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quarta-feira, 19 de fevereiro de 2025
"POR UM LADO, POR OUTRO LADO": QUANTOS LADOS TEM A REALIDADE?
"POR UM LADO, POR OUTRO LADO": QUANTOS LADOS TEM A REALIDADE?
A realidade tem tantos lados quantos sejamos capazes de reconhecer nela. Daí o equívoco ao se dizer que a ciência DESCOBRE. A ciência RECONHECE o que já estava lá ao alcance dos olhos, e o que estava lá passou a ser reconhecido PORQUE fomos NÓS que mudamos de CONTEXTO no qual a reconhecíamos anteriormente. Assim, por exemplo, o tomate, de um legume servido à MESA, passa a ser encontrado também na FARMÁCIA, na forma de LICOPENO, um componente da nutrição equilibrada. Dito de outra forma, a realidade para quem a enxerga é sempre CONTEXTUAL, pois quem tem a visão do TODO seria somente Deus, que não está sujeito à mudança das coordenadas do tempo e do lugar (contexto). O objeto tomate é, pois, um suporte de papeis que pode vir a desempenhar, assim como o sujeito da gramática pode assumir uma infinidade de predicados, em consonância com a mudança do contexto semântico em que ocorre.
Assumo, então, como metáfora para representar a realidade o PONTO GEOMÉTRICO, que é feito de infinitos pontos, dispostos à distância de um mesmo raio em relação ao seu centro, ao formar uma círculo. Não há HIERARQUIA entre os pontos: são todos equivalentes, no papel que desempenham na conformação do círculo. Cada ponto contém em si todos os pontos, ou seja, o ponto é o ponto de todos os pontos, Na geometria, o ponto é o suporte de todas as formas geométricas, sem ser, ele mesmo, uma delas. "O ser humano é o suporte de todas as relações sociais", escreve Marx em seu "O CAPITAL" (livro I).É dizer que não há o ser humano, em geral. Há "el hombre y su circunstancia", como dizia o filósofo espanhol Ortega y Gasset. Não faz sentido, pois, PRIVILEGIAR um único ponto como FUNDAMENTO da realidade (com que autoridade?),como ocorre com a RAZÃO, em Kant; a INTUIÇÃO, em Goethe; a MATÉRIA, em Julien de La Mettrie; a TERMODINÂMICA, em Leslie White (antropólogo); o energetismo, em Ostwald (químico); os IMPULSOS, em Freud, e assim por diante. A realidade é tudo isso, ao mesmo tempo, de acordo com a mudança contextual de visão que se pode ter dela.
Segmentar a realidade em escaninhos conceituais, no lugar do todo da realidade, é o que faz o pesquisador com o seu MODELO, um construto abstrato em que se apoia a investigação. A mitologia grega cuidou de alertar para o risco de se assumir o modelo como representação da realidade no episódio conhecido como "leito de Procusto". Trata-se do bandido Procusto, que cortava ou espichava as pernas de suas vítimas, de modo a fazê-las encaixar-se no comprimento de seu leito. Com o é sabido, o pesquisador assume como ponto de partida de seu trabalho o CONCEITO, uma abstração que ele constrói para representar o SEGMENTO da realidade objeto de sua investigação. O CONCEITO define-se pelas propriedades que o caracterizam, diferenciando-o de outro conceito. O TODO da realidade não cabe num conceito. Operado pela lógica e matemática, o conceito é incumbido abusivamente de representar o todo da REALIDADE, conferindo-lhe foro de OBJETIVIDADE. Ocorre que não é possível ao investigador livrar-se do CONTEXTO. A sua visão é necessariamenmte contextual. Assim, por exemplo, no contexto da fisiologia do século XIX o sangue se caracterizava pelo seu PESO, até surgir a QUÍMICA, que veio a enriquecer a visão da realidade, ao lado da FÍSICA: mudou-se o modelo. Longe de se deixar levar pelo CETICISMO, a visão contextual, ao contrário, enriquece a realidade ao permitir que se reconheçam nela infinitas janelas através das quais ela pode ser enxergada. A referência comum é a existência (humana) origem e sede dos valores axiológicos. É nessa medida que a atividade da ciência equivale à do poeta. /// Observação: A diversidade de janelas abertas para o acesso à realidade NÃO CONFLITA com o princípio de identidade e de não contradição, reservado por Aristóteles tão somente ao manejo de operações abstratas, sob a égide da lógica e da matemática. O princípio não se aplica à ação humana, ou comportamento (in Filosofia Pragmática) Nivaldo Manzano
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