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sábado, 15 de junho de 2024
zoon politicon
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ResumoPartindo de uma questão simples — como se justifica a resiliência política do indivíduo perante a pressão para a conformidade exercida sobre ele pelo grupo? — o autor propõe uma reformu-lação do conceito essencial de Tempo e da sua interpretação pelo Homem e uma recuperação do conceito leibniziano de mónada. Defende que o Tempo é antropologicamente entendido sob três formas: a greística, relativa aos agregados; a idística, onde se situa a temporalidade in-dividual; e a lógica, em que se criam narrativas de sentido, incluindo as políticas. Em cada uma delas é imanente uma forma de poder, sem que nenhuma se possa superiorizar às restantes. Por essa razão, o poder monádico, irredutível e visto como uma expressão essencialista do poder individual, não encontra sentido na subjugação ao poder coletivo.Palavras-chave: tempo; Leibniz; Bergson; poder monádico* Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas – Universidade de Lisboa, PortugalAbstractEngaging in a simple question — how to justify the individual’s political resilience under the pressure for conformity exercised over him by the group? — the author proposes a new approach to the fundamental concept of Time and to its interpretation by Man and a retrieval of the leibnizian concept of monade. The article argues that Time is anthropologically un-derstood under three forms: the greistical one, concerning aggregates; the idistical, where we can place individual temporality; and the logical form, where meaningful narratives are created, including the political ones. To each of them a form of power is inherent, without superiority of one over the others. Due to that, monadic power, unyielding and seen as an essentialist expression of individual power finds no sense in subjugating to collective power
O mónada não é o mesmo que indivíduo porque não é uma parte, mas uma não--parte que se move num plano de não-circunscrição e não é composta a partir do todo, antes determina a sua composição (Leibniz, 2016, p. 39). Nesta definição es-sencialista encontramos a ligação entre mónada e a perspetiva da primeira pessoa (Correia, 2012, pp. 17-20), que é a propriedade que distingue, verdadeiramente, uma entidade de outra. É diante dessa ligação que encontramos a dimensão politológica do mónada: permitindo distinguir o «eu» e a sua razão pessoal a partir da sua «ape-tição» própria (Leibniz, 2016, p. 42), estabelece o ponto de autonomia.4. Greística, Idística e Lógica: o Poder TridimensionalEm síntese, há poder onde há possibilidade; onde há Homem há tempo, e só porque há tempo; e as conceções humanas do real são constituídas sobre a temporalidade. Por tempo devemos entender, sucintamente, campo de consequencialidade, uma vez que a sua própria condição ontológica é a daquilo a que podemos chamar preenchi-mento (Reis, 2007, pp. 781 e segs.). O tempo só o é quando é locus de algo que não está sujeito à intransitabilidade — em que na existência de a esteja implícita tam-bém, necessariamente, a possibilidade de a’. Tudo o que é possível, para o Homem, é
60fiThflXHXugfl ThoAlexlePORTUGUESE JOURNAL OF POLITICAL SCIENCE | REVISTA PORTUGUESA DE CIÊNCIA POLÍTICAtemporalizável, o poder é sempre uma intervenção no tempo e, como tal, o Homem entende o poder como uma imanação da temporalidade. Há poder onde há tempo. Antropologicamente, o tempo é percebido como uma síntese de elementos greísticos, idísticos e lógicos.4.1 Greísmos [2]Por greísmo entendemos uma linearidade do tempo em que este é percebido como uma sequência dependente da autodeterminação — ou seja, em que um evento ‘y’ de-corre de um evento ‘x’ e percorre uma linha pré-determinada para um evento ‘z’. Esta interpretação do tempo encontra-se na origem da visão naturalista do mundo, se-gundo a qual todas as coisas temporais obedecem a uma ordem regenerativa conse-quente e hermética que se reflete, por exemplo, nas abstrações nascer, viver e