sexta-feira, 8 de julho de 2022

Dewey a democracia do homem comum

A DEMOCRACIA DO HOMEM COMUM: RESGATANDO A TEORIA POLÍTICA DE JOHN DEWEY Thamy Pogrebinschi RESUMO Entre os principais assuntos que vêm marcando presença na agenda da teoria política contemporânea nos últimos anos, estão os temas da deliberação, da comunidade e da comunicação. O que os “novos” debates sobre a democracia deliberativa, o comunitarismo e a teoria da comunicação não deixam claro, contudo, consiste no fato de que a “novidade” que apresentam já se encontrava anunciada na teoria pragmatista desenvolvida no começo do século XX, especialmente nos escritos de John Dewey. Com efeito, nos primeiros anos desse século, Dewey elaborou uma consistente teoria política normativa, cujo principal foco centravase na questão da democracia. Isso não teria nenhuma relevância especial caso a teoria democrática avançada por Dewey não abarcasse efetivamente uma concepção normativa de democracia participativa ou deliberativa nos mesmos moldes discutidos pelas mais recentes tendências e autores da teoria democrática contemporânea. A partir da leitura de Dewey e de alguns de seus comentadores, é possível identificar um conceito de democracia “radical”, “procedimental” e “deliberativa” que apresenta fortes ressonâncias, por exemplo, com os temas de comunidade, participação, comunicação, espaço público e educação. Diante disso, o objetivo deste artigo consiste em recuperar o pensamento de John Dewey, demonstrando o seu vanguardismo frente à teoria política contemporânea e indicando a relevância de sua contribuição para o atual debate da teoria da democracia. PALAVRAS-CHAVE: democracia; homem comum; teoria política; John Dewey. “Regarded as an idea, democracy is not an alternative to other principles of associated life. It is the idea of community life itself” I. INTRODUÇÃO Recebido em 19 de novembro de 2003 Aprovado em 10 de agosto de 2004 O nome de John Dewey é usualmente associado à Filosofia da Educação ou ainda à Psicologia e à Ética, tendo sido por longo tempo conhecido e estudado apenas nos domínios restritos da Filosofia ou da Pedagogia. Com a revivescência do pragmatismo nos últimos 20 anos e o conseqüente surgimento daquilo que se passou a chamar de neopragmatismo, o pensamento de Dewey começou a ser recuperado em sua integridade, transpondo assim as barreiras das disciplinas acadêmicas e fazendo-se ouvir também no campo das Ciências Sociais. Com efeito, é no âmbito das Ciências Sociais e, especialmente, da Teoria Política que o pensamento de Dewey encontra sua maior potencialidade de aplicação e inovação. Conforme tentaremos argumentar neste artigo, a teoria política desenvolvida por John Dewey no começo do século XX é perfeitamente condizente com a atual agenda da Teoria Política contemporânea. De fato, Dewey antecipou em várias décadas osJohn Dewey (1927, p. 148) .recentes debates em torno, por exemplo, do comunitarismo e das formas deliberativa e procedimental da democracia. Nesse sentido, o pragmatismo político de Dewey é ainda extremamente atual e inovador e apresenta infinitas possibilidades de contribuição para os debates contemporâneos . Conforme acreditamos ficar claro nas páginas que se seguem, Dewey possui efetivamente uma teoria do Estado e uma teoria da democracia. Os principais temas que orientam seu pensamento político, com efeito, são os temas da comunidade e da democracia. Como já nos indica Dewey na epígrafe deste artigo, ambos os temas estão demasiada e inevitavelmente conectados, sendo muito difícil, portanto, tratá-los como duas categorias separadas. No entanto, neste artigo trataremos apenas do conceito de democracia, fazendo algumas referências ao conceito de comunidade apenas quando isso nos parecer inevitável – apesar de que, como veremos, a compreensão de um implica necessariamente a compreensão do outro. As idéias de Dewey acerca da democracia surpreendem pela sua atualidade. Diante disso, o que pode ser chamado de neopragmatismo na Teoria Política vem-se formando muito mais a partir de um resgate das idéias de Dewey do que propriamente por meio da elaboração de novos argumentos sobre o assunto. Com efeito, há, nos últimos anos, um número crescente de estudiosos que se preocupam com a discussão crítica e a interpretação dos escritos de Dewey. É nesse sentido, portanto, que podemos propriamente falar de um neopragmatismo político: no sentido de uma reatualização das idéias desenvolvidas inicialmente por Dewey na primeira metade do século XX. Dessas idéias, ao lado do conceito de comunidade, a democracia é sem dúvida a principal. II. A DEMOCRACIA COMO IDÉIA Para entender o conceito de democracia de Dewey é preciso partir de uma distinção por ele mesmo operada. Trata-se, por um lado, de distinguir a democracia como uma idéia e, por outro lado, como um sistema de governo. À democracia enquanto um sistema de governo Dewey chama de democracia política. Mas é com a “idéia de democracia” que Dewey está mais preocupado, ainda que os dois conceitos estejam conectados. Contudo, é possível perceber facilmente na essência do pensamento deweyano as linhas definidoras de cada uma dessas duas frações do conceito de democracia e será com base nelas que orientaremos nossa exposição a partir de agora. A democracia como uma idéia (social ou moral, conforme Dewey acrescenta indistintamente) consiste na abordagem do conceito de democracia que foi quantitativa e qualitativamente mais desenvolvido por Dewey e também aquele a cujo respeito ele parecia preferir escrever e pensar. Trata-se essa idéia de acreditar que a democracia é um modo de vida. Mas, antes de anteciparmos a essência do conceito de democracia enquanto uma idéia, é preciso ir por partes, reconstruindo a trajetória da formulação desse conceito no pensamento de seu autor. A idéia de democracia é tão vasta e tão plena que, de acordo com Dewey, não pode ser exemplificada por meio do Estado. Nenhum Estado, nenhuma forma de Estado, por melhor que seja, é suficiente para exemplificar a idéia de democracia em sua integridade. Isso porque a democracia, a sua realização, transcende o Estado: ela encontra-se, simultaneamente, em todos os modos de associação humana dentro da comunidade, afetando-os reciprocamente. Para que a idéia de democracia seja realizada, em conseqüência, ela precisa produzir efeitos sobre a família, a escola, a religião, o trabalho (“industry”, no sentido mais amplo que a tradução não confere), além de outras formas de associação humana. Nesse sentido, a “democracia política” – isto é, a democracia como um sistema de governo – com seus arranjos políticos e instituições governamentais – consiste meramente em um mecanismo destinado a assegurar canais de operação para a “idéia” de democracia. Diante disso, as críticas, as desaprovações e mesmo as modificações da “maquinaria” da democracia política não afetam a “idéia”, que permanece sempre intocável. Em