Viagem ao país primitivo que pariu Bolsonaro
Sob o calor da fornalha, o gozo com a devastação e o apego aos símbolos rudes do “progresso”: assim vive-se em vastas regiões da Amazônia e Cerrado. Neste Brasil pouco conhecido, a reprimarização suscitou o ethos que nos conduz ao século XVI
Publicado 25/02/2021 às 18:21 - Atualizado 25/02/2021 às 18:49
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Este texto é parte de uma série de reflexões jornalísticas que examinam as consequências do agigantamento da indústria da carne nas Américas. O material é produzido pela rede Bocado, da qual faz parte o site O Joio e o Trigo, parceiro editorial de Outras Palavras.
Na próxima semana, o México e as adulterações do gado e da carne, por meio de hormônios e anabolizantes]
O calor gruda no corpo instantaneamente. Me abraça, me afaga, como um beijo de morte do qual é impossível me livrar. Os poros começam a produzir suor, e é angustiante pensar que não deixarão de funcionar um único segundo durante semanas. Minha sensação ao chegar a Porto Velho era sempre a mesma: cadê a floresta? Do alto do avião até se avistam áreas de mata, mas, ao cruzar a porta, na pista do aeroporto, a única sensação é o bafo sufocante que sobe do asfalto.
Na capital de Rondônia, um dos estados que formam a Amazônia brasileira, é possível andar quadras e quadras sem conseguir a sombra protetora de uma árvore. Os carros parecem ter saído da fábrica sem o botão de “desliga” do ar-condicionado, uma companhia inseparável graças a uma lógica de ocupação do espaço que tem na floresta uma inimiga a ser suprimida.
O frigorífico da JBS, uma das maiores produtoras de carne do mundo, estava a poucos metros do aeroporto, mas nunca me atentei a ele. Toda vez que eu cruzava o estado de norte a sul, sentia a desolação de ver soja, soja, soja e boi onde antes, em algum momento do qual não fui testemunha, deveria haver mata, mata e mata. Os povos ribeirinhos, sim, tinham lembrança dos tempos nos quais as terras eram deles, mas também não eram de ninguém: não havia cercas, dinheiro, pressões.
“Quem estava antes tinha outra visão da terra. Não se preocupava em ter documento da terra. São populações tradicionais que têm a visão de coletar o que a terra tem para oferecer.” Quando conversamos, em 2014, Maria Petronila era coordenadora da Comissão Pastoral da Terra (CPT), uma organização vinculada à Igreja Católica que foi fundamental na articulação de resistências camponesas Brasil afora.
A ditadura (1964-85) mudou radicalmente a situação. Enormes extensões foram distribuídas a latifundiários, e porções pequenas e médias a camponeses. Em ambos os casos, partindo da ideia de um “vazio demográfico” que só existia se os indígenas e os povos tradicionais fossem considerados um nada. Nesse momento, quem ganhava um lote era obrigado a desmatá-lo em pelo menos 50%. Ou seja, a derrubada da Amazônia foi uma política de Estado. E, então, o caminho ficou aberto – primeiro para o boi, que é uma ótima forma de ocupar uma terra, e depois para os grãos.
Ex-integrante do Conselho Indigenista Missionário, filha de seringueiros, Petronila testemunhou como a chegada de pessoas interessadas em promover uma agricultura nos moldes tradicionais provocou um rebuliço na população fixada em Rondônia. “Minha mãe dizia: ‘Pra que eu quero terra? Só preciso de sete palmos pra enterrar. Ou pode jogar no rio que está muito bom’. Eu venho de uma cultura que achava muito estranho vender arroz, feijão, uma galinha caipira. Todo mundo criava. Então, passava alguém, a gente dava. Não sabia o que era vender as coisas.”
