sexta-feira, 24 de agosto de 2012

Relações promíscuas do governo FHC com a elite financeira

Ligações perigosas




O caso Econômico acabou contribuindo para expor ainda mais a teia de relações promíscuas existente entre governo, instituições financeiras do Estado e instituições financeiras privadas. Em março de 1995, o jornal Correio Braziliense publicou longa matéria denunciando o presidente do Banco Central, na época, Pérsio Arida, de vazar informações privilegiadas sobre o câmbio para especuladores e de manter amizade estreita com o banqueiro Fernão Bracher, ex-presidente do BC, um dos principais atuantes do mercado de câmbio, por intermédio do Banco BBA Credintastalt.

Três meses depois da saída de Pércio Arida, a consultoria MCM, do ex-ministro Maílson da Nóbrega divulgou, através de um serviço de telemensagens da empresa, o nome de Gustavo Loyola, como o novo presidente do Banco Central, duas horas antes do anúncio oficial do Governo. Gustavo Loyola era sócio de Maílson da Nóbrega na MCM.

Entre janeiro e fevereiro de 1997, foram divulgados os balanços dos principais bancos em atuação no mercado financeiro. O BBA, banco pertencente a ex-diretores do Banco Central, obteve os maiores lucros, chegando a 49,7% em relação ao patrimônio líquido.

A ex-diretora do BNDES, encarregada da área de privatizações, Elena Landau, esposa do ex-presidente do Banco Central, Pércio Arida, passou a trabalhar no Banco Opportunity, do qual o seu marido é um dos sócios. Em seguida o Opportunity passou a fazer parte de consórcios que compraram empresas estatais do sistema Telebrás.

O Opportunity é um dos bancos de investimentos que mais participou das privatizações brasileiras, em articulação com grandes grupos estrangeiros. Seu principal acionista, Daniel Dantas, foi quem apresentou o diagnóstico sobre o mercado brasileiro na reunião que estabeleceu o Consenso de Washington, realizada na capital norte-americana em novembro de l989, com membros do FMI, Banco Mundial e do governo dos Estados Unidos.

Em 1995 Antonio Carlos Magalhães, PFL/BA pediu a seu filho, o deputado Luís Eduardo Magalhães, PFL/BA, para consultar Daniel Dantas sobre a crise do Banco Econômico. Dantas sugeriu a estatização temporária do banco pelo governo da Bahia com desapropriação das ações de Calmon de Sá. A proposta foi acatada, só que o Banco Central resolveu agir e se antecipou, decretou a intervenção, usou dinheiro do Proer para comprar a parte podre e vendeu a parte sã para o banco Excel e depois pelo grupo espanhol Bilbao Viscaya.

O grupo Opportunity adquiriu participações na Vale do Rio Doce, Cemig e empresas do sistema Telebrás. No leilão da Telebrás o Opportunity teve expressivas vitórias através de consórcios formados com a Telecom Itália e a canadense Telesystem International Wireless, em parceria com os maiores fundos de pensão brasileiros, como Previ (BB) e Funcef (Caixa Econômica).

Na banda B da telefonia celular o Opportunity, a canadense Telesystem, a Bell Canada, o Citibank, Banco do Brasil e fundos de pensão integraram o consórcio que criou a Americel, operando nas regiões Centro-Oeste e Norte. Com esses mesmos sócios o Opportunity opera na Telet, do Rio Grande do Sul.

Participou também do consórcio Solpart (com Telecom Itália, Previ e fundos de pensão de estatais) que comprou a Tele Centro-Sul (10 operadoras de 10 estados do Sul e Centro-Oeste), a menor das três holdings de telefonia fixa.

Na telefonia celular (banda A) participou do consórcio que comprou a Telemig Celular (de Minas Gerais) e a Tele Norte Celular (Maranhão, Pará, Roraima e Amazonas). Nessas duas empresas o Opportunity passou a ser o segundo maior acionista, com 27% do capital, depois da Telesystems, com 49%, e seis fundos de pensão, com 24%.