outras palavras, a democracia enquanto forma de governo, ou seja, a “democracia política”, pode a qualquer momento ser revista, modificada, sem que isso afete a idéia de democracia. Isso porque a “idéia” sempre encontrará uma maquinaria política mais adequada para, por meio dela, continuar funcionando . A primeira lição da teoria democrática de Dewey, portanto, é não confundir, e jamais identificar, a “idéia de democracia” com os seus “órgãos e estruturas externas”. Ao passo que a idéia de democracia é inabalável, suas “formas políticas” estão sujeitas a críticas e crises constantes. Disso decorre, afirma Dewey, ser um erro repetir o velho bordão que afirma que o remédio para os males da democracia é mais democracia. Afinal, se os males vêm a ser remediados por meio da adição do mesmo tipo de “maquinaria” (leia-se instituições e arranjos políticos) já existente ou mesmo por meio do aperfeiçoamento ou refinamento daquela maquinaria, a democracia permanece doente, passível dos mesmos males. A cura para uma democracia em crise, diz Dewey, apenas pode ser alcançada se ao velho bordão for conferido um outro sentido, qual seja, o de retornar à própria “idéia” de democracia. A solução para os males da democracia política reside, assim, em encontrar a substância da “idéia”, em clarificá-la, compreendê-la, apreendê-la em seu sentido mais profundo, de modo a então possibilitar a crítica e a reconstrução de suas “manifestações políticas” (DEWEY, 1927, p. 143-144). De acordo com o autor, é um erro considerar que foi a “idéia de democracia” por si mesma que produziu as práticas governamentais encontráveis nos estados democráticos, isto é, o sufrágio, a representação, a regra da maioria, entre outras. A “idéia” apenas influenciou movimentos políticos concretos que resultaram nessas práticas, mas não as causou. Em outras palavras, as formas assumi- das pela “democracia política” ao longo do tempo, bem como as formas que se encontram consolidadas atualmente, representam o efeito cumulativo de inúmeros eventos de ordem histórica e não foram simplesmente determinadas pela “idéia” de democracia. Assim, explica Dewey, a intenção que levou à criação das conhecidas instituições da democracia moderna foi a de satisfazer necessidades e demandas concretas e não a de promover a “idéia” democrática. Destarte, considerar que o governo existe para servir sua comunidade e que seus propósitos apenas são alcançados quando a própria comunidade participa da escolha de seus governantes e da determinação das políticas por eles implementadas é pouco para Dewey. Isso corresponde apenas a uma parte da idéia democrática, sua “fase política”. Dewey está certo de que qualquer modificação que venha a ser implementada na “maquinaria democrática” existente deverá fazer que os interesses do público (“the public”) constituam-se cada vez mais como os critérios e parâmetros da atividade governamental, de modo que ele, o público, possa formar e manifestar seus propósitos de forma cada vez mais decisiva. Dewey está certo também de que muitas sugestões de reforma e melhoria da “forma política da democracia” são – e serão – permanentemente discutidas. Por isso é que ele acredita que o seu papel não deve ser o de engrossar esse rol, mas o de discutir as questões mais profundas que estão por trás dele. Essas questões, que segundo ele configuram um problema intelectual e não político, consistem em tentar descobrir os meios pelos quais o público pode reconhecer a si mesmo de modo a definir e expressar seus próprios interesses (idem, p. 145-146). Na busca das condições por meio das quais o público pode funcionar democraticamente, é preciso ir ao encontro do tema da comunidade e aos problemas a ele relativos. Esses, afinal, são os problemas que Dewey quer enfrentar, ao contrário de se preocupar em sugerir aperfeiçoamentos para os governos democráticos – até porque, enquanto a “Grande Sociedade” não se converter em “Grande Comunidade”, “é de certo modo fútil considerar qual maquinaria política irá servi-la” (idem, p. 147)4. “No exame das condições sob as quais o público disforme agora existente pode funcionar democraticamente, devemos proceder a partir de uma proposição da natureza da idéia democrática 4 Conforme mostramos em outro lugar (POGREBINSCHI, 2002), o objetivo de Dewey em seu livro The Public and its Problems é duplo. Ele quer, por um lado, compreender como a era industrial, ao desenvolver a Grande Sociedade (Great Society), invalidou e desintegrou as comunidades pequenas dos tempos passados sem gerar uma “Grande Comunidade”. Além disso, ele quer que o público descubra a sua própria identidade, saindo do eclipse em que se encontra. O desafio de Dewey naquele livro portanto, é o de investigar as condições a partir das quais a Grande Sociedade pode converter-se em uma Grande Comunidade. Lembramos que o conceito de “Grande Sociedade” foi criado pelo teórico político britânico Graham Wallas, amigo de Walter Lippmann, que, por sua vez, era um grande adversário intelectual de Dewey. Esse conceito implica a idéia de que as sociedades industriais modernas são crescentemente abstratas e impessoais, bem como crescentemente privam seus membros de entenderem-se uns com os outros por meio de um contato pessoal em comunidades de pequena escala. O conceito de “Grande Comunidade” que Dewey cria para contrapor-se ao conceito de Wallas insiste exatamente na direção oposta, qual seja, na afirmação de que as sociedades industriais precisam ser recriadas a partir da experiência das pequenas comunidades locais, em que o contato humano dá-se face-aface. Assim como o conceito de democracia, de que estamos ora tratando, o conceito deweyano de comunidade consiste antes em uma concepção idealizada de vida comunal, isto é, em um certo modo de vida a ser perseguido como um ideal ético ou moral. Conforme ficará claro nas próximas páginas, a democracia para Dewey possui os mesmos pressupostos que a comunidade, quais sejam, a participação, a educação e a comunicação. em seu sentido social genérico. Do ponto de vista do indivíduo, isso consiste em ter uma parcela de responsabilidade de acordo com a capacidade de formar e dirigir as atividades dos grupos a que se pertence e em participar de acordo com a necessidade dos valores sustentados pelo grupo. Do ponto de vista dos grupos, isso demanda liberação das potencialidades dos seus membros em harmonia com os interesses e bens que são comuns. Uma vez que todo indivíduo é membro de vários grupos, essa especificação só pode ser cumprida se grupos diferentes interagirem flexível e plenamente em conexão com outros grupos. [...] Um bom cidadão considera a sua conduta como membro de um grupo político enriquecedora e enriquecida pela sua participação na vida familiar, no trabalho e nas associações científicas e artísticas” (idem, p. 147-148). É nesse ponto, portanto, que os conceitos de democracia e comunidade encontram-se