morrer.A ideia fundamental do greísmo é a necessidade: um determinado ponto da realidade temporal relaciona-se necessariamente com outro e tem absoluta necessi-dade da existência dele, resultando a ação de um da ação do outro, e agindo ambos por uma informação comum de que não podem divergir. A observação greística do mundo permite uma caracterização desse mundo como universo — como única ver-são possível de uma realidade — e diz-nos por que razão determinado Universo é de determinada forma. A conceção mais aproximada à compreensão greística é a da physis clássica, na qual tudo o que se inicia retorna a um ponto inicial. A física é inerentemente absoluta. Na visão greística o tempo é homogéneo e concretizar-se-ia numa unidade total, pelo que tudo tende para a simplificação informativa e para a uniformidade. O anta-gonismo, no tempo greístico, não é uma oposição irremediável de identidades, mas a irremediável identificação de opostos, compreensível pela premissa de existência de uma ordem mediadora hegemónica que determina que a relação de diversos se processe de uma forma e não de outra.A circularidade greística (o eterno retorno), que é uma marca eidética da conceção física helenista do cosmos (Guthrie, 1962), permite uma divergência em espiral da consequencialidade, que é coerente com a dinâmica, mas não uma extroversão ou uma heterogeneidade substancial. Continua a ser uma dinâmica cingida a uma lógica causal que comporta qualquer tipo de complexidade. O greísmo é, assim, auto-suficiente.O poder entendido greisticamente é percebido como uma relação de agregação compulsiva e inevitável, teleológica, de todos os elementos possíveis, pela objetivação do tempo: o tempo é um meio, e o agregado (o corpo, a tribo, a polis, o Estado) o objetivo. É um tempo corporal, materializável e orgânico, mesmo que o encaremos, como Plotino, como um movimento da alma do Universo e enquanto substrato do movimento e da matematização (Reis, 2007, pp. 87-114).2. Grei, do latino grex, que significa rebanho (em grego, gargara é multidão) permite-nos atingir o sentido de agregação implícito às relações greísticas de poder.
61fi ThflXHu gfloAXlefl4.2 Idísmos [3]Perante os greísmos que constituem a normalidade filosófica no Ocidente, a idística é a manifestação do paradoxo. Idisticamente, no início está o ponto, que é a identidade incondicional: uma unidade abstrata, que em nenhum lado existe, mas sem a qual nada existe. Sem pontualidade não há posição; não há início, nem fim; não há norma, não há reta, logo, não há desenho, não há desígnio; não há futuro nem passado, por-que não há referência. Sem o ponto (que existe mas não é), não há realidade. A política não existe sem o indivíduo; mas quando se assume como uma deriva-ção direta do greísmo torna-se no processo de homogeneização da individualidade. O indivíduo é origem da entropia, e, como tal, constitui a incerteza e a contraversão da ordem aparente.Uma vez que a única forma de entender o tempo é fixando-o numa posição, o Homem abstrai o ponto como unidade mínima possível. A irredutibilidade moná-dica faculta à Lógica um objeto de operacionalidade que lhe permite a instituição de relações de poder. O tempo idístico é pontual, sem forma, distinto da res extensa(B. Espinosa, 1992, p. 122), mas representável, permitindo a linha, a geometria, o plano e, enfim, a constituição de uma ordem de poder.O conceito de mónada só é inteligível, contudo, pela negação: um mónada é algo que não é outro mónada, determinando essa ipseidade a existência de um outro. Essa premissa gera a possibilidade de qualquer diferença: tudo é possível, mesmo perante a prova (greística) em contrário. O elemento genético da realidade (qualquer real é possível) constitui a condição do paradoxo.O atributo efetivo do mónada é a visão na primeira pessoa: o poder de vivenciar o mundo a partir de um ponto exclusivo e próprio, por oposição à comunhão da «visão na terceira pessoa» (Correia, 2012, pp. 17-20), que é não apenas a condição necessária à evidência fenomenológica (Beyer, 2016) como aquilo que