No leilão da Tele Norte-Leste, que abrange telefônicas do Rio ao Amazonas, o Opportunity participou de um consórcio com a Telecom Itália, esta associada com a família Marinho, dona da Rede Globo. Toda essa trama, captada em gravações clandestinas, vieram à tona no escândalo “Grampo do BNDED”. Nas conversas grampeadas entre o então ministro das Comunicações, Luiz Carlos Mendonça de Barros e o ex-presidente do BNDES, André Lara Resende, eles discutiram como favorecer esse consórcio. A TV Globo pediu a cabeça de Luiz Carlos Mendonça de Barros, porque ele articulou mal o favorecimento, deixando o leilão ser vencido pela Telemar, que se tornou a maior companhia de telefonia fixa do país, com 16 subsidiárias estaduais, incluindo a Telerj.

O Opportunity associou-se também à americana Sprint Corporation (terceira maior empresa de telefonia dos EUA) no consórcio que perdeu o leilão da Embratel, vencido pela americana MCI. O banco participa ainda com 60% das ações do consórcio Metrô Rio, em associação com a argentina Cometrans.

No leilão da Flumitrens, o Opportunity integrou o consórcio Rio Express, liderado pela Construtora Andrade Gutierrez, com participação também da Regie Autonome des Transports Parisiens, operadora do metrô de Paris. Era o consórcio favorito, mas perdeu para o consórcio Bolsa 2000, formado por duas empresas espanholas, Banco Pactual e Banco Prosper.

O Opportunity cresceu extraordinariamente ao longo dos anos. Em 1994 detinha patrimônio líquido de US$ 100 milhões. Em 1995, US$ 700 milhões. Em 1996, US$ 1,2 bilhão. Segundo a assessoria do banco, o patrimônio líquido dos fundos administrados pelo banco, em 2008, era de R$ 13,87 bilhões.

Dantas foi preso pela Polícia Federal na Operação Satiagraha no dia 8 de julho de 2008. Segundo a PF, Dantas seria o líder de uma organização criminosa especializada em crimes de lavagem de dinheiro e evasão de divisas e que teria criado o Opportunity Fund, uma offshore localizada no paraíso fiscal das Ilhas Cayman, no Caribe.

Dois dias após a deflagração da operação, o banqueiro foi libertado beneficiado com um habeas corpus concedido pelo então presidente do Supremo Tribunal Federal, Gilmar Mendes. Vários processos correm contra ele na justiça.

Esses exemplos demonstram que há muito mais curto-circuito do que se imagina na teia que ligava o Banco Central aos bancos privados, corretoras e outras arapucas que sugam há anos a seiva deste País. O Banco Opportunity é o mais bem lapidado fenômeno de enriquecimento de tecnocratas que se movimentam entre suas empresas de consultorias, corretoras e os órgãos públicos responsáveis pelas finanças do país.

Tornou-se comum ver autoridades da área financeira estatal ao mesmo
tempo serem donas ou sócias de empresas de consultorias que prestam serviços a empresas que atuam no mercado financeiro. Evidentemente, não é um fenômeno novo mas, nas décadas 80 e 90, talvez pelo fato da edição de sucessivos planos econômicos de cunho monetarista, essa situação se intensificou e o tráfico de influências e de informações privilegiadas se transformou numa fonte de enriquecimento de muita gente. Os escândalos na área financeira se multiplicaram.

De todos os escândalos que caracterizam a promiscuidade da relação entre as instituições financeiras estatais e as demais do setor privado, o que mais chocou a sociedade brasileira foi o ocorrido em janeiro de 1999, na crise cambial.

