SEM CORAÇÃO
Bonecas substituem garotas de programa em bordel de Paris
ISABEL JUNQUEIRA
Feitas com um material mais barato que o silicone, as funcionárias do Xdolls costumam receber a clientela inteiramente nuas e já deitadas Christophe Bertolin_IP3_Getty Images
Areunião do Conselho de Paris já ultrapassava as seis horas de duração quando a prefeita Anne Hidalgo colocou em debate a moção de número 189, apresentada pelos comunistas. “O que é mais essencial do que combater o sexismo e a violência contra as mulheres?”, vociferou Hervé Bégué, um dos 163 políticos que integram o órgão, semelhante às câmaras municipais brasileiras. No último dia 22 de março, o orador reivindicava a interdição de um estabelecimento pioneiro na França, o Xdolls. Inaugurado em janeiro no sul de Paris e registrado como “salão de jogos”, o espaço lembra um bordel, só que ali as garotas de programa não têm carne nem osso. São bonecas hiper-realistas que, além de movimentarem as pernas, os braços, os pés, as mãos e o pescoço, dispõem de três orifícios bem estratégicos.
Os comunistas, sob o apoio de diversos coletivos feministas, apregoavam que o Xdolls reverencia o estupro e encoraja a volta dos bordéis tradicionais, proibidos no país há sete décadas. Convidado para opinar durante a reunião, um representante da polícia advogou em favor da novidade: “Segundo o Código Penal, esse tipo de negócio não estimula a prostituição ou o proxenetismo, já que não põe os clientes em contato com pessoas.” Vários conselheiros do sexo masculino apoiaram ruidosamente o argumento e classificaram de puritana a tese dos comunistas. No final das discussões, a maioria votou contra a moção, inclusive parte das conselheiras, e o Xdolls continuou funcionando.
A casa oferece os serviços de cinco senhoritas. A morena Kim destaca-se pelos seios fartos. Lily possui traços asiáticos e a pele tão alva quanto a de Nicole Kidman. Candice parece uma adolescente. Sofia é loira e Sarah, ruiva. Para desfrutar de alguma das moças, basta desembolsar 89 euros por hora e 100 de caução.
Os célebres bordéis – ou maisons closes – que converteram Paris na capital dos prazeres durante o século XIX e a primeira metade do século XX desapareceram logo após a Segunda Guerra Mundial. Até então, as autoridades consideravam a prostituição um “mal necessário” e a toleravam em ambientes fechados. Exigiam, porém, que as profissionais do ramo tivessem registro na polícia e se submetessem a exames médicos regulares. Guias especializados, como o extinto Guide Rose, inventariavam anualmente os lupanares parisienses, dos mais luxuosos às sinistras maisons d’abattage (casas de abate). Mas havia outra maneira de os interessados descobrirem o caminho das pedras: por determinação do governo, as fachadas dos prédios que abrigavam prostíbulos exibiam números de tamanho exagerado, bem maiores que os habituais.
Em dezembro de 1945, a ex-prostituta, ex-espiã e conselheira municipal Marthe Richard – integrante de um partido cristão – liderou uma campanha para fechar os bordéis de Paris, alegando que muitos deles haviam colaborado com os nazistas ou se aproximado em demasia da máfia. Como a demanda surtiu efeito, a ativista resolveu ampliá-la. Foi assim que, no dia 13 de abril de 1946, proibiram-se os bordéis em todo o território francês. Com o tempo, no entanto, o país viu surgirem as casas de massagem e outras versões disfarçadas de prostíbulos.
Hoje, as mulheres podem usar o corpo como bem entenderem na França, sem nenhuma penalidade. Já o ato de lucrar com o trabalho sexual alheio configura um delito. Em 2016, a Assembleia Nacional aprovou uma lei desfavorável também àqueles que contratam prostitutas. Clientes pegos em flagrante amargam uma multa de 1 500 euros.
Só quem aceita pagar antecipadamente pelo usufruto das bonecas é que recebe o endereço do Xdolls. Mesmo com as coordenadas em mãos, remetidas por e-mail, os que procuram o “salão de jogos” às vezes se confundem, pois não há número nem letreiros na fachada de vidro escuro. O proprietário do negócio, Joaquim Lousquy, de 28 anos, insiste para que os fregueses mantenham o segredo. Aprendeu a lição com o espanhol LumiDolls, primeiro bordel do gênero a funcionar na Europa. A casa de Barcelona, nascida em fevereiro de 2017, divulgou sua localização com estardalhaço e atraiu tantos curiosos que o dono do imóvel, avesso a tumultos, rescindiu o contrato de aluguel duas semanas depois da abertura. O estabelecimento mudou de lugar e, agora, prioriza a discrição.
Situado numa ruela do pacato 14° arrondissement, o Xdolls ocupa o térreo de um edifício residencial. O interior de 70 metros quadrados tem iluminação vermelha, fotos sensuais nas paredes, revistas pornográficas espalhadas pelos cantos e cheiro de incenso. “Viu como é limpo?”, perguntou mais de uma vez o único funcionário (humano) da maison parisiense, enquanto passava um esfregão no piso de madeira.
Dentro de um dos três quartos – ou “espaços de jogo”, como prefere Lousquy –, as bonecas made in China já estavam prontas para o trabalho, nuas e deitadas numa cama com lençol descartável. Elas costumam receber a clientela assim: sem roupa ou apenas de lingerie. Macias e levemente pegajosas, são de elastômero termoplástico. O material revolucionou o mercado de sex dolls por se revelar mais barato que o silicone, ainda que menos durável. Como a pele das bonecas é fria, o bordel fornece cobertores elétricos aos clientes – além de lubrificantes, vibradores e até óculos de realidade virtual, que projetam filmes pornôs.
As cinco meninas, bastante magras, pesam entre 25 e 40 quilos. “Por razões éticas, nenhuma mede menos de 1,43 metro”, explicou Lousquy. A dificuldade em operá-las desagradou o empresário Laslo Sardanapale. O cinquentão reservou um horário no Xdolls para fazer um test drive acompanhado da namorada. “Foi esquisito… A boneca, um tanto desengonçada, se mexia demais.” Ele saiu da experiência com inúmeras fotos de lembrança e um GIF em que a parceira estapeia o rosto do manequim.
Joaquim Lousquy descobriu os bordéis de sex dolls no fim de 2017, quando leu uma reportagem sobre o assunto. Sócio de empresas que comercializam lâmpadas de LED e cigarros eletrônicos, o rapaz encontrou uma justificativa misógina para importar o serviço originário do Japão: “Oferecemos bonecas mais limpas que as mulheres de verdade.” Toda vez que deseja higienizar o corpo oco das funcionárias, Lousquy desatarraxa a cabeça delas. Após a limpeza, passa talco na pele de cada uma.
O jovem pretende abrir franquias em toda a França a partir de julho. A ideia é começar por Pigalle, zona boêmia de Paris. Cético, Siham Benmohad – gerente da 4Woods Europe, uma distribuidora de manequins japoneses – acredita que bordéis como o Xdolls não vão durar muito. “As bonecas são objetos de um homem só. Nossos clientes não gostam de dividi-las.” Por via das dúvidas, Lousquy já se preparou para a eventual mudança de ventos. No site da casa, vende sex dolls com pelos pubianos customizados. O preço mínimo é de 1 700 euros. J
ISABEL JUNQUEIRA
Isabel Junqueira é jornalista brasileira radicada em Paris