definitivamente. Encarada como uma idéia, conforme diznos Dewey na epígrafe deste artigo, a democracia não é uma alternativa a outros princípios de vida associativa, mas é a própria idéia de comunidade. Em suma, a idéia de democracia consiste em um ideal – um ideal de uma comunidade levada ao seu último limite; uma comunidade completa, perfeita: “A pura consciência de uma vida comunal, com todas as suas implicações, constitui a idéia de democracia” (idem, p. 149). De acordo com Dewey, em conseqüência, uma idéia de democracia só não é uma idéia utópica quando se toma como ponto de partida a comunidade, ou melhor, o fato da comunidade, com todos os seus elementos constitutivos. Diante disso, Dewey acredita que todas as concepções tradicionalmente associadas à idéia de democracia apenas adquirem sentido e eficácia verdadeira quando estão vinculadas a uma comunidade real. Desse modo, por exemplo, o famoso lema revolucionário francês que clama por “liberdade, igualdade e fraternidade” precisa realizar-se na vida comunal, sem o que ele consistiria em mera abstração ineficaz. Assim, apenas quando está associada à comunidade, a liberdade consiste na “liberação e satisfação das potencialidades pessoais”; a igualdade, por sua vez, implica o “compartilhamento das conseqüências da ação coletiva” por parte de cada indivíduo membro da comunidade e, por fim, a fraternidade passa a ser “outro nome para os bens conscientemente apreciados” que provêm da própria associação e por ela são compartilhados (idem, p. 150) . O que há de essencial, em conseqüência, nesse modo como Dewey encara a democracia, vale dizer, em sua concepção de democracia como idéia, é que ela deixa de ser vinculada unicamente à política. A política passa a ser apenas um dos lugares, um dos momentos, uma das formas que assume a democracia. Quando não está revestida de sua “forma política”, portanto, a democracia é muito mais ampla: ela apresenta-se como uma idéia que espalha seus efeitos de múltiplas formas, em vários lugares ao mesmo tempo. Mas, de certa forma, podemos dizer que essa multiplicidade de expressões da democracia concentra-se em um lugar: na comunidade. “A democracia precisa começar em casa e sua casa é a comunidade vicinal [neighborly]” (idem, p. 213). É na comunidade, afinal, que se encontram os indivíduos, os grupos, as famílias, as escolas, as fábricas, as igrejas, as associações de caráter científico e artístico, enfim, todas as formas de associação humana. É na comunidade que os indivíduos e os grupos podem comunicar-se, interagindo uns com os outros, compartilhando suas atividades e conseqüências. Diante disso, talvez possamos afirmar que, para Dewey, a democracia encontra-se mais no social que no político – mesmo porque este último plano só deve vir à tona quando o público descobrir-se e isso somente pode acontecer por meio do social. III. DEMOCRACIA E AUTOGOVERNO: UMA PERSPECTIVA VANGUARDISTA? A democracia, portanto, é a solidificação das possibilidades inerentes à vida comunitária, social; é um todo único em que se incluem as potencialidades e as capacidades dos indivíduos que são desenvolvidas por meio de atividades cooperativas levadas a cabo pela comunidade. Contudo, se a democracia é uma forma de vida comunal que oferece oportunidades intermináveis para o desenvolvimento da individualidade em sua plenitude, é preciso que os indivíduos possam participar da direção das suas vidas e da vida da comunidade em que estão inseridos. Os indivíduos membros das comunidades, portanto, devem participar da formação dos valores individuais e sociais que regulam sua vida comum. Em conseqüência, na medida em que a idéia de democracia engloba essa noção de auto-realização, ou seja, de constituição e consolidação recíprocas da individualidade e da coletividade uma por meio da outra, estabelece-se uma espécie de autogoverno. Quando a auto-realização individual converte-se em autogoverno, a comunidade converte-se em uma democracia participativa. Com efeito, a idéia de democracia expressa-se na participação do indivíduo em todos os momentos e lugares da vida comunal, de que a esfera propriamente política representa apenas um aspecto. Ao lado de todas as suas funções enquanto membros da comunidade, os indivíduos possuem uma função especificamente política, qual seja, a de participar de maneira “direta” e “ativa” na regulação dos termos da vida associativa e na busca do bem comum. Entenda-se por regulação a participação na formulação, na definição e na implementação de políticas públicas. Por políticas públicas, por sua vez, entendam-se políticas que de fato constituem as necessidades e os interesses do público, as necessidades e interesses “comuns” no sentido de serem necessidades e interesses da comunidade. Desse modo, o governo e suas instituições constituem apenas uma das várias atividades associativas da comunidade. Os cidadãos deweyanos não precisam de um governo que não seja o deles próprios, a ser exercido de maneira direta e constante – seja em casa, na escola, no trabalho, nas inúmeras associações com seus múltiplos fins: a democracia faz-se a si mesma em toda parte . Ao sustentar isso que inequivocamente é uma forma de democracia direta, Dewey não abre mão da idéia de representação, mas confere a ela um outro significado, uma outra compreensão, distinta daquela que estamos tradicionalmente acostumados a pensar. De acordo com ele, “nós comumente falamos de alguns governos como representativos em contraste com outros que não o são. Pela nossa hipótese, todos os governos são representativos” (idem, p. 76). O que faz que todos os governos sejam necessariamente representativos é que eles pretendem manter os interesses do público no comportamento dos indivíduos e dos grupos . Um governo apenas é representativo quando o público está definitivamente organizado em sua intenção de assegurar o predomínio da prosperidade pública sobre quaisquer outros desejos que cada membro individual da comunidade tenha em seus papéis e ações não-políticas. Nesse sentido, todos os indivíduos possuem uma “capacidade dual”: uma enquanto membro do governo e outra enquanto aquele que o elege. Potencialmente, todos podem ocupar essas duas posições e trabalhar para que o bem-estar do público prevaleça, assim como fazem em outras atividades associativas da comunidade que não o governo. Em tese, portanto, todos os governos são de fato representativos – e essa afirmação de Dewey não é nem um pouco contraditória no contexto de uma teoria da democracia que considera as instituições governamentais tão ou menos importantes que os demais desdobramentos da vida comunal. A necessidade de participação para a constituição da comunidade e a absoluta indissociabilidade entre participação e democracia e entre esta e a comunidade leva-nos a supor que Dewey efetivamente antecipou em várias décadas algumas das recentes discussões da Teoria Política contemporânea em torno das idéias de