Antes da desvalorização do real, no dia 11 de janeiro, apenas no mercado flutuante, segundo dados do Banco Central da época, estavam vendidos US$ 821 milhões de dólares. No dia 12, um dia antes da desvalorização do real, houve uma mudança brusca do mercado e esse mesmo mercado inverteu completamente suas posições, passando a comprado em US$ 206 milhões de dólares. Ou seja, de um dia para o outro, as instituições financeiras trocaram posições, apenas no mercado de câmbio, da ordem de US$ 1 bilhão de dólares. Isso sem mencionar a Bolsa de Mercadorias e Futuros e o mercado futuro de câmbio, que é onde se operam as grandes transações desse mercado.

Quando se iniciou a desvalorização, no dia 13, o movimento de compra se volatizou, em razão da percepção dos especuladores da sobrevalorização do câmbio; uma desvalorização feita fora de hora, quando as reservas do Brasil estavam baixas e o cenário internacional desfavorável. O momento da desvalorização não poderia ter sido pior. Havia uma crise de confiança, os credores cortaram as linhas de crédito comercial de curto prazo, o financiamento das linhas de importação estavam praticamente paralisadas, o que acabou acelerando a fuga de capitais, superando US$ 48,5 bilhões de dólares. O Banco Central tentou introduzir a banda-diagonal-endógena, não durou 24 horas. O mercado cambial disparou a comprar dólar, chegando a US$ 1,74 bilhões de dólares, no dia 13 e, no dia 14, saltou para mais de US$ 2,1 bilhões de dólares.

Havia, evidentemente, naquele momento um franco processo de desestabilização da taxa cambial, mas o que o Banco Central não conseguiu explicar, de forma convincente, é, porque um dia antes da desvalorização, só no mercado de câmbio, houve uma mudança tão brusca de posição de US$ 1 bilhão de dólares, num mercado que vinha vendendo há algum tempo e tornara-se comprador. O então deputado Aloizio Mercadante, PT/SP, denunciou esse fato na Câmara dos Deputados com uma análise detalhada do que realmente aconteceu na crise cambial.

Mercadante recomendou ao Banco Central uma rigorosa investigação em nove bancos que estiveram com suas posições alteradas às vésperas da desvalorização do Real. São eles: o BBM, Morgan, ING, Banco de Boston, Banco Garantia, Banco Pactual, Citibank, Banco do Estado de Alagoas e Matrix.

Alguns órgãos de imprensa na época noticiou que o Banco FonteCindan e o Banco Marka, teriam comprado dólares no dia 14 de janeiro a R$ 1,32, quando a moeda já estava a R$ 1,47, com o Real em franca desvalorização. O Banco Central chegou a vender dólar a R$ 1,27, quando o dólar já estava a R$ 1,32, para, segundo os diretores, impedir a quebra dos bancos.
Fundamentado nos dados apresentados o deputado Aloizio Mercadante afirmou que houve vazamento de informações de dentro do Banco Central para beneficiar um grupo de bancos e corretoras, fato esse confirmado posteriormente pelas investigações. Após esperar um mês por uma explicação do Banco Central, sem sucesso, Mercadante encaminhou à Mesa da Câmara dos Deputados um requerimento, com mais assinaturas do que as cento e setenta e uma necessárias, para instalação imediata de uma Comissão Parlamentar de Inquérito Mista, destinada a investigar o caso.

Mas o Presidente da Câmara, Michel Temer, PMDB/SP, não se mobilizou para viabilizar a CPI. Os líderes dos partidos da base governista e o presidente da República preferiram montar uma "operação abafa", passando a pressionar os parlamentares aliados a retirarem as assinaturas de apoio e conseguiram mais uma vez barrar a instalação de uma CPI para investigar outro escândalo financeiro.

Parte da imprensa informou que na véspera da desvalorização o ministro da fazenda, Pedro Malan esteve no Banco Central durante à tarde em reunião com diretores do BC. À noite, Fernando Henrique, Pedro Malan e Francisco Lopes, na época presidente do Banco Central, jantaram juntos. Evidentemente, essas autoridades não falaram somente de vinhos, queijos picanhas, com o país em pleno ataque especulativo.

