quinta-feira, 5 de maio de 2022

Sujeito político: entre razão e subjetividade

 O sujeito político: entre razão e subjetividade

Subject policy: between reason and subjectivity

 Rita de Cássia Ferreira Lins e Silva 1
Pontifícia Universidade Católica do ParanáBrasil

O sujeito político: entre razão e subjetividade

Griot: Revista de Filosofia, vol. 4, núm. 2, pp. 124-136, 2011

Universidade Federal do Recôncavo da Bahia

Recepção: 14 Outubro 2011

Aprovação: 01 Dezembro 2011

Resumo:Pretende-se centrar um argumento em torno da constituição do sujeito político a partir da reflexão desenvolvida por Rousseau impressa na vontade geral. A leitura que aqui se faz é no sentido da incorporação das noções traçadas pelo filósofo que permitem um delineamento da subjetividade enquanto elemento essencial à formação do político numa perspectiva da relação do ‘Eu’ com o ‘Outro’. Perspectiva que perpassa pelo entendimento que o autor expõe acerca da razão e dos sentimentos de humanidade e virtude em contraposição à conjugação restrita entre razão e individualidade. De modo que, o desenvolvimento desta discussão vem corroborar e potencializar um entendimento sobre a vontade geral não consubstanciada numa unidade substancial do sujeito, mas no reconhecimento da existência de um ‘Outro’ materializado numa vontade reciprocamente expressa e, portanto, reconhecida enquanto vontade política.

Palavras-chave:Sujeito político, Razão, Reconhecimento, Vontade geral.

Abstract:Intended to focus an argument over the constitution of the political subject from the reflection developed by Rousseau about the general will. The discussion is done in order to integrate the concepts outlined by the philosopher who allow a delineation of subjectivity as essential element to the political formation of the relationship 'I' with the 'Other'. Perspective that permeates the understanding the exposition of the author about the reason and the feelings of humanity and virtue as opposed to strict conjugation between reason and individuality. So, the discussion has developed corroborate to understanding of the general will is not reflected in a substantial unity of the subject, but in recognition of an 'other' in a reciprocally expressed will, so recognized as political will.

Keywords:Political subject, Reason, Recognition, General will.

Do sentimento à razão: o paradoxo da construção humana

Jean-Jacques Rousseau (1712-1778), quanto aos princípios que devem constituir o sujeito político, radicalizou em suas posições acerca do homem ao distinguir os aspectos naturais e sociais que o constitui. Trata-se do rompimento do homem com o estado de natureza, e de sua inserção no estado de sociabilidade, que mascara o que há de verdadeiro em si. Contexto no qual importa saber qual o lugar da subjetividade revestida sob sua face política.

Discute-se, neste sentido, a abertura de uma perspectiva de interpretação que trata da dimensão do sujeito político a partir de uma visão não substancial da subjetividade ao examinar as reflexões do autor acerca do homem contextualizado no estado de natureza e de sociabilidade. Assim, pretende-se delinear os fundamentos que permitem uma leitura possível acerca da subjetividade enquanto elemento indissociável à compreensão do político. O que implica no destaque aos princípios de humanidade e virtude delineados pelo filósofo, que apontam para a constituição de um sujeito político fundado, sobretudo, na noção de reconhecimento.

É na obra ‘Discurso sobre a origem e os fundamentos da desigualdade entre os homens’ (1754) que encontramos o discurso de Rousseau acerca de tais princípios. Uma compreensão que nos permite introduzir suas reflexões acerca do homem no estado de natureza e no estado de sociabilidade. Termos em que postula pelo afastamento de todos os fatos. Pois só assim pode despi-lo ante as características que o circundam no contexto social ( ROUSSEAU, 1983a, p. 236).

Esta leitura segue um percurso contrário aos traçados por filósofos como Pufendorf, Grotius, Hobbes e Locke, empenhados em explicar o estado de natureza a partir de características identificadas no estado de sociabilidade. Sobre isto se toma a seguinte afirmação:

Os filósofos que examinaram os fundamentos da sociedade sentiram todos a necessidade de voltar até o estado de natureza, mas nenhum deles chegou até lá. Uns não hesitaram em supor, no homem, nesse estado, a noção do justo e do injusto (...). Outros falaram do direito natural, que cada um tem, de conservar o que lhe pertence, sem explicar o que entendiam por pertencer. Outros dando inicialmente ao mais forte autoridade sobre o mais fraco, logo fizeram nascer o Governo, sem se lembrarem do tempo que deveria decorrer antes que pudesse existir entre os homens o sentido das palavras autoridade e governo (ROUSSEAU, 1983a, p. 235-236).

Segundo o autor “parece, a princípio, que os homens nesse estado de natureza, não havendo entre si qualquer espécie de relação moral ou de deveres comuns, não poderiam ser nem bons nem maus, ou possuir vícios e virtudes” (ROUSSEAU, 1983a, p. 251). O homem rousseauniano, contextualizado no estado de natureza, move-se instintivamente pela satisfação de suas necessidades imediatas, sendo estas relacionadas à sobrevivência. Entendemos que a preocupação do filósofo acerca do homem está em esclarecer os pontos constitutivos de uma subjetividade, encontrada nos princípios que identificam o quadro representativo de impulsos motivados por sentimentos: o amor de si e a piedade – característicos do interesse único de autopreservação.

