupado em comum para participar da economia colonial em funções específicas (mineração, agricultura e pecuária). A transferência massiva de trabalhadores reduziu a capacidade de sustentação que a comunidade indígena americana tinha anteriormente. A extração constante de trabalhadores lhe impediu produzir para o seu próprio consumo, incrementando sua dependência. Os comerciantes ocupavam o topo da hierarquia social colonial, impedindo os agricultores de participarem do comércio exterior, e logo os deslocando também do comércio interno. Ao mesmo tempo em que a colonização, o assentamento de migrantes e o crescimento populacional favoreciam o desenvolvimento da atividade agrícola e agropecuária, os colonizadores nunca perderam de vista o objetivo fundamental da obtenção de metais preciosos, através da exploração da mão de obra indígena ou escrava com vista a arrancá-los da própria terra, que se supunha abundante em metais preciosos e nobres. Alguns nomes geográficos na América (Rio da Prata, escoadouro da produção desse metal para a metrópole espanhola; Argentina, de argentum, terra [via] da prata) indicavam o objetivo ambicioso dos colonizadores, alimentado pela lenda de Eldorado, a cidade feita em ouro maciço. As regiões que, em função desse objetivo econômico, tinham uma posição marginal, eram submetidas a tantas limitações que seu desenvolvimento econômico se tornava impossível. O latifúndio, como vasta extensão de terra à espera de valorização, e cuja função principal era a especulação imobiliária e não a produção agrícola, foi a característica fundiária da América colonial. A queda da população possibilitou a formação de extensas propriedades do grupo étnico dominante. Nasceu desse modo o latifúndio extenso, com proprietários brancos, portugueses, espanhóis ou criollos (brancos nascidos na América), mas quase nunca índios ou negros. A escassez de mão de obra, junto à abundância de terras, gerou a utilização desta última como forma de assegurar a primeira. Institucionalizou-se então o minifúndio (posse de extensões minúsculas de terra) no interior do latifúndio, para assegurar mão de obra barata e constante. A par desse processo, observou-se a “minifundização da periferia da formação social”, derivado da tentativa dos indígenas de escapar às relações sociais de submissão. Esses padrões sobreviveram durante muito tempo. A consequência fundamental da escassa população na América colonial foi que o trabalho, e não a terra, passou a ser o fator de produção mais escasso. As instituições-chave da colônia foram, por isso, aquelas que garantiram trabalho. Dada a condição histórica de que a trabalho manual era pouco aceitável para os peninsulares, e dada a desigualdade fundamental no sistema de forças, devida às diferenças de armamento e organização, a escravidão se impôs como a solução lógica: “As instituições da colônia obedeceram a essa lógica, que não derivou das características intrínsecas do tipo de atividade econômica – mineração de prata aqui, plantação de açúcar ali obrares têxteis acolá – mas do fato de que o trabalho era o fator escasso de produção (…) A área cultivada foi tremendamente reduzida, dando-se origem ao latifúndio improdutivo e, nas regiões mais afastadas dos centros consumidores e das rotas de transporte, as terras foram simplesmente abandonadas, já que seu valor como bem de produção ou como bem de inversão era zero”.[xxxi] Latifúndio, terras improdutivas ou desérticas, trabalho forçado, servil ou escravo, opressão étnica, foram elos de uma mesma corrente no sistema colonial americano. 6. Na metrópole ibérica, seu sistema colonial a transformou crescentemente em intermediária da acumulação mundial com centro na Inglaterra: “A debilidade congênita da Espanha, que se origina em sua estrutura econômica de exportadora de matérias primas (lã), e importadora de produtos manufaturados, se agravou com a conquista da América; a Espanha passou a contar com recursos monetários suficientes sem poder, contudo, abastecer suas colônias com os produtos manufaturados de que necessitavam. A partir do século XVI, Espanha se converteu cada vez mais em intermediária entre as colônias americanas e a Europa comercial e manufatureira”.[xxxii] Apesar de sua debilidade relativa na concorrência comercial mundial, os reinos ibéricos protegeram zelosamente suas possessões americanas, contra as investidas da Holanda e da Inglaterra. As relações entre a Coroa portuguesa e seus representantes com os colonos, na montagem do processo de colonização, eram marcadas pela concessão de prêmios e benefícios por parte da Coroa aos colonos que desempenhassem serviços variados, necessários à consolidação do domínio colonial, inclusive e proteção da própria colônia. A divisão das recompensas e a forma de acesso a elas indicaram a distinção entre o “homem metropolitano e o homem colonial”, como entre estes e colonos com ambições mais limitadas, mas que recebiam parte desses benefícios. Na colônia portuguesa, as entradas e bandeiras procuravam abrir o caminho, deixando um rasto de sangue, em direção da rápida riqueza. O ouro brasileiro ia para Portugal e dali – para pagar o excedente das importações sobre as exportações, ou déficit comercial, da metrópole – para a Inglaterra. Brasil e Portugal não foram só clientes importantes para as manufaturas inglesas, cujo crescimento estimularam na época em que o mercado europeu tendia ainda a recusá-las, mas apoiaram também seu desenvolvimento financeiro. O ouro brasileiro, além de lubrificar as engrenagens da riqueza britânica, financiou largas parcelas do renascimento britânico no comércio do Oriente, através do qual o país importou tecidos de algodão mais leves para reexportá-los para os climas mais quentes da Europa, África, as Américas, e para os quais não tinha outros meios de pagamento a não ser o ouro brasileiro.[xxxiii] Por isso, a descoberta do ouro, em fins do século XVII, inaugurou um novo ciclo da economia colonial brasileira, o da colonização mineira (a exportação de açúcar estava em crise pela concorrência das Antilhas anglo-francesas). Diferentemente da colonização hispânica do Alto Peru (o Potosí, na atual Bolívia) não se exploraram minas através de técnica complexa e abundante mão de obra. Nas colônias ibéricas da América, Holanda e Inglaterra promoveram o contrabando, introduzindo suas manufaturas e comprando matérias primas, apesar do monopólio de Espanha e Portugal. Não conformes com isso, atacaram e tentaram apropriar-se repetidas vezes de territórios coloniais ibéricos, ou saqueá-los, na América Central, no Brasil (como tentaram os holandeses no século XVII no Nordeste brasileiro) e inclusive na América do Sul colonizada por Espanha: o corsário inglês Francis Drake atacou o Peru no século XVI, Morgan fez o mesmo em colônias espanholas da América Central e do Caribe, finalmente, a frota inglesa invadiu o Rio da Prata no início do século XIX. O que Inglaterra não conseguiu através do comércio ilegal ou da invasão territorial, tentou consegui-lo promovendo, oficialmente, a pirataria, o corso. Sir Walter Raleigh e Sir William Walker destacaram-se nessa atividade enobrecida pela Coroa inglesa, mas o louvor coube a Sir Francis Drake, o pirata que tornou lendária a Ilha de Tortuga (no Mar do Caribe), seu quartel-geral para as pilhagens que o levaram pelos quatro cantos da América. A era de ouro da pirataria correu de 1650 até 1730, aproximadamente. Inicialmente, piratas anglo-franceses com base na Jamaica e na Tortuga atacavam colônias e navios espanhóis no Caribe e no Leste do Pacífico; no final do século XVII, o teatro da pirataria se estendeu, com viagens de longas distâncias para roubar muçulmanos e alvos da Companhia das Índias do Leste no Oceano Índico e no Mar Vermelho; finalmente, na primeira metade do século XVIII, marinheiros e corsários anglo-americanos ficaram desempregados no fim da Guerra da Sucessão Espanhola, e viraram-se em massa para a pirataria caribenha, na costa Leste americana, a costa Oeste Africana, e no Oceano Índico. A exploração colonial e o aumento do comércio internacional, incluindo o aumento da quantidade de cargas valiosas enviadas para a Europa, aliada à escassa cura governamental nas colônias ibéricas, foram fatores que estimularam as atividades de corso, de caráter oficial ou oficioso, na contenda entre potências europeias pelos frutos da exploração do mundo colonial, e pela hegemonia no comércio internacional.[xxxiv] Do fim do século XVI até o século XVIII, o Mar do Caribe foi um terreno de caça para piratas que atacavam primeiramente os navios espanhóis, e posteriormente aqueles de todas as nações com colônias e postos avançados de comércio na área. As grandes cargas de ouro e prata que a Espanha começou a enviar do Novo Mundo para a Europa logo chamaram atenção dos piratas. Muitos deles eram oficialmente autorizados por nações em guerra com a Espanha, mas a linha de separação entre a pirataria “oficial” e a oficiosa (não autorizada por qualquer Estado) era bastante indefinida. Os Estados absolutistas buscaram distinguir entre ambas outorgando “cartas (patentes) de corso”, declarando como pirataria só a atividade que fosse realizada sem essa autorização. O século XVII foi a era de ouro da pirataria, depois da conquista de Jamaica por Inglaterra, em 1655. A atividade corsária não foi, certamente, uma invenção inglesa. Ernesto Frers localizou suas origens na Antiguidade, na atividade simultaneamente comercial e corsária dos fenícios, passando pela pirataria no Mare Nostrum romano (o Mediterrâneo), os piratas normandos e vikings, a pirataria catalã e espanhola (que forneceu recursos indispensáveis às descobertas ultramarinas) e os piratas otomanos, dos quais Barba Ruiva foi o mais célebre, além de emprestar parte de sua alcunha para o mais temido de seus continuadores britânicos: “Se Bartholomew Roberts usava o terror para amedrontar suas vítimas, seu colega Barbanegra servia-se do espanto. Abordava os navios com seus dois metros de estatura, gritando como uma besta selvagem com pavios de cânhamo acesos amarrados na sua cabeleira e na sua barba, ao mesmo tempo em que disparava suas pistolas com ambas as mãos. Seu aspecto reduzia seus adversários, que amiúde se entregavam só ao vê-lo. O terrível aspecto de Barbanegra tinha muito de disfarce teatral, seus gestos exagerados eram uma premeditada interpretação do papel de vilão desalmado. Não era mais cruel que qualquer um de seus colegas à época, cuja maldade era suposta parte do ofício… Com patente outorgada pela rainha Ana da Inglaterra, seu navio colaborava com a Royal Navy atacando naves de Espanha e da França”.