sexta-feira, 21 de junho de 2024

Quine bbb

file:///C:/Users/HOME/OneDrive/Documentos/quine%20palavra%20objeto.pdf O ASPECTO PRAGMÁTICO DA FILOSOFIA DA LINGUAGEM DE W. V. O. QUINE Vera Lúcia Caldas Vidal Departamento de Filosofia – UFRJ Utilizando-se a definição de pragmática proposta por Carnap – 'conjunto de investigações sobre a linguagem em que se faz referência explícita aos usuários’1 – pode afirmar-se que a Filosofia da Linguagem de Quine apresenta um aspecto nitidamente pragmático o qual se revela na afirmação que inicia o prefácio de sua obra Palavra e Objeto: 'A linguagem e uma arte social. Para assimilá-la, dispomos somente de alguns indícios sugestivos intersubjetivamente disponíveis, que indicam o que se pode dizer e em que circunstâncias’. Sua preocupação com o sujeito falante e com os atos de fala acentua-se ainda mais quando, logo a seguir, afirma que a única abordagem válida da noção de significado lingüístico é em termos das 'disposições a responder a estímulos observáveis socialmente'. Esta afirmação revela a forte influência behaviürista recebida especialmente de Skinner, embora discorde de certos pressupostos do behaviorismo lingüístico. Também fica expresso aí o seu projeto de construir uma teoria científica do significado alicert'ada em fatos observáveis e de domínio público, pois acredita que o significado é inseparável do comportamento do sujeito falante. Este projeto é reforçado em outro texto no qual propõe que se

Husserl A crise das ciências europeias

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sujeito, pessoa, indivíduo, cristianismo bb para criticar

file:///C:/Users/HOME/OneDrive/Documentos/comunidade%20civil%20e%20crist%C3%A3.pdf 1.2. A pessoa no horizonte da revelação judaico-cristã Há também uma história do conceito de pessoa na compreensão da revelação judaico-cristã. Por questão de espaço, contentemo-nos com alguns referenciais bíblicos a modo de conceituação. A tradição judaica do AT define o ser humano, não como espécie, mas indivíduo-imagem-de-Deus (Gn 1,27). Por isso, será sempre um ser digno de respeito e veneração, jamais manipulável ou meio para algum fim. Adão não um simples animal que evoluiu, nem um espírito caído do céu. Ele é, sim, a porção de terra que evoluiu e, ao mesmo tempo, o sopro vivo de Deus (Gn 2,7), que o torna capaz de falar com Deus, de fazer aliança com ele (depois o fariam Noé, Abraão ou Moisés: Gn 2,15-17; Gn 9,8-17; 17,1-17; Ex 24,1-8), de encontrar-se com ele em uma relação Cf. APEL, K. O. La transformación de la filosofía, 2 vols., Madrid 1985 (ver Vol. II, p. 149ss). 10 Cf. LEVINAS, E. Totalidad e infinito, Salamanca 1977, p. 101ss. 11 Cf. RICOEUR, P. Soi-même comme un autre, Paris 1990, cap. VIII e IX. 12 Cf. CAFFARENA, J. Gómez. “Persona y ética teológica”, op. cit., p. 168-172. mútua e exclusiva. Essa relação única e exclusiva de Deus com cada um, dando-lhe um nome irrepetível, faz do ser humano indivíduo e pessoa (Gn 15,1; 22,1; Ex 3,4; Jr 1,11; Am 7,8). O NT radicaliza ainda mais o valor pessoal de cada indivíduo. Cristo torna-se o modelo de pessoa, com sua relação única com Deus (Cl 1,15; Hb 1,3). Por sua vez, cada ser humano é irmão de Cristo, sua imagem, filho de Deus no Filho (Rm 8,29; Col 1,18-20; Gl 3,26-29). Criatura co-criadora, cada pessoa é chamada a continuar a obra do Pai e de Cristo, transformando o mundo até que ele chegue à sua plenitude (Rm 8,18ss) e a colocar seus valores pessoais a serviço da comunidade (Mt 20,28). Cristo trouxe-nos o Espírito, que é fonte de liberdade para cada um, libertando-nos dos condicionamentos escravizadores e convocando-nos para a edificação de um mundo novo, inspirado no amor e na liberdade (2Cor 3,17s). Os pobres e abandonados são os primeiros nessa eleição privilegiada de Deus (Mt 11,25-30; 22,8-9)13 . O Concílio Vaticano II também fez da antropologia um de seus temas. Entre outros, afirma que a pessoa, dotada de dignidade (GS 26; DH 1), em razão de sua sublime vocação para a comunhão com Deus (GS 19), merece reverência e respeito (GS 27), pois Deus a respeita (DH 11), mesmo quando ela erra (GS 28). É um ser de relações sociais (GS 12; 25), sem as quais não pode viver (GS 12 e desenvolver seus talentos (GS 12; 25). É sujeito de direitos invioláveis (DH 6), que devem ser respeitados em qualquer regime político (GS 29). É princípio, sujeito e fim de todas as instituições sociais (GS 25; 29). 