segunda-feira, 22 de fevereiro de 2021

O LONGO CONFLITO DO OCIDENTE COM O IRÃ: QUAL O INTERESSE DOS EUA HOJE?

 

Por Gabriel Dantas Romano /Le Monde Diplomatique

O fato de os Estados Unidos serem atualmente um dos maiores produtores de petróleo do mundo levou algumas pessoas a acreditar que o investimento contra o Irã não está mais relacionado com o petróleo

Depois da Primeira Guerra Mundial, a dissolução do Império Turco-Otomano criou um imenso vácuo de poder no Oriente Médio que logo foi ocupado pelo domínio da França e Inglaterra, as nações vencedoras da guerra. Durante o conflito envolvendo a Tríplice Entente e a Tríplice Aliança, a Inglaterra contou com a ajuda das Revoltas Árabes para desestabilizar o poder turco-otomano no Oriente Médio. Porém, depois da vitória, o nacionalismo árabe (que pressupõe que a região deveria ser governada pelos próprios árabes e não por europeus) sofreu um imenso golpe. Reino Unido e França assinaram secretamente um acordo (conhecido como Acordo Sykes-Picot) que dividia a Península Arábica em esferas de influência entre as duas nações. Países como Síria e Líbano ficaram sobre mandato francês; Palestina, Iraque e Transjordânia se tornaram mandatos britânicos.1
As potências ocidentais asseguram seu domínio econômico e político na região. Esse poder beneficiou o capitalismo das nações europeias numa época de forte expansão do setor automobilístico. Os franceses e britânicos tinham controle da maior reserva de petróleo de fácil extração do mundo, podendo abastecer a necessidade de combustível da indústria.

A história do conflito contra o Irã: a disputa pelo controle do petróleo

No caso do Irã, a exploração do petróleo também foi o componente principal das relações desse país com o mundo ocidental. Já em 1908, seis anos antes da Primeira Guerra Mundial, a descoberta de campos em Masjed Soleiman atraiu o interesse de empresários britânicos que fundaram uma petrolífera, a Anglo-Persian Oil Company, no Irã.

Essa fundação afirmou uma relação de enorme desvantagem para o Irã: os britânicos exploravam os poços de petróleo do país, ficavam com a maior parte do lucro, exploravam a mão de obra iraniana e nada era revertido para a população.2

No livro All the Shas’s Men, Stephen Kinzer explica que o Irã recebia apenas 16% dos lucros líquidos da extração de petróleo. Durante anos, o governo iraniano tentou renegociar os termos do acordo com o Reino Unido. Em 1933 um novo acordo foi firmado, mas ainda assim com desvantagem para o Irã. A petrolífera britânica prometeu fornecer melhores salários e investimentos em infraestrutura, hospitais e escolas, porém nenhuma dessas promessas foi cumprida. O sentimento nacionalista começou a crescer entre os iranianos sob o preceito de que a população deveria se beneficiar da exploração dos próprios recursos naturais. O governo pró-ocidente e secular da dinastia Pahlavi sofria cada vez mais pressão para revisar a favor dos iranianos os termos da concessão dada aos britânicos.

Em 1951, o nacionalista iraniano Mohammed Mossadegh foi eleito democraticamente como primeiro-ministro. Segundo Stephen Kinzer, “o primeiro-ministro despertou a ira da Grã-Bretanha quando nacionalizou a indústria do petróleo. Mossadegh argumentou que o Irã deveria começar a lucrar com suas vastas reservas de petróleo controladas exclusivamente pela Companhia de Petróleo Anglo-Iraniana. Em 1953, a CIA e a inteligência britânica organizaram um golpe de Estado que derrubou o governo democraticamente eleito. O esmagamento do primeiro governo democrático iraniano deu início a mais de duas décadas de ditadura sob o xá, que dependia fortemente da ajuda e armas dos Estados Unidos. A reação antiamericana que derrubou o xá em 1979 abalou toda a região e ajudou a espalhar a militância islâmica”.

A deposição de Mossadegh e a instauração da ditadura do xá Reza Pahlavi com ajuda da CIA atenuou o descontentamento do clero islâmico com a nobreza iraniana. Mohammad Reza Pahlavi assumia um compromisso ainda mais forte com os britânicos. O xá não só garantia os interesses econômicos do Reino Unido e dos Estados Unidos, como também tinha um compromisso com a mentalidade secular ocidental. A proximidade de Pahlavi com valores ocidentais foi o maior ponto de tensão entre o governo e os religiosos islâmicos. Junto com o descontentamento popular, essa situação estimulou o nacionalismo islâmico e trouxe a Revolução de 1979.

