domingo, 11 de abril de 2021

O que é Bolsonaro Alexandre Arbex

 Acho que a resistência do eleitorado fiel a Bolsonaro, que ainda dá a ele quase 1/3 de aprovação, tem múltiplas causas, nenhuma delas verdadeira, mas todas reais. 


Em primeiro lugar, a atuação ostensiva e abrangente de sua rede virtual de fake news, de ataques a adversários e de manifestações de apoio ao governo. Ontem foi noticiado que o número de robôs que replicam hashtags favoráveis ao presidente cresceu mais de 3000% nos dois últimos meses. Esse mecanismo de replicação em larga escala das menções positivas ao presidente nas redes bloqueia a repercussão das críticas ao governo, impede que a denúncia de seus crimes e omissões ganhe terreno maior no espaço virtual. A capilaridade da rede de comunicação do bolsonarismo é de escala individual, telefone por telefone, com disparos de mensagem em massa simultâneos a partir de diversas linhas "fantasmas".


Em segundo lugar, subsiste ainda entre os bolsonaristas um espírito de pertencimento de grupo muito forte, com traços sectários, religiosos; os membros dessa "comunidade", que partilham uma interpretação delirante da realidade, se respaldam uns aos outros e reiteram entre si suas certezas. Não há absolutamente nenhum fato ou notícia, por mais desfavorável que seja ao governo, que não possa ser convertido em uma narrativa coerente com o delírio bolsonarista. Essa "comunidade" aceita apenas os fatos que vêm de canais orgânicos do bolsonaristas, e sempre espera as "instruções" desses canais para saber como se posicionar. 


Em terceiro lugar, os membros dessa comunidade bolsonaristas são, digamos, muito mais pró-ativos na disseminação de suas "verdades" que a esquerda, justamente porque eles têm um ânimo evangelizador, de falar a não convertidos, que a esquerda, hoje, não parece ter. Em parte, porque, nos últimos, nos habituamos a adotar uma postura defensiva e reativa nos debates, e, quando eu falo "debates", estou me referindo a conversas de ônibus e padaria. Tornou-se custoso, em termos pessoais e psicológicos, assumir-se de esquerda em espaços sem demarcação ideológica clara. Mas, além disso, na esquerda, a carga de vigilância sobre o discurso é esmagadoramente maior: controvérsias interpretativas sobre fatos históricos, disputas de filiação teórica e metodológica, concorrência entre análises de conjuntura e profecias de curto prazo, enfim, toda essa batalha pela razão domina e absorve a tal ponto a esquerda que, quando ela vai falar para fora, titubeia sobre suas próprias certezas. Não temos um sistema de comunicação de massas minimamente comparável à rede bolsonarista.


Em quarto lugar, a rigor, a esquerda institucional ou partidária faz oposição sozinha a Bolsonaro. Aludo aqui a uma oposição organizada politicamente, sem levar em conta as manifestações isoladas (mas importantíssimas) de personalidades críticas ao governo. Isto acontece porque o centro e a direita liberal jamais levam seu "oposicionismo" tão longe a ponto se prejudicar a agenda de Paulo Guedes. Os partidos de centro-direita votaram ampla e majoritariamente a favor do governo em todas as questões econômicas que passaram pelo Congresso. E a agenda ultraliberal de destruição dos serviços públicos e das estatais é o coração do governo Bolsonaro.


Em quinto lugar, o bolsonarismo orgânico conseguiu emplacar, em muitos setores não plenamente identificados com o presidente, a narrativa de que Bolsonaro tem sido impedido de governar pelo "Sistema": o fato de, hoje, o presidente nao ter partido, ou melhor, de integrar o Partido Militar que domina seu governo, reforça sua imagem de antipolítico, de "desafiante". Em certos momentos, quando seu apoio era maior, Bolsonaro conseguia capitalizar politicamente até as críticas e denúncias ao seu governo, agindo, simultaneamente, como líder do governo na pauta positiva e lider da oposição na pauta negativa. 


Em sexto lugar, a presença das forças armadas no governo dá um respaldo moralizante a Bolsonaro que, hoje, nenhuma legenda partidária é capaz de dar. Ademais, a demagogia patriótica que preside à política de comunicação oficial do governo realça a ideia de que estamos em "guerra" contra seja lá o que for, e isso aglutina simpatias em torno do capitão. 


Em sétimo lugar, hoje, no Brasil, que eu saiba, não existem duas bases sociais mais amplas, coesas, organizadas e devotas à própria causa que as forças militares (bombeiros, policiais, soldados etc.) e as igrejas neopentecostais. Esses dois setores, como se sabe, apoiam o governo ou, não exatamente o governo, mas Bolsonaro. Também são esses dois setores os mais responsáveis pela proliferação do discurso anticomunista, que representa o comunismo como uma aberração imoral, hedionda e indecente, por um lado, e como um inimigo da ordem a serviço de potências estrangeiras, de outro. O revisionismo histórico, que tenta reabilitar a ditadura e atenuar seus crimes, integra esse projeto ideológico.


Em oitavo lugar, Bolsonaro é uma figura carismática. Milhões de pessoas se identificam com seu personagem e com seu discurso saudosista, autoritário e preconceituoso. O projeto de regressão histórica, de volta ao passado, é um projeto desejado com todo fervor e com plena consciência por esse imenso grupo. 


Em nono lugar, tratando de uma dimensão psicológica individual que, todavia, se torna uma força social em virtude do seu número, me parece que grande parte dos eleitores de Bolsonaro simplesmente não querem "dar o braço a torcer", reconhecer que fizeram a pior escolha política possível e entregaram a presidência a um psicopata. Porque não se trata apenas de admtir que Bolsonaro foi um erro, mas de rever toda a trajetória ideológica que percorreram, levados pela mão da imprensa antipetista, até a escolha do seu candidato. O lavajatismo midiático destruiu a legitimidade do campo político.


Em décimo lugar, a narrativa da "polarização", que identifica Bolsonaro, um semifacínora de extrema direita, e Lula, uma liderança conciliadora de centro-esquerda, como extremos, contribui para fortalecer o bolsonarismo, na medida em que, paradoxalmente, reduz a política a um maniqueísmo sem meio termo. A mesma imprensa que se tornou refém da narrativa antipetista e lavajatista (que se revelou uma fraude) e não pode se desfazer de seus ídolos nem devolver a dignidade a seus inimigos, empenha-se agora em emplacar a ideia de que os opostos são "iguais". Um exemplo disso: se um político de esquerda ou centro esquerda erra um dado, um nome, ou se uma notícia não confirmada se espalha pela banda esquerda da rede, a imprensa imediatamente fabrica uma manchete dizendo que a esquerda também divulga "fake news", tendo, do outro lado, a maior máquina de proliferação de mentiras em massa da história política do país. 


Em décimo-primeiro lugar, vou jantar.


Alexandre Arbex