[xxxv] A pirataria, portanto, era a continuação da concorrência comercial por meios paramilitares. Barbanegra, fora de controle, foi morto pela Royal Navy com aproximadamente 40 anos de idade. O mais célebre dos corsários britânicos foi o galês Henry Morgan, que saqueou Portobelo, Puerto Príncipe, Maracaibo e Panamá, entre 1668 e 1671. Piratas de outras nacionalidades continuaram a operar a partir da Ilha de Tortuga, como o holandês Mansveldt e o francês “El Olonés”. O primeiro chegou a associar-se com Morgan. Modyford, governador inglês da Jamaica, alentava e legalizava a atividade corsária de Morgan, que chegou a reunir mais de mil homens em suas tripulações, e a empregar mulheres, velhos, frades e freiras como escudos humanos contra a defesa das fortificações espanholas. Quando vencedor, não só saqueava seus alvos empregando as piores torturas contra civis, para que revelassem os esconderijos de seus pertences, como também passava pelas armas todos os soldados adversários sobreviventes. Em 1670, Espanha assinou um tratado de paz com a Inglaterra para se proteger de suas atividades corsárias, que comprometiam a saúde e equilíbrio do Tesouro hispânico. Ainda assim, em 1671 Morgan saqueou o Panamá, coração do império espanhol nas Américas, defendida por 1200 solados de infantaria e 400 cavalheiros, cidade onde Morgan permaneceu por três semanas. De volta na Jamaica, Morgan foi detido e enviado à Inglaterra para ser julgado como pirata, por ter violado o tratado inglês com a Espanha. Foi, porém, recebido como um herói popular, e absolvido dos cargos imputados. O Rei Charles II nomeou-o cavaleiro e enviou-o à Jamaica, como governador da ilha. Morgan concluiu seus dias (em 1688) como pacífico latifundiário colonial, funcionário da Coroa e inimigo oficial da pirataria. Como corsário (pirata) ou como governador, no entanto, foi sempre um leal funcionário de Sua Majestade Britânica. As tripulações de piratas eram formadas por todo tipo de pessoas; a maioria era de homens do mar que desejavam obter riquezas e viver livremente. Muitos eram escravos fugitivos ou servos sem rumo. As tripulações eram normalmente “democráticas” em seus hábitos de comando. O capitão era eleito por elas e podia ser removido a qualquer momento. A pirataria preferia usar navios pequenos e rápidos, que pudessem lutar e fugir com rapidez. Preferiam o método de abordar o alvo e realizar o ataque corpo a corpo, fugindo rapidamente. Saqueavam navios de mercadores levemente armados, mas ocasionalmente atacavam uma cidade ou um navio de guerra. Normalmente, não tinham qualquer tipo de disciplina, bebiam muito e terminavam mortos no mar, doentes ou enforcados, depois de uma carreira relativamente curta. No auge de sua atividade, os piratas controlaram cidades insulares que eram paraísos para recrutar tripulações, vender mercadorias capturadas, consertar navios e gastar o que saqueavam. Várias nações encorajavam ou faziam vista grossa à pirataria, desde que seus próprios navios não fossem atacados. Quando a colonização europeia do Caribe se tornou mais efetiva e a região se tornou economicamente mais importante, os piratas gradualmente desapareceram, caçados por navios de guerra das potências coloniais; suas bases em terra firme foram tomadas. No século XVIII, a pirataria europeia no Atlântico desapareceu quase por completo. Sua função de “violência pura” para a acumulação originária de capital tinha, finalmente, se esgotado. Os aventureiros-comerciantes-criminosos de Jamaica e de Tortuga se dispersaram e desapareceram.[xxxvi] A modernidade entre teólogos, colonos e piratas Osvaldo Coggiola A atividade de pirataria e de corso não foi economicamente marginal; cumpriu uma função central na distribuição da riqueza, na acumulação originária de capital e na disputa pela hegemonia no mercado mundial, na fase inicial deste. Ninguém menos que John Maynard Keynes assim o constatou: “Sem dúvida, a pilhagem trazida por Drake pode com justeza ser considerada a fonte e a origem do investimento externo britânico. Com ele, (a rainha) Elizabeth pagou a totalidade de sua dívida externa e investiu uma parte do balanço na Companhia do Levante; com os lucros extraídos dessa Companhia formou-se a Companhia das Índias Orientais, cujos lucros representaram, durante os séculos XVII e XVIII, a principal base das ligações externas da Inglaterra. Jamais houve uma oportunidade tão prolongada e tão rica para o homem de negócios, o especulador e o aproveitador. Nesses anos de ouro, nasceu o capitalismo moderno”.[xxxvii] Dito por um lorde inglês (além de economista) não há porque duvidar. A pirataria foi minando as bases econômicas do império colonial espanhol, e preparando as bases para novas hegemonias coloniais, das quais a inglesa foi a maior: “O contato entre Espanha e suas colônias focou restringido pela decisão da Coroa em limitar as viagens comerciais ao Novo Mundo para duas anuais, restrição que obedecia à necessidade de só transportar mercadorias coloniais em grandes frotas armadas, como meio de defesa contra piratas como Sir Francis Drake”.[xxxviii] A pirataria preparou uma nova hegemonia comercial e colonial, centrada na Inglaterra, e foi o último alicerce da acumulação capitalista primitiva das “potências tardias” em relação à primazia colonial ibérica. Assim, na base do massacre, da destruição de inteiras civilizações americanas e africanas, da escravidão e do trabalho forçado, do roubo e do assassinato praticado entre os próprios massacradores através da bandidagem e da pirataria, a extração de mais-valia por meios puramente econômicos, o modo de produção capitalista, construiu sua plataforma de lançamento mundial. Notas [i] Jan Carew. Columbus and the origins of racism in América. Race and Class n° 4, Londres, 1988. [ii] H. F. Dobyns. The Number Become Thinned. Knoxville, University of Tennessee Press, 2004. [iii] Jean-Claude Carrière. La Controverse de Valladolid. Paris, Flammarion, 1992. [iv] Santiago Muñoz Machado. Sepúlveda, Cronista del Emperador. Barcelona, Edhasa, 2012. [v] “Se eu tivesse que defender o direito que tivemos de escravizar os negros, eis o que diria: o açúcar seria muito caro, se não se cultivasse a planta que o produz por intermédio de escravos. Aqueles a quem nos referimos são negros da cabeça aos pés e tem o nariz tão achatado que é quase impossível lamentá-los. Não podemos aceitar a ideia de que Deus, que é um ser muito sábio, tenha introduzido uma alma, sobretudo boa, num corpo completamente negro (…) É impossível supormos que tais gentes sejam homens, pois, se os consideramos homens, começaríamos a acreditar que não somos cristãos” (Charles de Montesquieu. O Espírito das Leis. São Paulo, Martins Fontes, 2000 [1748]). [vi] John Lynch. Dios en el Nuevo Mundo. Una historia religiosa de América Latina. Buenos Aires, Crítica, 2012. [vii] Héctor Hernán Bruit. América Latina: 500 anos entre a resistência e a revolução. Revista Brasileira de História n° 20, São Paulo, março 1990. [viii] Héctor Hernán Bruit. Visão ou simulação dos vencidos? Anais V Congresso ADHILAC. São Paulo, Universidade de São Paulo, 1990. [ix] Carlos A. M. R. Zeron. Linha de Fé. A Companhia de Jesus e a escravidão no processo de formação da sociedade colonial. São Paulo, Edusp, 2011. [x] Anthony Anghie. Imperialism, Sovereignty and the Making of International Law. Nova York, Cambridge University Press, 2005. [xi] Margarida Cantarelli. Francisco de Vitoria, a doutrina colonial para o Novo Mundo. In: Claudio Brandão et al (eds.). História do Direito e do Pensamento Jurídico em Perspectiva. São Paulo, Atlas, 2012. [xii] Luciano Pereña. Il processo alla conquista dell’America. In: Laureano Robles (ed.). E la Filosofia Scoprì l’America. L’incontro-scontro tra filosofia europea e culture precolombiane. Milão, Jaca Book, 2003. [xiii] Carlos A. M. R. Zeron. Op. Cit. [xiv] Manuel Velázquez Castro. Las promesas del proyecto decolonial o las cadenas de la esperanza. Crítica y Emancipación nº 1, Buenos Aires, CLACSO, junho 2008. [xv] Eugene Genovese. O Mundo dos Senhores de Escravos. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1979. [xvi] Marcel Gauchet. Le Désenchantement du Monde. Une histoire politique de la religion. Paris, Gallimard, 1985. [xvii] Tzvetan Todorov. A Conquista da América. A questão do Outro. São Paulo, Martins Fontes, 1993. [xviii] Octavio Paz. O Labirinto da Solidão. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1984. [xix] Claude Lévi-Strauss. Histoire de Lynx. Paris, Plon, 1991. [xx] Hector Hernán Bruit. Op. Cit. Para o caso do México, ver: Miguel Leon-Portilla. Visión de los Vencidos. Relaciones indígenas de la conquista. México, UNAM, 1992. [xxi] Ruggiero Romano. Mecanismos da Conquista Colonial. São Paulo, Perspectiva, 1973, assim como a citação precedente. [xxii] Emília Viotti da Costa. A Dialética Invertida e Outros Ensaios. São Paulo, Edunesp, 2014. [xxiii] Claude Lévi-Strauss. Op. Cit. [xxiv] Helen H. Jackson. Un Siècle de Deshonneur. Paris, UGE, 1972. Trata-se de um relato do extermínio dos índios da América do Norte, redigido pela esposa de um capitão do exército da União. Para o extermínio dos índios do extremo Sul da América, ver: Liborio Justo. Pampas y Lanzas. Buenos Aires, Palestra, 1962. [xxv] Karl Marx. O Capital. Livro I, Seção VII. [xxvi] Fernando Novais. Estrutura e Dinâmica do Sistema Colonial. Séculos XVI-XVII. Lisboa, Livros Horizonte, sdp. [xxvii] Celso Furtado. A Economia Latino-americana. São Paulo, Companhia das Letras, 2007. [xxviii] Enrique Tandeter. Coacción y Mercado. La minería de la plata en el Potosí colonial. Madri, Siglo XXI, 1992. [xxix] A peonagem só foi abolida no México pela Revolução Mexicana (1910); na Bolívia, o pongo, instituição semelhante, sobreviveu até a revolução de 1952. [xxx] Enrique Florescano. Formación y estructura económica de la hacienda en Nueva España. In: Leslie Bethell (ed.). Historia de América Latina, v. 3. Barcelona, Crítica, 1990. [xxxi] Gláucio Ary Dillon Soares. A Questão Agrária na América Latina. Rio de Janeiro, Zahar, 1976. [xxxii] Ignácio Sotelo. Sociologia da América Latina. Rio de Janeiro, Pallas, 1975. [xxxiii] André Gunder Frank. Acumulação Mundial 1492-1789. Rio de Janeiro, Zahar, 1977; Virgilio Noya Pinto. O Ouro Brasileiro e o Comércio Anglo-Português. São Paulo, Companhia Editora Nacional, 1979. [xxxiv] David Cordingly. Under the Black Flag. The romance and the reality of life among the pirates. Londres, Random House, 2013. [xxxv] Ernesto Frers. Más Allá del Legado Pirata. Historia y leyenda de la pirateria. Barcelona, Robinbook, 2008, p. 159. [xxxvi] Testemunhos diretos das atividades de pirataria na América se encontram em: Alexandre Olivier Exquemelin. Piratas de América. Barcelona, Barral, 1971 [1678]; Daniel Defoe. Uma História dos Piratas. Rio de Janeiro, Jorge Zahar, 2008 [1724]. [xxxvii] John Maynard Keynes. A Treatise on Money. Nova York, Harcourt & Brace, 1930. [xxxviii] Charles Gibson. Spain in America. Nova York, Harper & Row, 1967.