diferencia a idística da greística, tornando-a não-decorrente, mas equivalente em poder.A essência idística é a intransponibilidade do fosso entre a primeira e a terceira pessoa, situando-se para cá desse fosso a propriedade no tempo, não como um mero ter, mas enquanto um poder-ter que é um ser-se (ownness).A propriedade é a definição, em si mesma, de heterogeneidade, que origina e per-mite a tensão paradoxal com a homogeneidade greística e abre o campo à visão hera-clitiana da harmonia compulsiva, não tendendo para a inércia, mas antes para uma estase permanentemente tensa, como a de um arco curvado por uma corda (Guthrie, 1962, pp. 440-49). A unidade arco-corda e a compreensão do seu poder é o objecto da Lógica.3. Id (ele, ou isto, em latim) permite-nos, após a adoção freudiana, apelar àquele eu que o próprio eu desco-nhece mas que o defin
4.3 LógicaA polissemia da expressão logos, desde a sua origem (Guthrie, 1962, pp. 419-24), é um vestido de palavras para o paradoxo: o nome impronunciável, o saber que não pode ser sabido (Guthrie, 1962, pp. 441-2). O Logos tenta alcançar aquele Absoluto que é, por definição, inalcançável por qualquer consciência parcial; o Superior em si mesmo, que não podemos comunicar e para o qual, segundo Bergson, apenas a intui-ção serve como prova (Lawlor, 2016). A Lógica — a compreensão possível do Logos — só pode ser percebida de um ponto de vista lato, no território do sentido, como o campo da existência em que qualquer ser se relaciona com o que o transcende — ou seja, com aquilo que não alcança, mas onde está e que o compõe.No caso humano ser-se é estar-se num quando: um presente-agora que, por ser incongruente com o tempo que permanentemente flui, tem de se manifestar por analogia. Como ser analógico, o Homem comunica a ideia da transcendentalidade de forma mediada e parabólica, com o sentido encontrado num campo anterior ao da narrativa em si mesma, assumindo-se que nessa anterioridade ao Homem existe uma coerência perfeita e um sentido absoluto, dos quais as produções humanas são tentativas de representação e que legitimam referenciais como a verdade ou a justiça (o ser como deve ser) (Voegelin, 2000).O evento de horizonte da Lógica é aquele em que, sem razão anterior, se deter-mina que a é a e que b é b. É a propriedade da capacidade de determinação de sentido. O elemento necessário ao sentido lógico é, unicamente, uma convergência suficiente de inteligibilidade ao ponto de se criar uma comunicabilidade coerente em que se concorda que a é a.Não é relevante, para o entendimento do poder, se o transcendente é real ou uma mera patologia da mente humana. O poder lógico gera-se a partir dessa crença na autoridade da anterioridade, e traduz-se numa segmentação parabólica do tempo em narrativas que permitam uma perspetiva biográfica do mundo — na constituição, por analogia e partindo de uma ideia de bios (da vida como episódio temporal e não apenas como zôê, que é o prolongamento físico), de histórias que têm um princípio, um meio, um fim e um sentido.A ação lógica ao alcance do Homem é, assim, a procura de uma estase temporal que permita a fixação da sua representação do transcendente. Circunscreve o tempo e permite ao Homem a anatopia, que podemos definir como a capacidade de gerar lo-calizações do tipo mundo de forma paralela, simultânea e abstraída. A partir da ana-topia e da aptidão para aceder à razão profunda — à crença, à intenção, ao amor — o ser humano consegue criar paratopias, loci de poder autónomo e de carácter utópico (ou distópico) suscetíveis de permitir a total fidelização das consciências individuais.Esta é a ligação da Lógica à Política, pela via ideológica: os indivíduos, que detêmo tempo, tendem a acreditar imediata e absolutamente no mundo que lhes é evidente, e esse mundo ganha um carácter totalitário, soberano e legítimo. O papel que o indi-víduo representa, enquanto persona (máscara), ganha carácter de realidade e o sen-tido da existência individual é determinada pelo mundo em que ele (se) representa (Correia, 2012, pp. 65-84).