1.3. Perspectiva de ação hoje: a personalização 1.3. Perspectiva de ação hoje: a personalização No âmbito da pessoa, segundo as Diretrizes da CNBB, o grande desafio na atualidade consiste na reconstrução da identidade pessoal e na conquista de uma liberdade autêntica, na sociedade consumista (DGAE 65-68). Identidade pessoal A identidade do ser humano se tece na conjugação harmônica entre sua natureza individual e social. Desfaz-se esta harmonia, quando a pessoa se fecha no egoísmo ou se deixa absorver ou é agredida pelo universo exterior. A pessoa se afirma pelo dom. Os vínculos se estreitam quando através deles cresce a pessoa. Individualismo, desenraizamento cultural pela migração ou êxodo, ecletismo religioso, modismos, relativismo ético, etc. são sintomas de perda de identidade. Ações como acolhida e orientação, aconselhamento pastoral, atenção às necessidades básicas, educação permanente e integral, formação do espírito crítico e outras podem contribuir na reconstrução da identidade pessoal (DGAE 85). Liberdade autêntica Elemento essencial da identidade pessoal é a liberdElemento essencial da identidade pessoal é a liberdade, que faz dela, ao mesmo tempo, única e um fim em si mesma. A pessoa é o ser irrepetível, diferente de qualquer outro e incapaz de ser suprimido por outro, com uma vocação e tarefa própria na história. Na pessoa, dá-se a conexão entre o universal e o particular, a unidade do universal e do infinito, constituindo-se base de direitos inalienáveis e fundamento de sua dignidade. A pessoa é um ser que comporta em si mesmo um destino a uma finalidade. É o eterno do temporal, o infinito do finito, o espírito da matéria. E tudo isso, por causa da liberdade que lhe é constitutiva e a torna sujeito de responsabilidades. Essa valorização da pessoa, raiz de direitos inalienáveis, deve estender-se a todas as circunstâncias, mesmo aos casos extremos, em que a pessoa não se manifesta na plenitude de suas faculdades. Sobre o ser humano não se pode aplicar critérios utilitários. Mas, a dimensão social da pessoa, não se limita a esse encontro profundo com sua dignidade personalizada. Ser pessoa é abrir-se no respeito ao outro, a todos, considerando-os iguais e irmãos na dignidade humana. Dignidade que se expressa na igualdade de oportunidades em suas relações sociais e políticas. Brota, daí, a grande tarefa da personalização de grandes contingentes de nossa população, menosprezados em sua condição de explorados ou excluídos. A personalização de uns poucos não pode estar justificada pela escravidão das maiorias. O grande escândalo é o do ‘não-homem’14 , oprimido pela sociedade – o escravo, o explorado, o pisoteado, o estrangeiro, o pobre social-econômica-política-racial e culturalmente. Cada pessoa vale tanto quanto qualquer outra, por isso, aos mais abastados pesa a maior responsabilidade de serem promotores da radical igualdade de todos. Segundo as Diretrizes da CNBB, ações pastorais, tais como: uma sólida pastoral da juventude, promotora da formação de uma personalidade madura face aos desvios sexuais, drogas e consumismo ilusório (DGAE 85); uma evangelização inculturada, no diálogo intercultural, através do conhecimento e da promoção do intercâmbio das tradições culturais (DGAE 92); pastoral da comunicação e presença pública da Igreja junto à sociedade (DGAE 103); etc., podem contribuir para a conquista de uma liberdade autêntica, na sociedade consumista. 