domingo, 11 de dezembro de 2022

Aristóteles e a política de Atenas bbb

Aristóteles e a política de Atenas bbb https://www.academia.edu/2108440/Aristotles_response_to_fourth_century_athenian_society?email_work_card=thumbnail C HAPTER O NE A RISTOTLE ' S RESPONSE TO FOURTH - CENTURY A THENIAN SOCIETY M ARÍA J OSÉ M ARTÍN V ELASCO I. Introduction In the fourth century B.C. the democratic political system of Athens—then atits most developed—went through a crisis: its focus on the "polis" no longer fittedthe new circumstances of the individual. New and more realistic projects, foretell-ing different social and cultural horizons began to appear. Athenian citizens de-veloped a more critical attitude towards the democratic assumptions of the preced-ing period. They began to value other non-strictly democratic forms of govern-ment. And in the case of philosophers, they proposed theoretically perfect yet uto- pian political structures. The lack of interest in actual political life, compared to thecharacteristic activism of the previous century, is reflected at several levels.To begin with, New Comedy confronts the social criticism of Aristophanes with plots focusing on the private life of citizens. A second aspect is the gradual accept-ance of universality, of equality between all men, and the elimination of differences between Greeks and barbarians, which culminates in the policies of Alexander theGreat. A third element can be found in Demosthenes' continuous complaints aboutthe indolence of citizens and their abandonment of duties. Another example is thegeneralisation of what we could call the contemplative life, reflected in the politic-al views of Plato and Aristotle, which are more theoretical than practical. And fi-nally there is the fact that the democratic constitution acquires greater complexity,leading to the demise of the archetype of the personal, political citizen and to the progressive evolution of what we now refer to as the professional politician.Like Plato, Aristotle establishes a link between two alarming phenomena of histime: the instability of Greek political life and moral anarchy. Both philosophersconclude that the latter is the cause of the former and, consequently, they consider that the remedy is to teach people how to live better lives.According to Aristotle, the plenitude of morality is born from the state. It isthere, in the community, living side by side with their fellow-citizens, that men ful-fil themselves perfectly and completely, and it is there, in this social arena, where 2Chapter One their well-being can be fully achieved. 1 He proposes this concept as a solution tothe ideological and moral crisis of his time. I am therefore going to examine his political and moral theory from this point of view. I am going to start with the the-oretical and general proposal that questions the possibility of living together, andwill then analyse the concept of law. I will finish with the influence of education oncitizens.In the political arena Aristotle symbolises the culmination of a doctrine—which begins with Homer and continues with Socrates and Plato—in which politicalthought is linked with moral and educational theories; and being located at the endof an era, his proposals reflect a deeper content at the level of thought and experi-ence. II. Social life Aristotle, who bases all his philosophical theory on experience, states that "ingeneral, to live together and share in any human concern is hard […]." He illus-trates this by a simple example, namely groups of people travelling together. Heremost of them fall to quarrelling, "because in most cases they annoy each other over ordinary, everyday matters" ( Pol . II, 2.3 (1263a)). 2 In spite of being hard, living to-gether is necessary because "the impulse towards this kind of association exists bynature in all men", and "whoever is incapable of associating or has no need to be-cause of self-sufficiency is either a beast or a god" ( Pol . I, 1.12 (1253a)). Therefore"even without needing the mutual help, men tend to living together and they jointogether by participating in the common welfare", because "man is a political an-imal by nature". He also takes into consideration that cooperation is essential to 1 G. Lawrence having asked whether happiness, according to Aristotle, is a theoretical or a practical activity, concludes that: "The happy, or best, human life consists in a full lifetime'sworth of activity in accord with excellence. For this we need all, that is, both, human excel-lences. For it is only then that we will be able to do well that which it is best for us to do,whatever the situation –and thus obtain the best life we humanly could, given our circum-stances. […] The ideal life circumstances for a human are those which allow us, or leave usfree, to contemplate as much as we can, given the inevitable physical, emotional and socialdemands of human nature. For only then can we achieve the absolutely, or unqualifiedly,ideal life—at least so far as a human can." (13), G. Lawrence, "Aristotle and the Ideal Life," The Philosophical Review 102.1 (1993): 1-34. 2 Aristotle's quotations, both in Greek and in English, are all taken from the Perseus Digital Library (www.perseus.tufts.edu). Nicomachean Ethics : J. Bywater, ed., Aristotle's Ethica Nicomachea (Oxford, 1894) and H. Rackham, ed. and trans., Aristotle , XIX, Nicomachean Ethics (London, 1934); Rhetoric : W. D. Ross, ed., Aristotle. Ars Rhetorica (Oxford, 1959)and J. H. Freese, ed. and trans., Aristotle , XXII, Rhetoric (Cambridge and London, 1926); Politics : W. D. Ross, ed., Aristotle's Politica (Oxford, 1957) and H. Rackham, ed. and trans., Aristotle , XXI, Politics (London, 1944). Aristotle's response to fourth-century Athenian society3 face adversities and, consequently, the man who has to fight in order to live alonedoes not live peacefully and does not achieve the peace he searches for by nature: "it is absurd to turn a happy man into a lonely man, because nobody, possessingeverything, would prefer living alone, as man is a social being and prepared to livewith others by nature" ( Eth. Nic. IX, 9.3 (1169b)). Men, if they have a tendency towards society by nature, do not reach fulfilmentif they do not live in society. Having grounded men's social characteristics innature, Aristotle then goes a step further. He deduces that an individual is incom- plete without the state, for the individual is linked to the state as he is part of thewhole and the whole is superior to the part by nature. If the relationship betweenthe state and the individual is established because of nature, men will acquire their perfection in their relationship with society, and society will be shaped according tothe characteristics of human nature instead of against them. It is within society thathuman nature is completed.Admitting the possibility and the necessity (φύσει) of communal living meansaccepting the characteristics of a society formed by different individuals: "It is clear that if the process of unification advances beyond a certain point, the citywill not be a city at all, for a state essentially consists of a multitude of persons. Andif unification is carried on beyond a certain point, the city will be reduced to familyand family to individual, for the family is a more complete unity than the city, andthe single person than the family; so that even if any lawgiver were able to unify thestate, he must not do so, for he will destroy it in the process. And not only does acity consist of a multitude of human beings, it consists of human beings differing inkind. A collection of persons all alike does not constitute a state" ( Pol . II, 1.4(1261a)). A state without diversity is "a state that will arrive at a point where in a sense itwill not be a state. […] It is as if you were to reduce concord to unison or rhythmto a single beat" ( Pol . II, 2.9 (1263b)). Aristotle always had in mind in his state-ments the criticism of the egalitarianism proposed by Plato—in The Laws and The Republic— as an ideal solution to the political problems. Therefore he insists uponthe acceptance of diversity as a fundamental principle of society.Agreement (ὁμονοητικόν) must be based on an acute sense of the different in-terests of each person, which need to be reconciled in a reasonable manner. 3 And to 3 H. de Mauriac, "Alexander the Great and the politics of "Homonoia"," Journal of the His-tory of Ideas 10.1 (1949): 104-114, considers that the idea of the unity of mankind as the basis of Alexander the Great's way of ruling the empire sprung from the Aristotelian conceptof Homonoia. Before him, the desirability of Homonoia was generally admitted but it wasinterpreted in a negative manner, as the absence of faction fights. Aristotle considers it in a positive sense, as a mental attitude of considering the parts as one.