63fi ThflXHu gfloAXleflQuadro 1 - Conceitos correlativos entre Greística, Idística e LógicaGreísticaIdísticaLógicaConceitos correlativosPrincípio da Naturalidade– Ser como elemento determinado e gregárioPrincípio da Propriedade– Ser como elemento consciente e individualPrincípio da Temporalidade– Ser como intérprete e agente temporalPhysisEgoBiosHomogeneidadeHeterogeneidadeNormalidadeComunidadeIdentidadeSociedadeIgualdadeLiberdadeEquidade (contrato)NecessidadeConflitoConvenção (cultura)InformaçãoAlienaçãoLinguagemFonte: Do autor (2019)5. Estase – O Poder Tridimensional Segundo o HomemCada uma das três dimensões de leitura temporal tem, para o Homem, uma capaci-dade genética de poder, que, visto individualmente, não faz sentido, mas que se com-pleta numa mutualidade que iremos definir como estase temporal da possibilidade: uma detenção sincrética, modal e simbiótica das relações de poder entre todas as possibilidades ao alcance do Homem. Politologicamente, Greística será a região dos agregados, Idística a região do outro e a Lógica a região do sentido. A síntese antro-pológica do poder faz-se de forma ideológica, e uma ideologia, enquanto engenharia conceptual subsidiária da Lógica, confunde-se com política, pelo que, antes de se definir ideologia, é necessário esclarecer a política
.2 A Captura Greística das Ideias5.2.1 O «Tudo é Político»O animal político aristotélico é a criatura de um processo civilizacional e a sua pre-missa de legitimidade é a de que o Homem, como ser noético e com acesso à animado cosmos por via da intelecção contemplativa, pode atingir a identidade com essa or-dem divina (Guthrie, 1962, pp. 6-14). O animal político é, portanto, um ser greístico, uma vez que essa identificação se faz especificamente com a physis, em que o nousclássico se define como uma revelação da Natureza enquanto verdade insofismável.Essa preentividade da física afasta-o da região da intuição pura do justo, que per-mite a distinção entre o que Locke chamou de razoabilidade [reasonableness, como sinónimo de fairness, ou justiça (Rawls 1999)] — que é a nossa razão como sensatez, a que os gregos chamavam phronesis e os romanos prudentia (Maltez, 1996, p. 26) — e a rationality, que é a área do rácio e da consequencialidade determinável (Maltez, 2014, pp. 361-2). A primeira será a dimensão idística da Lógica, a segunda a sua di-mensão greística.A racionalidade é uma tentativa de sincronização com o tempo físico. A ratiopitagórica (Guthrie, 1962, pp. 212-52) não pretende apenas ser uma chave para o enigma da physis: ela ensaia a sobrevivência ao tempo. A matemática, enquanto lin-guagem de um «se... então», ganhou uma legitimidade de representação da verdade absoluta que se manteve até hoje e que é decisiva para a confusão entre governo e política, função e representação.A premissa de que o Homem-espécie pode compreender o mundo permite a ideia de que o pode circunscrever totalmente (incluindo os seus fins e o seu sentido) e que é o tempo que lhe pertence em vez do contrário, abrindo-se o caminho para o totalitarismo da política racionalista sobre a própria realidade: a política torna-se na ciência do poder greístico (o poder absoluto, como determinação) e o político numa simplificação ética de lógica meramente adversativa, em que a instituição não per-mite o indivíduo excepto se, e vice-versa:Diagrama 3. A Conceção Greística da PolíticaFonte: Esquema do autor (2019).GreísticaPolíticaPOLISIdística