Sobre o sentimento piedade pode-se pressupor ser este a fonte primária que leva a ideia de identificação do ‘Outro’: o reconhecimento. Pois é a piedade que “nos faz, sem reflexão, socorrer aqueles que vemos sofrer; ela, no estado de natureza, ocupa o lugar das leis, dos costumes e da virtude, com a vantagem de ninguém sentir-se tentado a desobedecer à sua doce voz” (ROUSSEAU, 1983a, p. 254). Trata-se da capacidade humana de sentir-se no ‘Outro’ ou, dito de outra forma, de se compadecer em relação ao seu semelhante movido por um impulso natural.

Muito embora a manifestação plena da piedade se dê somente com o desenvolvimento da razão (Cf. FORTES, 1997, p. 58), no estado de natureza esta se revela enquanto princípio natural que já impõe a possibilidade de identificação de um sentimento capaz de alcançar, mesmo que por um impulso instintivo, o ‘Outro’: o semelhante. Este sentimento é capaz de moderar, em cada indivíduo, o amor de si (Cf. ROUSSEUA, 1983a, p. 254). O amor de si, no estado de natureza, é referenciado enquanto sentimento natural, conduzido, junto à piedade, à conservação da espécie.

Rousseau retoma a concepção destes sentimentos no estado de sociabilidade, contrastando-os com um sentimento que passa a imperar nas relações entre os homens em sociedade: o amor próprio. Evidentemente que, amor de si e amor próprio são conceitos distintos:

Não se deve confundir o amor-próprio com o amor de si mesmo; são duas paixões bastante diferentes tanto pela sua natureza quanto pelos seus efeitos. O amor de si mesmo é um sentimento natural que leva todo animal a velar pela própria conservação e que, no homem dirigido pela razão e modificado pela piedade, produz a humanidade e a virtude. O amor-próprio não passa de um sentimento relativo, fictício e nascido na sociedade, que leva cada indivíduo a fazer mais caso de si mesmo do que de qualquer outro (ROUSSEAU, 1983a, p. 306-307).

São os princípios de humanidade e virtude defendidos pelo filósofo enquanto guia das relações humanas, em contraposição a expressão máxima do amor próprio. Princípios estes identificados enquanto norteadores do reconhecimento entre os homens. Velado nas relações sustentadas pelo amor próprio, que não permite alcançar o ‘Outro’, mas tão somente o estabelecimento de um ‘Eu’ racional individual.

O amor próprio, nascido na sociedade, sustenta-se por uma ‘moral convencional’. Em que “as relações entre os homens tornadas permanentes e aparecendo os antagonismos de interesse atenua a luta pela busca da satisfação dos interesses” (FORTES, 1976, p. 121). Portanto, um sentimento oriundo das relações humanas, em que o homem torna-se “escravo das aparências enganosas, senhor da natureza à custa de sua própria desnaturação” (STAROBINSKI, 1991, p. 281). O que significa dizer, que o homem sublinhado pelo amor próprio mostra-se confinado no mundo restrito voltado para si mesmo. Cujas necessidades e interesses no âmbito da sociedade o leva a mostrar-se, para proveito próprio, diferente do que na realidade ele era. De modo que “ser e parecer tornaram-se duas coisas totalmente diferentes” (ROUSSEAU, 1983a, p. 267).

É, ainda, sobre as condições impostas pelo amor próprio que Rousseau destaca o sentido da linguagem ao ser transformada pelos homens. Questão que importa ser introduzida pelo fato de representar um elemento necessário à constituição do sujeito político. A linguagem, neste sentido, pode ser considerada enquanto elemento característico do reconhecimento entre os homens.

Rousseau em sua obra ‘Ensaio sobre a origem das línguas’ (1761) expõe: “desde que o homem foi reconhecido por outro como um ser sensível, pensante e semelhante a ele próprio, o desejo ou a necessidade de comunicar-lhe seus sentimentos e pensamentos fizeram-no buscar meios para isso” (ROUSSEAU, 1983b, p. 159). Possibilitada pelo desenvolvimento dos princípios perfectibilidade e inteligibilidade, a linguagem é transformada no decorrer do tempo, na medida em que se expandem as luzes da razão (Cf. ROUSSEAU, 1983b, p. 166-167).

A conjugação entre razão e individualidade que reproduz, entre outros aspectos, o amor próprio revelado nas relações estabelecidas entre os homens a partir de comparações e preferências, faz da linguagem um veículo de opressão. Uma linguagem que parece não prescindir de aspectos sentimentais. Que se aproxima de um conteúdo racional no sentido do efeito daquilo que pode ser alcançado para se atingir um determinado fim daquele que se utiliza dela para se expressar (Cf. ROUSSEAU, 1983b, p. 198-199).

Tem-se a constatação, portanto, de que a sociabilidade leva os homens a reunirem-se e, ao mesmo tempo, separarem-se. O amor próprio é a máxima da realização dos interesses mais egoístas; a linguagem torna-se instrumento de seu alcance; e a moral aparece obscurecida, elevada ao plano das aparências. Aspectos que conduzem ao paradoxo da construção humana, em que a relação entre o ‘Eu’ e o ‘Outro’ é obscurecida pelas luzes da razão. Nestes termos, é que se impõe o necessário resgate dos princípios humanidade e virtude, velados pelo amor próprio engendrado pela razão. Princípios que, ao suporem a devida relação entre o ‘Eu’ e o ‘Outro’, são identificados enquanto norteadores do reconhecimento entre os homens.

A crítica rousseauniana à razão

A crítica à razão tecida por Rousseau não autoriza a afirmação de que este sustente a sua negação. Para o autor a razão é uma “faculdade dotada de uma função diretora porque é capaz de apreender as verdadeiras relações” (FORTES, 1976, p. 64). A sua crítica está na relação que se estabelece entre razão e individualidade.