sábado, 10 de dezembro de 2022

Espinosa matheron obra

https://www.academia.edu/10651435/Revisiting_a_Marxist_Encounter_with_Spinoza_Alexandre_Matheron_on_Militant_Reason_and_the_Intellectual_Love_of_God?email_work_card=view-paper

quinta-feira, 17 de novembro de 2022

Roberto Amaral desmolitarizar a república

É preciso desmilitarizar a República "Por ora, a cor do Governo é puramente militar, e deverá ser assim. O fato foi deles, deles só, porque a colaboração do elemento civil foi quase nula. O povo assistiu àquilo bestializado, atônito, surpreso, sem conhecer o que significava. Muitos acreditaram seriamente estar vendo uma parada." - Aristides Lobo (Diário Popular, 18/11/1889) Roberto Amaral* Implantada por um golpe militar, a República brasileira sucede um Império anacrônico, sem pretender romper com sua ordem econômico-social, fundada no escravismo e na lavoura. Com ela sobrevive a sociedade patrimonialista, excludente, profundamente desigual e conservadora que hoje nos espanta. Despida de republicanismo (doutrina que jamais chegou ao povo e era desconhecida pelas tropas que desfilaram pelas ruas do Rio de Janeiro em 1889), a república nascente conservaria as duas características básicas da monarquia, a cuja natureza reacionária seus líderes não se opunham de fato: a ausência de povo e de representação, fragilidade que a perseguirá por quase um sesquicentenário, o tempo de sua vida até aqui. A reforma, na realidade, jamais foi objetivo dos oficiais golpistas; pretendendo derrubar um gabinete malquisto por eles, terminaram destronando o imperador longevo – pelo qual, aliás, o país nutria reconhecida empatia. A República, um projeto das elites que não cogitou do concurso do povo, se impõe para que, mudando-se o regime, em nada fosse alterado o mando: o Brasil agrário da monarquia sobreviverá na República da lavoura exportadora do café, herdeira das exportações de madeira, açúcar e ouro, matriz da sociedade exportadora de grãos, carne e minérios in natura. No império e na república, continuamos cumprindo o papel de fornecedores das mercadorias que o mundo rico demanda. Para cumprir com seu destino chega descasada da democracia, exatamente um século após a matriz cunhada pela revolução francesa. Nos estertores do século XIX continuávamos sendo um país cuja política desconhecia a participação popular: sem povo, sem partidos, fizéramos a independência e construíramos o império; sem povo deveríamos fazer a república sereníssima. Entre nós, a res publica é capturada pelo interesse privado. Somos conservadores até com relação à classe-dominante: herdeira da casa-grande, é a mesma desde o Brasil-Colônia. Contra o unitarismo monárquico, no entanto abraçado pelos jacobinos que articularam o golpe, a constituinte fundadora da República (1891), dominada pelos representantes da ordem descaída, optou pelo federalismo defendido pelo latifúndio e pelo escravismo, que, assim, sem serem frustrados pela História, como veríamos, esperavam conservar o mandonismo local, aquele sentado na grande propriedade. A terra continuava vencendo. A República vai consolidar-se como o regime da hegemonia das oligarquias, que só conheceria seu declínio com o golpe de 1930, sobretudo com o Estado Novo (1937-1945) que, por sinal, investirá contra o federalismo. E hoje, ainda lutando pela consolidação do nosso limitado processo democrático, podemos registrar dois fracassos rotundos: o da República, jungida aos interesses privados, e o do federalismo, inviabilizado pelos escandalosos desníveis regionais, caldo de cultura de uma crise em gestação. Mal saído do escravismo, cujas marcas conservaria até os dias que correm, o país dava os primeiros passos na aventura capitalista preso aos interesses da terra dominantes desde a colônia: a República era a solução das elites para a crise política agudizada pela Abolição. Na República, como no império, sob os traficantes de escravos e senhores de engenho ou sob o cutelo dos “coronéis”, o país continuaria sem projeto, sem rumo, preso às forças do atraso que obstaculizavam a industrialização. Numa história recorrente, o antigo regime colonial se projeta no império agrarista, que por seu turno sobreviveria numa república indiferente à manifestação da soberania popular, eis que dominada por um sistema eleitoral escandalosamente fundado na fraude. Como falar de República em sociedade pervadida pela desigualdade social e a exclusão das grandes massas da cidadania? Em vez da ruptura que abriria as portas ao progresso, impõe-se a conciliação que mantém a ordem do passado. Daí a indiferença com a qual foi recebida a fratura política aparentemente tão radical. Para a classe-dominante, a transição de regime não passaria da simples troca de um imperador vitalício por um presidente eleito pro-tempore. No fundamental, tudo continuaria como dantes no quartel de Abranches. E assim continuou. O 15 de novembro, movimento das elites sem raízes na organização social, foi, não obstante suas consequências institucionais e políticas, uma quase ópera-bufa, encenada por atores que, no seu conjunto, ignoravam o papel que lhes cabia desempenhar. O mais deslocado de todos era o velho marechal, retirado da cama de enfermo para se transformar em herói. A cena contempla momentos burlescos. Convencido, após muita relutância, de que deveria atender ao chamamento político de seus comandados, posto em sua farda de gala com o auxílio do ordenança, Deodoro monta em um cavalo que lhe é trazido por um miliciano, atravessa a pequena distância que o leva ao Campo de Santana e, sem espada, mão direita levantada, saúda como saudavam os comandantes assumindo a tropa: “Viva o Imperador!”, a que a tropa (atendendo a um reflexo condicionado, como de hábito) ecoou: “Viva, para sempre!”. O capitão José Bevilaqua, positivista e seguidor de Benjamin Constant, narra o episódio a que assistiu: “Chega o momento supremo da proclamação. O general Deodoro hesita ainda ante nossas instâncias, a começar pelo Dr. Benjamin, Quintino, Solon, etc., etc. Rompemos em altos e repetidos vivas à República! Abafamos o viva ao Senhor D. Pedro II, ex-Imperador, levantado pelo general Deodoro, que dizia e repetia ser ainda cedo, mandando-nos calar! Por fim, o general, vencido, tira o boné, e grita também: Viva a República! A artilharia com a carga de guerra salva a República com 21 tiros!” (Vide MENDES, R. Teixeira. Benjamin Constant. Rio de Janeiro. Ed. do Apostolado Positivista do Brasil,1913. pp. 356-7). Implantado, por um golpe militar levado a cabo pela oficialidade do exército sediada na então capital do Império, repita-se, o novo regime é a avenida pela qual trafegam rupturas constitucionais e irrupções militares que chegam aos nossos dias. Nasce com o golpe de 1889, a que se seguem o golpe frustrado de Deodoro (1891), o golpe de Estado de Floriano e a primeira ditadura republicana, conhecida como “ditadura da espada”, e de permeio contabiliza duas revoltas da armada (uma contra Deodoro e outra contra Floriano, que assumira já confrontando a constituição republicana recém promulgada) e o levante das fortalezas de Santa Cruz e Laje (1892). Consolida-se o militarismo que havia sido atenuado pela assembleia constituinte (formada por representantes da lavoura, quase todos vindos do antigo regime) e influenciada pelo liberalismo de Rui Barbosa. Mas era só o começo de uma série de crises políticas e intervenções militares que parece não ter fim: duas cartas outorgadas (1937 e 1967); duas longevas ditaduras (a de 1930-1945, com o intermezzo constitucional de 1943-1937 e a de 1964-1985); após os levantes das fortalezas de Santa Cruz e Laje (1892) a revolta da armada contra o presidente Floriano (1893), após a “ditadura da espada” (1891-1894), seguida pelo massacre, pelo “exército pacificador de Caxias”, dos camponeses de Canudos (1896-7) e o massacre, pela Marinha, dos heróis (previamente anistiados) da Revolta da Chibata (1910); três levantes militares (1922, 1924 e 1935); a insurreição paulista de 1932; o putsch integralista de 1938; o golpe militar de 1945 que derrubou o Estado Novo que outro golpe militar havia implantado em 1937; o golpe de 1954 que depôs Getúlio Vargas; a tentativa de golpe para impedir a posse de Juscelino Kubitscheck (1955); o golpe militar para garantir a posse dos eleitos (o 11 de novembro de 1955); os motins da aeronáutica contra o governo JK (Jacareacanga em 1956 e Aragarças em 1959); a tentativa de golpe para impedir a posse de João Goulart (1961), o golpe parlamentar de 2016 e o continuado projeto de golpe sustentado pelos militares no governo Bolsonaro que se mantém de pé até hoje, podendo ameaçar a posse de Lula e acompanhar seu governo. Como visto, a preeminência sobre a vida civil e a ruptura da ordem democrática são a marca indelével da caserna insubordinada na vida republicana, e assim ela chega aos nossos dias, valendo-se das armas – que a nação lhe entrega para a defesa da soberania – para promover seguidos atos de desestabilização institucional contra os interesses do país. Na raiz de tantos males a impunidade, o outro nome da “conciliação” que permeia uma história dominada pela cada-grande. À insolência das notas dos atuais comandantes das forças militares do Estado brasileiro sobre o processo eleitoral, coordenadas pelo ainda ministro da defesa, soma-se recente carta de antigo comandante do exército, missivista do golpismo desde sua agressão à autonomia do STF. De qualquer forma é estranho que, privado da fala e dos movimentos, possa ditar e escrever uma declaração pública em que estimula a insurreição contra a soberania do voto e trata como patriota uma escória que vai à porta dos quartéis pedir mais um novo golpe. A questão republicana mais urgente – sem dúvida o desafio político-institucional de maior relevo – é a erradicação do militarismo a que tanto deve a tragédia nacional. Não se trata, tão-só, da efetiva subordinação do soldado ao poder civil. Trata-se de seu rigoroso enquadramento disciplinar. Ou seja, da repressão à sua permanente insubordinação, tanto mais repugnante quanto se opera mediante o uso ilegal da força contra pessoas e instituições desarmadas. É chegada a hora de colocar o guizo no gato. Este, o desafio republicano. *** Um medalhão na Big Apple – Com uma fala abjeta proferida num convescote empresarial em Nova York, aonde ministros do STF (irregularmente sobre-remunerados por empresa privada especializada em lobby) foram flanar e falar de temas brasileiros, Dias Toffoli, exemplarmente medíocre como advogado e juiz, conseguiu ofender a memória de dois países ao mesmo tempo: a Argentina e o Brasil – a cuja Constituição, democrática, deve respeito e obediência funcionais. Como dizia o inesquecível Barão de Itararé, “de onde menos se espera, daí é que não sai nada, mesmo”. Ou sai porcaria. * Com a colaboração de Pedro Amaral Os textos de Roberto Amaral podem ser encontrados em www.ramaral.org.

