quarta-feira, 2 de março de 2011

Por que esconder estatísticas de criminalidade?

Caso desloca a discussão principal, que é sobre o sigilo das informações

CLAUDIO BEATO
ESPECIAL PARA A FOLHA

Vivi nos EUA e na Inglaterra como professor visitante, e me impressionava a liberdade que havia para utilizar dados de criminalidade produzidos pelo poder público.
Na Universidade Harvard, recebíamos alertas da polícia sobre atividades criminosas nas ruas ao redor do campus.
Quem queria alugar casa podia consultar nos sites da polícia as ocorrências no local. Em Londres, avisos em hotspots de delitos na cidade e em pontos de metrô convidavam os usuários e transeuntes a serem cautelosos nesses locais. Por aqui, as coisas são muito diferentes.
A ideia de que alguém possa vender dados sigilosos desloca e oblitera a principal discussão, que reside no fato de que informações de segurança pública sejam secretas e ocultas ao público.
Ao personificar a notícia sobre um suposto malfeito, perdemos o foco do que deveria ser um debate central hoje. Por alguma estranha razão, prefere-se não divulgar dados sob o pretexto de que poderiam levar intranquilidade aos habitantes.
Naturalmente existem dados e informações que podem identificar e prejudicar pessoas e sobre os quais deve-se ter toda a precaução.
Mas informações relativas à distribuição de crimes certamente não se enquadram nessa categoria.
Há outra discussão ainda mais central. Não existe uma má política na área da segurança que não se inicie por uma péssima condição na organização dos dados. E não existe um caso de sucesso que não esteja calcado em boas informações e análises.
Túlio Kahn fazia excelente trabalho na organização dos dados na CAP, para fins de planejamento e análise das políticas públicas em SP.
Boas análises funcionam como holofotes sobre áreas problemáticas, iluminando também o trabalho dos responsáveis por elas. É como pescar em águas onde sabemos onde estarão os diferentes tipos de peixes, bem como os maus pescadores.
Quem lida com análises nessa área sabe dos inúmeros preconceitos e vieses vigentes, que terminam gerando situações como esta.
É um dos últimos redutos no qual sobrevive o que restou da antiga comunidade de informações, e do qual se nutrem gestores que não gostam de ver suas atividades avaliadas, muito menos submetidas a escrutínio público.
CLAUDIO BEATO é coordenador do Centro de Estudos em Criminalidade e Segurança Pública da UFMG
Artigo publicado no jornal Folha de S. Paulo, em 02/03/2011