Ao exaltar aspectos mais individuais do homem, a razão transforma a virtude e a moral em um culto às aparências, em instrumento para a realização dos interesses humanos mais egoístas, e que faz o homem eximir-se de seus compromissos com seus semelhantes (Cf. ROUSSEAU, 1983a, p. 281). De acordo com Cassirer, é inequívoco que Rousseau “se afastou daquela glorificação da razão vigente no círculo dos enciclopedistas franceses, e que, perante ela, ele se reporta às forças mais profundas do sentimento e da consciência moral” (CASSIRER, 1999, p. 41). O afastamento de tal glorificação pode ser interpretado, justamente, a partir das críticas tecidas acerca do sentimento engendrado pela razão: o amor próprio. Que toma o ‘Outro’ enquanto assessório superficial, medido por preferências e comparações.

Para Rousseau a questão não é, pois, negar a razão. Mas, antes, conjugar razão e sentimento: “Mandeville compreendeu muito bem que, com toda a sua moral, os homens jamais passariam de uns monstros se a natureza não lhes tivesse conferido a piedade para apoio da razão” (ROUSSEAU, 1983a, p. 253). “Sem a razão a piedade não poderia ser humanizada” (INSTON, 2010, p. 46). Pela sua humanização é que são defendidos os princípios de humanidade e virtude, capaz de fazer o indivíduo se sentir no ‘Outro’.

Esta perspectiva impõe pensar que tais princípios revelam o necessário reconhecimento que perpassa pela relação entre o ‘Eu’ e o ‘Outro’, que não pode ser descrito estritamente pela conjugação entre razão e individualidade, mas pela conjugação entre razão e sentimento. Portanto, a crítica de Rousseua à razão deve-se não à razão em si, posto que esta se mostre enquanto faculdade do conhecimento humano, mas sim a exaltação referenciada à mesma no sentido de edificar sentimentos incapazes de alcançar o ‘Outro’, quando materializado na identificação de um ‘Eu’ racional individual. Rousseau postula pela conjugação entre razão e sentimento ao declarar que o princípio piedade é capaz de elevar os princípios de humanidade e virtude que deve vigorar nas relações entre os homens (Cf. INSTON, 2010, p. 45-46). É, sob esta perspectiva, que se discute a possibilidade de uma fundamentação acerca da constituição de um novo sujeito: político. Demarcado pelo que constitui sua maior característica: o reconhecimento do ‘Outro’.

Relações de poder: o desaparecimento do sujeito político

O percurso até aqui traçado introduz os aspectos necessários às discussões que se pretende acerca dos aspectos constitutivos do sujeito político. O que implica no espaço das relações de poder. Acerca de uma concepção possível do poder em Rousseau seguimos com a seguinte afirmação:

Rousseau em nenhuma parte oferece qualquer definição precisa de poder (...). Poder-se-ia dizer, não obstante, que ele está mais preocupado com o poder do que com qualquer outra questão (...). Ele submete a mais penetrante análise e crítica à base, o caráter e a função das relações de poder, tanto entre indivíduos como no interior das instituições da sociedade e do Estado (DENT, 1996, p. 182).

A referida citação pode ser analisada sob as reflexões do filósofo acerca do amor próprio, que se revela sob as potências da razão enquanto condutora da individualidade:

Na grande maioria dos casos, acredita Rousseau, as pessoas desejam um poder superior sobre outras por duas razões principais. Primeiro, ao possuir um poder superior uma pessoa pode fazer as outras cederem aos seus desejos e desígnios a fim de que possa alcançar melhor, através da competência delas, os objetivos que busca. O poder é, assim, instrumentalmente útil para o possuidor. A segunda e mais importante razão pela qual o poder superior é desejado consiste em acreditar-se que a sua posse é uma prova de superioridade e distinção pessoal, testemunho de prestigiosa ascendência sobre outros. Ao mandar em outros, ao subordiná-los a sua vontade, o indivíduo passa a conhecer-se e a sentir-se uma pessoa de posses, alguém dotado de significado como pessoa e como presença. Esse tipo de preocupação com a posse de um poder superior está intimamente vinculado às (excessivas) preocupações com o AMOR PRÓPRIO (DENT, 1996, p. 182).

Sobre isto se assenta a questão da desigualdade moral e política em razão das diferentes prerrogativas impostas pela sociedade moderna aos indivíduos. Uma desigualdade autorizada e positivada pelo direito contrário à natureza, que leva os homens à submissão e à servidão. Aspectos que remetem o homem ao estado de alienação, bem como à consequente incapacidade de absorção do ‘Outro’.

Trata-se da própria impossibilidade humana ao se reproduzir no campo da artificialidade (Cf. ROUSSEAU, 1983a, p. 277), reflexo da sociedade política guiada pelas luzes exclusivas da razão. Ou seja, esta é a instância da desrazão, do afastamento do homem de si mesmo. Isto compromete o campo constitutivo da subjetividade nos moldes compreendidos por Rousseau. Pois a constituição da subjetividade decorre de uma imagem externa, que passa a ser internalizada pelo sujeito formando a base de sua construção e identificação (Cf. INSTON, 2010, p. 42).

Nestes termos, a base da reciprocidade cala-se frente ao egoísmo deformador do homem. O poder serve à construção ilegítima de normas que se assentam sob os aspectos de preferências que sustentam os interesses individuais. De tal modo, o espaço político representa o próprio espaço de falta do sujeito, submerso em máscaras não reveladoras de uma identidade (política).