segunda-feira, 7 de novembro de 2022

Cidadania II Kymlicka

Acessar texto correto em https://www.academia.edu/4182694/Kymlicka_El_Retorno_del_Ciudadano?from=cover_page EL RETORNO DEL CIUDADANO.UNA REVISIÓN DE LA PRODUCCIÓNRECIENTE EN TEORÍA DE LA CIUDADANíA * Will Kymlicka University of Ottawa Wayne Norman University of Ottawa Introducción El interés de los teóricos políticos por el concepto de ciudadanía ha experimentado una verdaderaexplosión. En 1978 era posible afirmar confiadamente que “el concepto de ciudadanía ha pasado demoda entre los pensadores políticos" (Gunsteren, 1978, pág. 9). Quince años más tarde, “ciudadanía” seha convertido en una palabra que resuena todo a lo largo del espectro político (Heater, 1990, pág. 293;Vogel y Morgan, 1991, pág. x). Hay una serie de razones que explican este renovado interés, propio delos noventa.A nivel de la teoría, se trata de una evolución natural del discurso político, ya que el concepto deciudadanía parece integrar las exigencias de justicia y de pertenencia comunitaria, que son respectiva-mente los conceptos centrales de la filosofía política de los años setenta y ochenta. El concepto deciudadanía está íntimamente ligado, por un lado, a la idea de derechos individuales y, por el otro, a lanoción de vínculo con una comunidad particular. En consecuencia, es probable que pueda ayudar aclarificar lo que está realmente en juego en el debate entre liberales y comunitaristas.El interés en la ciudadanía ha sido también alimentado por un serie de eventos políticos ytendencias recientes que se registran a lo largo y ancho del mundo: la creciente apatía de los votantes yla crónica dependencia de los programas de bienestar en los Estados Unidos, el resurgimiento de losmovimientos nacionalistas en Europa del Este, las tensiones creadas por una población crecientementemulticultural y multi-racial en Europa occidental, el desmantelamiento del Estado de bienestar en laInglaterra thatcheriana, el fracaso de las políticas ambientalistas fundadas en la cooperación voluntariade los ciudadanos, etc.Estos acontecimientos han mostrado que el vigor y la estabilidad de una democracia modernano dependen solamente de la justicia de su “estructura básica” sino también de las cualidades y actitudesde sus ciudadanos 1 .Por ejemplo, su sentimiento de identidad y su percepción de las formas potencialmente conflictivas de identidad nacional, regional, étnica o religiosa; su capacidad de tolerar ytrabajar conjuntamente con individuos diferentes; su deseo de participar en el proceso político con el propósito de promover el bien público y sostener autoridades controlables; su disposición aautolimitarse y ejercer la responsabilidad personal en sus reclamos económicos, así como en lasdecisiones que afectan su salud y el medio ambiente. Si faltan ciudadanos que posean estas cualidades,las democracias se vuelven difíciles de gobernar e incluso inestables 2 .Como observa Habermas, “lasinstituciones de la libertad constitucional no son más valiosas que lo que la ciudadanía haga de ellas”(Habermas, 1992, pág. 7). * Este texto apareció originalmente como Return of the Citizen: A Survey of Recent Work on Citizenship Theory, en Ethics, no 104, Chicago, The University of Chicago Press, enero de 1994, págs. 257-289. Publicado con permiso de losautores. La versión en castellano aquí reproducida apareció en Cuadernos del CLAEH , n 0 75, Montevideo, 1996, págs. 81-112. AgorA núm. 7/invierno de 1997, pags. 5-42. 1 Rawls dice que la “estructura básica” es el tema primario de la teoría de la justicia en Rawls, 1971, pág. 7,y Rawls, 1993, págs. 257-289. 2 Esto puede explicar el reciente interés de algunos gobiernos en promover la ciudadanía. Véanse Comisión Británica deCiudadanía, Encouraging Citizenship, 1990; Senado de Australia, Active Citizenship Revisited, 1991; Senado de Canada, Canadian Citizenship: Sharirig tbe Rcsponsability, 1993. No es sorprendente, pues, que haya cada vez más invocaciones a una “teoría de la ciudadanía”que se ocupe de la identidad y de la conducta de los ciudadanos individuales, incluyendo susresponsabilidades, roles y lealtades. Sin embargo, hay dos riesgos generales en esta búsqueda. El primero es que el alcance de una “teoría de la ciudadanía” es potencialmente ilimitado, ya que prácticamente todo problema de filosofía política implica relaciones entre ciudadanos o entre losciudadanos y el Estado. En la presente revisión intentaremos evitar este peligro centrándonos en doscuestiones generales que, en opinión de los teóricos de la ciudadanía, fueron desatendidas comoresultado del excesivo énfasis que ha puesto la filosofía política reciente en las estructuras einstituciones. Se trata de las virtudes cívicas y de la identidad ciudadana 3 .El segundo peligro para una teoría de la ciudadanía surge como resultado de la frecuenteconfusión entre dos conceptos que aparecen en la discusión: la ciudadanía como condición legal, esdecir, la plena pertenencia a una comunidad política particular, y la ciudadanía-como-actividad-deseable, según la cual la extensión y calidad de mi propia ciudadanía depende de mi participación enaquella comunidad.Como veremos en la próxima sección, muchos autores creen que una teoría de la ciudadaníaadecuada requiere un gran énfasis en las responsabilidades y virtudes. Sin embargo, pocos de entre ellos proponen que debamos revisar nuestra concepción de la ciudadanía-como-condición-legal de manera talque sea posible, digamos despojar de su ciudadanía a la gente apática. Lo que preocupa a estos autoresson mas bien los requisitos que caracterizan al "buen ciudadano”. Pero deberíamos esperar que unateoría del buen ciudadano sea relativamente independiente de la cuestión legal consistente en saber quées un ciudadano, del mismo modo que una teoría de la persona de bien es algo diferente del problemametafísico (o legal) de saber qué es una persona. Si bien muchos teóricos respetan esta distinción aldesarrollar sus propias teorías, en la última sección vamos a discutir una tendencia muy generalizada aignorarla cuando se trata de criticar las teorías de los demás (por ejemplo, por la vía de contrastar la propia concepción "fuerte” de la ciudadanía-como-actividad con la concepción “débil” de la ciudadanía-como-condición defendida por el oponente). La ortodoxia de posguerra Antes de describir la producción reciente es preciso bosquejar rápida mente el punto de vista implícitoen buena parte de la teoría de posguerra. Este punto de vista estuvo casi enteramente definido entérminos de posesión de derechos.La exposición más influyente de esta concepción de la ciudadanía-como-posesión-de-derechosfue la de T. H. Marshall en “Citizenship and Social Class”, escrito en 1949 4 . En opinión de Marshall, laciudadanía consiste esencialmente en asegurar que cada cual sea tratado como un miembro pleno de unasociedad de iguales. La manera de asegurar este tipo de pertenencia consiste en-otorgar a los individuosun numero creciente de derechos de ciudadanía.Marshall divide estos derechos en tres categorías que, desde su punto de vista, se materializaronen Inglaterra en tres siglos sucesivos: derechos civiles, que aparecen en el siglo XVIII, derechos políticos, que se afirman en el siglo XIX y derechos sociales -por ejemplo, a la educación pública, a laasistencia sanitaria, a los seguros de desempleo y a las pensiones de vejez- que se establecen en el sigloXX (Marshall, 1965, págs. 78 y sigs.) 5 .Con la expansión de los derechos de ciudadanía -anotaMarshall- hubo también una expansión de las clases de ciudadanos. Los derechos civiles y políticos, queoriginalmente se restringían a los varones blancos, propietarios y protestantes, fueron gradualmenteextendidos a las mujeres, los trabajadores, los judíos y católicos, los negros y otros grupos previamenteexcluidos. 3 Un problema del que no nos vamos a ocupar aquí es el de las políticas de inmigración y naturalización (veanse, por ejemplo, Brubaker, 1989, y V: Gunsteren 1988). 4 Reimpreso en Marshall, 1965. Para una introducción concisa a la historia de la ciudadanía, véanse Heater, 1990 y Walzer,1989. 5 Con frecuencia se menciona lo idiosincrásico de la historia inglesa. En muchos países europeos varios de estos progresosrecién ocurrieron en los últimos cincuenta años y frecuentemente en un orden inverso. Y aun en Inglaterra la evidenciahistórica habla de un "mode1o de flujo y reflujo" más que de un esquema "lineal" (Heater, 1990, pág. 271; Parry, 1991, pág. 167; Held, 1989. pág. 193; Turner, 1989). Para Marshall, la más plena expresión de la ciudadanía requiere un Estado de bienestar liberal-democrático. Al garantizar a todos los derechos civiles, políticos y sociales, este Estado asegura quecada integrante de la sociedad se sienta como un miembro pleno, capaz de participar y de disfrutar de lavida en común. Allí donde alguno de estos derechos sea limitado o violado, habrá gente que serámarginada y quedará incapacitada para participar.A esta concepción suele denominársela ciudadanía "pasiva” o “privada”, dado su énfasis en losderechos puramente pasivos y en la ausencia de toda obligación de participar en la vida pública. Se tratade una concepción que sigue contando con grandes apoyos 6 ,y esto por buenas razones: los beneficios dela ciudadanía privada no se deben menospreciar, ya que ponen ciertos bienes humanos básicos(seguridad, prosperidad y libertad) al alcance de casi todos. Y esto es nada menos que una fantásticarealización humana” (Macedo, 1990, pag. 39).Sin embargo, a esta ortodoxia de posguerra la han atacado con creciente frecuencia a lo largo dela última década. A los fines de este artículo, podemos identificar dos clases-de críticas.La primera se centra en la necesidad de complementar (o sustituir) la aceptación pasiva de losderechos de ciudadanía con el ejercicio activo de las