Como as evidências do escândalo financeiro ganharam as páginas dos jornais o ex-senador Jader Barbalho, na época presidente do PMDB, principal partido aliado do governo, apresentou no Senado um requerimento pedindo a instalação de uma CPI para investigar o caso. Na Câmara dos Deputados já havia um requerimento com mais assinaturas do que o necessário e era de CPI mista, isto é, de deputados e senadores. A iniciativa de Jader foi articulada com o Planalto e era uma demonstração clara de manobra para isolar das investigações o ministro da Fazenda, Pedro Malan e o Presidente da República. No Senado os governistas, com esmagadora maioria na CPI, não investigaram o que deveriam, enveredaram-se por derivadas, desviando o foco das investigações. Não convocaram sequer os banqueiros representantes das grandes corporações que participaram do ataque especulativo.

A CPI no máximo conseguiu criar fatos pitorescos como a prisão do ex-presidente do Banco Central, Francisco Lopes, por se recusar a depor. Em novembro de 1999 a CPI concluiu os trabalhos. O relatório final apenas apontou supostos crimes no socorro aos bancos Marka e FonteCindan e um prejuízo de R$ 1,6 bilhão aos cofres públicos. O documento da CPI trata genericamente da necessidade de investigar supostos crimes praticados por dirigentes e servidores do Banco Central. Líderes dos partidos aliados do governo utilizaram termos genéricos no relatório da CPI para favorecer a aprovação do nome de Tereza Grossi Togni, à época candidata a diretora do Departamento de Fiscalização Bancária, do Banco Central. Tereza Grossi Togni teve seu nome aprovado pelo Senado para ocupar a diretoria do Banco Central, mas respondia na justiça a processos movidos pelo Ministério Público.

No momento de tensão, na crise cambial, o Banco Marka recebeu R$ 1,2 bilhão de reais para não falir e faliu. O mesmo aconteceu com o Banco FonteCindan. As operações foram registradas na Bolsa de Mercadorias e Futuros em 15 de janeiro, com data retroativa a 14 de janeiro. O dono do Banco Marka, Salvatore Alberto Cacciola, em entrevista à imprensa disse que ele teve acesso a informações privilegiadas e apontou o economista Rubens Novaes como intermediário entre o Banco Central e os bancos privados.

A proposta de venda de dólares no mercado futuro, na Bolsa de Mercadorias e Futuros, foi formalizada pelos diretores de Assuntos Internacionais do Banco Central, Demósthenes Madureira Pinho, e de Fiscalização Bancária, Cláudio Mauch, segundo eles declararam à imprensa, para proteger instituições com dificuldades financeiras. O voto, de número 006/99, submetido à Diretoria do BC foi aprovado em 14 de janeiro e não se referia a qualquer instituição específica. Na justificativa do voto, Demósthenes Madureira e Cláudio Mauch relatam uma carta encaminhada ao Banco Central pelo superintendente-geral da BM&F, Dorival Rodrigues Alves, datada do dia 14 de janeiro, solicitando providências para que fosse evitada uma "crise sistêmica". Curioso é que a carta do presidente do Banco Marka, Salvatore Caciola, pedindo ajuda do Banco Central para reverter as posições vendidas no mercado futuro de dólares, também tem a mesma data, coincidentemente, do mesmo dia da aprovação do voto que permitiu a venda de dólares. O Banco FonteCidan não formalizou pedido de ajuda por carta ou fax, informou diretamente ao Banco Central, por telefone, sobre as condições de mercado, a situação a respeito das posições assumidas no mercado futuro e tratou diretamente com o então presidente do Banco Central, Francisco Lopes e com Cláudio Mauch. A data desse contato telefônico foi o dia 14 de janeiro, conforme documentos e informações prestadas à CPI dos Bancos no Senado Federal. Francisco Lopes foi acusado de fornecer informações sigilosas para a Macrométrica, empresa de consultoria de sua propriedade.