participação, cidadania participativa e democracia participativa. Nesse sentido, o testemunho de Westbrook logo em uma das primeiras páginas de sua biografia intelectual de Dewey é valioso: “Entre os intelectuais liberais do século XX, Dewey foi o mais importante defensor da democracia participativa, isto é, a crença de que a democracia como um ideal ético clama que os homens e as mulheres construam comunidades em que as oportunidades e os recursos necessários estão disponíveis para cada indivíduo realizar plenamente suas capacidades e poderes particulares por meio da participação na vida política, social e cultural” (WESTBROOK, 1991, p. xiv-xv). Essa idéia de democracia que promove, simultaneamente, a individualidade e o bem comum por meio de uma participação que não é meramente política, mas é, antes de tudo, social, faz de Dewey, conforme acreditamos, um dos precursores do tema da participação na Teoria Política. O que levou Dewey a elaborar uma teoria da democracia – sem dúvida normativa, ressalte-se – como esta, foi o seu desejo de opor-se às concepções realistas de democracia vigentes no seu tempo que sustentavam uma versão elitista dela. Muito antes de Joseph Schumpeter, a quem os novos teóricos da democracia vieram a opor-se nas últimas décadas do século XX, Dewey opunha-se no começo desse mesmo século ao elitismo democrático de autores como Walter Lippmann e Graham Wallas . A verdade é que a concepção de democracia avançada por Dewey corresponde em grande medida àquilo que Teoria Política contemporânea vem denominando de “democracia deliberativa”. Com efeito, o próprio Westbrook afirmou recentemente que se este termo já estivesse tão em voga enquanto ele estava escrevendo sua conceituada biografia de Dewey, ele teria preferido usá-lo ao invés de “democracia participativa” (WESTBROOK, 1998, p. 138). O fato é que, conforme argumentamos em discussão específica sobre o conceito de comunidade (POGREBINSCHI, 2002, p. 108-132), além da participação, há outra noção igualmente essencial para Dewey, qual seja, a de comunicação. Além disso, o que torna a expressão “democracia deliberativa” a mais adequada, ao invés de “democracia participativa” ou ainda “democracia direta”, é o fato de que Dewey não abdica absolutamente, como vimos, das instituições representativas. Com efeito, a teoria da democracia deweyana funciona combinando características das formas direta e representativa de democracia, mas o que é imprescindível nas últimas é que elas internamente funcionem de modo inteiramente deliberativo. “O ponto mais forte a ser feito mesmo em favor de tais formas políticas rudimentares que a democracia já alcançou, o voto popular, a regra da maioria e assim por diante, é que em alguma medida elas envolvem uma consulta e uma discussão que revelam as necessidades e os problemas sociais” (DEWEY, 1927, p. 206; sem grifos no original). Assim, de acordo com Dewey, o que faz que o sistema eleitoral com a sua regra de maioria não seja uma insensatez absoluta é que, para que a maioria seja alcançada, por exemplo, faz-se necessário todo um processo de “discussão”, “consulta” e “persuasão”. Vale dizer, as instituições representativas não podem prescindir de um certo grau de deliberação interna – sua maior (ou única) virtude segundo Dewey. E já que, por uma questão de lógica, não existem governos que não sejam representativos, aquela fração política da vida associativa que se chama governo deve, necessariamente, ser minimamente deliberativa em seu interior. Quanto aos problemas da “democracia política’” que Dewey abstém-se de discutir porque considera mais prementes as questões atinentes à “idéia de democracia”, podemos encontrar no presente contexto de nossa análise uma indicação de sua posição sobre o assunto. Se o remédio para os males da democracia não é mais “democracia política” e sim mais “idéia de democracia”, todavia, certamente Dewey concorda que a “maquinaria política” existente seria aperfeiçoada se aperfeiçoados fossem também os procedimentos de deliberação que dela fazem parte. A necessidade essencial, esclarece ele, “é o aperfeiçoamento dos métodos e condições de debate, discussão e persuasão. Esse é o problema do público” (idem, p. 208; grifo no original). E esse é também o problema da democracia. contudo, é a percepção de que todo o debate atual em torno da idéia de deliberação que vem ocu- pando o centro da agenda da Teoria Política contemporânea nos últimos anos resolutamente ignora a contribuição de Dewey sobre o assunto. É de saltar aos olhos o fato de que praticamente nenhum autor contemporâneo faça menção expressa a Dewey em suas postulações em prol de uma O que há de mais inquietante no desvelamento dessa parte da teoria da democracia de Dewey, democracia deliberativa. Conforme dizem James Bohman e William Rehg na introdução de uma das principais coletâneas sobre o tema, por eles editada em 1997, “até a metade deste século [século XX], as teorias da democracia eram geralmente suspeitosas quanto à deliberação pública” (BOHMAN & REHG, 1997b, p. x). Ora, se para eles as teorias elitistas só passaram a existir com Schumpeter, não é de surpreender que achem também que a idéia de deliberação surgiu apenas a partir da década de 1980. Com efeito, segundo acreditam esses dois teóricos políticos da contemporaneidade, a idéia de democracia deliberativa apareceu pela primeira vez em um artigo de Joseph Bessette, publicado em 1980 – e a partir daí “sua provocação uniu o coro de vozes clamando por uma visão participativa da política democrática” (idem, p. xii) . Sem dúvida, conforme já mencionamos antes, a concepção de democracia de Dewey é uma concepção normativa. Aliás, a Teoria Política pragmatista como um todo que pode ser inferida de Dewey também se antecipa nesse caráter normativo, estando ainda a oferecer, em conseqüência, inúmeras contribuições para a teoria normativa contemporânea ainda em processo de construção (FESTENSTEIN, 1997). Outro argumento que ainda desejamos ressaltar é que, em alguma medida, Dewey parece também antecipar um certo procedimentalismo em sua teoria democrática. Vale dizer, ao sustentar que a democracia deve ser exercida deliberativamente no seio das múltiplas formas associativas da sociedade, incluindo-se entre estas o governo e as instituições propriamente políticas, Dewey não especifica um determinado conteúdo substantivo constitutivo da idéia de democracia. Ou seja, a democracia deweyana, além de não se expressar pelas tradicionais vias do poder ou do interesse, não está tampouco contida na concretização, por exemplo, dos tradicionais ideais da liberdade ou mesmo da igualdade, assim como também não visa à materialização de um sistema de direitos. Se isso nos serve de argumento para afastar o pragmatismo político de Dewey do liberalismo, também nos serve para indicar uma certa antecipação do procedimentalismo, mas com uma diferença importante: ao contrário das investidas