2. A realização no âmbito da comunidade A comunidade é essencial na vida e no desenvolvimento de uma pessoa. Com efeito, todo ser humano nasce no seio de uma comunidade, a família, e dependerá desta para o desenvolvimento de suas possibilidades. Só consegue personalizar-se e tomar consciência do mundo e dos outros, através do encontro pessoal e de amor no seio de uma comunidade concreta. Da mesma forma em que é no encontro do “eu” com um “tu” que desperta a consciência pessoal, a harmonia fundamental da pessoa depende da aprendizagem do gerenciamento de seus conflitos no seio de uma comunidade, transformando-os em relações amorosas15 . A Igreja quer ser um espaço de realização da vocação cristã, enquanto comunidade, ícone da Trindade16 2.1. História e evolução do conceito Em linhas gerais, o conceito de comunidade pressupõe uma pluralidade de indivíduos que se unem e se inter-relacionam com vínculos pessoais. A comunidade se diferencia da sociedade pelo fato de que não se forma pelas relações jurídicas ou pelos simples objetivos comuns, mas fundamentalmente pelas relações interpessoais entre seus membros. Não basta a simples sintonização em torno de objetivos comuns, com colaborações mútuas ocasionais; nem as relações de proximidade e afetividade difusa, que podem dar-se em aglomerações de massas. A comunidade sempre apresenta uma dimensão de amor e, a eclesial, também de fé, que liga e enriquece seus membros. Entretanto, em muitos casos, as fronteiras entre sociedade e comunidade permanecem ambíguas. Neste sentido, pode-se dizer que o conceito de comunidade é igualmente recente, pois depende do desenvolvimento do conceito de pessoa. Só há comunidade quando há indivíduos personalizados. O desenvolvimento da vivência comunitária está ligado ao processo de personalização de seus membros. Em muitos aspectos, a própria família, historicamente, foi mais uma sociedade com fins econômicos e sociais, que condição de uma autêntica comunidade, inspirada pelo amor. Sobretudo na cristandade medieval, pode-se falar de um desenvolvimento de relações predominantemente de massas, que se caracterizavam mais pela proximidade e pela ação conjunta do que por formas mais individualizadas e personalizadoras. A própria Iga Igreja caracterizou-se, neste período, mais como massa de batizados do que como verdadeira comunidade de irmãos. A comunidade comporta numerosos níveis e formas diversas. A família é certamente a comunidade natural mais espontânea e fundante. A própria experiência eclesial depende dela. Daí, pode-se passar para comunidades mais amplas; no campo social, como a de uma associação, município, de uma pátria ou até mesmo da humanidade inteira; e, no campo eclesial, como a da “Igreja doméstica”17 (grupo de famílias), comunidade de base, paróquia, diocese, enquanto “comunidade de comunidades” (Puebla). A própria humanidade, do ponto de vista religioso,pode ser concebida como comunidade, quando alicerçada sobre vínculos personalizadores desde pequenas comunidades, à medida em que o amor e a fé aproximem todos os membros em torno a vivências comuns. Contudo, deve-se levar em conta que a comunidade, enquanto integradora de indivíduos personalizados, é inevitavelmente espaço da exteriorização de tensões entre o indivíduo e o grupo. Por um lado, está a comunidade como expansão da pessoa em um amplo grupo de indivíduos, que se superam para além de suas diferenças; por outro, estão pessoas, com suas identidades diferenciadas e livres. Além disso, o egoísmo e o pecado podem agravar esta situação. Neste caso, só a abertura ao diálogo sincero pode levar à comunidade, em que, o comum não anula a dimensão interior e profunda de cada um de seus membros18 . 2.2.A comunidade no horizonte da revelação judaico-cristã Na tradição judaica do AT, as relações comunitárias e a dimensão interpessoal não se encontram muito desenvolvidas. A comunidade religiosa estava indissoluvelmente ligada à organização política do povo. Os vínculos essenciais entre os membros do povo eram estabelecidos pela vocação religiosa (Dt 7,7-8). Somente em uma etapa posterior é que começa um ‘resto’ ou comunidade a se diferenciar da multidão do povo (Is 4,3; Jr 23,3-4) No NT a dimensão cNo NT a dimensão comunitária da religião e da vida é posta em relevo. A acolhida da própria mensagem pressupõe uma profunda personalização, que sente sua vocação pessoal diante de Deus como única e transcendente. A mensagem cristã se resume na fé e no amor a Deus, mas que passa pela comunidade dos irmãos. A obra de Cristo é precisamente um Reino de amor, que tem na Igreja seu sacramento. Para isso, ele escolhe apóstolos que o acompanhem (Mc 