O fato é que, no dia seguinte, após a desvalorização do real, em 14 de janeiro, o Banco Central vendeu dólares ao Banco Marka por R$ 1,27 reais, quando a moeda americana já estava sendo negociada a R$ 1,32 reais. Sérgio Bragança e Luiz Augusto Bragança, ex-sócios da consultoria Macrométrica, de propriedade de Francisco Lopes à época, Presidente do Banco Central, foram acusados de vender informações privilegiadas ao banqueiro Salvatore Cacciola.

O Banco do Brasil vendeu 110 mil contratos no mercado futuro de câmbio, o que corresponde a US$ 11 bilhões de dólares. Na esteira dessa crise, o Banco do Brasil perdeu US$ 7,89 bilhões de dólares na especulação com dólar futuro, devido ao pânico criado por boatos espalhados em todo o país. Houve uma corrida de correntistas às agências para sacarem dinheiro.

O Brasil perdeu US$ 42 bilhões de dólares de reservas cambiais, e todos que remeteram dólares baratos para fora do país, trouxeram de volta com realização de lucros de até 80% a mais em reais. O governo sabe que 24 bancos ganharam R$ 10 bilhões de reais especulando contra o real, na BM&F. O Ministério da Fazenda e o Banco Central preferiram silenciar-se e manobrar juntamente com líderes dos partidos da base governista para que a CPI não chegasse a todos os responsáveis pelos crimes financeiros.

Enquanto presidia o Banco Central e mesmo no período em que foi diretor da área econômica do banco, Francisco Lopes não deixou de despachar no escritório da sua empresa no Rio, a Macrométrica, que tinha o Banco Marka como um dos seus clientes. Isso aconteceu de janeiro de 1995 a janeiro de 1999. Durante as investigações foi encontrado na casa de Francisco Lopes um bilhete de Sérgio Bragança, datado de 04 de agosto de 1996, e endereçado à mulher de Francisco Lopes, Araci Pugliese, onde estava escrito: "Venho declarar que Francisco Lopes tem sob minha custódia US$ 1,675 milhão depositado em minhas contas no exterior."

Convocado para depor na CPI dos bancos no Senado, Francisco Lopes, orientado pelo seu advogado e possivelmente pelo governo, se recusou a prestar qualquer esclarecimento aos senadores da CPI. Por esse ato inesperado, Francisco Lopes foi preso, pagou fiança, foi liberado e repetiu o mesmo na Delegacia de Combate ao Crime Organizado e de Inquéritos Especiais da Polícia Federal. Nessa delegacia, Francisco Lopes se recusou a apresentar provas que derrubassem as suspeitas de ter US$ 1,675 milhão de dólares no Exterior, na conta de seu ex-sócio, Sérgio Bragança. Francisco Lopes se negou a fazer exames grafotécnicos e acabou indiciado por evasão de divisas.

O banqueiro Salvatore Cacciola, do Banco Marka, e Luiz Augusto Bragança, da Macrométrica, foram presos pela Polícia Federal, ficaram dois meses detidos, mas foram soltos, beneficiados por um Habeas Corpus no Supremo Tribunal Federal, concedido pelo ministro Marco Aurélio Melo, hoje um carrasco no julgamento do “mensalão”. Cacciola fugiu para a Itália. O governo italiano negou extradição do banqueiro, uma vez que ele possuía cidadania italiana.

A Justiça brasileira, em 2005, o condenou a 13 anos de prisão em primeira e segunda instâncias, mas só foi preso em 2007, quando localizado pela Interpol em Mônaco. Cacciola foi extraditado ao Brasil em meados de 2008 e esteve preso no Rio de Janeiro. Um caso raro em que a justiça brasileira manda prender um ricaço.