contemporâneas em direção a uma concepção procedimental de democracia, entre as quais a mais notória é a de Habermas, a concepção de Dewey não é formalista e, muito menos, dogmática . Outro argumento que Dewey desenvolveu na década de 1930 e que recentemente vem sendo utilizado por Habermas e outros teóricos da democracia (tais como Joshua Cohen, Andrew Arato e Chantal Mouffe) – sem nenhuma menção, evidentemente, ao fato de que Dewey utilizou o termo antes – é a noção de democracia radical. Por essa idéia Dewey entendia o fato de que os meios e os fins da democracia são inevitavelmente inseparáveis. Ou seja, a democracia não é meramente um fim, mas também não se resume a um meio; ela é ao mesmo tempo meio e fim. Esses  meios e fins podem ser de qualquer espécie, pois sempre haverá um meio de concretizar um fim. Assim, “não há nada mais radical do que a insistência sobre métodos democráticos como os meios pelos quais mudanças sociais radicais são efetuadas” (DEWEY, 1998 [1937], p. 339). Desse modo, afirma Dewey, não haveria oposição, por exemplo, em sustentar meios democráticos liberais combinados com fins que são socialmente radicais. “O fim da democracia é um fim radical. Pois é um fim que não tem sido adequadamente realizado em nenhum país em nenhum momento. Ele é radical porque requer uma grande mudança nas instituições sociais, econômicas, jurídicas e culturais existentes” (idem, p. 338-339). O que faz que a concepção de democracia de Dewey possa combinar, ao mesmo tempo, mecanismos diretos e indiretos, participação e representação, deliberação e procedimento, liberalismo e radicalismo social, é justamente a sua expressão por meio da “idéia de democracia”. Esta idéia, alternativamente adjetivada por Dewey e seus comentadores como sendo social, moral ou ética, não é nem forma nem substância, é algo ao mesmo tempo abstrato e concreto... é algo que, em um sentido bem pragmatista, ainda está – e sempre estará – sendo feito (“in the making”). Não existe, portanto, um princípio que expresse essa idéia, assim como não existe uma forma nem um conteúdo predeterminado e tampouco um ponto de chegada para ela . IV. A DEMOCRACIA COMO UM MODO DEVIDA A melhor maneira de compreender a idéia dedemocracia Dewey ofereceu-nos em um artigo escrito por ocasião da comemoração do seu aniversário de 80 anos (DEWEY, 1998 [1939], p. 340-343). Esse artigo, que certamente poderá permanecer por todo o resto da história democrática como um panfleto em prol da democracia, um belo e vivo manifesto pela democracia, reitera a crença de que a mesma não pode ser encarada meramente como um mecanismo político. A democracia, a “idéia”, afinal, é um “modo de vida”. Mas esse modo de vida não é qualquer um; ele não pode, por exemplo, ser imposto de fora nem ser derivado de nenhuma externalidade. Trata-se de um modo de vida pessoal, constituído por cada indivíduo. Para entender a idéia de democracia, portanto, é preciso perceber “[...] no pensamento e na ação que a democracia é um modo pessoal de vida individual; que ela significa a possessão e o uso contínuo de certas atitudes, formando o caráter pessoal e determinando o desejo e o propósito em todas as relações da vida. Ao invés de pensar em nossas próprias disposições e hábitos como acomodados a certas instituições, nós temos que aprender a pensar nestas últimas como expressões, projeções e extensões das atitudes pessoais habitualmente dominantes” (idem, p. 341; grifos no original). Em conseqüência, a idéia de democracia não tem que se adaptar às instituições, sobretudo às instituições políticas, mas, ao contrário, são as instituições que têm que se adaptar não somente à democracia, mas também aos hábitos dos indivíduos – aos seus modos de vida. Em outras palavras – deweyanas, certamente –, a “democracia política” deve subordinar-se à “idéia de democracia”. as e relações da vida cotidiana” (ibidem). A democracia é, assim, um modo de vida pessoal comandado não apenas pela fé na natureza humana em geral, explica Dewey, mas pela fé na Inevitavelmente associado à idéia de democracia como um modo de vida, está um outro conceito importantíssimo correlato à teoria democrática de Dewey: a fé. Evidentemente, não se está falando de qualquer fé. Trata-se de uma fé democrática, digamos assim. Essa fé deweyana, por sua vez, decerto expressa a mais interessante das crenças do seu autor, qual seja, a crença no “Homem Comum”. “A democracia é um modo de vida comandado por uma operante fé nas possibilidades da natureza humana. A crença no Homem Comum é um artigo familiar do credo democrático. Essa crença não tem base nem significado senão quando significa fé nas potencialidades da natureza humana na medida em que essa natureza é exibida em todo ser humano sem distinção de raça, cor, sexo, nascimento e família, riqueza material ou cultural. Essa fé pode ser decretada em leis, mas ela será apenas papel a não ser que seja colocada em vigor nas atitudes que os seres humanos possuem uns com os outros em todos as circunstâncicapacidade de os seres humanos terem discernimento (judgement) e uma ação inteligente. Estão em jogo aqui os conceitos pragmatistas de inteligência e criatividade. Alguns autores consideram que Dewey utiliza o conceito de inteligência muitas vezes como substitutivo da idéia de razão (BERNSTEIN, 1971, p. 222; WESTBROOK, 1991, p. 356-361; ALEXANDER, 1995, p. 138-142). No entanto, a inteligência é uma potencialidade de todos os seres humanos que, contudo, não se encontra plenamente desenvolvida sem a educação. Assim como a educação é essencial para a constituição da comunidade, ela é também essencial para a consolidação da democracia. Aliás, a prática da vida comunal e da democracia nela incluída é também, por sua vez, constitutiva do aprendizado e desse tipo de inteligência de que nos fala Dewey. “[...] O objetivo da educação é capacitar o indivíduo para continuar a sua educação – ou o objeto e a recompensa do aprendizado é a capacidade contínua de crescimento. No entanto, essa idéia não pode ser aplicada para todos os membros de uma sociedade exceto onde o intercurso do homem com o homem seja mútuo, exceto onde exista provisão adequada para a reconstrução dos hábitos e instituições sociais por meio de um amplo incentivo originado dos interesses eqüitativamente distribuídos. E isso significa uma sociedade democrática” (DEWEY, 1998 [1916], p. 250; grifo no original). A capacidade da inteligência do homem comum para responder satisfatoriamente aos problemas sociais deve, em conseqüência, ser desenvolvida não apenas por meio da educação, mas também por meio da prática cotidiana do exercício da cidadania em uma sociedade democrática. O que propicia, contudo, que a inteligência seja desenvolvida tanto nas escolas como em outros lugares e momentos da vida associativa comunal é o livre exercício da comunicação. Em outras palavras, na medida em que os indivíduos passam a ter plena oportunidade