3,14-15) e com eles vive em especial intimidade, através da qual lhes foi revelando os mistérios do Reino (Mc 6,30-31; 7,17; 4,10-11). É pela mediação desta comunidade que surge a fé em Cristo (Mc 8,27ss; Mt 16,13-17), que se vive a nova experiência do amor e do serviço (Mc 9,33-35; 10,41-45) e que se começou a nova experiência missionária (Mc 6,6ss; Lc 9,1-2). A Igreja, nascida a partir da experiência pessoal, também surgiu na vivência comunitária dos discípulos reunidos na experiência do novo encontro com o Senhor (Lc 24,33-35; Jo 20,19; Mt 28,16ss). Os novos convertidos aderem ao sacramento da comunidade e, por meio desta adesão, participam dos dons de Cristo (At 2,41). Toda a experiência da difusão do cristianismo reside na irradiação evangélica das comunidades cristãs, através das quais se experimenta o novo e contagioso amor de Cristo (At 4,32), nas quais o Espírito dinamiza e faz sentir a experiência antecipada do Reino (At 4,ss). As novas comunidades acolheram milhares de discípulos que buscavam um mundo novo e seu fermento conseguiu transformar a face do mundo (At 14,22ss; 18,7-8; 19,9ss). As cartas de Paulo constituem testemunhos vivos das comunidades em que se vivia o cristianismo com uma unidade capaz de superar os antagonismos de raça, classe social, de tradições religiosas e de culturas (Fm 8,12; 1Cor 7,17-24; 12,12-13; Fl 1,7; 1,27ss)19 . O tema da comunidade é muito presente no Concílio Vaticano II, tanto no sentido eclesial como no social. Os textos falam que a comunidade humana forma uma só família (GS 24), análoga à vida intratrinitária (GS 24); a vida comunitária é uma exigência da própria natureza humana, que é um ser social (GS 12; 25; AA 18); por isso, o imperativo de respeitar a dignidade da pessoa humana no ‘outro eu’ (GS 27), mesmo que seja adversário (GS 28) ou até inimigo (GS 28). Reconhecer a igualdade essencial entre todos (GS 29), implica superar a ética individualista (GS 30) e considerar como dever principal as relações sociais (GS 30), pois Deus não criou o ser humano para viver isoladamente, mas os reúne em seu Povo (GS 32).2.3. Perspectiva de ação hoje: refazer o tecido eclesial Segundo as Diretrizes da CNBB, o grande desafio no âmbito da comunidade é a fragmentação da vida e a busca de relações mais humanas (DGAE 111). Na esfera eclesial, longe de fundamentalismos ou saudosismos, pode-se afirmar que a marca comunitária do cristianismo foi gradativamente sendo perdida, na medida em que a Igreja foi difundindo a fé cristã no encontro com os povos da cultura greco-romana. Sobretudo quando o cristianismo tornou-se ‘religião’ oficial do Império Romano, começou a predominar uma vivência mais de massa e multidões do que de comunidade. Da experiência da fé em ‘Igrejas domésticas’, passa-se às peregrinações, à presença de multidões nas grandes catedrais, às procissões. As relações interpessoais passaram a ceder lugar ao impacto emotivo de eventos massivos. Os sacramentos, símbolos de uma comunidade de fé, passam a ser sinais sociológicos da pertença a uma Com o advento da modernidade, a fragmentação do comunitário se acirra. A irrupção do indivíduo e da liberdade de consciência opera uma privatização da religião na esfera do pessoal. O intimismo reduz o religioso à dimensão invisível e anti-social da pessoa, perdendo-se toda a riqueza do encontro comunitário. Em momentos o racionalismo frio, em outros seu antagonista, o intimismo, substituem a autêntica vivência Na contemporaneidade, o sistema liberal-capitalismo acirrou ainda mais o individualismo, fragmentando as experiências e instituições comunitárias como um todo, a começar pela família. A pessoa se perde no anonimato dos poderes do Estado e das instituições políticas e econômicas. No campo religioso, as grandes tradições perdem terreno para grupos religiosos autônomos, que tendem a fazer de Deus objeto de desejos particulares. Cada vez mais as pessoas têm dificuldade de crer com os outros e naquilo que os outros crêem. A experiência religiosa se volta para o emocional, conformando comunidades invisíveis e virtuais, de ‘cristãos’ sem Igreja. A grande tarefa neste âmbito é ajudar os indivíduos a dar o passo