Discurso do presidente Ricardo Lewandowski na abertura da sessão extraordinária do Supremo Tribunal Federal durante o recesso da semana de páscoa de 2016.
Apenas pela Constituição, e nada mais
Excelentíssimas senhoras ministras Carmen Lúcia e Rosa Weber, Excelentíssimos senhores ministros,
A gravidade da situação política, de todos conhecida, levou-me a convocar essa sessão extraordinária do Supremo Tribunal Federal. O tribunal deve deliberar sobre dois temas:
1. A admissibilidade da ordem de Habeas Corpus (com pedido de liminar) impetrada em 20 de março do corrente ano em favor do Ministro Luís Inácio Lula da Silva.
2. A constitucionalidade de medidas recentes do juiz federal de primeira instância Sérgio Fernando Moro, da 13ª Vara Criminal de Curitiba.
Sobre o primeiro tema ouviremos logo a relatora, Ministra Rosa Weber.
Com relação ao segundo, o Supremo Tribunal Federal tem a obrigação constitucional de encerrar definitivamente a discussão em torno da divulgação de interceptações telefônicas feitas por enquanto duas vezes na semana passada com autorização do juiz Sérgio Fernando Moro, de Curitiba.
Não tenho a menor dúvida que o entendimento majoritário dessa corte será pela preservação do Estado de Direito, tal como definido na Constituição de 1988, que nos vincula a todos, aos juízes de todas as instâncias, aos membros do Ministério Público em todas as instâncias, aos membros da Polícia Federal, a todos os membros de órgãos públicos e aos cidadãos. Ninguém está acima da constituição e das leis.
Ao fazer essas considerações preliminares, socorro-me de dois pronunciamentos do Ministro Marco Aurélio, feitos em 4 e 20 de março de 2016. Nunca será demais repetir as palavras de Vossa Excelência:
"A situação chegou a um patamar inimaginável. Eu penso que nós precisamos deixar as instituições funcionarem segundo o figurino legal, porque fora da lei não há salvação." Como se não bastasse, o Ministro Marco Aurélio disse ainda: "A atuação do Judiciário brasileiro é vinculada ao direito positivo, que é o direito aprovado pela casa legislativa ou pelas casas legislativas. Não cabe atuar à margem da lei. À margem da lei não há salvação. Se for assim, vinga que critério? Não o critério normativo, da norma a qual estamos submetidos pelo princípio da legalidade. Ninguém é obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei. Se o que vale é o critério subjetivo do julgador, isso gera uma insegurança muito grande."
Atribui-se ao filósofo grego Heráclito a seguinte afirmação: "Os cidadãos devem lutar pela lei como lutam pela defesa das muralhas da sua cidade." Basta ligar a televisão, basta ler a mídia impressa, basta ouvir manifestações radiofônicas, basta freqüentar por alguns minutos a discussão muitas vezes emocional no Facebook e em outros veículos para verificar que esse entendimento não é mais consensual entre nós. Até entre os operadores do direito as posições divergem, como mostra o conflito na Ordem dos Advogados.
Num extremo temos os que defendem as muralhas da constituição. Noutro, os que se comportam como inimigos da constituição, combatendo-a abertamente ou flexibilizando-a, enfraquecendo-a aqui e ali. O que os anima? Pressinto um desejo inconfessável de ver se a sociedade e o STF façam vista grossa.
Com o desassombro que lhe é peculiar, o eminente Ministro Marco Aurélio disse do juiz Sérgio Fernando Moro: "Ele não é o único juiz do país e deve atuar como todo juiz. Agora, houve essa divulgação por terceiros de sigilo telefônico. Isso é crime, está na lei. Ele simplesmente deixou de lado a lei. Isso está escancarado e foi objeto, inclusive, de reportagem no exterior." Permito-me acrescentar, Ministro Marco Aurélio, que entrementes isso já é objeto de várias reportagens no exterior. Não me furto a citar aqui mais uma vez as palavras de Vossa Excelência: "Não se avança culturalmente, atropelando a ordem jurídica, principalmente a constitucional. O avanço pressupõe a observância irrestrita do que está escrito na lei de regência da matéria. Dizer que interessa ao público em geral conhecer o teor de gravações sigilosas não se sustenta. O público também está submetido à legislação."
O Ministro Marco Aurélio não é voz isolada. Cito exemplificativamente um breve pronunciamento do Ministro Luís Roberto Barroso, de 12 de setembro de 2013, feito nesta sala: "Não estou almejando ser manchete favorável. Sou um juiz constitucional, me pauto pelo que acho certo ou correto. O que vai sair no jornal no dia seguinte, não me preocupa. Eu cumpro o meu dever. Se a decisão for contra a opinião pública, é porque este é o papel de uma Corte constitucional." Disse ainda o Ministro Luís Roberto: "[...] não julgamos para a multidão. [...] Eu não estou aqui subordinado à multidão, estou subordinado à Constituição."
Como a evocar Heráclito, o Ministro Marco Aurélio disse do Supremo Tribunal Federal: "É a última trincheira da cidadania. Quando o Supremo falha, você não tem a quem recorrer."
Ao citar as palavras dos meus colegas, antecipo aqui a minha posição. Tenho a certeza de que ela será endossada por todos os membros da corte.
Vamos, pois defender a constituição e a lei como uma trincheira. Ao fazermos isso, mostraremos a todos os operadores do direito, juízes, promotores, procuradores da República, mas também aos agentes da Polícia Federal, bem como à sociedade em geral que a nossa Constituição e as leis da república são eficazes e vinculantes. Prestaremos dessarte uma contribuição decisiva à pacificação dos conflitos na sociedade, exacerbados nas últimas semanas.
Este tribunal desconhece ministros covardes. Covardes seríamos, se tolerássemos a violação da constituição e das leis. Covardes seríamos, se aceitássemos ser tutelados por juízes de primeira instância e pela mídia. Mas estamos na trincheira da constituição e da legalidade e combatemos o bom combate.