Em agosto de 2011, deixou a prisão após a Justiça conceder liberdade condicional. Cacciola recebeu o beneficio por cumprimento de um terço da pena, por ter mais de 60 anos e por bom comportamento.

A situação dos tecnocratas do Banco Central se complicou ainda mais devido divulgação da informação de que em 28 de fevereiro de 1998, um ano antes de ocorrer a quebra do banco, foi concluída uma inspeção Geral Consolidada, depois de sete inspeções feitas anteriormente, onde sete inspetores do Banco Central, durante três meses dentro do Banco FonteCindan, confirmaram que o banco estava extremamente alavancado, sujeito a riscos e com administração temerária. O Banco Central sabia da situação do Banco FonteCindan seis meses antes da desvalorização. Tereza Grossi, diretora do BC, em seu depoimento na CPI dos bancos, negou que soubesse da situação do FonteCindan, não deixou que o processo sobre o banco chegasse à CPI e o BC não providenciou a intervenção no Banco FonteCindan.

As suspeitas de tráfico de informações entre o Banco Central e as instituições financeiras privadas são antigas, mas no período da política monetarista se intensificaram. A partir de 1986 o Brasil foi submetido a cinco planos econômicos elaborados pela tecnocracia, para tentar solucionar a crise econômico-financeira. Esses planos, destinados ao controle da inflação, na sua grande maioria, são ancorados na moeda. Somando-se a isso as novas tecnologias de informação, o ambiente se tornou propício para a especulação financeira.

Apenas para efeito de ilustração, no fechamento do primeiro semestre de 1999, após o ataque especulativo, os bancos tiveram os maiores lucros de suas histórias. Um período dramático para a produção industrial, que registrou uma redução de produção da ordem de 3,2% em relação ao mesmo período de 1998.

A consultoria Austin Assis fez um estudo baseado em 15 balanços publicados e constatou que o lucro líquido sobre o patrimônio dos bancos foi de 35,35%, sendo que no mesmo período no ano anterior foi de 11,02%. O lucro líquido declarado dos 15 bancos foi de R$ 2,560 bilhões de reais, contra R$ 194,5 milhões no primeiro semestre de 1998. Em resumo, o crescimento foi de 1.216%.

Os bancos estrangeiros que participaram ativamente do ataque especulativo, em janeiro de 1999, tiveram lucros fantásticos. São eles: o J. P. Morgan, o Morgan Garanty Trust e o Chase Manhattan. O J.P. Morgan com patrimônio no Brasil de R$ 65,43 milhões de reais, em 1998, obteve lucro de R$ 243,61 milhões no primeiro trimestre de 1999 e multiplicou seu patrimônio líquido por 2,3 vezes, em dólar.

Portanto, aí está a contradição da política econômica do governo Fernando Henrique. Enquanto o sistema financeiro obtém lucros fantásticos com a especulação financeira a indústria, o setor de serviços, o comércio e a agricultura ostentam recordes de desemprego e a crise social se alastrou. O presidente da República, de salão em salão, pelo mundo afora, falava de um Brasil que só existia na cabeça dele e na cabeça dos tecnocratas que o assessoram. Um Brasil gestado na redoma do Palácio do Planalto, completamente desconectado da realidade.

(*) Jornalista e escritor, autor, entre outros trabalhos de Florestan Fernandes – vida e obra, Florestan Fernandes – um mestre radical e O Outro Lado do Real, em parceria com o deputado Henrique Fontana.

Vargas e a presença do Estado


Por Mauro Santayana, em seu blog:


Em 24 de agosto de 1954, os homens de minha geração chegavam à maioridade. Naquele dia, pela manhã, cheguei ao Rio, enviado pelo Diário de Minas, de Belo Horizonte, a fim de cobrir o velório de Vargas e a reação do povo carioca ao suicídio do Presidente. A Presidente Dilma Rousseff era uma menina de seis anos. Não poderia saber o que significava aquele gesto de um homem que mal passara dos 70, e ocupara o centro da vida brasileira naqueles últimos 24 anos.