do pessoal para a comunidade, como forma de superação do individualismo egoísta. A relação “eu-tu” precisa desembocar num “nós”, seja no eclesial, como no social, acima de particularismos estreitos e estéreis. Esta tarefa implica abertura para a colaboração, para o trabalho em equipe, para a organização social e a amizade a ser travada nas lutas da vida. Só verdadeiras comunidades podem contribuir na construção de uma sociedade solidária. Para isso, urge a oferta de oportunidade de encontro, de prática solidária e experiências de amizade, bem de espaços de educação ao relacionamento solidário e fraterno (DGAE 123). Desafia a renovação 3. A realização no âmbito da sociedade A realização da vocação humana e cristã se dá quando o indivíduo sai de si e torna-se pessoa e, na seqüência, transcende-se na comunidade para, finalmente, com os outros, fazer-se servidor de todos na sociedade. Indivíduos atomizados ou massificados, não podem exprimir toda a riqueza de seu ser. Tornam-se pessoa pela comunidade. Mas como membros da humanidade e cidadãos universais, necessitam também da sociedade para realizarem-se, nela sintam-se livres e participem na construção de um mundo para todos. A vocação humana advoga para a convivência de cidadãos livres, numa sociedade livre, justa e solidária. A Igreja, enquanto comunidade, igualmente só cumpre sua missão, na medida em que se faz missionária, sai de si, e exerce um serviço na sociedade, o espaço de edificação do Reino de Deus, que não é uma realidade intimista. Vaticano II põe a Igreja nesta perspectiva: inserir-se no seio da sociedade, numa atitude de diálogo e serviço a todos, em especial os mais pobres. 3.1. História e evolução do conceito A sociedade é o espaço dos cidadãos. A cidadania está ligada essencialmente à consciência dos direitos cidadãos, direitos individuais e sociais. Esta consciência tem sua evolução histórica. a) A invenção da cidadania Vejamos, brevemente, alguns tópicos do processo de invenção da cidadania. Do direito primitivo ao direito moderno Segundo Max Weber, nas sociedades primitivas, encontramos um direito carismático, revelado pelos profetas ou autoridades religiosas, que interpretavam a vontade de Deus e dos heróis míticos fundadores. Não existe ainda o conceito de normas objetivas, independente dos costumes. No direito tradicional, a lei é imposta por poderes seculares ou teocráticos. As normas são tomadas como dadas, como convenções transmitidas pela tradição. É ainda um direito particularista; não está baseado em princípios legais universais. O direito natural inaugura o Direito Moderno (séc. XVII e XVIII), baseado em princípios, tidos como emanados da natureza humana. As normas são promulgadas segundo princípios estabelecidos livremente por acordos racionais. O ser humano passa a ser visto como portador de direitos univ universais que antecedem a instituição do Estado. A afirmação de um direito racional, universalmente válido, levou à necessidade de codificação de um estatuto legal, de organização de um sistema lógico e à corporificação do direito como sistema. Entretanto, só a partir do século XX estas codificações passaram a ser feitas a partir de certos acordos entre os diversos atores sociais, num espírito mais democrático. Nos regimes absolutistas, os direitos do indivíduo são concebidos como dádiva do soberano, em face ao direito divino dos reis. Então, o Estado Leviatã é defendido (Hobbes) como a única maneira de evitar a anarquia social, pois “o homem é o lobo do homem”. No século XIX, o positivismo considera o Estado como fonte central de todo o Direito, concebido a partir de um paradigma ideal, fixo e imutável, fora de seu contexto social, escamoteando os interesses que se ocultavam por detrás da exaltação da razão21 . Do direito de Estado ao estado de direito A idéia de que os cidadãos podem organizar o Estado e a sociedade de acordo com sua vontade, baseada na razão, desconsiderando as tradições e os costumes, foi uma das grandes bandeiras do Iluminismo. Na linha do “Contrato Social” de J. Rousseau, o princípio da legitimidade dinástica é substituído pelo princípio da soberania popular. Invertendo a relação