Quando rodei por Vilhena, no sul de Rondônia, uma região muito fértil, fiquei impressionado com o que vi à beira da rodovia que foi fundamental para conectar o estado ao Brasil. Foi isso que registrei no livro Corumbiara, caso enterrado:
Enormes folhas de telha metálica se chocam contra as imensas estruturas nas quais deveriam estar presas. Peim, peim, peim. É o som que se escuta o dia todo naqueles imensos galpões, de mais de cem metros de comprimento por uns 30 de largura. É só o que se escuta. As máquinas estão paradas, os fornos foram desligados. Há pouquíssimos operários circulando por ali, na maior parte do tempo falando baixo, cuidadosos de preservar o sono dos cortes de madeira deixados no local. As dezenas de madeireiras abandonadas à margem da BR 364, em Vilhena, são a história de uma cidade: de um estado: de um país. São a história de ontem: os registros de ponto abandonados em um dos galpões datam de 2008 e 2009, as fotos de mulheres peladas coladas nos armários estão vivas. São um retrato da destruição: foram três décadas para acabar com os cortes nobres de todo o Cone Sul, uma vasta região que hoje não consegue produzir mais que madeira de reflorestamento. São a história de hoje: à medida que acabaram as madeiras, as empresas foram embora, deixando maquinário para trás, e rumaram cada vez mais para o norte do estado, em direção a Porto Velho e ao sul do Amazonas, áreas que nos últimos anos viram crescer os índices de derrubada.
A grande marcha brasileira para o oeste não foi televisionada. À diferença dos Estados Unidos, nosso cinema e nossa literatura não promovem uma disputa entre a narrativa épica da ocupação do território e a denúncia do genocídio. Muitos massacres não têm qualquer registro visual – em muitos casos, não há registro algum.
Nos Estados Unidos, a marcha para o oeste massacrou indígenas e búfalos. No Brasil, os primos do búfalo, vacas e bois, são quem domina a terra depois que indígenas e ribeirinhos foram exterminados. Ou antes mesmo que o sejam, como instrumento de pressão sobre as terras que deveriam estar protegidas pelo Estado, livres da ocupação irregular.
O Brasil criou com 27 anos de atraso a Comissão Nacional da Verdade, que funcionou entre 2012 e 2014. Como de praxe em nossa história, a criação do colegiado passou por um acordo com os militares para que fosse investigada toda repressão estatal entre 1946 e 1988, e não apenas durante a ditadura (1964-85). Com base nisso, concluiu-se que 8.350 indígenas foram mortos pelo Estado. “O número deve ser exponencialmente maior, uma vez que apenas uma parcela muito restrita dos povos indígenas afetados foi analisada e que há casos em que a quantidade de mortos é alta o bastante para desencorajar estimativas”, registra o relatório final.
O Brasil sempre foi um país de caranguejos: o modo de colonização português concentrou nossa população nas costas, como, em parte, é até hoje. Foi só no virada para o século 20 que teve início um processo de avanço para o noroeste. Primeiro, foram as linhas de telégrafo, atravessando terras indígenas e mapeando povos tradicionais, em parte com a crença de que essas populações deveriam ser “integradas” a nossa sociedade. Depois, estradas, como a BR 364, que corta Rondônia. A carne. O milho. A soja.
O repórter Marcos Hermanson Pomar, de O Joio e O Trigo, organizou os dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) que nos ajudam a entender a grande marcha do boi. Historicamente, a carne era produzida próxima aos grandes centros de consumo do Sudeste. Mas, a partir dos anos 1960, as vacas viram a bússola ao oeste. Primeiro, é como se tivessem pego a reta em direção à Bolívia. Ao chegar perto da fronteira, dobraram à direita, subindo, subindo, subindo, como se quisessem chegar à Venezuela cruzando a floresta. São terras baratas – ou gratuitas, na maior parte, porque fruto de doação ou de grilagem. No primeiro movimento, começamos a dar adeus ao Cerrado, um bioma fundamental que atravessa boa parte do país.
Entre os estados da Amazônia Legal, o Pará vai de um milhão de bois em 1970 para 14 milhões em 2017. O Mato Grosso, de nove milhões para 24 milhões. Rondônia, de 23 mil para quase 10 milhões. Hoje, a indústria brasileira abate 3,8 bilhões de frangos ao ano, o que dá espantosas 19 aves por pessoa. E mais 32 milhões de bois e 46 milhões de porcos.