As jornadas anteriores haviam sido enganosas, o que costuma ocorrer na História, desde o episódio famoso da frustrada queda de Richelieu. Os meios de comunicação haviam ampliado o suposto atentado contra Carlos Lacerda – obscuro até hoje – e atribuído a responsabilidade ao Presidente, tentando fazer crer que o Palácio do Governo se transformara em valhacouto de ladrões e assassinos.

Houve quase unanimidade contra Getúlio. Quando passei pela Praça 7, em Belo Horizonte, a caminho do aeroporto da Pampulha, entre manifestantes de esquerda, um jovem sindicalista, meu amigo, pedia aos gritos, pelo megafone, a prisão do Presidente. Desci do táxi e lhe dei a notícia, com os avisos de meu pressentimento: dissolvesse o grupo, antes que os trabalhadores, ao saber da morte do Presidente, reagissem na defesa do líder desaparecido.
Durante a viagem ao Rio, que durava hora e meia, organizei minhas idéias. Entendi, em um instante, que a ação coordenada contra Vargas nada tinha a ver com o assassinato de um oficial da Força Aérea, transformado em guarda-costas do jornalista Carlos Lacerda – isso, sim, ato irregular e punível pelos regulamentos militares. Lacerda, ferido no peito do pé, não permitiu que o revólver que portava fosse periciado pela polícia. Açulada e acuada pela grande imprensa, a polícia nunca investigou o que realmente houve na Rua Tonelero.
Vargas fora acossado pelos interesses dos banqueiros e grandes empresários associados ao capital norte-americano. Ao ouvir, pelo rádio, a leitura de sua carta, não tive qualquer dúvida: Getúlio se matara como ato de denúncia, não de renúncia. Morrera em defesa do desenvolvimento soberano de nosso povo.
Sei que não basta a vontade política do governante para administrar bem o Estado. Mas uma coisa parece óbvia a quem estuda as relações históricas entre o Estado e a Nação: o Estado existe para buscar a justiça, defender os mais frágeis, uma vez que não há igualdade entre todos. Por isso, algumas medidas anunciadas pelo governo inquietam grande parcela dos brasileiros bem informados. É sempre suspeito que os grandes empresários aplaudam, com alegria, uma decisão do governo. Posso imaginar a euforia dos lobos junto a uma ninhada de cordeiros. Quando os ricos aplaudem, os pobres devem acautelar-se.
O regime de concessões vem desde o Império. As vantagens oferecidas aos investidores ingleses, no alvorecer da Independência, levaram à Revolução de 1842, chefiada pelo mineiro Teófilo Ottoni e pelos paulistas Feijó e Rafael Tobias de Aguiar, e conhecida como a Revolução do Serro, em Minas, e de Sorocaba, em São Paulo. O Manifesto Revolucionário, divulgado em São João del Rei por Teófilo Ottoni, e assinado por José Feliciano Pinto Coelho, presidente da província rebelde, é claro em seu nacionalismo, ao denunciar que os estrangeiros ditavam o que devíamos fazer “em nossa própria casa”.
A presidente deve conhecer bem, como estudiosa do tema, o que foi a política econômica de Campos Salles e seu ministro Joaquim Murtinho, em resposta à especulação financeira alucinante do encilhamento. O excessivo liberalismo do governo de Prudente de Moraes e de seu ministro Ruy Barbosa, afundou o Brasil, fazendo crescer absurdamente o serviço da dívida – já histórica –, obrigando Campos Salles (que morreria anos depois, em relativa pobreza) a negociar, com notório constrangimento, o funding loan com a praça de Londres. O resultado foi desastroso para o Brasil. Os bancos brasileiros quebraram, um banco inglês em sua sucursal brasileira superou o Banco do Brasil em recursos e operações e, ainda em 1899, a Light iniciava, no Brasil, o sistema de concessões como o conhecemos. O Brasil perdeu, nos dez anos que se seguiram, o caminho de desenvolvimento que vinha seguindo desde 1870.