de interagir, discutir e deliberar publicamente a respeito dos problemas que envolvem a sua comunidade, sua inteligência desenvolve-se. O que está em jogo nessa noção de inteligência, portanto, é também uma capacidade prática de lidar com os problemas efetivos que a sociedade real apresenta cotidianamente. E se a educação promovida pelas escolas contribui para isso ao constituir-se em um protótipo de comunidade, ela sozinha não basta – é preciso que ela possa ser estendida para as outras atividades e núcleos da vida associativa. É preciso que os indivíduos tenham oportunidade de aprender a pensar e a agir diante de todos os problemas da sua comunidade – do contrário, afinal, ela não seria uma comunidade democrática. A fé democrática, portanto, traduz-se na confiança nessa capacidade inesgotável do homem de responder aos problemas da sua comunidade por meio do exercício comunicativamente livre e prático de suas próprias respostas. “Pois o que é a fé na democracia nos papéis de consulta, de conferência, de persuasão, de discussão, na formação da opinião pública, a qual a longo prazo é autocorretiva, senão fé na capacidade de inteligência do homem comum para responder com bom senso ao livre jogo de fatos e idéias que são assegurados pelas garantias efetivas da livre investigação, da livre reunião e da livre comunicação?” (DEWEY, 1998 [1939], p. 342). Dewey sabe perfeitamente que, no contexto de um processo tão livre, e tão intrinsecamente autocorretivo de intercomunicação, é inevitável que surjam conflitos entre os indivíduos, dado que cada um tem a sua própria maneira de enxergar necessidades, fins e conseqüências (afinal, a democracia é um modo pessoal de vida). A solução para tais conflitos é a “cooperação amigável” – que, como nos esportes, pode incluir a rivalidade e a competição, porém não a força – que se exerce, no âmbito do debate e da inteligência, por meio da tentativa constante de aprender-se alguma coisa com aqueles de quem discordamos e, nessa medida, fazer deles amigos em potencial. Em outras palavras, as disputas e controvérsias devem ser transformadas em empreendimentos cooperativos em que as duas partes aprendem ao possibilitar, uma à outra, a chance de expressar-se. E essa chance deve ser conferida não porque consiste em um direito das pessoas, mas porque representa uma crença na expressão das diferenças, que, por sua vez, consiste em “um meio de enriquecer a experiência de vida pessoal de cada um” (ibidem). V. CONSIDERAÇÕES FINAIS Em conclusão, a democracia deweyana é um modo de viver que acredita na experiência simultaneamente como meio e como fim. Os processos e interações intercomunicativos servem, assim, para alargar e enriquecer essa experiência. A atualidade do pensamento de Dewey mostra como é possível pensar a partir de alguns dos conceitos mais atuais da Teoria Política contemporânea, tais como deliberação, procedimento e comunicação, sem, no entanto, precisar abrir mão de alguns dos conceitos centrais da matriz filosófica do pragmatismo, como é o caso do conceito de experiência . É possível, portanto, e ao contrário do que pensam alguns neopragmatistas como Richard Rorty, elaborar uma teoria política genuinamente pragmatista sem deixar de lado o conceito filosófico de experiência – e, principalmente, sem precisar substituí-lo pela idéia de linguagem. Como vimos com Dewey, a comunicação é peça essencialmente necessária aos conceitos pragmatistas de comunidade e democracia. Mas ela não é suficiente. A comunicação só é relevante na medida em que é ela que possibilita que a experiência seja permanentemente ampliada, alargada, enriquecida e perpetuada. Diante disso, a comunicação é sempre secundária em face da experiência; ela é sempre um meio, enquanto a experiência é sempre, e ao mesmo tempo, meio e fim. A democracia, afinal, não consiste em umacrença no potencial ainda não inteiramente conhecido da comunicação, mas consiste em uma crença nas múltiplas e infinitas potencialidades da experiência humana e da experiência social. Por conseguinte, a tarefa premente de recuperar uma teoria política pragmatista é efetivamente uma tarefa de recuperação, no sentido de recriação. Não é preciso um neopragmatismo que pretenda meramente buscar na matriz filosófica do pragmatismo clássico elementos para construir uma nova teoria política pragmatista. O pragmatismo político de Dewey é ainda uma teoria política viva. Sua atualidade e sua vitalidade precisam ser conhecidas e, a partir disso, re-criadas. E é nisso que deve residir a inteligência, a criatividade, dos novos pragmatistas13. Thamy Pogrebinschi (thamy@iuperj.br) é Doutoranda em Ciência Política no Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro (IUPERJ), autora dos livros Onde está a democracia?, com José Eisenberg (2002) e O problema da obediência em Thomas Hobbes (2003). Vencedora do Prêmio Associação Nacional de Pós-graduação em Ciências Sociais-Editora da Universidade do Sagrado Coração (ANPOCSEDUSC) 2002 na área de Ciência Política. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 13 Há dois artigos recentes sobre a democracia deweyana que efetivamente apresentam uma recriação criativa dos argumentos de Dewey. Um deles é o do neopragmatista Hilary Putnam (1991, p. 217-246) que intenta encontrar em Dewey uma justificação epistemológica da democracia. O outro é de Robert Westbrook (1998, p. 128-140), que, de tanto estudar o pensamento de Dewey com lentes de historiador vem-se mostrando um verdadeiro neopragmatista, apto a discutir todos os seus aspectos políticos com uma qualidade que poucos apresentam. Vale atentar no início do artigo de Westbrook justamente para essa idéia de que o neopragmatismo, seja pelas mãos dele, de Rorty, de Putnam ou de qualquer outro que se aventure, consiste em uma re-criação do pragmatismo clássico, o que pode se dar de maneira mais ou menos fidedigna, literal, em cada um que tome para si tal tarefa. ALEXANDER, T. 1995. John Dewey and the Roots of Democratic Imagination. In : LANGSDORF, L. & SMITH, A. Recovering Pragmatism’s Voice. Albany : State University of New York. BERNSTEIN, R J. 1971. Praxis and Action. Philadelphia : University of Pennsylvania. _____. 1998. Community in the Pragmatic Tradition. In : DICKSTEIN, M. The Revival of Pragmatism : New Essays on Social Thought, Law and Culture. Durham : Duke University. BOHMAN, J. & REHG, W. 1997a. Deliberative Democracy. Cambridge, Mass. : Massachusetts Institute of Technology. _____. 1997b. Introduction. In : BOHMAN, J. & REHG, W. Deliberative Democracy. Cambridge, Mass. : Massachusetts Institute of Technology. DEWEY, J. 1927. The Public and Its Problems. Chicago : Swallow. _____. 1998 [1916]. Aims in Education. In : HICKMAN, L. & ALEXANDER, T. The Essential Dewey. V. I : Pragmatism, Education, Democracy. Bloomington : Indiana University. _____. 1998 [1919]. Philosophy and Democracy. In : HICKMAN, L. & ALEXANDER, T. The Essential Dewey. V. I : Pragmatism, Education, Democracy. Bloomington : Indiana University. _____. 1998 [1937]. Democracy Is Radical. In : HICKMAN, L. & ALEXANDER, T. The Essential Dewey. V. I : Pragmatism, Education, Democracy. Bloomington : Indiana University. _____. 1998 [1939]. Creative Democracy – The Task Before Us. In : HICKMAN, L. & ALEXANDER, T. The Essential Dewey. V. 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La agonía de Occidente bbb Lavrov

