quinta-feira, 18 de outubro de 2018

Manifesto em defesa da Constituição e do regime democrático

Manifesto em defesa da Constituição e do 

Manifesto em defesa da Constituição e do regime democrático
Coletivo por um Ministério Público Transformador
Coletivo por um Ministério Público Transformador – Coletivo Transforma MP, associação formada por membros do Ministério Público Brasileiro, sem quaisquer fins corporativos ou lucrativos, nos termos de seu estatuto e tendo por base seus objetivos associativos, vem a público manifestar-se em defesa da Constituição e do regime democrático, em meio às graves ameaças aos postulados do Estado de Direito, às regras da soberania popular e o respeito às garantias e direitos fundamentais, insculpidos em nossa Carta Política de 1988, pelas razões abaixo apontadas, tendo em vista os desdobramentos do vigente processo eleitoral:
  1. O respeito à dignidade da pessoa humana, fundado em postulados internacionais de garantias e direitos, não pode ser afastado ou relativizado, sob pena de afronta direta às normas internacionais às quais o Brasil se encontra vinculado e às regras tidas como cláusulas pétreas em nossa Constituição, inafastáveis, portanto, sob qualquer circunstância, enquanto garantia de todos/as. Mostra-se, assim, incompatível com o debate democrático e atentatório à sua continuidade - uma vez que afronta diretamente o princípio da dignidade da pessoa humana - a apologia à violência como forma de expressão política, a prática do racismo, da xenofobia, da violência contra mulher ou a defesa da tortura como instrumento de ação estatal;
  2. A liberdade de expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação é direito fundamental, sem que seja exigida licença, afastada toda e qualquer tipo de censura, de natureza política, ideológica e artística. O direito à informação consiste numa garantia constitucional de todo indivíduo. Não é compatível com ela, todavia, sob o manto de exercício de liberdade de expressão, a disseminação de notícias falsas como instrumento de estratégia política, posto que atentatório ao regular exercício do sufrágio, base fundante da soberania popular. Um ambiente de desinformação pode acarretar graves consequências ao regime democrático e por conseguinte ao próprio Estado de Direito;
  3. A garantia da manifestação livre do pensamento não se coaduna com a disseminação de discursos excludentes de minorias ou de qualquer grupo humano, cuja existência e possibilidade de expressão estão garantidas pelo ordenamento jurídico e pelos tratados internacionais, em matéria de Direitos Humanos, aos quais o Brasil se encontra vinculado. Assim, a defesa da restrição ou diminuição de direitos de grupos minoritários ou por opção religiosa, pertencimento étnico/racial, origem geográfica, sexo ou orientação sexual se mostra atentatório aos fundamentos da República, conforme estabelecido expressamente no texto constitucional, do qual consta, como seus objetivos fundamentais: (i) construir uma sociedade livre, justa e solidária; (ii) garantir o desenvolvimento nacional; (iii) erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; (iv) promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação;
  4. A educação, como direito de todos, deve, nos termos da Constituição, ser promovida de forma a visar o pleno desenvolvimento da pessoa e seu preparo para o exercício da cidadania, além da qualificação para o trabalho. Assim, é fundamental que se assegure a liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber;