São estes os contrastes que se estabelecem entre o ‘Eu’ particular e o ‘Eu’ comum, entre o ‘Eu’ enquanto entidade separada, absorvida por interesses pessoais e por uma identidade aparente, e um ‘Eu’ que absorve o papel que deve ser desempenhado na sociedade (Cf. DENT, 1996, p. 35). Um paradoxo que acaba por se revelar na identificação de um ‘Eu’ individual incapaz de reconhecer o ‘Outro’ e, portanto, um ‘Nós’. Em que se consolidam as relações de dominação e subordinação de potência e impotência.

Nesta ordem, a liberdade se torna objeto do jogo político de interesses estranha ao próprio homem. A reciprocidade, enquanto via possível de liberdade, torna-se um substantivo indiferente aos mesmos. As limitações impostas por regras neste ordenamento parecem servir às práticas que legitimam interesses sob a máxima de estarem legitimando práticas ou interesses universais.

Assim, entendemos que a ausência de reconhecimento e de reciprocidade é o que compromete o poder – a dimensão do político. Sobre isto, sustenta-se que a subjetividade é o núcleo do poder, o sentido teleológico da soberania popular (democracia), a objetivação do sujeito no espaço público, contra o fim da qual se opõe Rousseau. Aspectos, contudo, que não foram devidamente analisados pelos críticos e comentadores de Rousseau. Trata-se da subjetivação do sujeito no espaço da política, que se objetiva no corpo político propriamente dito pelo filósofo.

Se expos até aqui a necessidade de repensar a realização do sujeito político para além dos aspectos puramente positivos autorizados pela modernidade. De tal modo é a partir da análise obscura da política e do direito moderno que também se pode buscar um caminho inverso. É neste campo conflitivo que se pode resgatar a constituição do sujeito político, e que impõe elevar seu elemento característico: a relação do ‘Eu’ com o ‘Outro’.

Sobre isto, enfatizamos que tal noção impõe a consideração de sujeitos concretos, tomados no campo complexo das relações. Daí retomar-se a afirmação de Rousseau acerca da linguagem, onde mostra ser esta a via de força do sujeito político. Em contraposição àquela ditada do alto, em que a eloquência da comunicação entre os cidadãos diante de questões de interesse comum perde com relação ao sentido e função que estas poderiam ter (Cf. ROUSSEAU, 1983b, p. 198-199). Assim sendo, a linguagem deve se apresentar enquanto expressão de uma força pública de sujeitos que a utilizam como manifestação de seus reais anseios, interesses e necessidades.

A linguagem e os princípios de humanidade e virtude, que corroboram com o processo de reconhecimento do ‘Outro’, são os principais elementos referenciados por Rousseau que se ligam à constituição do sujeito político. E que permitem, portanto, traçar algumas características essenciais à constituição de uma identidade política. Sendo esta a via em que é possível um redimensionamento do sujeito contrário aos aspectos de submissão; da possibilidade de um sujeito não identificado por um caráter monológico pregado pela racionalidade dominante; das possibilidades de pensar a moral para além das aparências; da realização de um ‘Eu’ individual que absorve em suas relações o ‘Outro’; logo, da possibilidade de construção de um ‘Nós’: a vontade geral.

A vontade geral: a possibilidade do sujeito político

Observamos ser possível traçar uma concepção acerca da ‘vontade geral’ sob a orientação da ideia de uma vontade reciprocamente expressa. O que se entende ser somente possível a partir da constituição de uma identidade política que se paute, primordialmente, no reconhecimento. Formação esta que se dá pelos laços estabelecidos nas relações promovidas por sujeitos concretos – construídos e reconhecidos a partir das relações.

Esta perspectiva pode ser analisada a partir da seguinte problemática expressa na obra ‘Do Contrato Social’ (1762): se a força e a liberdade de cada indivíduo são instrumentos primordiais à sua conservação, “como poderia ele empenhá-lo sem prejudicar e sem negligenciar os cuidados que a si mesmo deve?” (ROUSSEAU, 1983c, p. 32). Trata-se, pois, das reflexões que se erguem acerca de uma forma de associação pela qual cada um, unindo-se a todos, só obedeça a si mesmo, permanecendo tão livre quanto antes. Um problema que, segundo o filósofo, pode ser solucionado pelo Contrato Social. Pois o homem ao se associar aliena sua liberdade natural e afirma sua liberdade civil, o que se traduz na identificação de um sujeito moral e político. Trata-se da constituição de um corpo político que resta estabelecido na formação de uma unidade: ‘Eu’ comum (Cf. ROUSSEAU, 1983c, p. 33).

A noção de ‘Eu’ comum no pensamento rousseauniano imprime um sujeito político que é ao mesmo tempo indivíduo e cidadão. O que impõe a necessidade de que a associação se estabeleça sobre o princípio político da reciprocidade. Um compromisso que se dá entre os sujeitos a partir do reconhecimento. As alíneas do Contrato Social demonstram que é através desta interpretação que se pode pensar em um ‘Eu’ redimensionado em um ‘Outro’, que forma um ‘Nós’. Conforme Rousseau:

Os compromissos que nos ligam ao corpo social só são obrigatórios por serem mútuos, e tal é sua natureza que, ao cumpri-los, não se pode trabalhar por outrem sem também trabalhar por si mesmo. Porque é sempre certa a vontade geral e porque desejam todos constantemente a felicidade de cada um (ROUSSEAU, 1983c, p. 49).