Cansados do autoritarismo do governo Pahlavi, das baixas condições de vida e da exploração estrangeira, os estudantes tomaram as ruas e deram início a uma série de revoltas populares. A retomada do radicalismo religioso foi a forma que muitos camponeses e pessoas empobrecidas encontraram de sobreviver ao governo autoritário e agressivo de Pahlavi. Dessa forma, o clero islâmico xiita ganhou força e conseguiu monopolizar a liderança da Revolução, assumindo o poder. Essa reviravolta no final dos anos 70 fez o Ocidente perder sua influência no Irã.3

Depois da Revolução, para compensar a perda de influência, os Estados apoiaram o Iraque de Saddam Hussein contra o Irã, numa guerra ineficaz que durou quase uma década. Anos depois, o governo Bush invadiu o Iraque, Afeganistão e Paquistão, países que fazem fronteira com o Irã, e instalou bases militares no entorno do país.

Em todo momento dessa história, vemos um país tentando se valer do direito de usufruir dos próprios recursos naturais e uma potência imperialista o atacando por isso.

O entorno do Irã se tornou hostil e todas medidas classificadas como terroristas hoje não são nada mais do que uma tentativa de defesa de seu território e de aumentar sua região de influência do Oriente Médio. O Irã apoia o Hezbollah na Síria e no Líbano, o Hamas na Palestina, e outras milícias xiitas no Iraque, Afeganistão e Iêmen. Em todos os casos, combatem o Estado Islâmico e os terroristas sunitas.

(Waldemar Brandt/Unsplash)

 

Qual o interesse dos Estados Unidos hoje?

Quando o general iraniano Qasem Soleimani foi morto pelos Estados Unidos em janeiro de 2020, muito se discutiu sobre as intenções dos norte-americanos. O fato de os Estados Unidos serem atualmente um dos maiores produtores de petróleo do mundo levou algumas pessoas a acreditar que o investimento contra o Irã não está mais relacionado com o petróleo.

Porém essa visão é errada, pois a política externa americana busca hoje controlar os vastos recursos energéticos do Irã e não necessariamente usá-los. A forma característica de poder norte-americano fora do seu próprio território corresponde a um sistema de Estados satélites e solícitos.4 Claro que os Estados Unidos não dependem do petróleo iraniano para sobreviver, mas desejam dominá-lo do mesmo jeito.

Outra questão a ser considerada é que os norte-americanos extraem petróleo do xisto por meio do fraturamento hidráulico, processo muito caro que acaba elevando o preço final do produto.5 No Oriente Médio o petróleo é extraído mais facilmente, ou seja, custa menos dinheiro. As empresas estadunidenses não conseguem competir com esses preços baixos. A disputa pelo domínio do mercado faz Washington abusar de seu poder para beneficiar as empresas nacionais. Hoje o Irã e a Venezuela precisam lidar com uma série de obstáculos ilegais impostos pela Casa Branca, como sanções e embargos econômicos, os impedindo de obterem lucros com a venda de petróleo.

Também é claro que não é uma simples questão de “busca por petróleo”. Vai além disso: é uma iniciativa de controle político, dominação territorial e a necessidade de impedir o desenvolvimento de países não alinhados. A divisão internacional do trabalho é uma disputa violenta e feroz. O Brasil de Bolsonaro aceita sua inserção subalterna na cadeia de produção global, mas o Irã e a Venezuela não. O controle de recursos energéticos inclui tanto o petróleo, como armamento e energia nuclear. Em todos os estágios desse conflito do Ocidente contra o Irã, o petróleo foi a motivação principal e inicial. O país foi fundamental para a Grã-Bretanha durante o período pós-Segunda Guerra Mundial, e sua saída da órbita dos Estados Unidos em 1979 foi intolerável.

Hoje, indiretamente, o petróleo cumpre seu papel de influência no conflito. O Irã disputa com a Arábia Saudita, através de uma guerra por procuração, maior influência no Oriente Médio. O resultado influencia diretamente no poder dos Estados Unidos sobre a região. Ou seja, não é apenas um conflito meramente por recursos energéticos, mas também pelo o poder e controle da região.

Segundo Noam Chomsky, Washington teme que exemplos de “desobediência” global como Cuba e Irã acabem inspirando outros movimentos que podem debilitar sua zona de influência. Por isso a necessidade constante de retaliação. Assim como Saddam Hussein, sunita, temeu a popularidade de movimentos xiitas e decidiu atacar o Irã.

“O controle do estrategicamente significativo Oriente Médio, com suas enormes e facilmente acessíveis reservas de petróleo, tem sido uma peça central da política desde que os Estados Unidos conquistaram a posição de hegemonia global após a Segunda Guerra Mundial. As razões não são obscuras. O Departamento de Estado reconheceu que a Arábia Saudita é ‘uma fonte estupenda de poder estratégico’ e ‘um dos maiores prêmios materiais da história do mundo’. Eisenhower a descreveu como a ‘parte estrategicamente mais importante do mundo’. Esse controle do petróleo do Oriente Médio que rende um ‘controle substancial do mundo’ e ‘influência crítica’ sobre os rivais industriais tem sido compreendido por estadistas influentes desde o conselheiro de Roosevelt, A. A. Berle, até Zbigniew Brzezinski. Os princípios permanecem os mesmos e são reforçados por outros fatores, entre eles a demanda insaciável das ditaduras de petróleo por equipamento militar e o acordo saudita de apoiar o dólar como moeda global, proporcionando grandes vantagens aos Estados Unidos.”6