  5. A Segurança Pública, consistente em uma série de ações do Estado e da Sociedade, com vista ao bem estar de todos, à luz da Constituição e dos regramentos internacionais, não se fundamenta exclusivamente no incremento de ações policiais. É indispensável que seja compreendida em sua complexidade, como um conjunto de ações para além do exercício da força. Desta forma, mostra-se incompatível com o Estado Democrático e Constitucional qualquer proposta político-eleitoral que desfigure a compreensão da segurança pública como parte de uma política de Estado, por meio do uso inadvertido e, não raro, seletivo, da violência estatal, sob qualquer justificativa ou fundamento;
  6. A probidade administrativa e o respeito ao patrimônio público se impõem como condições necessárias ao exercício regular das funções públicas, por imposição constitucional, devendo ser velada pelo regular controle da sociedade e de instituições estatais destinadas a esta tarefa, não se configurando como qualidade ou (des)valor exclusivo deste ou daquele ator da disputa. Neste campo, o compromisso com a transparência, com o aprimoramento dos mecanismos de controle institucional e social e com o firme combate a todas as formas de corrupção se impõem como tarefa que deve ser almejada por todos/as os/as participantes do debate político;
  7. Os direitos sociais, inseridos que estão como cláusulas pétreas e integrados ao conjunto de garantias e direitos da Constituição Federal de 1988, representam uma conquista civilizatória e ferramenta indispensável para a concretização do projeto de desenvolvimento humano abarcado pela nossa Carta Política. Mostra-se, desta forma, atentatório ao projeto constitucional a defesa da implementação de ações que desconfigurem ou inviabilizem a implementação de seus dispositivos, ou que busquem afastar a solidariedade social da compreensão da matriz de nossa concretização normativa;
  8. A regularidade do sistema político repousa no respeito às suas regras e instrumentos de sua dinâmica institucional. O incentivo ao descrédito público de seus postulados básicos, como a regularidade dos processos de escolha ou a fidedignidade do resultado dos escrutínios submetidos ao crivo popular, configura uma afronta ao regime democrático. A construção de um ambiente político capaz de respeitar e acolher a diversidade e o pluralismo, à luz do sistema de liberdades constitucionais e de cooperação para sua permanência institucionalizada, é dever que se impõe a todos que postulam a participação nos processos instituídos sob a égide do Estado Democrático de Direito. O engajamento social dos atores políticos dos mais diversos espectros ideológicos ou programáticos e do conjunto da sociedade para a consolidação do projeto constitucional de 1988, em permanente continuação, ao mesmo tempo que submetido a contínuas ameaças, dentro da sua complexidade, coloca-se como objetivo identitário de um projeto de unidade nacional e condição mesma da regularidade dos demais processos sociais que se pretendam possíveis, os quais deverão de modo firme e explícito garantir o efetivo respeito às diferenças e à existência digna dos diversos membros desta complexa comunidade política.
Eis, portanto, os termos do presente MANIFESTO, endereçado à sociedade em geral, no âmbito da qual se encontra o desejo legítimo do exercício pleno de suas GARANTIAS CONSTITUCIONAIS para o LIVRE EXERCÍCIO de suas ESCOLHAS POLÍTICAS, apesar dos constantes obstáculos trazidos por um acirramento violento do processo em curso  e, particularmente, aos postulantes do processo eleitoral em disputa, como registro da INAFASTABILIDADE DOS POSTULADOS CONSTITUCIONAIS DESTACADOS, bem como forma de contribuição do acesso ao DIREITO À INFORMAÇÃO, fundamental ao EXERCÍCIO REGULAR DO SUFRÁGIO, na busca constante pelo fortalecimento da manutenção do próprio ESTADO DE DIREITO e do REGIME DEMOCRÁTICO, nos termos inafastáveis do que se encontra estabelecido na CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988.
Brasília - DF, 16 de outubro de 2018
Coletivo Por um Ministério Público Transformador - Coletivo Transforma MP