O princípio político de reciprocidade implica numa associação onde fica estabelecido um compromisso que se dá nas relações mantidas entre o público e o particular (Cf. ROUSSEAU, 1983c, p. 34). Disto segue a concepção do filósofo sobre a vontade geral:

Há comumente muita diferença entre a vontade de todos e a vontade geral. Esta se prende somente ao interesse comum; a outra, ao interesse privado e não passa de uma soma das vontades particulares. Quando se retiram, porém, dessas mesmas vontades, os a-mais e os a-menos que nela se destroem mutuamente, resta, como soma das diferenças, a vontade geral (ROUSSEAU, 1983c, p. 46-47).

Esta noção de vontade elaborada por Rousseau aponta para um poder político que resulta de condições de identificação mútua, e deve ser manifestado a partir de uma concepção de sujeito livre, capaz de determinar e impor as leis a si mesmo. De modo que o conteúdo do direito, engendrado pelo Contrato, deve pressupor o próprio conteúdo do sujeito.

Esta questão implica na necessidade de uma reorientação que coloque em tela a formação do político numa perspectiva da relação do ‘Eu’ com o ‘Outro’. No sentido da condução da vontade do sujeito, vontade que teria como se fosse ele o ‘Outro’, estando assim, de acordo consigo mesmo. Entendimento fundamental na medida em que a vontade geral apresenta-se enquanto expressão do corpo político na criação das leis. De modo que, é através da identificação do interesse pelo interesse do ‘Outro’ que os cidadãos podem identificar-se com um todo maior. A relevância reside no elemento característico do sujeito político, que se exprime enquanto potência em um ato de vontade.

Este é um ponto importante que permite conceber uma noção de liberdade dirigida pela via da constituição de leis que cada sujeito prescreve a si mesmo como membro da associação política – fator que se ancora no princípio da reciprocidade. Neste sentido, a liberdade pode ser alcançada na medida em que há o reconhecimento. E, se a igualdade tem relação com a liberdade, máxima afirmada e reafirmada por Rousseau em todas as suas obras, esta só pode existir sob as mesmas condições.

Daí a necessidade de interpretação que buscamos traçar quanto à subjetividade. Que neste contexto, reveste-se sob sua face política. Pois a condução da vontade prescinde deste entendimento, que implica no reconhecimento, e que passa a representar o sentido do ‘Nós’ – onde se estabelecem laços de reciprocidade. Eis o pilar no qual se apoia a edificação do próprio direito, sendo este a representação de um ato de reciprocidade (Cf. ROUSSEAU, 1983c, p. 34). E somente há reciprocidade quando o ‘Eu’ individual que identifica o ‘Outro’ é capaz de se transformar em um ‘Nós’.

A vontade geral rousseauniana, gerada no processo de construção do sujeito político, identifica-se com uma base calcada no reconhecimento do sujeito conduzido por realidades concretas. Esta concretude está naquilo que reflete a realidade do sujeito, consubstanciado numa materialidade própria cuja expressão reflete na formação da instituição. Os “objetivos gerais de todas as boas instituições devem, porém, ser modificados em cada país pelas relações oriundas tanto da situação local como do caráter dos habitantes. Sobre tais relações precisa-se conceder a cada povo um sistema particular de instituição” (ROUSSEAU, 1983c, p. 67). Portanto, a vontade geral, enquanto possibilidade do sujeito político, manifesta-se na configuração da subjetividade enquanto constructo de uma identidade política reconhecida em suas realidades concretas.

É nesta ordem que se encontra a via de possibilidade do sujeito político dotado de uma faculdade subjetiva que permite conceber a vontade geral. O que se é traduzido sob o lastro das relações de sujeitos concretos. Relações estabelecidas entre o ‘Eu’ que reconhece o ‘Outro’ e, que corrobora com a formação de uma identidade política constitutiva do ‘Nós’ (Cf. INSTON, 2010, p. 42-50). Ou seja, o sujeito que fundamenta a lei para si o faz a partir de uma dimensão subjetiva materializada, por conseguinte, numa dimensão objetiva.

Do possível ao impossível representável

Os argumentos até aqui sustentados pretendem fundamentar um entendimento sobre a vontade geral não consubstanciada numa unidade comum abstrata. Esta reflexão perpassa por considerações de ordem filosófica e político-normativa que implicam em uma concepção de sujeito político que se expressa no espaço político. Contexto no qual a ideia de representação política, diante do entendimento acerca da vontade geral nos permite questionar sobre o espaço da subjetividade. Pois para Rousseau a vontade não pode ser transmitida, portanto não pode ser representada.

Rousseau acredita que somente a vontade geral tem possibilidade de dirigir as forças do Estado, já que a sua instituição e finalidade têm como fim o bem comum. Postula que os diferentes interesses são fornecedores dos laços sociais, pois “se não houvesse um ponto em que todos os interesses concordassem nenhuma sociedade poderia existir” (ROUSSEAU, 1983c, p. 43). Entre estes interesses há um ponto comum que serve de base à condução do governo em face das ações que devem ser tomadas com o objetivo de alcança-lo.

Afirma o filósofo que a vontade geral dirige as forças do Estado com o objetivo da instituição do bem comum, tal vontade somente deve ser guiada pela identificação ao sujeito político. De modo que a ideia de soberania reproduz o sentido de que “o poder pode transmitir-se; não, porém, a vontade” (ROUSSEAU, 1983c, p. 43). Assim, da afirmação de que a soberania é o exercício da vontade geral, e que tal vontade jamais pode ser transmitida, impõe um sentido de que esta represente as necessidades, desejos e anseios de um povo, e que outrem não pode definir ou decidir pelo mesmo.

A soberania não pode ser representada pela mesma razão por que não pode ser alienada, consiste essencialmente na vontade geral e a vontade absolutamente não se representa. (...). É nula toda lei que o povo diretamente não ratificar (...) (ROUSSEAU, 1983c, p. 107-108).