67fi ThflXHu gfloAXleflSó partindo desta visão plana, faz sentido entender como conceito fundamental do político a possibilidade de constituição de uma relação amigo-inimigo, tal como a entendeu Carl Schmitt (Schmitt, 2015), e, partindo daí para uma conceção de poder como imperium, limitar a soberania a uma decisão sobre o que é normal e o que é ex-cecional, tornando-a num exercício de homogeneização que consiste, basicamente, na normalização sistemática da entropia dentro da sua área de jurisdição.Nesta perspetiva a essência da política seria a segregação normativa: uma ação exclusiva e negativa, baseada na guetização da diferença, executada por um Estado com razão e ética próprias e em que o momento mais importante é o da constituição de uma temporalidade específica em que se decide quem é «membro» e quem é «es-tranho» (Walzer, 1999, pp. 46-56), quem pode fazer o quê, como e quando.É também nesta sobreposição entre greística e política que se transforma o ani-mal político num bicho político. Ao interpretá-lo como zôon — tal como Aristóteles o fez, ainda que pareça já claro, como refere Agamben, que essa expressão tenha sido utilizada mais por questões linguísticas que por ordem de rigor (Agamben, 1998, pp. 11-2) — estamos a restringir vida a algo não muito diferente de um ato sucessivo de contração e descontração pulmonar e a considerar a política como uma continuação da respiração por outros meios. Nesta perspetiva a política só poderia ser vista como uma biopolítica, e o corpo físico humano como seu objeto sagrado (Agamben, pp. 1998).No entanto, fica claro, logo em Platão e Aristóteles, que o homem político não se situava já na zôê, mas na bios (Agamben, 1998, pp. 11-2). A alma do animal político não é biológica mas biográfica, porque o Homem, para os antigos e para os moder-nos, é o animal da palavra (Maltez, 1996, 331-3). A bios é preenchida pela narrativa, não pelo oxigénio, e é por isso que também é possível afirmar, como Voegelin, que só há política onde há História (Voegelin, 1982).5.2.2 O «Em Tudo Há Política»A captura greística da lógica faz-se através das ideias de função e de organização, sendo essa a verdadeira sublimação aristotélica em relação à tradição do seu tempo. Nessa linha, a ligação do Homem à Natureza será a sua constituição orgânica. Ela é necessária e integralmente composta, por partes operativas com funções determina-das que a mantêm animada e que só funcionam em conjunto. O objetivo orgânico é a sobrevivência do próprio organismo como um todo e, nessa evidência, Aristóteles encontra o princípio básico que servirá de justificação a todo o processo totalitarista: o todo é mais importante do que as partes, porque as partes existem para o todo e não o inverso. A polis, como todo soberano de ordem superior e como organização de todas as partes que a compõem com vista à autarcia, seria, zoologicamente, o valor supremo.A ideia da superioridade natural do todo sobre as partes, já reclamada por Platão via Sócrates (Platão s.d., 71), aplicada a uma conceção greística da realidade, legitima a amputação do poder autoritário ao agente individual. A partir desse princípio é
68fiThflXHXugfl ThoAlexlePORTUGUESE JOURNAL OF POLITICAL SCIENCE | REVISTA PORTUGUESA DE CIÊNCIA POLÍTICApossível dizer que em tudo há política, uma vez que todo o sentido da existência no mundo humano e toda a vita activa, como a designou Hannah Arendt (Arendt 2001, 19-39), desemboca no mar político. A circunscrição do poder político passa a ser universal e a função decisória transforma esse poder político num poder-sobre que é sobre tudo o resto:O fundamental, no âmbito deste estudo, é aceitar que essa ideia de superveniência do todo sobre as partes não decorre de uma leitura indiscutível do mundo, mas antes de uma visão parcial, dogmática e voluntarista da realidade. A ideia de as partes não fazerem sentido sem o todo é simétrica, em termos lógicos, à de o todo não existir sem as partes e de não fazer sentido sem elas, pelo que a existência do todo é tão importante como a de cada parte. Este é o ponto realmente relevante na teoria moná-dica do poder, porque apenas partindo dele a redescoberta moderna da consciência individual, a perceção da inevitabilidade da diferença e a recuperação da crítica per-mitem a cura da miopia antagónica, diádica e totalitária da política.5.3 Hipostasia – A Possibilidade IdeológicaUma interpretação mais correta das relações de poder no mundo humano apresen-tar-se-ia da seguinte forma:Diagrama 4. O Totalitarismo Greístico da PolíticaFonte: Do autor (2019).GreísticaPolíticaIdísticaSegregaçãoNormativa