A região Centro-Oeste dobrou o plantel de bovinos desde 1985, e hoje concentra 34% das nossas 214,7 milhões de cabeças – sim, o Brasil tem um boi por habitante. Já a região Norte, onde está a maior parte da Amazônia, quadruplicou o número de cabeças nesse mesmo período.
Os bois é que são os donos dos nossos principais biomas. Enquanto as aves e os porcos foram confinados, os bovinos seguem sendo criados de forma extensiva no Brasil. Porque, em parte, eles servem para especular sobre a terra, ocupá-la à espera do próximo perdão governamental à grilagem, que é como chamamos o processo de uso ilegal de uma área.
Em 2005, São Félix do Xingu, no meio da Amazônia, já tinha um dos maiores rebanhos bovinos do Brasil, mas a maior parte dos grandes produtores estava no Centro-Oeste. Hoje, dos cinco maiores municípios, três estão no Norte. Sem exceção, essas maiores zonas de produção são, também, áreas de ecossistemas essenciais e frágeis.
Onde há bois, há frigoríficos. As unidades de abate também empreenderam a grande marcha ao oeste, arrastando consigo acidentes de trabalho. Nossa investigação mostrou que, nos 206 pequenos municípios que abrigam frigoríficos, o índice de acidentes laborais é 70% maior que a média, e 212% maior que o de cidades de mesmo porte.
O boi nunca estaria completo sem os grãos. Nos anos 1970, a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) consegue uma façanha tecnológica: criar uma variedade de soja que prospera no Cerrado. Uma área marcada por grandes períodos de seca e por uma vegetação plenamente adaptada a essas condições hostis.
A soja foi de praticamente nada nos anos 1970 para a terceira produção brasileira em valor em meados da década de 1990. Mas o que aconteceu depois… entre 1995 e 2019, o valor cresceu em 3.449%. A área colhida triplicou, de 11 milhões para 35 milhões de hectares. Ancorada no grão, Mato Grosso ultrapassou São Paulo no PIB do agronegócio. O município de Sorriso transformou-se no mais lucrativo do país em termos agrícolas, tendo produzido, sozinho, 2,1 milhões de toneladas de soja.
Mas existe uma clara migração rumo ao Norte, rumo à ex-Amazônia. A região Norte já responde por metade do volume de soja do país, tendo ultrapassado o Centro-oeste (onde fica o Mato Grosso). Pará e Rondônia lideram esse movimento. Claramente, estamos caminhando das bordas da floresta para o centro.
Em Porto Velho, eu via os efeitos da construção das usinas hidrelétricas irmãs, Jirau e Santo Antônio. Um projeto da ditadura que os governos Lula-Dilma se encarregaram de tirar do papel na década passada. A energia não serve de nada aos povos do Norte, e é transferida ao Sudeste por enormes torres que cortam Rondônia de ponta a ponta. Naquela época, os pescadores já não podiam subir alguns trechos do rio Madeira, e se queixavam do desaparecimento de muitas espécies de peixes.
No pacote de obras, especulava-se sobre a pavimentação da BR-319, uma rodovia que liga a capital de Rondônia a Manaus, cortando um dos trechos melhor conservados da floresta – especulação, no vocabulário amazônico, é sinônimo de desmatamento. De novo, um projeto da ditadura. Mas faltou a Dilma o ímpeto autoritário necessário para levar adiante a iniciativa, algo que Jair Bolsonaro não teve dúvidas em resolver.
Na outra ponta da frente de expansão da agropecuária, perdi as contas de quantas vezes ouvimos falar em “Matopiba”, expressão que designa o cinturão da soja formado entre os estados de Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia, uma imensa área de Cerrado por onde avança o agronegócio – os 73 milhões de hectares equivalem à soma de Bélgica e Holanda.