responsabilidades y virtudes ciudadanas (entre lasque se incluyen la autosuficiencia económica, la participación política e incluso la civilidad). Estascuestiones se discuten en la sección siguiente.La segunda señala la necesidad de revisar la definición de ciudadanía generalmente aceptadacon el fin de incorporar el creciente pluralismo social y cultural de las sociedades modernas. ¿Puede laciudadanía aportar una experiencia común de identidad y lealtad a los miembros de la sociedad? ¿Essuficiente por sí misma para incluir en pie de igualdad a los grupos históricamente excluidos o, al menosen algunos casos, es necesario agregar disposiciones particulares? Esta cuestión se discute en la últimasección. Las responsabilidades y virtudes de la ciudadanía 1.La crítica de Nueva Derecha a la ciudadanía social y al Estado de bienestar La primera crítica a la ortodoxia de posguerra -y la más poderosa en términos políticos- proviene delataque de la Nueva Derecha a la idea de "derechos sociales”. Estos derechos siempre fueron resistidosdesde la derecha, con el argumento de que (a) son incompatibles con las exigencias de libertad negativay con los reclamos de justicia basados en el mérito, (b) son económicamente ineficientes, y (c) noshacen avanzar en el "camino hacia la servidumbre”. Pero a estos argumentos el gran público los veíainverosímiles, o bien los consideraba justificadamente neutralizados por consideraciones de justiciasocial o por una defensa del Estado de bienestar fundada, como la de Marshall, en la idea de ciudadanía.Una de las revoluciones del pensamiento conservador durante los años de Thatcher y Reaganfue la voluntad de empujar a la izquierda -a dar la batalla en el propio terreno de la ciudadanía social.Mientras que -Marshall había argumentado que los derechos sociales permitían a los másdesfavorecidos integrarse a la corriente principal de la sociedad y -ejercer efectivamente sus derechosciviles y políticos, la Nueva Derecha sostiene que el Estado de bienestar ha promovido la pasividadentre los -pobres, no ha mejorado sus oportunidades y ha creado una cultura de dependencia. Lejos deaportar una solución, el Estado de bienestar ha perpetuado el problema al reducir a los ciudadanos al papel de clientes inactivos de la tutela burocrática. De acuerdo con Norman Barry, no hay evidencia deque los programas de asistencia hayan promovido realmente una ciudadanía más activa (Harry, 1990, págs. 43-53) reclamos de autogobierno reflejan el deseo de debilitar los vínculos con la comunidad global e inclusocuestionar su propia naturaleza, autoridad y permanencia. Si la democracia es el gobierno del pueblo, laautodeterminación grupal plantea la cuestión de quién es de la virtud, pero, como lo admite Galston, “el pesimismo cultural es un tema que atraviesa la historiahumana casi en cada generación” (Galston, 1991, pág. 237) 22 . Si se registra un crecimiento del númerode delitos y un descenso de las tasas de participación electoral, es igualmente cierto que somos mástolerantes y más respetuosos de los derechos de los demás y que estamos más comprometidos con lademocracia y el constitucionalismo que las generaciones precedentes (Macedo, 1990, págs. 6-7). Noresulta claro, por lo tanto, cómo debemos promover la buena ciudadanía ni cuán urgente es esta tarea. Ciudadanía, identidad y diferencia La ciudadanía no es simplemente un status legal definido por un conjunto de derechos yresponsabilidades. Es también una identidad, -la expresión de la pertenencia a una comunidad política.Marshall concebía a la ciudadanía como una identidad compartida que integraría a los grupos quehabían sido excluidos de la sociedad británica y proveería una fuente de unidad nacional. Su preocupación central era la integración de las clases trabajadoras, cuya falta de educación y recursoseconómicos las excluía de esa “cultura compartida” que debería haber sido “un bien y una herenciacomunes” (Marshall, 1965, págs.101-102) 23 .Con el tiempo ha resultado claro, sin embargo, que muchos grupos -negros, mujeres, pueblosaborígenes, minorías étnicas y religiosas, homosexuales y lesbianas- todavía se sienten excluidos de la"cultura compartida”, pese a poseer los derechos comunes propios de la ciudadanía. Los miembros detales grupos se sienten excluidos no sólo a causa de su situación socioeconómica sino también comoconsecuencia de su identidad sociocultural: su "diferencia”.Un creciente numero de teóricos, a los que llamaremos "pluralistas culturales”, sostienen que elconcepto de ciudadanía debe tener en cuenta estas diferencias. Los pluralistas culturales creen que losderechos de ciudadanía, originalmente definidos por y para los hombres blancos, no pueden dar respuesta a las necesidades específicas de los grupos minoritarios. Estos grupos sólo pueden ser integrados a la cultura común si adoptamos lo que Iris Marion Young llama una concepción de la“ciudadanía diferenciada” (Young, 1989, pág. 258).Desde esta perspectiva, los miembros de ciertos grupos serian incorporados a la comunidad política no sólo como individuos sino también a través del grupo, y sus derechos dependerían en partede su pertenencia a él. Por ejemplo algunos grupos de inmigrantes reclaman derechos especiales oexcepciones para hacer posibles sus prácticas religiosas; grupos históricamente desaventajados como lasmujeres o los negros exigen una representación especial a nivel de las instituciones políticas y muchasminorías nacionales (los habitantes del Quebec, los kurdos, los catalanes) procuran aumentar sus poderes de autogobierno dentro del país en que habitan o directamente buscan la secesión.Estas demandas de “ciudadanía diferenciada” plantean serios desafíos a la concepción predominante de la ciudadanía. Mucha gente considera la idea de una ciudadanía diferenciada enfunción de grupos como una contradicción en los términos. Desde el punto de vista ortodoxo, laciudadanía es, por definición, una manera de tratar a la gente como individuos dotados de derechosiguales ante la ley. Esto es lo que distingue a la ciudadanía democrática del feudalismo y otrasconcepciones premodernas que determinaban el status político de la gente en función de su pertenenciaa determinada clase, etnia o confesión religiosa. De aquí que la organización de la sociedad sobre la base de derechos o pretensiones derivados de la pertenencia a determinado grupo se opone tajantementeal concepto de sociedad basado en la idea de ciudadanía” (Porter, 1987, pág. 128). Esto explica por quéla idea de ciudadanía diferenciada se percibe como una inflexión radical dentro de la teoría de laciudadanía.Una de las más influyentes pensadoras del pluralismo cultural es Iris Marion Young. Desde su punto de vista, el intento de crear una concepción universal de la ciudadanía que trascienda lasdiferencias grupales es fundamentalmente injusto porque históricamente conduce a la opresión de losgrupos excluidos: “en una sociedad donde algunos grupos son privilegiados mientras otros estánoprimidos, insistir en que, como ciudadanos, las personas deben dejar atrás sus filiaciones y expe- 22 De hecho, podemos encontrar similares preocupaciones acerca de la apatía política en los sociólogos políticos de los añoscincuenta y aun en Tocqueville. 23 Para una discusión de la función integradora de la ciudadanía véase Barbalet, 1988, pág. 93. riencias particulares para adoptar un punto de vista general, sólo sirve para reforzar los privilegios. Estose debe a que la perspectiva y los intereses de los privilegiados, tenderán a dominar este públicounificado, marginando y silenciando a los demás grupos” (Young, 1989, pág. 257) 24 .Young da dos razones por las cuales la genuina igualdad requiere afirmar, más que ignorar, lasdiferencias grupales.Primero, los grupos culturalmente excluidos están en desventaja de cara al proceso político, y“la solución consiste al menos parcialmente en proveer medios institucionales para el reconocimientoexplícito y la representación de los grupos oprimidos” (Young, 1989, pág. 259). Estos dispositivos procedimentales deberían incluir fondos públicos para la defensa de estos grupos, representacióngarantizada en las instituciones políticas y derechos de veto sobre determinadas políticas que afectendirectamente al grupo (Young, 1989, págs. 261-262, 1990, págs. 183-191).Segundo, los grupos culturalmente excluidos tienen necesidades particulares que sólo se puedensatisfacer mediante políticas diferenciadas. Éstas incluyen los derechos lingüísticos para los hispanos,los derechos territoriales para los grupos aborígenes y los derechos relativos a la reproducción para lasmujeres (Young, 1990, págs. 175-183). Otras políticas reivindicadas por los pluralistas culturalesincluyen las leyes de difamación colectiva en favor de las mujeres o los musulmanes, el financiamiento público de escuelas dirigidas a ciertas minorías religiosas y la suspensión de la aplicación de aquellasnormas que interfieren con el culto religioso, como las relativas al descanso dominical o a la faena deanimales (normas que interfieren con las prácticas religiosas de judíos y musulmanes) o las que obligana los motociclistas a usar el casco de seguridad, lo cual interfiere con el uso del turbante, prescriptivo para los Sikhs (Parekh, 1990, pág. 705 y 1991, págs. 197-204; Modood, 1992).Mucho se ha escrito en torno a la justificación de estos derechos, así como acerca de susvinculaciones con las teorías de la justicia y de la democracia. La propia Young defiende la legitimidadde estas medidas como respuesta a una “opresión” que ella presenta en cinco formas:explotación, marginación, carencia de poder, imperialismo cultural y violencias y acosos asistemáticosmotivados por el odio o miedo grupal” (Young, 1989, pág. 261). Nos llevaría demasiado lejosconsiderar estas justificaciones o las distintas objeciones que se