69fi ThflXHu gfloAXleflSendo que:Diagrama 5. Estase do PoderFonte: Do autor (2019).Diagrama 6. Dinâmica da Estase do PoderFonte: Do autor (2019).GreísticaGreísticaIdísticaIdísticaLógicaLógicaEstaseÉticaHipostasia(« i n s t it u iç ão»)CoraçãoConfiançaPolíticaTemporalidadeDecisãoGovernoIndivíduoAutoridade
70fiThflXHXugfl ThoAlexlePORTUGUESE JOURNAL OF POLITICAL SCIENCE | REVISTA PORTUGUESA DE CIÊNCIA POLÍTICAA coesão eidética, sustentada pela crença numa coerência absolutamente resi-liente que permite o estabelecimento de um jus (chamemos-lhe fé), é uma função lógica de circunscrição temporal-tópica dentro de um campo de infinitude greística que, de outra forma, seria ininteligível.A ideologia será a passagem à práxis desse consenso pela fidelização — de forma devotiva —, sobre um topos de homogeneidade, e a inteligibilidade antropológica resultará em sucessivas tentativas de detenção temporal por parte do Homem; de uma suspensão da dinâmica por parte de um ser que precisa de estar num ambiente em que nada está e tudo vai estando — porque, nas palavras de Bergson, «a nossa inteligência procura fixação por todo o lado». (Bergson, 1946, p. 14)A ideologia, que dá azo à política (e não o inverso), será uma construção autónoma e essencialmente tautológica de representação de uma anterioridade, sem carência de legitimação extrínseca, que tenta conjugar uma alternativa tão unânime quanto possível como resposta à condição humana — àquilo que Espinosa, referindo-se às «afeções da alma», resumiu como os desejos e os medos (B. Espinosa, 2007, p. 3) (B. Espinosa, 1992, pp.263 e segs.), e que se pode sintetizar na esperança.Ao propor um presente perpétuo e previsível, ainda que paratópico, sob a forma de uma normalidade que literaliza o passado e pretende fixar o tempo pela anteci-pação do futuro, a ideologia apresenta aos indivíduos uma hipótese de agregação através de uma estase temporal, que, recorrendo a uma instituição (como positum) do poder (Hauriou, 1970), mitigue a coação da ordem natural e a imprevisibilidade do conflito idístico.O resultado é uma hipostasia distópica que almeja à dogmatização numa uni-dade biográfica coerente — numa nação, por exemplo. Distópica porque o seu fim conceptual é uma reificação de um estado de coisas que não passa de uma degene-ração aporética da estase: o ponto de situação, o estado a que se chega (Maltez, 2007, pp. 569-81), encontra-se num presente que, sendo tudo o que o Homem pode tomar como certo, é o único momento que o tempo não tem (Reis, 2007, pp. 798-801).Assim, a utopia (que, neste ponto, já é sempre uma distopia) não é apenas possível: ela é real, e a prova da utopia é a contemporaneidade (Carvalho, 2000), qualquer seja.5.4 Governo vs. PolíticaO Estado perpetua-se entre a coagulação e a dissolvência lógica de um determinado preenchimento, procurando em permanência um ponto de suspensão convencional. Na contemporaneidade, o seu problema mais atual é o da fronteira entre governo e política: as ideologias hegemónicas procuram a legitimação através da conjugação de kratos com hierarquia, e consomem-se na procura de um melhor regime para a razão, sem conseguirem fazer a distinção essencial entre res publica e polis (Maltez, 2014, pp. 346-7; 382) (Maltez, 1996, pp. 336-40)Como coisa de todos, a república é um conceito greístico, que aceita a ideia de agregação e de autarcia perante as leis naturais. Em termos republicanos, a legitimi-dade das instituições decorre do bom emprego do poder. O governo é a função da