La agonía de Occidente Por: Thierry Meyssan Serguei Lavrov suele comparar a Occidente con una fiera herida. Y estima que es mejor ‎no provocarlo para evitar que destroce todo en un ataque de locura. Es mejor ‎guiarlo en paz hacia el cementerio. Pero Occidente no lo ve de la misma manera. ‎Washington y Londres están embarcados en una cruzada contra Moscú y Pekín. ‎Rugen constantemente y parecen dispuestos a todo. Pero, ¿qué pueden hacer ‎en realidad?‎ Como Roma, el imperio anglosajón está derrumbándose debido a su propia decadencia.‎ El presidente estadounidense Joe Biden y el primer ministro británico Boris Johnson durante la ‎cumbre del G7 en Elmau, Alemania.‎ La cumbre del G7 en Baviera y la de la OTAN en Madrid iban a anunciar el castigo de Occidente ‎contra el Kremlin por su operación militar especial en Ucrania. Pero, aunque la imagen que ‎se ha resaltado ha sido la de una unidad entre las potencias occidentales, la realidad muestra ‎que esas potencias están desconectadas... de las realidades, que han perdido audiencia en el mundo entero y que, ‎en definitiva, están ante el fin de su hegemonía. ‎ Mientras los occidentales se convencen a sí mismos de que lo que está en juego es Ucrania, ‎el mundo los ve atrapados en la trampa de Tucídides. ‎‎¿Seguirán las relaciones internacionales organizándose alrededor de ellos o acabarán siendo ‎finalmente multipolares? ¿Se liberarán los pueblos hasta ahora sometidos y alcanzarán la ‎soberanía? ¿Será posible pensar de una manera que no sea en términos de dominación global y ‎dedicarnos todos al desarrollo de todos?‎ Los occidentales han imaginado, alrededor de la operación militar especial rusa en Ucrania, ‎una narrativa que no menciona lo que ellos mismos han hecho desde la disolución de la Unión ‎Soviética. Prefieren olvidar que sus países firmaron la Carta de Seguridad Europea también ‎conocida como la Declaración de Estambul de la OSCE. Prefieren olvidar también que ‎ellos mismos violaron lo estipulado en ese documento metiendo uno a uno en la OTAN a todos ‎los ex miembros del Pacto de Varsovia y a varios de los nuevos Estados postsoviéticos. Tampoco quieren recordar que ellos mismos derrocaron el gobierno ucraniano en 2004, ni el golpe ‎de Estado mediante el cual instauraron en Kiev un régimen de nacionalistas banderistas, ‎en 2014. Sin hablar de todo ese pasado, atribuyen todos los males a Rusia y se niegan a ‎cuestionar lo que ellos mismos hicieron anteriormente, consideran que sólo “aprovecharon” ‎ciertas coyunturas y estiman que sus victorias pasadas les confieren derechos. ‎ Para sostener esa narrativa imaginaria, los occidentales recurren a la censura de los ‎medios rusos en sus propios países. En otras palabras, los occidentales se venden como demócratas... pero ‎más vale censurar las voces discordantes que tener que mentir. ‎ Todas las potencias occidentales abordan, unánimemente, el conflicto ucraniano convenciéndose ‎a sí mismas de que tienen el deber de juzgar, condenar y sancionar a Rusia. Han chantajeado a los ‎países más pequeños para imponer en la Asamblea General de la ONU un texto que parece darles ‎la razón. Y ahora planean desmantelar Rusia, como antes lo hicieron con Yugoslavia y como ya ‎han tratado de hacerlo con Irak, Libia, Siria y Yemen, mediante la estrategia Rumsfeld-Cebrowski .‎ Para lograr ese objetivo han comenzado a aislar a Rusia de la finanza internacional y del comercio ‎mundial, le han cortado el acceso al sistema SWIFT y a Lloyds, impidiéndole no sólo comprar y ‎vender sino también garantizar el transporte de sus mercancías. Están tratando de provocar el ‎derrumbe económico de la Federación Rusa. De hecho, el 27 de junio pasado, la agencia Moody’s ‎declaró a Rusia en default (impago). ‎ Pero nada de eso ha tenido el efecto esperado… porque todo el mundo sabe que las arcas del Banco ‎Central ruso están llenas de divisas y de oro. En realidad, Rusia pagó los 100 millones que tenía ‎que pagar pero no pudo transferirlos a Occidente… por causa de las sanciones occidentales. ‎Así que Moscú puso ese dinero en una cuenta en espera de que los acreedores busquen ‎la manera de tener acceso a esos fondos. ‎ Mientras tanto, la Federación Rusa, que ya no recibe pagos de los occidentales, ha comenzado a ‎vender sus productos, específicamente sus hidrocarburos, a otros compradores, principalmente ‎a China. Como los pagos ya no pueden efectuarse en dólares, Moscú está cobrando en otras ‎monedas. Por consiguiente, los dólares que los clientes de Rusia utilizaban antes para pagar los ‎productos rusos están regresando a Estados Unidos. Ese proceso ya estaba en marcha desde ‎hace años pero las sanciones unilaterales occidentales lo han acelerado bruscamente. La enorme ‎cantidad de dólares que están regresando a Estados Unidos y acumulándose allí está desatando ‎una imponente alza de precios en suelo estadounidense. La Reserva Federal trata de hacer todo ‎lo posible por desviar una parte del alza de precios hacia los países de la eurozona. Resultado: el ‎alza de precios se propaga a toda velocidad por todo el oeste de Europa. ‎ A todas estas, el Banco Central Europeo (BCE) no es una entidad concebida para favorecer el ‎desarrollo económico. Su misión primordial consiste en manejar la inflación dentro de la Unión ‎Europea. Al comprobar que no tiene como frenar el brusco aumento de los precios en Europa, el ‎BCE trata de utilizar esa tendencia para reducir su propia deuda. Así que el Banco Central ‎Europeo está invitando a los Estados miembros de la Unión Europea a compensar, mediante ‎reducciones de impuestos y subvenciones, el repentino derrumbe del poder adquisitivo de sus ‎‎“ciudadanos europeos”. Pero eso es caer en un círculo vicioso: al ayudar a sus ciudadanos, ‎los países miembros de la Unión Europea se entregan atados de pies y manos al Banco ‎Central Europeo, se encadenan todavía más a las deudas de Estados Unidos y se empobrecen ‎aún más. ‎ Esta espiral inflacionista no tiene puerta de salida. Es la primera vez que Occidente se ve ‎obligado a “tragarse” los dólares que Washington ha venido imprimiendo alegremente durante ‎décadas. El alza de precios en Occidente corresponde al costo de los gastos del imperio yanqui ‎durante al menos los últimos 30 años. Es ahora cuando Occidente se ve obligado a pagar ‎lo que costaron sus guerras contra Yugoslavia, Afganistán, Irak, Libia, Siria y Yemen. ‎ Hasta ahora, Estados Unidos mataba a todo aquel que amenazaba la supremacía del