tradicional de direitos dos governantes e deveres dos súditos, agora o indivíduo tem direitos, e o governo obriga-se a garanti-los. É o nascimento do Estado de Direito, em que se passa do ponto de vista do príncipe para o ponto de vista do cidadão. No Estado despótico, o indivíduo só tem deveres, e não direitos. No Estado absoluto, os indivíduos possuem, em relação ao soberano, direitos privados. No Estado de Direito, o indivíduo tem, não só direitos privados, mas também direitos públicos. O Estado de Direito é o Estado de Cidadãos22 . O que é cidadania Segundo a concepção de T. H. Marshal, a cidadania é composta dos direitos civis e políticos (direitos de primeira geração), e dos direitos sociais (direitos de segunda geração)23 Os direitos civis, conquistados no séc. XVIII, correspondem aos direitos individuais de liberdade, igualdade, propriedade, de ir e vir, direito à vida, segurança, etc. São os direitos que embasam a concepção liberal clássica. Já os direitos políticos, alcançados no séc. XIX, dizem respeito à liberdade de associação e reunião, de organização política e sindical, à participação política eleitoral, ao sufrágio universal, etc. São também chamados direitos individuais exercidos coletivamente. Os direitos de segunda geração – os direitos sociais, econômicos – foram conquistados no século XX, a partir das lutas do movimento operário e sindical. São os direitos ao trabalho, saúde, educação, aposentadoria, seguro-desemprego, enfim, a garantia de acesso aos meios de vida e bem-estar-social. No que se refere à relação entre direito de cidadania e o Estado, existiria uma tensão interna entre os diversos direitos que compõem o conceito de cidadania. Enquanto os direitos de primeira geração – civis e políticos – exigiriam, para sua plena realização, um Estado mínimo, os direitos de segunda geração – direitos sociais – demandariam uma presença mais forte do Estado para serem cumpridos. Na segunda metade de nosso século, surgiram os chamados “direitos de terceira geração”. Trata-se de direitos que têm como titular, não o indivíduo, mas grupos humanos como o povo, a nação, coletividades étnicas ou a própria humanidade. É o caso do direito à autodeterminação dos povos, direito ao desenvolvimento, direito à paz, direito ao meio ambiente, direito das minorias, direitos das mulheres, dos jovens, das crianças, dos anciãos, etc Já se fala hoje de “direitos de quarta geração”, relativos à bioética, para impedir a destruição da vida e regular a criação de novas formas de vida em laboratório pela engenharia genética. Assim, os cidadãos ou a cidadania são sujeitos de direitos - individuais e sociais, que, se por um lado, devem ser promovidos e respeitados, por outro, precisam ser protegidos e defendidos pela própria cidadania, através da organização e ação da sociedade civil. b) Sociedade civil a) Evolução do conceito Na Antiguidade, há o conceito aristotélico de Politike koinonia, traduzido para o latim por societas civilis – sociedade civil. Na Idade Média, a societas civilis não distinguia a sociedade do Estado. Na Idade Moderna, está associada a um corpo político onde liberdade e razão deveriam coexistir, fundadas na concepção de contrato social. No século XIX, Hegel a concebe como uma instância intermediária entre o Estado, regulador das relações entre indivíduos e, instituições privadas, que se comportam segundo seus interesses próprios. Para ele, sociedade civil implica determinações individualistas e a procura de um princípio ético que jamais poderia vir do mercado, mas sim das corporações. Para Marx, sociedade civil não significa instituições intermediárias entre a sociedade e o Estado, no sentido de uma diferenciação entre Estado e sociedade, mas a fusão de ambos.Nos anos 70, a noção de sociedade civil muda consideravelmente. Ela ressurge como uma oposição ao Estado, não para acabar com ele e com o mercado, mas para fortalecer as formas societárias de organização. A partir dos anos 80, em função da perda de prestígio dos partidos políticos, aumentou o fosso entre o sistema institucional de representação no plano do Estado e a chamada sociedade civil organizada. As associações