É o Século da Soja. Na avenida principal de Vilhena, um comércio de luxo que contrasta com todo o entorno. Joalherias, revendedoras de carros, restaurantes e bares bem instalados. Vejo que agora, cinco anos mais tarde, há também um shopping: as famílias dos latifundiários, mesmo que só de passagem, precisam das distrações da cidade grande, acostumadas que estão a ignorar os passeios oferecidos pela natureza – sinônimos do atraso.
O século 21 marca o momento de consolidação do conceito do agronegócio e das forças políticas que o representam. O país nasceu e foi criado para os ruralistas, mas não havia uma articulação entre as várias cadeias para serem uma coisa só. Para serem o “agro”, como querem ser chamados. O antropólogo Caio Pompeia, autor de A formação política do agronegócio (Editora Elefante, lançamento em 2021), recorda que, antes, cafeicultores, pecuaristas, sojicultores, fabricantes de fertilizantes, a indústria de comida-porcaria, cada um estava em seu canto. Mas, nos anos 1980 e 1990, a expressão “agronegócio” é importada em definitivo dos Estados Unidos, e tem início uma articulação que no começo do século 21 ficaria mais, mais, mais clara.
O setor nomeia o ministro da Agricultura de Lula. E cria o que hoje conhecemos como “bancada ruralista”, uma força política com controle sobre um terço ou mais dos assentos do Legislativo, com capacidade para derrubar Dilma e ser fiadora do governo ilegítimo de Michel Temer.
Mas, então, vem Jair Bolsonaro. E, também pela primeira vez, o agronegócio fica à esquerda do governo. Pompeia conta algo que muita gente não viu: enquanto os líderes dos setores tradicionais do agronegócio apostavam em eleger um presidente de direita, no interior profundo do Brasil se articulava uma campanha para eleger um sujeito de extrema direita. Depois de muito tempo, voltamos a ouvir falar da União Democrática Ruralista, uma entidade que agrupa o que de mais retrógrado pode haver num setor da sociedade “naturalmente” retrógrado.
Em Rondônia, eu notava que havia algo diferente acontecendo do ponto de vista do pensamento político. Havia uma agenda política que não dialogava com a sensatez, que se produzia na base do achismo, com uma forte influência religiosa. Eram pensamentos por vezes desconexos, delirantes, mágicos. Em pequenas comunidades, de duas ou três mil pessoas, havia 10, 15, 20 igrejas evangélicas. Justamente num estado no qual a igreja católica havia sido fundamental para articular os camponeses em busca de reforma agrária e de contestações ao latifúndio. Pessoas que haviam conquistado um pedaço de chão com base em mobilização agora aderiam a uma lógica de que nada havia a fazer: de que tudo depende do desígnio de Deus.
Esse encontro entre religião e política formou um projeto de poder: o avanço da soja e da pecuária forja um matrimônio de interesses com Deus – ou em nome dele. Dessa vez, invertendo a mão dos fluxos históricos: é do interior que surge um projeto político que avança em direção à costa. Dois anos mais tarde, caminhei alguns metros desde a minha casa, no centro de São Paulo, para admirar, espantado, uma marcha gigantesca de pessoas vestidas de verde e amarelo que juravam que o Brasil estava sob uma ditadura comunista. Aconteceu o que eu (muita gente) jamais poderia esperar: aquele pensamento delirante, que até então eu atribuía a pequenos grupos, havia crescido debaixo do nosso nariz.
O bolsonarismo floresceu entre os homens brancos, de classe média, de cidades médias, de formação escolar média. É dialogando com esse eleitor, que sempre se sentiu esquecido, que se cria a base de um pensamento que leva o Brasil a uma agenda do século 16. À diferença dos antecessores, Bolsonaro se faz na base do ressentimento, do ódio, do outro como ameaça, e não na base da promessa do futuro. Não é coincidência que a eleição dele se produza no momento em que a soja toma o topo da balança comercial brasileira, aparentemente para não sair de lá tão cedo. Já não se trata de um país agroindustrial: é algo ainda mais primitivo que a exportação de carnes que, bem ou mal, passaram por algum processamento: é a ração de animais que serão transformados em carne.