han levantado en su contra 25 . En lugar de ello, vamos a concentrarnos en el impacto que tienen estos tipos de derecho sobre la identidadciudadana.Los críticos de la ciudadanía diferenciada temen que si los grupos son estimulados a replegarsesobre sí mismos y a centrarse en su “diferencia” (sea racial, étnica, religiosa, sexual o de cualquier otrotipo), entonces “la esperanza de una amplia fraternidad entre todos los estadounidenses deberáabandonarse” (Glazer, 1983, pág. 227). La ciudadanía dejará entonces de ser “un dispositivo paracultivar el sentido de comunidad y de propósitos compartidos” (Heater, 1990, pág. 295; Kristeva, 1993, pág. 7; Cairns, 1993). Nada vinculará a los diferentes grupos que conforman la sociedad y nada evitarála diseminación de la desconfianza mutua y del conflicto (Kukathas, 1993, pág. 156).Los críticos temen, asimismo, que una ciudadanía diferenciada pueda crear una “política de lareivindicación". Si, como Young supone, sólo los grupos oprimidos están autorizados a ejercer laciudadanía diferenciada, esto puede estimular a los dirigentes de muchas comunidades a invertir suenergía política en alimentar una imagen de postergación que funcione como apoyo de sus reclamos dederechos, en lugar de trabajar para la superación de las desventajas.Estos asuntos son evidentemente serios. Para evaluarlos, sin embargo, debemos distinguir trestipos de grupo y tres tipos de derecho grupal que tanto Young como sus críticos tienden a confundir: (a)derechos especiales de representación (en beneficio de grupos desfavorecidos); (b) derechos deautogobierno (en beneficio de minorías nacionales); y (e) derechos multiculturales (en beneficio de 24 Véase también la discusión de Pateman en relación al modo como la ciudadanía es normalmente “construida a partir delos atributos, capacidades y actividades de los hombres”, por lo cual sólo puede ser extendida a las mujeres "como hombresdisminuidos” (Pateman, 1988, págs. 252-253; James, 1992, págs. 52-55 y Pateman, 1992). 25 Los críticos han objetado que la ciudadanía diferenciada: (a) viola la igualdad ya que, al asegurar ciertos derechos aalgunas personas pero no a otras en función de su pertenencia grupal, crea una jerarquía en la que “algunos son mas igualesque otros”; (b) viola el principio liberal de la neutralidad del Estado, según el cual el rol cultural de los poderes públicosdebe limitarse a mantener un mercado de ideas limpio; c) es arbitraria, ya que no hay principios que permitan determinar cuáles grupos merecen un status diferencial. Para una discusión de estas objeciones véanse Glazer, 1983; Taylor, 1991, y1992a, págs. 51-61; Hindess, 1993; Kymlicka, 1989, y 1991; Phillips, 1992, y Van Dyke, 1985. inmigrantes y comunidades religiosas). Cada uno de estos tipos de derecho tiene consecuencias muydiferentes sobre la identidad ciudadana. a) Derechos especiales de representación. P ara muchos de los grupos que figuran en la lista deYoung (como los pobres, los ancianos, los afro-americanos y los homosexuales), el reclamo de derechosgrupales toma la forma de una demanda de representación especial en los procesos de decisión políticadel conjunto de la sociedad. Dado que Young considera que tales derechos son una respuesta a lascondiciones de opresión, probablemente debamos tomarlos como medidas temporarias en la marchahacia una sociedad en que la necesidad de una representación especial deje de existir. La sociedaddebería intentar eliminar la opresión, y con ella la necesidad de este tipo de derecho. b,) Derechos de autogobierno. En algunos de los ejemplos ofrecidos por Young, como el delsistema de reservas para los indios estadounidenses, el reclamo de derechos grupales no es consideradouna medida temporaria y no es correcto decir que se trate de una respuesta a una forma de opresión quealgún día será eliminada. Las poblaciones aborígenes y otras minorías nacionales como los habitantesdel Quebec canadiense o los escoceses exigen derechos permanentes e inherentes, fundados en el principio de autodeterminación. Estos grupos son “culturas", “pueblos” o “naciones”, en el sentido deser comunidades históricas más o menos institucionalizadas, que ocupan una tierra natal y compartenuna historia y un lenguaje distintivos. Estas naciones están insertas dentro de los límites de unacomunidad política más amplia, pero reivindican el derecho de gobernarse a sí mismas en algunos temascruciales con el propósito de asegurar el desarrollo libre y pleno de su cultura y de los intereses de sugente. Lo que estas minorías nacionales pretenden no es una mejor representación en el gobierno centralsino más bien la transferencia del poder y de la jurisdicción legislativa desde el gobierno central haciasus propias comunidades. c) Derechos multiculturales. El caso de los latinoamericanos y otros grupos inmigrantes en losEstados Unidos es diferente a los dos anteriores. Sus reclamos incluyen el financiamiento público de laeducación bilingüe y de los estudios étnicos, así como la suspensión de aquellas leyes que obstaculizansus prácticas religiosas. Se supone que estas medidas ayudarán a los inmigrantes a expresar su particularidad cultural y el respeto de sí mismos, sin por ello impedir su éxito en las institucioneseconómicas y políticas de la sociedad dominante. Al igual que los derechos de autogobierno, estosderechos no necesitan ser temporarios, ya que las diferencias culturales que promueven no son algo queesperemos eliminar. Pero, a diferencia de los derechos de autogobierno, los derechos multiculturalesaspiran a promover la integración en la sociedad global, no la independencia.Es manifiesto que, estas tres clases de derecho pueden superponerse en el sentido de que algunosgrupos pueden reclamar varias de ellas al mismo tiempo.Si se define a la ciudadanía diferenciada como la adopción de uno o más de estos derechosgrupales diferenciados, entonces virtualmente toda democracia moderna los reconoce en alguna forma.La ciuadanía es hoy “un concepto mucho más diferenciado y mucho menos homogéneo de lo quesupusieron los teóricos políticos” (Parekh, 1990, pág. 702). Sin embargo, muchos pluralistas culturalesreclaman un grado de diferenciación que prácticamente no existe en ninguna democracia desarrollada.La adopción de uno o más de estos derechos grupales, ¿corroería la función integradora de laciudadanía? Una mirada más atenta a la distinción entre las tres clases de derechos sugiere que estetemor está frecuentemente fuera de lugar. En términos generales, los reclamos de derechos derepresentación y de derechos multiculturales constituyen de hecho una demanda de inclusión. los gruposque se sienten excluidos desean ser incluidos en la sociedad global y el reconocimiento y la acogida desu “diferencia” son considerados un camino para facilitar este proceso.El derecho a una representación especial no es más que la nueva versión de una vieja idea.Siempre se ha reconocido qué una democracia mayoritaria puede ignorar sistemáticamente las voces delas minorías. En los casos en que las minorías están concentradas territorialmente, la respuesta de lossistemas democráticos ha sido delinear deliberadamente las fronteras de las unidades federales o de losdistritos electorales, de modo de crear circunscripciones donde la minoría sea mayoritaria (Beitz, 1989,cap. 7). Los pluralistas culturales simplemente extienden esta lógica a las minorías no territorializadas,que pueden tener similares necesidades de representación (por ejemplo, las mujeres, los minusválidos olos homosexuales y lesbianas). realmente “el pueblo”. Las minoríasnacionales pretenden ser pueblos diferentes, con derechos inherentes a la autodeterminación que nofueron reconocidos en el momento de su federación (a veces involuntaria) con otras naciones en un paísmás grande. De hecho, la conservación de ciertos poderes suele afirmarse de modo explícito en lostratados o acuerdos constitucionales que establecen los términos de la federación.Los derechos de autogobierno constituyen pues la argumentación más completa en favor de laciudadanía diferenciada, dado que dividen a la población de un país en “pueblos” separados, cada unocon sus propios derechos históricos, territorios y poderes de autogobierno y cada uno, en consecuencia,con su propia comunidad política.Parece poco probable que la ciudadanía diferenciada pueda cumplir en este contexto una funciónintegradora. Si ciudadanía es integración a una comunidad política, entonces, al crear comunidades políticas superpuestas, los derechos de autogobierno necesariamente propician una suerte de ciudadaníadual y conflictos potenciales para determinar cuál es la comunidad con la cual los ciudadanos seidentifican más profundamente (Vernon, 1988). Por otra parte, no parece haber un punto final natural alos reclamos de autogobierno. La concesión de una autonomía limitada puede simplemente realimentar las ambiciones de los dirigentes nacionalistas, que no se declararán satisfechos hasta obtener su propioEstado-nación. Por esta razón, los Estados democráticos multinacionales parecen ser inherentementeinestables.Podría parecer tentador, en consecuencia, ignorar los reclamos de las minorías nacionales, dejar fuera de la constitución toda referencia a grupos particulares e insistir en que la ciudadanía es unaidentidad común compartida por todos los individuos independientemente de sus pertenencias grupales.De este modo se suele describir la estrategia estadounidense para encarar el pluralismo cultural. Pero,con algunas pocas excepciones -como la de las poblaciones indoamericana, inuit, puertorriqueña yhawaiana, mayoritariamente remotas y aisladas-, los Estados Unidos no son un Estado multicultural. Su problema fue asimilar poblaciones que inmigraban voluntariamente, no incorporar comunidadeshistóricamente autogobernadas cuyo territorio original pasara a