da sociedade civil assumiram o papel de formadoras da opinião pública e constituidoras da opinião coletiva nos espaços situados fora do Estado e do mercado. A noção de sociedade civil passa a ser compreendida em oposição não apenas ao Estado, mas também ao mercado. Os atores da sociedade civil organizados em movimentos sociais cumprem função pública, absorvendo a ação comunitária existente no mundo da vida e levando-a ao nível da esfera pública. Defendem o interesse público e se constituem como instância de crítica e controle do poder. Mais recentemente, novas formas de ação social transformadora emergiram no mundo: movimentos populares, que centrados em temas de democratização, cidadania, liberdades identidade cultural, etc., assumiram a forma de organizações não-governamentais (ONGs), particularmente transnacionais. Nas últimas décadas, tornaram-se importantes peças de apoio aos programas de desenvolvimento. Nos países em desenvolvimento, elas beneficiam cerca de 250 milhões de pessoas. Elas atuam nos planos local, nacional, regional e internacional. Em muitos países, as ONGs ajudam a formular as políticas públicas. Em outros, seu papel é importante para fiscalizar projetos governamentais, por exemplo24 . Conceituação atual A sociedade civil, hoje, tende a autocompreender-se como a esfera de interação social entre a economia e o Estado, composta pela esfera íntima (família), pela esfera associativa (associações voluntárias) e pelos movimentos sociais. Portanto, ela não engloba toda a vida social. A sociedade política (Estado) constitui-se de partidos, organizações políticas, parlamentos, etc. A sociedade econômica compõe-se de organizações de produção e distribuição, como empresas e cooperativas, firmas, etc. . Mais bem, as sociedades políticas e econômicas surgem da sociedade civil. Entretanto, enquanto os atores da sociedade política e econômica estão diretamente envolvidos com o poder do Estado e com a produção econômica visando o lucro, que eles buscam controlar e gerir, o papel da sociedade civil não está diretamente relacionado à conquista e controle do poder, mas à geração de influência na esfera pública cultural. Para isso, joga um papel importante a sociedade política. O papel mediador da sociedade política entre a sociedade civil e o Estado é indispensável, assim como o enraizamento da sociedade política na sociedade civil. Daí a relevância da busca de formas de exercício de uma democracia participativa. O mesmo deve ocorrer entre sociedade civil e sociedade econômica, ainda que sua influência seja bem menor que sobre a sociedade política. Ainda assim, a legalização dos sindicatos e o papel das negociações coletivas testemunham a influência da sociedade civil sobre a vida econômica e acabam desempenhando, por sua vez, um papel mediador entre sociedade civil e o sistema de mercado2 3.2.O horizonte da revelação judaico-cristã, na Doutrina Social da Igreja Para a Doutrina Social da Igreja, a essência social do ser humano deriva de sua própria limitação como indivíduo. Surge, assim, a família como complementação do indivíduo. O mesmo acontece no campo do trabalho, no qual somente através da colaboração de muitos é que se pode realizar grandes tarefas, que satisfaçam as necessidades comuns. Do mesmo modo, a organização política, que ajuda os indivíduos na administração dos bens comuns e na sua proteção. Em resumo, a cooperação social consegue em comum, o que nunca os indivíduos conseguiriam sozinhos. Entretanto, através da integração e complementação dos esforços comuns, a sociedade não se limita a agrupar os indivíduos. A partir das comunidades, ela consegue alcançar uma especificidade própria, capaz de novas e diferentes conquistas. Neste sentido, o fato do ser humano estar constituído simultaneamente por uma dimensão individual e social, historicamente tem levado a concepções extremas. Por um lado, aparece o individualismo que, ao considerar o indivíduo como um ser independente, põe os interesses e objetivos dos indivíduos acima dos da sociedade. Nee. Nesta perspectiva, a sociedade civil não é necessária, pois restringe as liberdades eclesial comunitária. individuais. Por