71fi ThflXHu gfloAXleflRepública, e governar é decidir. A decisão é uma tentativa de sincronização sistémica, e funciona ciberneticamente, conforme a conhecida teorização de Deutsch, por ten-tativa e retroação (Deutsch, 1965). A política, enquanto gesto ideológico, tem uma função meramente representa-tiva, de expressão analógica da anterioridade. A circunscrição do político, no Estado, não é a da autoridade, que é idística, nem a decisória, que é greística, mas a da repre-sentação. A ação política de facto dá-se sempre que há a possibilidade da dissensão utópica e da transposição, para uma contemporaneidade, de subjetividades como a justiça ou a liberdade.A expectativa política que recai sobre o Estado é a de mediar entre a visão teoló-gica criadora da utopia e a própria utopia reificada (Voegelin, 2000), e a crise política do Estado ocorre quando este deixa de conseguir mediar os valores fiduciários con-sensuais e passa a representar-se a si mesmo como valor mais valioso. Sendo a política um processo discursivo puro, hermético, autopoiético (Maltez, 2014, p. 27), não-ex-pansivo e, logo, inconsequente, ao assumir-se como real a totalitarização política do poder transforma a hipóstase num estado temporal próprio — numa realidade para-lela. A prima ratio da função institucional passa a ser o próprio soberanismo que não é mais do que a superiorização valorativa ad eternum do Estado-função, o que resulta na nihilização e na falsificação da política, por ausência de objeto de representação.6. ConclusãoFoi necessário todo o processo de desmaterialização da autoridade descendente no Ocidente para abrir espaço à aceitação de um mónada consciente como fonte autori-tária de poder.A desmistificação do corpo humano e a sua vulnerabilização ecológica e psicoló-gica são o atual ponto de confronto, pós-moderno, com o ainda hegemónico dogma do valor sagrado da vida orgânica humana, ou com outro, o da superioridade natural do ser humano sobre o mundo. A história da modernidade é a história do confronto da ideia de liberdade, pró-idística, com o totalitarismo de base do greísmo, mas a crise do Homem contemporâneo é já uma crise de identidade individual que permite falar, até, em psicopolítica (Han, 2014).A emergência e resiliência do poder monádico resulta de uma relocalização tem-poral do indivíduo, nomeadamente a partir do momento em que o cidadão se torna socium (Maltez, 1996, pp. 294-6): alguém já detentor da prerrogativa do juízo, da prudentia, que lhe permite ou unir-se, em contrato, a um negócio comum, ou rejeitá--lo. O poder do cidadão-sócio é, então, simultâneo ao da república e antecedente ao da política. Em relação à ordem greística, o indivíduo é igual. Em relação à ideologia, concretiza a autoridade através da proximidade relativa à verdade, que só ele pode intuir.A subsidiarização da política em relação ao indivíduo dá-se no momento em que se aceita que o indivíduo está antes da instituição ideológica, e que a propriedade antecede a edificação. Em sentido inverso, a captura do cidadão pela política ocorre
72fiThflXHXugfl ThoAlexlePORTUGUESE JOURNAL OF POLITICAL SCIENCE | REVISTA PORTUGUESA DE CIÊNCIA POLÍTICAquando a propriedade sobre o tempo é retirada ao indivíduo, o que ocorre, vulgar-mente, por meio de uma reconstituição cultural filogenética através da qual a media-ção ideológica convence o indivíduo de que:a) O único tempo que existe é o tempo greístico, homogéneo;b) A política é a única forma de conciliar a temporalidade própria do indivíduo — o seu ciclo de vida, as suas expectativas, o seu sentido de justiça e do verda-deiro — com o tempo greístico e que isso se faz, inevitavelmente, por um pro-cesso de normalização ética em que o ser autónomo se encerra numa máscara(numa personagem representativa que atua dentro de parâmetros narrativos pré-determinados, normais, inteligíveis e coerentes), prescindindo da autori-dade em favor da representação e da propriedade em favor da utilidade.A deriva pós-totalitária das ideologias hegemónicas conduz o indivíduo à con-vicção de que esta captura é inevitável. Este processo mental, contudo, não altera a premissa fundamental do poder monádico: como proprietário do tempo o indivíduo tem uma autoridade prévia e, portanto, superior ao tempo ideológico — ele é um autor antes de ser um ator. É por essa razão, cremos, que o poder monádico apresenta uma compulsão irreprimível para a manifestação politicamente subversiva, sobre-tudo em contextos em que as pessoas, devidamente informadas e mesmo com todas as razões para aceitarem a normalidade, não se conformam.Data d
