Por Maurício Cardoso
Há 46 anos um candidato, ex-presidente, favoritíssimo à vitória, também foi impedido de disputar uma eleição presidencial. Aconteceu na Argentina, com Juan Domingo Perón, em 1972. Deposto da presidência por um golpe militar em 1955, Perón vivia havia 17 anos no exílio na Espanha, quando os militares golpistas do momento, na pessoa do então presidente, o general Alejandro Lanusse, resolveram convocar eleições para devolver o poder aos civis.
As eleições seriam livres e gerais com uma única restrição: só podia se candidatar quem tivesse residência no país. Regra tão genérica tinha um objetivo bem específico: evitar a candidatura de Perón. Diante do veto, Perón inventou o poste mais obscuro e mais bem sucedido da história.
Hector Cámpora, "el Tío", como era conhecido, um modesto dentista que se destacara na política apenas por sua incondicional lealdade a Perón, foi o escolhido para ocupar seu lugar e comandar uma campanha que tinha como lema “Cámpora no governo, Perón no poder”.
Liderando a Frejuli, Frente Justicialista de Libertação Nacional, um ampla coalizão que misturava conservadores e guerrilheiros e juntava todas as oposições ao governo militar, Cámpora venceu as eleições com 49,6% dos votos, contra 21,3% do segundo colocado, Ricardo Balbín, da União Cívica Radical.
Os militares haviam introduzido a eleição em dois turnos no sistema eleitoral argentino como forma derradeira de impedir uma vitória de Perón ou dos peronistas. Não conseguiram. Diante da vitória avassaladora dos peronistas no primeiro turno, Balbín desistiu de disputar a segunda volta e Cámpora assumiu a presidência. Nas eleições regionais, os peronistas elegeram os governadores de 20 das 22 províncias então existentes.
“Eu serei presidente, a despeito dos meus 76 anos de idade”, ameaçou Perón, quando os militares proibiram que ele se candidatasse. Esta realidade começou a se desenhar quando Cámpora tomou posse e Perón assumiu o poder.
Perón voltou definitivamente à Argentina menos de um mês depois de Cámpora começar a despachar na Casa Rosada. Ou melhor, na casa de Perón, para onde o presidente eleito se dirigia todos os dias para despachar com o chefe. Conta-se que Perón jamais botou os pés na sede do governo enquanto Cámpora lá manteve seu gabinete.
O lema da campanha se tornaria realidade apenas 49 dias depois da posse de Cámpora. No dia 13 de julho, Hector Cámpora e o vice-presidente Solano apresentaram suas renúncias ao Congresso da Nação. Raul Lastiri foi indicado pelo Congresso para assumir a presidência e foram convocadas as eleições para eleger um novo presidente. Ou melhor, para eleger Perón.
No dia 23 de setembro de 1973, Juan Domingo Perón foi eleito presidente da Argentina pela terceira vez. Por causa de sua saúde debilitada, não fez campanha. Recebeu 62% dos votos, a maior votação que um presidente argentino recebeu em toda a história. Não chegou a completar nove meses do mandato. Morreu no 1º de julho de 1974. Foi substituído por Isabelita Perón, sua mulher, que ficou 20 meses no cargo. Em março de 1976, foi deposta por um golpe militar que mergulhou a Argentina na mais tenebrosa ditadura de sua história. Cámpora acabou expulso do peronismo e foi para o exílio no México, onde morreu em 1980.
Maurício Cardoso é diretor de redação da revista Consultor Jurídico