formar parte de una comunidad másamplia. Y cuando se aplicó a las minorías nacionales -los indoamericanos, por ejemplo-, la ‘ciudadaníacomún” fue un catastrófico fracaso, como lo admiten sus propios partidarios (Walzer, 1982, pág. 27, yKymlicka, 1991). Como resultado de ello, a muchos de estos grupos en la actualidad se les concedenderechos de autogobierno al interior de los Estados Unidos.De hecho, hay muy pocos Estados democráticos multinacionales que sigan estrictamente laestrategia de la "ciudadanía común”. Esto no es sorprendente, ya que el simple rechazo de los reclamosde autogobierno puede agravar la alienación de esos grupos y aumentar su deseo de secesión (Taylor,1992a, pág. 64) 31 .Es por esto que los reclamos de autogobierno plantean un problema tanto a los partidarios de laciudadanía común como a los defensores de la ciudadanía diferenciada. Sin embargo, es llamativa la poca atención que unos y otros han prestado a esta modalidad de la ciudadanía diferenciada o al arregloinstitucional que más comúnmente se empleó para hacer valer los derechos de autogobierno, es decir, elfederalismo 32. ¿Cuál es, finalmente, la fuente de unidad en un país multinacional? Rawls afirma que, en lassociedades modernas, la fuente de unión es una concepción compartida de la justicia: "si bien unasociedad bien ordenada está dividida y signada por el pluralismo, ... el acuerdo público sobre cuestionesde justicia política y social sostiene los lazos de amistad cívica y protege los vínculos asociativos”(Rawls, 1980, pág. 540). Pero el hecho de que dos grupos nacionales compartan los mismos principiosde justicia no necesariamente les da una razón decisiva para unirse o mantenerse juntos, en lugar desepararse o mantenerse separados. El hecho de que los habitantes de Noruega y Suecia compartan losmismos principios de justicia no es una razón para que los noruegos se arrepientan de la secesión de1905. Del mismo modo, el hecho de que los anglófonos y francófonos de Canadá compartan los mismos 31 De cualquier modo, el Estado no puede evitar conceder el reconocimiento público a algunas identidades grupales particulares. Después de todo, los gobiernos deben decidir qué lengua(s) va(n) a ser empleada(s) como lengua oficial en lasescuelas, cortes y legislaturas. 32 Para una revisión de la producción filosófica sobre federalismo, véase Norman, 1993b. principios de justicia no es una razón decisiva para que se mantengan unidos, dado que los habitantesdel Quebec sostienen correctamente que su propio Estado nacional podría respetar los mismos principios. Una concepción de la justicia compartida por una comunidad política no necesariamentegenera una identidad común, para no hablar de una identidad ciudadana compartida que supere lasidentidades rivales basadas en la etnicidad (Nickel, 1990 y Norman, 1993a) 33 .Parece claro, pues, que éste es un punto en donde realmente necesitamos una teoría de laciudadanía y no solamente una teoría de la democracia o de la justicia. ¿Cómo podemos construir unaidentidad común en un país donde la gente no sólo pertenece a comunidades políticas distintas sino quelo hace de diferentes maneras -esto es, algunos se incorporan como individuos y otros a través de la pertenencia comunitaria.-? Taylor llama a este fenómeno “diversidad profunda” e insiste en que surespeto es ‘una fórmula necesaria” para evitar que un Estado multinacional se desintegre. Pero admiteque queda abierta la cuestión de qué es lo que mantiene unido a un Estado de este tipo 34 .De hecho, la gran diferencia .entre las situaciones históricas, culturales y políticas de cadaEstado multinacional sugiere que toda respuesta general a esta pregunta será una sobresimplificación.Sería un error suponer que se puede desarrollar una teoría general del rol que juega la identidadciudadana común o la identidad ciudadana diferenciada en la promoción o el debilitamiento de la unidadnacional (Tayior, 1992b, págs. 65-66). Como en muchos otros casos mencionados a lo largo de estareseña, no está del todo claro qué podemos esperar en este punto de una teoría de la ciudadanía. Traducción de Pablo da Silveira BibliografíaAndrews, Geoíf, Citizensbip, Londres, Lawrence & Wishart, 1991.Arneson, Richard, “ls Socialism Dead? A Comment on Market Socialism and Basic lncome Capitalism, Etbics, 1992, n 0 102, págs. 485-511.Audi, Roben, “Tite Separation of Church and State and the Obligations of Citizenship’, Philosophy and Public Affairs, 1989, no 18 págs. 259-296.Barbalet, J. M., Citizenship: Rights, Struggle and Class Inequality, Minneapolis, University of Minnesota Press, 1988.Barry, Norman, Markets, Citizenship and the Welfare State: Some Critical Reflections”, en RaymondPlant y Norman Barry (comps.), Citizenship and Rights in Tbatcber’s Britain: Two Views, Londres, 1990.Beiner,Ronald, “Citizenship, en What s the Matter with Liberalisrn?, Berkeley, University of CaliforniaPress, 1992.Beitz, Charles, Political Equality, N. J., Princeton University Press, 1989.Berten,André, ldentité Européenne, Une ou Multiple?, en Jacques Lenoble y Nicole Dewandre(comps.), L’Europe au soir du siecle: Identité et démocratie, París, Éditions Esprit, 1992. 33 Si los gobiernos desean servirse de la identidad ciudadana para promover la unidad nacional, deberán identificar laciudadanía no sólo con la aceptación de los principios de justicia sino también con un sentido emocional-afectivo de laidentidad, tal vez basado en una manipulación de vínculos compartidos o mitos históricos. Para una discusión de estaestrategia, véase Norman, 1993a. 34 Los filósofos europeos se ven cada vez más urgidos por estos dilemas, al pretender comprender la naturaleza de lacomunidad Europea y las formas de ciudadanía que ésta requiere. Habermas y sus seguidores argumentan que la unióneuropea no puede basarse en las tradiciones, culturas y lenguas compartidas que caracterizan a los Estados nacionalesexitosos. Más bien, la ciudadanía europea debe fundarse en un patriotismo constitucional “post-nacional” basado en principios compartidos de justicia y democracia (Haberrnas, 1992; Berten, 1992, y Ferry, 1992). Otros, sin embargo,sostienen que esta base de unidad es demasiado exigua. Como observa Taylor, incluso los países modelo en materia de patriotismo constitucional -Francia y los Estados Unidos- han necesitado también muchas de las vestiduras propias de losEstados nacionales, incluyendo mitos fundacionales, símbolos nacionales e ideales de pertenencia histórica y cuasi-étnica(Taylor, 1992b, pág. 61; Lenoble, 1992 y Smith, 1993). Según Taylor, no corresponde a los filósofos definir a priori laforma de ciudadanía que es legítima o admisible. Más bien, debemos buscar las formas de identidad que aparecen comosignificativas para la propia gente (Taylor, 1992b, pág. 65 y Berten, 1992, pág. 64). Brubaker, William Rogers, Inmigration and the Politics of Citizenship in Europe and North America, Lanharn, MD, University Press of America, 1989.Cairns, Alan “The Fragmentation of Canadian Citizenship, en William Kaplan (comp.), belonglng: The Meaning and Future of Canadian Citizenship, Montreal, McGill-Queen s Press, 1993.Cairns,Alan y Cynthia Williams, Constitutionalism, Citizenship, and Society in Canada, Toronto,University of Toronto Press, 1985.Carens, Joseph, “Rights and Duties in a Egalitarian Society”, Polítical Theory, n°14, 1986, págs. 31-49.Conover, Pamela, lvor, Crewe y Donald Searing, “The Nature of Citizenship in the United States andGreat Britain: Empirical Comments on Theoretical Themes’, Journal of polítics n 0 53, 1991, págs. 800-832.Deight, John, “Qn Rights and Responsability”, Law and Philosophy, n° 7,1988, pags. 147-178.Dietz, Mary, “Citizenship with a Feminist Face: The Problem with Maternal Thinking”, Polítical Theory, no 13, 1985, págs. 19-35.Dietz, Mary, “Context is All: feminism and Theories of Citizenship”, en Mouffe (comp), 1992b, págs.63-85.Dworkin, Ronald, “Liberal Community”, California Law Review, n° 77, 1989, págs. 479-504.Dworkin, Ronald, “Deux Conceptions de la Démocratie”, en Jacques Lenoble y Nicole Dewandre(comps.), L’Europe au soir du siecle: ldentité et démocratie, París, Editions Esprit, 1992.Elshtain, Jean Bethtke, Public Man, Private Woman: Women in Social and Polítical Thougth, Princeton, N. J., Princeton University Press, 1981.Ferry, Jean-Marc, Identité et Citoyenneté Européennes”, en Jacques Lenoble y Nicole Dewandre(comps.), L’Europc au soir du siecle: ldentite et démocratie, París, Editions Esprit, 1992.Fierlbeck, Katherine, “Redefining Responsibilities: The Politics of Citizenship in the United Kingdom’, Canadian Journal of Political Science, n 0 24, 1991, págs. 575-583.Fullinwider, Robert, “Citizenship and Welfare State”, en Amy Gutmann (comp.), Democracy and Welfare State, Princeton, N. J., Princeton University Press, 1988.Galston, William, Liberal Purposes: Goods, Virtues and Duties in the Liberal State, Cambridge,Cambridge University Press, 1991.Gilligan, Carol, In a Different Voice: Psycological Theory and Moral Development, Cambridge, Mass.,Harvard University Press, 1982. Glazer, Nathan, Ethnic Dilemmas: 1964-1982, Carnbridge, Mass., Harvard University Press, 1983. Glendon, Mary Ann, Rights Talk: The Impoverishment of Po!itial Discourse, Nueva York, Free Press,1991.Gutmann, Amy, Democratic Education, Princeton, N. J., Princeton University Press, 1987.Habermas, Jurgen, “Citizenship and National Identity: Some Reflections on the Future of Europe”, Praxis International, n 0 12, 1992, págs. 1-19.Heater, Derek, Citizenship: Tire Civic Ideal in World History, Politics, and Education, Londres,Longman, 1990.Held, David, “Citizenship and Autonomy”, en Political Theory and the Modern State, Stanford,California, Stanford University Press, 1989. La versión en castellano de este texto se incluye enel presente número de AgorA, págs. 43-71