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segunda-feira, 12 de agosto de 2024
Iluminismo racionalidade crítica bbb
Iluminismo racionalidade crítica bbb
https://edisciplinas.usp.br/pluginfile.php/4912642/mod_resource/content/1/Narrar_o_passado_repensar_a_historia%20%281%29.pdf#page=59
(ver texto acima)
À escrita da história, limitada ao plano
do contingente, do sublunar – ou seja, do que aconteceu efetivamente abaixo
da lua –, era vedado o acesso ao plano do virtual e, consequentemente,
a todo e qualquer artefato poético ou imaginário. O próprio "pai da história",
Heródoto de Halicarnasso, havia fundado seu discurso sobre a guerra
entre gregos e persas como um relato verdadeiro baseado em testemunhos
oculares diretos e indiretos. Assim, o próprio nascimento da história no
ocidente está ligado a um certo procedimento teórico que a define pelo que
ela não é e pelo que ela nunca poderia vir a ser: mito, poesia, fábula. Estes
não conteriam nada de verdadeiro ou de verossímil, enquanto a história,
ao contrário, seria o registro das ações humanas e dos acontecimentos
realmente ocorridos no passado. Grosso modo, essa distinção marcou todo
o ideal de conhecimento da historiografia ocidental, historicamente sujeita
aos princípios de coerção e controle do discurso histórico. Pode-se dizer
que desde Aristóteles – ou mesmo antes, na filosofia socrático-platônica
– predominou uma vontade de saber que estabelecia uma oposição
categórica entre o discurso verdadeiro e o discurso falso (Platão, não nos
esqueçamos, expulsou o poeta da República, sua autoritária utopia política,
alegando que os vates não produziam senão simulacros e falsidades que
contribuiriam para a imoralidade do povo). O discurso da história tem sido
historicamente uma invenção tributária dessa vontade de saber.
Nesse contexto epistemológico de muito longa duração, a afirmação
de Voltaire acima citada não é nova nem original. O que é inédito nela
é a afirmação de uma certa idéia de cientificidade para a história; idéia que
visava expurgar do relato historiográfico qualquer resíduo ima-ginativo
ou fantasioso que, para o evangelista das Luzes, constituía principalmente
um subproduto do providencialismo judaico-cristão e do maravilhoso
medieval. Criticando a interpretação mítica e religiosa do passado e o culto
dos heróis lendários, o ideal do Iluminismo era colocar o conhecimento da
história, fundamentado no "método universal da razão", no mesmo nível do
conhecimento da natureza. Como diz Cassirer: "A filosofia do Iluminismo
considera desde o começo que os problemas da natureza e os da história
formam uma unidade que é impossível desfazer arbitrariamente a fim de
tratar à parte cada uma das frações. Ela pretende abordar uns e outros com
o mesmo equipamento intelectual, aplicar à natureza e à história a mesma
espécie de problemática, o mesmo método universal da razão".7
O Iluminismo representou o triunfo da razão, o êxito de uma
revolução no saber que teve início no século XVI e fez da racionalidade
o acesso ao verdadeiro entendimento, isto é, à verdade não mais revelada
pelas Escrituras Sagradas, mas buscada pelo método científico capaz de
propiciar um conhecimento dessacralizado, secular e lógico da natureza
e do mundo humano. Com a publicação do Ensaio sobre os Costumes
(1756), de enorme influência sobre as grandes obras historiográficas do
século XVIII, Voltaire inaugurou uma espécie de historiografia filosófica
7
Ernst Cassirer, A filosofia do Iluminismo, op. cit., p. 269-270. Na colocação
de um novo ideal de verdade histórica e, deste modo, na construção do próprio
conceito moderno de história, é preciso concordar com Cassirer quando, na sua
obra Antropologia filosófica, escreve: “Os pensadores do século XVIII são os
verdadeiros pioneiros do pensamento histórico. Formulam novas perguntas e
inventam novos métodos para respondê-las. A investigação histórica foi um dos
instrumentos necessários da filosofia do Iluminismo.” Antropologia Filosófica.
Trad. Vicente Felix de Queiroz, 2. ed.. São Paulo: Mestre Jou, 1977, p. 302. Num
instigante ensaio, Walter Mignolo, por sua vez, faz remontar ao Renascimento os
primeiros esboços desse projeto de cientificidade para o discurso histórico, ideal
presente já nas obras de Francis Bacon e Jean Bodin. Ver Walter Mignolo, Lógica
das diferenças e política das semelhanças: da literatura que parece história ou
antropologia, e vice-versa, In: Lígia Chiappini e Flávio Wolf de Aguiar (Orgs.).
Literatura e História na América Latina. São Paulo: EDUSP, 1993.
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