outro lado, aparece o coletivismo, para o qual a pessoa se reduz a uma peça na engrenagem da sociedade, submetida a seus fins pré-determinados. Então, subjuga-se a liberdade, visando apenas o fortalecimento e a organização do coletivo. Na perspectiva cristã, a sociedade não constitui uma limitação das pessoas e das comunidades, mas sua autêntica complementação. Ao contrário do que preconiza o individualismo, não há autêntica liberdade senão dentro da sociedade, pois é aí que a pessoa pode desenvolver sua força criadora e social. E, ao contrário do coletivismo, antes de a pessoa ser membro de um Estado, ela pertence a um povo. É nessa dimensão mais espontânea e natural que sua liberdade amadurece e se desenvolve. Povo está ligado a solo, sangue, história, cultura, a formas peculiares de organização social, etc. Povo constitui nação, que não se confunde com Estado. O Estado é o resultado do ordenamento jurídico da autoridade a serviço do bem comum. Pode pressupor um ou vários povos. A isso o Estado acrescenta a unidade relacional superior, que engloba e configura as unidades relacionais inferiores, dirigindo-as no sentido de um bem que seja comum a todos. No horizonte do Con3.3. Perspectiva de ação hoje: refazer o tecido social Segundo as Diretrizes da CNBB, o grande desafio no âmbito da sociedade é o escândalo da exclusão e da violência na sociedade consumista (DGAE 151). No horizonte da Doutrina Social da Igreja, a sociedade deve regerse pelo princípio da solidariedade, segundo o qual a pessoa existe para a comunidade e para a sociedade e, estas, para a pessoa. Cada pessoa é responsável pelo bem comum na sociedade. E, a sociedade, não tem outro objetivo senão buscar uma vida digna para as pessoas. Além deste, cabe à sociedade reger-se igualmente pelo princípio da complementariedade, segundo o qual ela deve ajudar a complementar a ação das pessoas ou comunidades, naquilo em que elas não são capazes. É a busca do bem comum, que consiste na estruturação e organização social adequadas, capazes de somar os objetivos, esforços e ideais de todos os membros da sociedade. Nesta perspectiva, importa hoje reconstruir sem cessar o tecido social, que as tendências anarquistas e totalitárias, bem como a mercantilização das relações humanas e institucionais, operadas pelo sistema liberal capitalista, tendem a fragmentar e destruir. Importa lutar contra a lógica de uma sociedade engendrada pela cultura tecnológica. Uma das missões mais importantes da Igreja, hoje, é a defesa das pessoas e comunidades, assim como a defesa da sociedade em seus ‘corpos intermediários’, organizados enquanto sociedade civil, diante do poder, seja do sistema financeiro e do grande capital, seja dos Estados ‘herodianos’, que se limitam a garantir o progresso econômico de uns poucos. O sistema liberal capitalista tende a submeter as pessoas e as comunidades a seus objetivos pragmáticos, uniformizando povos e culturas. Defender as culturas agredidas por modismos hegemônicos e os valores populares ameaçados de desaparecimento, é uma das missões mais prementes da Igreja hoje. Por outro lado, cabe pressionar o Estado a cumprir com sua finalidade, que é a de estimular as forças adormecidas ou excluídas da sociedade a promover um desenvolvimento solidário, organizando os diversos setores sociais e mobilizando-os em vista da superação da fome e da miséria. As sociedades dos países subdesenvolvidos têm sua situação agravada em virtude das grandes diferenças na distribuição dos bens naturais e dos recursos econômicos, dos grandes desníveis e de educação e capacitação técnica, do desemprego, o déficit habitacional, etc. Essas desigualdades aumentam a violência, contribuindo para a instabilidade da situação social. Mas, não bastam ações no âmbito dos Estados nacionais. É preciso desencadear ações em rede, de alcance mundial, encurtando distâncias entre os povos e contribuindo para a criação de uma comunidade internacional, regida por uma instância de autoridade racional comum. Só um poder de todos, consertado em nível internacional, é capaz de regulamentar conflitos internacionais e alcançar uma relação justa e igualitária entre os povos