Durante o final do governo Obama, a tendência era o apaziguamento das relações entre Washington e Teerã. Ambos haviam estreitados as relações via acordos contra armas nucleares em troca do fim dos embargos. Porém, com a subida de Donald Trump ao poder, essa aproximação foi desfeita. Os embargos econômicos foram retomados e a Casa Branca adotou um discurso mais feroz e violento contra o Irã. A razão é clara: o governo norte-americano busca poder influenciar as decisões políticas dos países do “terceiro mundo” e os países que não se alinham aos seus interesses e fogem da posição de satélites pagam um preço enorme por isso.

[Observação: esse artigo não busca defender o governo iraniano ou tomá-lo como exemplo a ser seguido, apenas trata da relação do Irã com o Ocidente.]

 

Gabriel Dantas Romano é estudante de ciência política da USP.

[1] Lawrence, TE. (2008) — Seven Pillars of Wisdom. Random House

[2] KINZER, Stephen. (2008) — All the Shas’s Men. Wiley

[3] HOBSBAWM, Eric. (1995) — Era dos Extremos. Companhia das Letras.

[4] CHOMSKY, Noam. (1992) — Deterring Democracy. Hill and Wang

[5] TABUCHI, Hiroko.Fracking. (2020) Firms Fail, Rewarding Executives and Raising Climate Fears. New York Times, 12 de julho de 2020. Disponível em https://nyti.ms/3kbLML6.

[6]CHOMSKY, Noam. (2019) — We Must Stop War with Iran before It’s Too Late. In These Times, 21 de maio de 2019. Disponível em: https://inthesetimes.com/article/iran-war-trump-bolton-neoliberalism-venezuela-cuba-world-order

Forças Armadas e Poder Judiciário no Baile da Ilha Fiscal

 Forças Armadas e Poder Judiciário no Baile da Ilha Fiscal

Nivaldo T. Manzano

Quando penso no peso acabrunhante do papel político e ideológico das FFAA e da alta burocracia do Estado, verbi gratia o Poder Judiciário, sobre a nação, me ocorre a metáfora da poita, a pedra utilizada por barqueiros para fundear a embarcação no lugar da âncora. São duas instituições, que embora nascidas do Império, ainda exalam o cheiro de cueiro para aquém de imperial - neocolonial. Duas instituições, poderosas no arcabouço geral do Estado, que servem precipuamente à Casa Grande, dissociadas de todo sentimento nacional, republicano e democrático. Vejo-as na minha imaginação, como convivas ainda HOJE na festança do Baile da Ilha Fiscal, que reuniu a nata oligárquica do Império sob o pretexto de brindar a filha do imperador -, fantasiado ad hoc de ALMIRANTE -,numa libação para a qual se dispuseram 10 mil litros de cerveja; 304 caixas de vinhos, champagne e bebidas diversas. Como comes, o cardápio do jantar para os 500 convivas presentes (dos 4.500 convidados) contemplava 800 kg de camarão; 300 frangos; 500 perus; 64 faisões; 1 200 latas de aspargos; 20 000 sanduíches; e 14 000 sorvetes, segundo consta de documento conservado no Arquivo Nacional. (É por isso que, volta e meia, intenta-se tocar fogo nele)
Em séculos de história, não foi possível detectar nessas instituições, como tais, uma única ocasião, um único momento, o mais leve indício de identificação com a nação, com o interesse nacional, no auto reconhecimento de que somos o povo brasileiro. instituições que, por função estão investidas do dever constitucional de zelar pelo Direito (Justiça) e pela Defesa.
Vejo-as como a poita, que retém fundeada a nossa catraia nacional no atraso recorrente, que prenuncia o pior para o dia seguinte, sempre, sempre. Não há o menor exagero nisso. Consulte nos livros de história o cardápio servido aos escravos à venda no Cais do Valongo-RJ ( farinha de mandioca, feijão e carne seca; e como observou o viajante Rugendas “não lhes faltam frutas", como cajus e jacas) e concluo que ainda hoje a 150 milhões de brasileiros não foi possível o acesso a uma dieta de tal modo equilibrada.
Poder Judiciário e Forças Armadas riem-se de nós aqui na planície, distantes no Olimpo de seus privilégios, superlativos e a absurdos, qualquer que seja métrica moral que os meça.
"Quem prenderá o Alto Comando?" - indaga o cientista político e ex-ministro Roberto Amaral, em artigo publicado na revista Carta Capital. Imperdível.
Marcello Antunes, Rogério Fernando Furtado e 1 outra pessoa
Gosto
Comentar
Partilhar

Comentários