Este entendimento corresponde à impossibilidade de alcançar o suposto representável. Pois a subjetividade não é facilmente alcançada por terceiros que se encontrem distantes de um mundo concreto no qual esta se corporifica. Rousseau empreende princípios de direito político que apontam para a constituição de um sujeito político que não se funda na noção de representação, mas de reconhecimento. O que se dá com a construção objetiva do soberano.

Assim é que se entende a interpretação do filósofo de que a usurpação da soberania é resultante, pois, do distanciamento do poder dos cidadãos – que são os verdadeiros detentores da soberania (Cf. ROUSSEAU, 1983c, p. 101). O risco é a perpetuação da imposição de vontades particulares que não alcançam o ‘Outro’. Daí a sua afirmação de que “o princípio da vida política reside na autoridade soberana” (ROUSSEAU, 1983c, p. 102).

Uma afirmação que remonta a necessidade do sujeito político que não pode submeter-se ou calar-se frente às imposições. O espaço político é o locus de sua expressão, em que o potencial subjetivo se revela a partir das relações mantidas enquanto referência de identificação com o ‘Outro’, e que constrói o valor do homem como sujeito (Cf. INSTON, 2010, p. 49). Sendo isto o que permite a identificação e solidificação daquilo que pode ser inscrito enquanto bem comum, que deve ser medido pelo princípio máximo de humanidade (Cf. INSTON, 2010, p. 49-50).

Rousseau reforça a questão da não transmissão da vontade ao deixar claro que as leis que regem a República2. somente são legítimas se expressarem a vontade geral. Esta não pode ser representada, pois corresponde ao conhecimento subjetivo primeiro que expressa a realidade, o que não pode ser alcançado de forma integral. Com base nisto, expõe na ordem do poder legislativo, que a vontade e a representação desta não podem ser delegadas (Cf. ROUSSEAU, 1983c, p. 107-108).

A concepção rousseauniana acerca da res publica e, logo, de seu entendidmento acerca do ideal democrático, funda-se na ideia de um cidadão ativo na gestão da coisa pública. Deste modo se tem expressa uma noção de democracia centrada em um autogoverno. Em que a participação política é condição sine qua non à realização da liberdade, posto que, se o autogoverno impinge a ideia de que os homens são ao mesmo tempo criadores e destinatários das leis, procede que estas dependam de um sujeito político capaz de decidir e dar-lhe direcionamento.

Esta é uma condição de sujeito político entendida como sendo este parte de uma determinada comunidade política que permite ao mesmo empreender a percepção do direito e da justiça. Assim, o bem comum a ser identificado e manifestado pela vontade geral e, por conseguinte, positivado, não pode ser determinado in abstrato. Somente através da identificação dos indivíduos, pautado sob os princípios de liberdade e igualdade, é que se pode determinar os direitos e deveres a serem formados na comunidade política.

A radicalização do ‘possível representável’ somente pode encontrar seu eixo na expressão da subjetividade, que não é passível de transferência. Portanto, o indivíduo tomado em suas relações é o único capaz de representá-la. O que deve orientar-se sob as máximas do princípio de humanidade, que não reza sob as luzes exclusivas da relação entre razão e individualidade, mas antes pela conjugação entre razão e sentimento que permite exteriorizar os princípios reconhecimento e reciprocidade (Cf. INSTON, 2010, p. 45-49).

Entendemos que em Rousseau existe uma concepção de sujeito político que não dirige suas ações pautadas em uma racionalidade que reproduz a individualidade. Mas no sujeito político que, dotado de razão, é movido pelos sentimentos mais profundos de realização da liberdade. Sentimentos estes que lhe permite alcançar o ‘Outro’. O que é materializado a partir de uma vontade reciprocamente expressa e, portanto, reconhecida enquanto vontade política.

Dito isto, entende-se que Rousseau articula uma teoria política normativa que leva à filosofia política e do direito uma noção de racionalidade erguida a partir de uma concepção de subjetividade. Uma subjetividade que, atrelada ao universo dos sentimentos e das paixões3. e, consubstanciada no reconhecimento, encontra o seu locus no espaço político. Espaço onde se materializa o sujeito político. Este é o sentido que move a construção do sujeito no âmbito das relações, e que tem sua firmação última na vontade política.

Portanto, Rousseau se opõe ao fim da subjetividade, confiando a esta o locus do espaço político. De onde se extrai as possibilidades de reflexão acerca de uma subjetividade política consubstanciada na ideia de reconhecimento e de reciprocidade, materializada em uma concepção de vontade reciprocamente expressa não consubstanciada numa unidade substancial do sujeito, mas no reconhecimento que deriva da relação entre o ‘Eu’ e o ‘Outro’. Uma perspectiva de reconhecimento que não pode ser absorvida por uma racionalidade associada estritamente aos aspectos individuais mais egoístas, mas que se depreende de um todo complexo que passa a contemplar a devida relação entre sujeito político, razão e sentimento, tão exaltados no pensamento rousseauniano.

Referências bibliográficas

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INSTON. Kevin. Rousseau and Radical Democracy. London: Continuum, 2010.

ROUSSEAU, Jean-Jacques. Discurso sobre a origem e os fundamentos da desigualdade entre os homens. Tradução de Lourdes Santos Machado. Coleção ‘Os Pensadores’. São Paulo: Victor Civita, 1983a.

_________. Ensaio sobre a origem das línguas. Tradução de Lourdes Santos Machado. Coleção ‘Os Pensadores’. São Paulo: Victor Civita, 1983b.