semiótica
https://d1wqtxts1xzle7.cloudfront.net/50558519/introduction_to_semiotics_T._Sebeok_-_Signs-libre.pdf?1480180122=&response-content-disposition=inline%3B+filename%3DAn_Introduction_to_Semiotics_by_Thomas_A.pdf&Expires=1718473800&Signature=UeEKrYdO7iGIQxGmAOAkCkPNXrCJnv2VPhIXv~cuEYw-y-rCc8sVGpoz0CRCJ41bLepq7O9OE1TOM3P9CG5dbYW71vg5YSBX-0FByTMwbC8-OL7KHial9n~rocJpMbh3yX~vDHM5iw~147OCcXkBxWEBrOs-wDpSFdXyeMqTeF-6PuT8~5SmmxaFyPFBfmNFXiA0mRAeRWN6j2M6TNViV1AF2D8EAGzbilP31VeC7F~EAdRQk1N6erAAAg83v55hr3NFdjZ7bqlUxgF7Tih-N4BAfLcmf~ALp4XBVK72Eke9dyulsJ7xtfW2Fp7JwJcFPKV0laytcZoMJhFk9Oy~pw__&Key-Pair-Id=APKAJLOHF5GGSLRBV4ZA
Indivíduo comunidade bbb biblio bbb
https://scholar.google.com/scholar?q=related:SDvmVK6v20IJ:scholar.google.com/&oi=gsb&hl=pt-BR&as_sdt=0,5
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natureza, puramente racional, o qual significa que, das principais capacidades do ser humano, a razão e a emoção, consideradas muitas vezes como incompatíveis, a única que lidaria com o conhecimento matemático é a razão. Essa tradição baseia-se na tese, que podemos chamar de platônico-cartesiana, de que os objetos matemáticos são idéias desligadas de toda experiência sensível e que à verdade matemática acede-se pela razão.No entanto, são dimensões da aquisição do conhecimento, em geral, além do racional, também o emocional, através da intuição e da experiência estética, entendendo por estéticaa ciência do conhecimento sensível e por experiênciaestéticao prazer da apreensão do belo. Para Courant e Robbins: “Amatemática, como expressão da mente humana, reflete a vontade ativa, a razão contemplativa e o desejo de perfeição estética. Seus elementos básicos são lógica e intuição, análise e construção, generalidade e particularidade” (COURANT& ROBBINS, 1955, p. 3). Namatemática,aexperiênciaestéticaconsistenoreconhecimentodatranscendentalidade de seus objetos, por exemplo, a triangularidade do triângulo, e é o reconhecimento de padrões mais que de objetos. Neste artigo pretendemos mostrar como, ao longo da história, o conhecimento matemático não foi somente objeto puro da razão, senão também da emoção, manifestando-se esta através da intuição matemática e da apreciação estética. Na matemática, do ponto de vista racional, dá-se pouca ênfase à intuição matemática e aos processos do pensamento ligados a ela como a visualização, os argumentos narrativos e indutivos, a imprecisão. Na matemática do século XX privilegia-se uma abordagem racionalista cartesiana em detrimento dos aspectos mais intuitivos e concretos do conhecimento matemático.Essa abordagem racionalista cartesiana teve suas origens em Platão, para quem os objetos matemáticos pertencem ao mundo das formas ou das idéias, desligados completamente de qualquer conotação espaço-temporal.Para Aristóteles, pelo contrário, os objetos matemáticos têm sua origem na experiência sensível e são obtidos por abstração de objetos concretos. Podemos afirmar, inclusive, que, apesar da abstração, para Aristóteles eles não perdem sua conotação espaço-temporal, isto é, o objeto matemático pode ser concebido como não desligado totalmente do seu contexto.Essa tese pode ser verificada de várias formas. Por exemplo, quando BOLETIM GEPEM / Nº 46 - JAN./JUN. 2005 / 56Jose Carlos Cifuentes
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CR Callari - Revista Brasileira de História, 2001
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A Construção do mito de Tiradentes: de mártir republicano a herói cívico na atualidade
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RM FONSECA - Argumenta Journal Law, 2009
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