A desindustrialização do Brasil já andava a galope. Mas é sobre o cavalo de Bolsonaro que empreendemos uma viagem para os pensamentos mais crus e primitivos que a lógica colonial nos presenteou. Como em tudo, na economia Bolsonaro só sabe usar a arquitetura da destruição: é na mineração, no uso predatório da natureza que ele encontra a resposta para tudo – inclusive para o prazer.
Os brasileiros consomem, em média, 20,7 quilos de carne ao ano, ou quatro bilhões de quilos. Mas existe uma diferença clara, segundo a Pesquisa de Orçamentos Familiares: quem recebe menos de dois salários mínimos come quase a metade do que a porção mais rica da população. Ao longo do século, o consumo se reduziu em praticamente todo o país, mas há uma exceção: o Centro-Oeste, a região por onde a soja e o boi avançaram para chegar à Amazônia. Olhando para o mapa de votação por municípios, e olhando para as cidades por onde avança o agronegócio, encontra-se uma clara intersecção. A grande marcha brasileira para o oeste foi uma marcha conservadora, que espalhou um idioma específico, retrógrado, raivoso.
Como diz o pensador argentino Horacio Machado Araoz, no livro Genealogia da mineração contemporânea,
Retrospectivamente, o extermínio originário das populações nativas de Nossa América e o recurso antieconômico e abusivo à violência funcionaram como verdadeiros atos de fundação, acontecimentos pedagógico-políticos nos quais essa aventura da matéria vivente cientificamente nomeada como “homo sapiens” começa a adentrar-se numa aprendizagem cada vez mais sistemática de um saber perverso: a arte da crueldade e da cobiça como práticas aparentemente infinitas e como sentido da existência.
A vantagem de viver nos tempos de Bolsonaro é que a arte da crueldade e da cobiça fica nua. Não há intenção alguma de fantasiá-la, de ocultá-la, de apresentá-la sob uma roupagem moderna. O Brasil arde em chamas há dois anos seguidos, sabemos que os incêndios são criminosos, e não há nada que se possa fazer para deter a marcha da insanidade.
É difícil escolher qual a fala mais grotesca do presidente a respeito dos povos indígenas. Pinço uma, entre tantas possíveis: “O índio mudou, tá evol… Cada vez mais, o índio é um ser humano igual a nós. Então, vamos fazer com que o índio se integre à sociedade e seja realmente dono da sua terra indígena, isso é o que a gente quer aqui.” As terras indígenas são um dos principais espaços de preservação das matas. É sobre elas que Bolsonaro sonha em promover garimpos, em criar animais, em plantar soja.
Nos primeiros meses da pandemia, a divulgação de um vídeo completo de uma reunião ministerial, determinada pela Justiça, não deixou qualquer margem a dúvidas: estamos nas mãos de um governo de paranóicos e delirantes. O ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, afirmou que era hora de aproveitar a “distração” criada pela Covid-19 para “passar a boiada”. A arte da crueldade e da cobiça: nua.
É inviável sistematizar tudo o que foi feito nos últimos dois anos. O resumo é a retirada total do Estado do papel de regulação de corporações, o sinal verde para a destruição dos nossos ecossistemas e o aprofundamento ultraveloz de uma matriz econômica que no século 19 já seria ultrapassada. Tudo isso sob o aplauso de uma parcela gigantesca da população que realmente acredita que estamos caminhando em direção ao futuro.
E quando a floresta acabar, o que será de nós? Um estudo de 2014 calcula que, de pé, a Amazônia vale, por ano, o equivalente ao nosso PIB. Deitada, ela vale o mesmo que qualquer outra região do país: o quanto conseguirmos arrancar de grãos ou de carne.
Mas esse não é um problema para as pessoas que estão aproveitando o momento para desmatar e atear fogo a tudo. Só importa o hoje. Só importa o eu. Só importa o boi. Só importa a soja. Como disse Jair Bolsonaro quando tentou colocar o filho como embaixador do Brasil nos Estados Unidos: “Se puder dar um filé mignon para o meu filho, eu dou.” A arte da crueldade e da cobiça: nua.
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