_________. Do contrato social. Tradução de Lourdes Santos Machado. Coleção ‘Os Pensadores’. São Paulo: Victor Civita, 1983c. p. 32.

STAROBINSKI, Jean. A transparência e o obstáculo: seguido de sete ensaios sobre Rousseau. Tradução de Maria Lúcia Machado. São Paulo: Companhia das Letras, 1991.

Notas

2 Etimologicamente res publica orienta-se por um sentido de coisa pública. E, sobre isto, reside a ideia de República em Rousseau. Em que se entende que esta não deve ser tomada enquanto uma forma de governo, mas antes como uma concepção que implica em um ‘estado’ de existência humana que considera o interesse público não subordinado ao interesse privado.
3 A paixão, nestes termos, não se move pelo sentido de amor próprio tão recusado pelo filósofo, mas por sentimentos que produzem a humanidade e a virtude.

Autor notes

1 Mestranda em Filosofia na linha de Ética e Filosofia Política, da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR).
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A MONETARY RESET WHERE THE RICH DON’T OWN EVERYTHING

 

A MONETARY RESET WHERE THE RICH DON’T OWN EVERYTHING

Above Photo: Ivan Radic.

We Have A Serious Debt Problem, But Solutions Such As The World Economic Forum’s “Great Reset” Are Not The Future We Want.

It’s time to think outside the box for some new solutions.

In ancient Mesopotamia, it was called a Jubilee. When debts at interest grew too high to be repaid, the slate was wiped clean. Debts were forgiven, the debtors’ prisons were opened, and the serfs returned to work their plots of land. This could be done because the king was the representative of the gods who were said to own the land, and thus was the creditor to whom the debts were owed. The same policy was advocated in the Book of Leviticus, though it is unclear to what extent this biblical Jubilee was implemented.

That sort of across-the-board debt forgiveness can’t be done today because most of the creditors are private lenders. Banks, landlords and pension fund investors would go bankrupt if their contractual rights to repayment were simply wiped out. But we do have a serious debt problem, and it is largely structural. Governments have delegated the power to create money to private banks, which create most of the circulating money supply as debt at interest. They create the principal but not the interest, so more money must be repaid than was created in the original loan. Debt thus grows faster than the money supply, as seen in the chart from WorkableEconomics.com below. Debt grows until it cannot be repaid, when the board is cleared by some form of market crash such as the 2008 financial crisis, typically widening the wealth gap on the way down.

Today the remedy for an unsustainable debt buildup is called a “reset.” Far short of a Jubilee, such resets are necessary every few decades. Acceptance of a currency is based on trust, and a “currency reset” changes the backing of the currency to restore that trust when it has failed. In the 20th century, major currency resets occurred in 1913, when the Federal Reserve was instituted following a major banking crisis; in 1933 following another catastrophic banking crisis, when the dollar was taken off the gold standard domestically and deposits were federally insured; in 1944, at the Bretton Woods Conference concluding World War II, when the US dollar backed by gold was made the reserve currency for global trade; and in 1974, when the US finalized a deal with the OPEC countries to sell their oil only in US dollars, effectively “backing” the dollar with oil after Richard Nixon took the dollar off the gold standard internationally in 1971. Central bank manipulations are also a form of reset, intended to restore faith in the currency or the banks; e.g. when Federal Reserve Chairman Paul Volcker raised the interest rate on fed funds to 20% in 1980, and when the Fed bailed out Wall Street banks following the Great Financial Crisis of 2008-09 with quantitative easing.

But quantitative easing did not fix the debt buildup, which today has again reached unsustainable levels. According to Truth in Accounting, as of March 2022 the US federal government has a cumulative debt burden of $133.38 trillion, including unfunded Social Security and Medicare promises; and some countries are in even worse shape. Former investment banker Leslie Manookian stated in grand jury testimony that European countries have 44 trillion euros in unfunded pensions, and there is no source of funds to meet these obligations. There is virtually no European bond market, due to negative interest rates. The only alternative is to default. The concern is that when people realize that the social security and pension systems they have paid into for their entire working lives are bankrupt, they will take to the streets and chaos will reign.

Hence the need for another reset. Private creditors, however, want a reset that leaves them in control. Today a new sort of reset is setting off alarm bells, one that goes far beyond restoring the stability of the currency. The “Great Reset” being driven forward by the World Economic Forum would lock the world into a form of technocratic feudalism.

The WEF is that elite group of businessmen, politicians and academics that meets in Davos, Switzerland, every January. The Great Reset was the theme of its 2021 Summit, based on a July 2020 book titled Covid-19: The Great Reset co-authored by WEF founder Klaus Schwab. Some of the WEF’s proposals are summarized in a video on its website titled “8 Predictions for the World in 2030.” The first prediction is, “You’ll own nothing. And you’ll be happy. Whatever you want you’ll rent. And it will be delivered by drone.”

Schwab’s proposal would reset more than the currency. At a virtual meeting in June 2020, he said, “We need a ‘Great Reset’ of capitalism.” But as talk show host Kim Iversen observes, the proposed solution is more capitalism by a new name: “stakeholder capitalism,” where ownership will be with corporate stakeholders. You will have an account with the central bank and a mandatory federal digital ID. You will receive a welfare payment in the form of a marginally adequate basic income – so long as you maintain a proper social credit score. Your central bank digital currency will be “programmable” – rationed, controlled, and canceled if you get out of line or disagree with the official narrative. You will be kept happy with computer games and drugs.