O candidato do colapso, por Marcos Nobre


O CANDIDATO DO COLAPSO

Poder de Bolsonaro nasceu da devastação social e dela dependerá

MARCOS NOBRE
17out2018_07h30
Aeleição foi, em primeiro lugar, sobre a prisão de Lula. Depois, sobre a facada em Bolsonaro. Agora é sobre a exploração da soma de todos os medos de quem vive em um país em frangalhos.
O futuro não deu as caras. Até agora, é uma eleição como se não houvesse amanhã. O que apareceu foi apenas um presente abominável e um passado de horror. Sob a liderança de Jair Bolsonaro, o dia seguinte ficou fora de qualquer conversa, e o primeiro turno da vingança se tornou o segundo turno do medo.
A razão para isso é simples e terrível: as pessoas já perderam muito, mas têm medo de que lhes seja tirado mais ainda. Elas temem especialmente que lhes seja tirado o mais básico e fundamental, aquilo que é sua razão de existir. Para muita gente, esta eleição não é sobre a esperança de que a vida vá melhorar, mas sobre como estancar um sofrimento tão prolongado.
Pouca gente acha que a dureza das crises que enfrentamos há tanto tempo está perto do fim. Muita gente acreditou nessa promessa quando veio a parlamentada de 2016, que derrubou Dilma Rousseff. O governo Temer, ao contrário, trouxe junto com ele todas as pragas do Egito, só que em número indeterminado. Falar em política e em instituições políticas trouxe o ódio e a repulsa manifestados no primeiro turno. Agora, neste segundo turno, traz também o medo de que ameaça ainda maior esteja por vir. E alguém precisa impedir que o sistema político continue a fazer maldades.
Bolsonaro canalizou a desesperança e o medo em prol de sua candidatura. Depois da facada que sofreu, passou a dar as cartas. Passou a pautar sozinho a eleição, começou a moldá-la como o não-debate em que se transformou. Bolsonaro não promete coisa alguma a não ser: as maldades vão parar. Para quem já não acredita em nada que soe “político”, prometer mais do que isso soa falso, mentiroso. Mesmo debater soa falso, mentiroso, soa “político”. Por isso, de pouco vai adiantar a candidatura de Fernando Haddad insistir em debater enquanto não tocar no que está na base do sucesso do capitão-candidato.
Bolsonaro se colocou como defensor das últimas trincheiras de qualquer pessoa, daquilo que é a sua identidade mais básica. Disse mais ou menos o seguinte: “Tiraram tudo de vocês e agora querem tirar até o mais fundamental, que é a sua vida, que é acreditar em Deus, em si próprio e nas pessoas mais próximas.” Muita gente acredita que as coisas mais preciosas estão em risco. Bolsonaro prometeu protegê-las acima de tudo e de todos. Não por acaso, conseguiu fazer um amálgama das únicas três instituições que ainda encontram apoio, respaldo e aprovação na terra arrasada atual e que não são consideradas “políticas”: família, igrejas e Forças Armadas.
É como se Bolsonaro estivesse dizendo ao eleitorado: “Você tem toda a razão de não confiar em nenhuma instituição a não ser na sua família, na sua igreja e nas Forças Armadas de seu país. E eu sou o único que pertence a essas três instituições, sou o único que pode lhe defender, sou o único em condições de prometer que vou lhe defender. Ninguém tirará de você a sua vida, a sua família, a sua crença e o seu direito de acreditar em si mesmo.”
O estranho é ter gente que ache isso pouco. É da sobrevivência física, mental e social de muitas pessoas que se está falando. Toda a discussão sobre a divisão do eleitorado entre PT e antiPT, que é real, obscurece muitas vezes o fato de que uma parcela do eleitorado está se sentindo existencialmente ameaçada e que vê no sistema político a fonte dessa ameaça.
Negar que parte muito relevante do eleitorado esteja se sentindo dessa maneira é se recusar a entender o voto em Bolsonaro. É se recusar a entender por que discutir o dia seguinte se tornou secundário. É se recusar a entender por que debater se tornou secundário, tornou-se “político”.
Acontece que Bolsonaro não apenas depende dessa devastação social para vencer a eleição. Ele também vai depender dela para se manter no poder. Bolsonaro surfa a onda do colapso das instituições. Precisa do colapso para se eleger. Mas precisará ainda mais do colapso para se manter no poder.
Porque a parte relevante do eleitorado que se sente existencialmente ameaçada não permanecerá para sempre na posição defensiva extrema em que se encontra hoje. Em um momento não muito distante vai precisar sentir que a ameaça extrema passou e será então a hora de buscar algo positivo, construtivo. E, nesse momento, Bolsonaro nada terá a mostrar.
Porque mostrar algo positivo e esperançoso depende de reconstruir as instituições políticas. Depende de fazer voltar a funcionar um sistema político que entrou em parafuso. E, mesmo que se visse obrigado a isso, Bolsonaro não dispõe de condições políticas e pessoais de realizar uma tarefa dessa magnitude. Não se elegeu com base nisso, não tem base social e política para isso. Ao contrário, ele é o candidato do colapso.
Se eleito, a única opção para Bolsonaro permanecer no poder será manter ativamente em estado de colapso as instituições políticas do país. Porque o sistema político fará certamente esforços para se reorganizar, tanto do lado da centro-esquerda como da centro-direita. Mas qualquer reorganização como essa, se bem-sucedida, acontecerá contra um eventual governo Bolsonaro – e não a seu favor. Bolsonaro só poderá governar minando permanentemente toda forma positiva de reorganização das instituições.
Bolsonaro apareceu em uma pequena janela no tempo, naquele exato minuto do colapso institucional em que se tornou possível lançar a bomba capaz de tornar esse colapso duradouro. A opção neste segundo turno é entre a ameaça existencial que surfa no colapso das instituições e a proposta de uma reconstrução institucional. Coube à campanha de Fernando Haddad o papel de mostrar que a janela de onde acena o capitão-candidato representa, na verdade, a continuidade da sensação da ameaça existencial. Porque é disso que se alimenta a candidatura de Bolsonaro.