dólar. ‎Colgaron a Saddam Hussein y saquearon el Banco Central iraquí. Torturaron y lincharon a ‎Muammar el Kadhafi quien estaba preparando el lanzamiento de una moneda única panafricana ‎y saquearon el Banco Central libio. Las enormes reservas que esos Estados petroleros habían ‎acumulado durante años “desaparecieron” sin dejar rastro. Sólo se vió algunos militares ‎estadounidenses partir con decenas de miles de dólares, a menudo envueltos en sacos plásticos ‎usualmente destinados a envolver la basura. Al excluir a Rusia de los intercambios en dólares, ‎Washington no ha hecho otra cosa que provocar lo que tanto temía: el dólar estadounidense ‎ha dejado de ser la divisa de referencia internacional. ‎ La mayoría del resto del mundo no es ciega. Viendo lo que sucede muchos corrieron a participar ‎en el Foro Económico de San Petersburgo y después trataron de inscribirse en la cumbre virtual ‎de los países del BRICS (Brasil, Rusia, India, China, Sudáfrica). Esa mayoría se da cuenta ahora un poco tarde de que Rusia inició la Asociación de Eurasia Ampliada en 2016 y de que ‎el ministro ruso de Exteriores, Serguei Lavrov, hizo el anuncio en ese sentido, ante la Asamblea ‎General de la ONU, en septiembre de 2018. ‎ Durante 4 años, se han construido muchos kilómetros de carreteras y de vías férreas para ‎integrar a Rusia en las nuevas rutas de la seda concebidas por China. Eso ha permitido ‎redireccionar en sólo meses los flujos de mercancías. ‎ El reflujo de los dólares estadounidenses y el redireccionamiento de los flujos de mercancías están ‎acentuando además el alza de los precios de la energía. Rusia, uno de los primeros exportadores ‎de hidrocarburos de todo el mundo, está viendo sus ingresos aumentar considerablemente en ‎ese sector. La moneda rusa el rublo goza de mejor salud que nunca. En un esfuerzo por ‎revertir esa tendencia, el G7 acaba de fijar un precio tope para el gas ruso y para el petróleo ‎ruso. En otras palabras, el G7 acaba de ordenar a la comunidad internacional que no acepte ‎pagar más caro por los hidrocarburos que necesita desesperadamente. ‎ Pero es evidente que Rusia no piensa permitir que Occidente fije los precios de los productos ‎rusos. Quien no quiera pagarlos al precio del mercado… sencillamente no podrá obtenerlos y ‎parece muy poco probable los clientes potenciales se priven de lo que necesitan ‎sólo para complacer a Occidente. ‎ El G7 trata de organizar su supremacía, al menos en el plano intelectual. Pero eso ya no funciona. El viento sopla ahora en otra dirección. Se han ‎acabado los cuatro siglos de hegemonía occidental. ‎ Desesperado, el G7 se ha comprometido a resolver la crisis mundial de los alimentos… que es ‎resultado de su propia política. Los países afectados saben perfectamente lo que valen los ‎‎“compromisos” del G7. Todavía están esperando por el famoso gran plan de desarrollo para ‎África, entre otras muchas promesas occidentales. Esos países saben que Occidente simplemente ‎no puede garantizarles fertilizantes nitrogenados o potásicos, pero se empeña en impedir que Rusia los venda. Las famosas ayudas del G7 tan útiles como una venda en una pierna plástica no tienen otro ‎objetivo que hacerlos esperar y tratar de evitar que se cuestionen los sagrados principios del ‎libre comercio. ‎ ‎La cumbre de la OTAN en Madrid quiso ser una demostración de unidad y poderío. Pero ‎los países miembros de esa alianza bélica sólo fueron convocados para firmar lo que ‎Washington y Londres ya habían decidido… sin consultarlos. La unidad mostrada en Madrid ‎fue en realidad otra demostración de ese vasallaje que muchos quisieran dejar atrás.‎ La única opción posible para mantener la dominación occidental es la guerra. La OTAN tendría ‎que lograr destruir Rusia, como Roma cuando arrasó Cartago. Pero, ya es tarde para eso. ‎Las fuerzas armadas de la Federación Rusa disponen de sistemas de armas mucho más ‎sofisticados que Occidente. Y ya los pusieron a prueba en Siria, desde 2014. Rusia tiene ‎lo necesario para aplastar a sus enemigos en cualquier momento. En 2018, el presidente ‎Vladimir Putin mostró a los parlamentarios rusos los sorprendentes progresos de su industria ‎bélica.‎ La cumbre de la OTAN en Madrid fue una linda operación de comunicación. Pero probablemente fue también el canto del cisne. Los 32 miembros de la OTAN ‎proclamaron su unidad con la desesperación de quienes temen a la muerte. Como si nada, ‎adoptaron primero una estrategia para dominar el mundo durante los 10 próximos años, ‎señalando el crecimiento de China como una fuente de preocupación, lo cual equivale a ‎confesar que el objetivo de la OTAN no es garantizar la seguridad de sus miembros sino ‎más bien dominar el mundo. Seguidamente, abrieron el proceso de adhesión de Suecia y ‎Finlandia y se plantearon además la posibilidad de acercarse a las fronteras de China, con una ‎eventual adhesión de Japón. ‎ El único incidente, rápidamente puesto bajo relativo control, fue la presión turca que obligó a ‎Finlandia y Suecia a condenar el PKK. Incapaz de enfrentar la presión ‎de Turquía, Estados Unidos abandonó a sus aliados los mercenarios kurdos en Siria y sus líderes ‎en el extranjero. ‎ También se decidió multiplicar por 7,5 la Fuerza de Acción Rápida de la OTAN, haciéndola pasar ‎de 40 000 a 300 000 efectivos, y estacionarla en la frontera con Rusia. Con esa decisión, los ‎miembros de la OTAN vuelven a violar los compromisos ya contraídos y estipulados en la Carta de ‎Seguridad Europea ya que amenazan directamente a Rusia. ‎ Mientras tanto, el Pentágono ya está haciendo mapas sobre el desmantelamiento de Rusia que ‎espera concretar. ‎ El ex embajador de Rusia ante la OTAN y actual director de Roscosmos, Dimitri Rogozin, ‎respondió a esas elucubraciones publicando en su cuenta de Telegram, las coordenadas de tiro ‎de los centros de decisión de la OTAN incluyendo las del centro de convenciones de Madrid ‎donde estaban reunidos los jefes de Estado y/o de gobierno de esa alianza militar. ‎ No hay que olvidar que Rusia ya dispone de vectores hipersónicos, actualmente imposibles de ‎interceptar, capaces de poner en sólo minutos una o más cargas nucleares encima de la sede de ‎la OTAN, en Bruselas, e incluso en el Pentágono, en Washington. Y, para que nadie se ‎equivoque, Serguei Lavrov, precisó refiriéndose a los discípulos de Leo Strauss, sólidamente ‎posicionados en la cúpula de Washington que las decisiones militares de Occidente ni siquiera ‎son cosa de los militares sino que se toman en el Departamento de Estado estadounidense, ‎lo cual implica que ese pudiera ser el primer blanco. ‎ Se imponen entonces varias interrogantes. ¿Están dispuestos los dirigentes occidentales a jugarse ‎el todo por el todo? ¿Asumirán el riesgo de desatar una Tercera Guerra Mundial sabiéndola ‎perdida de antemano únicamente para no hundirse solos?‎ Thierry Meyssan Red Voltaire Francia, julio 5 de 2022, edición Internacional.