According to WEF speaker and author Prof. Yuval Harari, “Covid is critical, because this is what convinces people to accept, to legitimize total biometric surveillance…. We need not just to monitor people, we need to monitor what’s happening under the skin.”

Harari is aware of the dangers of digital dictatorships. He said at a pre-Covid Davos presentation in January 2020:

In Davos we hear so much about the enormous promises of technology – and these promises are certainly real. But technology might also disrupt human society and the very meaning of human life in numerous ways, ranging from the creation of a global useless class to the rise of data colonialism and of digital dictatorships.…

We humans should get used to the idea that we are no longer mysterious souls – we are now hackable animals. … [I]f this power falls into the hands of a twenty-first century Stalin, the result will be the worst totalitarian regime in human history…

In the not-so-distant future, … algorithms might tell us where to work and who to marry, and also decide whether to hire us for a job, whether to give us a loan, and whether the central bank should raise the interest rate….

What will be the meaning of human life, when most decisions are taken by algorithms?

Clearing The Chessboard By Controlled Economic Demolition?

Before the game can be reset, the board must be cleared. What would make the population accept giving up their private property, surviving on a marginal basic income, and submitting to constant surveillance, internal and external?

The global pandemic and the lockdowns that followed have gone far toward achieving that result. Lockdowns not only eliminated smaller business competitors but drove up the debts of small countries, forcing them to increase their loans from the International Monetary Fund. The IMF is notorious for onerous loan terms, including imposing strict austerity measures, relinquishing control of natural resources, and marching in “lockstep” with pandemic restrictions.

In a June 2020 article on the blog of the IMF titled “From Great Lockdown To Great Transformation,” IMF Managing Director Kristalina Georgieva called the global policy response to the 2020 crisis the “Great Lockdown.” She is quoted as saying to the US Chamber of Commerce:

We call the current period ‘the Great Lockdown’ because we are fighting a health emergency by bringing production and consumption to a standstill….

In March, around one hundred billion dollars left emerging markets and developing countries—three times more than during the global financial crisis.

But in April and May—thanks to this massive injection of liquidity in advanced economies—some emerging markets were able to go back to the markets and issue bonds with competitive yields, with total issuance of around seventy-seven billion dollars. This is almost three and a half times as much as in the same two months last year. [Italics added.]

In other words, by bringing production and consumption to a standstill, the Great Lockdown had already, by June 2020, managed to strip emerging markets of $100 billion in additional assets and to lock them into $77 billion in new debt.

That helps explain why so many countries acquiesced to the Great Lockdown so quickly, even when some had only a handful of Covid-19 deaths. Lockdown was apparently a “conditionality” required for getting an IMF loan. At least that was true for Belarus, which rejected the offer. Belarus’ President :

We hear the demands … to model our coronavirus response on that of Italy. I do not want to see the Italian situation to be repeated in Belarus. We have our own country and our own situation. … [T]he IMF continues to demand from us quarantine measures, isolation, a curfew. This is nonsense. We will not dance to anyone’s tune.

Unlike Belarus, most countries acquiesced, and so did households and businesses locked into the debt trap by an economy in which production and consumption were brought to a standstill. Like most emerging economies, they acquiesced to whatever terms were imposed for returning to “normal.”

The lockdowns have now been lifted in most places, but the debt trap is about to snap shut. A moratorium on U.S. rents and student debt is due to come to an end, and cumulative arrears may need to be paid. Debtors unable to meet that burden could be out in the street, joining the “useless class” described by Prof. Harari. They may be forced into accepting tThe technocratic feudalism of the WEF Great Reset, but it’s is not the sort of future most people want. However, what are the alternatives?

A Eurasian Jubilee?

For sovereign debt (the debt of national governments), a form of jubilee is envisioned by Sergei Glazyev in conjunction with the alternative monetary system currently being designed by the Eurasian Economic Union (EAEU), detailed in my last article here. Glazyev is the Minister for Integration and Macroeconomics of the Eurasia Economic Commission, the regulatory body of the EAEU. An article in The Cradle titled “Russia’s Sergey Glazyev Introduces the New Global Financial System” is headlined:

The world’s new monetary system, underpinned by a digital currency, will be backed by a basket of new foreign currencies and natural resources. And it will liberate the Global South from both western debt and IMF-induced austerity.

The article quotes Glazyev as stating:

Transition to the new world economic order will likely be accompanied by systematic refusal to honor obligations in dollars, euro, pound, and yen. In this respect, it will be no different from the example set by the countries issuing these currencies who thought it appropriate to steal foreign exchange reserves of Iraq, Iran, Venezuela, Afghanistan, and Russia to the tune of trillions of dollars. Since the US, Britain, EU, and Japan refused to honor their obligations and confiscated wealth of other nations which was held in their currencies, why should other countries be obliged to pay them back and to service their loans?

In any case, participation in the new economic system will not be constrained by the obligations in the old one. Countries of the Global South can be full participants of the new system regardless of their accumulated debts in dollars, euro, pound, and yen. Even if they were to default on their obligations in those currencies, this would have no bearing on their credit rating in the new financial system. Nationalization of extraction industry, likewise, would not cause a disruption. Further, should these countries reserve a portion of their natural resources for the backing of the new economic system, their respective weight in the currency basket of the new monetary unit would increase accordingly, providing that nation with larger currency reserves and credit capacity. In addition, bilateral swap lines with trading partner countries would provide them with adequate financing for co-investments and trade financing.

That may largely eliminate the sovereign debt overhang in the EAEU member countries, but what of the United States and other Western countries that are unlikely to join? Some innovative possibilities will be covered in Part 2 of this piece. Stay tuned.