Durante mais de 50 anos, a energia elétrica, a produção e distribuição de gás e o sistema de comunicações telefônicas no eixo Rio-SP-BH foram controlados pelos estrangeiros. Ao mesmo tempo, os combustíveis se encontravam sob o controle da Standard Oil. A iluminação dos pobres se fazia com o Kerosene Jacaré, vendido em litros, nas pequenas mercearias dos subúrbios, cujos moradores não podiam pagar pela energia elétrica, escassa e muito cara. O caso das concessões da Light é exemplar: antes do fim do prazo, a empresa, sucateada, foi reestatizada, para, em seguida, ser recuperada pelo governo e “privatizada”. Como se sabe foi adquirida pela EDF, uma estatal francesa, durante o governo de Fernando Henrique. Novamente sucateada, foi preciso que uma estatal brasileira, a Cemig, associada a capitais privados nacionais, a assumisse, para as inversões necessárias à sua recuperação.
Vargas não tinha como se livrar, da noite para a manhã, dessa desgraça, mas iniciou o processo político necessário, ainda no Estado Novo, para conferir ao Estado o controle dos setores estratégicos da economia. Só conseguiu, antes de ser deposto em 1945, criar a CSN e a Vale do Rio Doce. Eleito, retomou o projeto, em 1951 e o confronto com Washington se tornou aberto. O capital americano desembarcara com apetite durante o governo Dutra, na primeira onda de desnacionalização da jovem indústria brasileira. Getúlio, na defesa de nossos interesses, decidiu limitar a remessa de lucros. Embora os banqueiros e as corporações estrangeiras soubessem muito bem como esquivar-se da lei, a decisão foi um pretexto para a articulação do golpe que o levaria à morte.
O Estado pode, e deve, manter sob seu controle estrito os setores estratégicos da economia, como os dos transportes, da energia, do sistema financeiro. Concessões, principalmente abertas aos estrangeiros, em quase todas as situações, são um risco dispensável. O Brasil dispõe hoje de técnicos e de recursos, tanto é assim que o BNDES vai financiar, a juros de mãe, os empreendimentos previstos. Se há escassez de engenheiros especializados, podemos contratá-los no Exterior, assim como podemos comprar os processos tecnológicos fora do país. Uma solução seria a das empresas de economia mista, com controle e maioria de capitais do Estado e a minoria dos investidores nacionais, mediante ações preferenciais.
Por mais caro nos custem, é melhor do que entregar as obras e a operação dos aeroportos, ferrovias e rodovias ao controle estrangeiro. O que nos tem faltado é cuidado e zelo na escolha dos administradores de algumas empresas públicas. Não há diferença entre uma empresa pública e uma empresa privada, a não ser a competência e a lisura de seus administradores. Entre os quadros de que dispomos, há engenheiros militares competentes e nacionalistas, como os que colaboraram com o projeto nacional de Vargas e com as realizações de Juscelino, na chefia e composição dos grupos de trabalho executivo, como o GEIA e o Geipot.
E por falar nisso, são numerosas e fortes as reações à anunciada nomeação do Sr. Bernardo Figueiredo, para dirigir a nova estatal ferroviária. Seu nome já foi vetado pelo Senado para a direção da Agência Nacional dos Transportes Terrestres. E o bom senso é contrário à construção do Trem Bala, que custará bilhões de reais. O senso comum recomenda usar esses recursos na melhoria das linhas existentes e na abertura de novos trechos convencionais. Não podemos entrar em uma corrida desse tipo com os países mais ricos. Eles podem se dar a esse luxo, porque já dispõem de armas atômicas enquanto nós não temos nem mesmo como garantir as nossas fronteiras históricas.