segunda-feira, 28 de dezembro de 2020

Como os Estados Unidos arruinaram suas universidades públicas

 

Como os Estados Unidos arruinaram suas universidades públicas

Edição 147 | EUA
por Pedro Fiori Arantes
1 de outubro de 2019




transformação das universidades públicas norte-americanas em mais uma modalidade de negócios foi um “grande erro”, afirma professor da Universidade da Califórnia com livro sobre o tema



Enquanto no Brasil o governo federal pretende que as universidades terceirizem sua gestão e mesmo as atividades-fim sob comando de organizações privadas (OS), passem a depender cada vez mais de fundos de mercado, dirijam seus esforços para o empreendedorismo e ampliem a arrecadação própria com doações, cobranças de taxas e, futuramente, de mensalidades (como já demanda o Banco Mundial em seu último documento sobre o país), nos Estados Unidos, onde tudo isso já foi feito, o resultado foi amplamente negativo. A avaliação é de Christopher Newfield, professor da Universidade da Califórnia (a maior e mais prestigiosa universidade pública norte-americana) que lançou recentemente o livro The Great Mistake: How We Wrecked Public Universities and How We Can Fix Them (“O grande erro: como arruinamos as universidades públicas e como podemos recuperá-las”, Johns Hopkins University Press, 2016). Na entrevista a seguir, ele demonstra que a política neoliberal para as universidades norte-americanas foi também lá, no modelo original, um desastre.



LE MONDE DIPLOMATIQUE BRASIL – Nas últimas décadas, enfrentamos um discurso dominante que colonizou o senso comum ao afirmar que as universidades devem fazer “entregas rápidas”, focadas em “resultados”, ser cada vez mais concebidas de acordo com modelos de negócios, produzir conhecimento como mercadoria e educar profissionais para ganhos privados. Alguma parte da ideia de “universidade” se perdeu ao longo do caminho?

CHRISTOPHER NEWFIELD – Isso não se perdeu, foi deliberadamente enterrado. As universidades fazem várias coisas que nenhuma outra instituição faz. Elas criam conhecimento como parte do mesmo processo pelo qual o espalham – a pesquisa é tão importante quanto o ensino. A pesquisa e o ensino universitário são autodirecionados e, quando as universidades estão funcionando corretamente, são exemplos de uma autogestão que é muito difícil de alcançar em um local de trabalho comum. O resultado desejado é triplo: o desenvolvimento pessoal-intelectual combinado do aluno (o que a tradição teórica prussiana chamou de Bildung); um novo conhecimento sobre todos os tópicos do planeta; e a prática do conhecimento como um processo totalmente social. Esta última não é bem compreendida, mas coloca o aprendizado e a pesquisa fora das estruturas de mercado. Nos últimos cinquenta anos, as empresas e seus aliados políticos tentaram controlar as universidades, por razões que não são tão diferentes das da Igreja Católica ou do Estado bonapartista em outras épocas.



Você apresenta uma imagem impressionante do desmantelamento das universidades públicas dos Estados Unidos e sua transformação em meros prestadores de serviços, orientada para o mercado. O que motivou essa transformação e em que momento histórico o ataque às universidades públicas dos Estados Unidos e a sua missão pública fundamental começou?

O motivo, em uma frase, era bloquear as ameaças aparentes das universidades aos poderes econômicos e políticos estabelecidos. Um momento decisivo foi a campanha de Ronald Reagan para governador da Califórnia em 1966. Seu oponente, o então ocupante do cargo Pat Brown, era um progressista popular do New Deal que construía obras e serviços públicos para pessoas comuns (brancas). Eleitores gostam de escolas, rodovias, hospitais, pontes e faculdades gratuitas; Reagan decidiu que não poderia concorrer contra Brown, mas poderia concorrer contra manifestantes estudantis de esquerda na UC Berkeley, e foi isso que ele fez. Ele derrotou Brown, em parte, apresentando as universidades de Brown como lugares que encenavam ataques a norte-americanos respeitáveis e tementes a Deus, que reverenciavam o sistema de livre-comércio. Um segundo evento importante ocorreu em 1970, quando o futuro juiz da Suprema Corte, Lewis Powell, então um moderado juiz republicano da Virgínia, enviou um longo memorando à Câmara de Comércio, pedindo às empresas que lutassem contra o sentimento anticapitalista alojado nos campi das universidades. Suas sugestões para financiar pesquisadores e think tanks que criariam e difundiriam visões conservadoras ajudaram a construir as redes políticas conservadoras que ainda dominam a política local.



Em seu livro, você diz que, durante 25 anos, trabalhou em um lugar privilegiado, testemunhando o esforço contínuo de tornar a universidade pública mais parecida com uma empresa. Você pode explicar melhor como isso aconteceu e o preço social pago por essa privatização indireta?

Nas décadas de 1980 e 1990, os gerentes das universidades aceitaram o novo argumento de consenso – tanto dos conservadores de Reagan quanto dos centristas de Clinton – de que bens como o ensino superior tinham benefícios fundamentalmente privados e não públicos, devendo assim ser pagos em particular. Quando comecei a trabalhar em comitês de planejamento e orçamento depois de 2000, fiquei surpreso com a perda de confiança no modelo de financiamento público e com a fé cega de que os contratos de filantropia e pesquisa tornariam as universidades públicas bem-sucedidas como suas contrapartes privadas. Isso criou dois problemas. A primeira foi que as universidades enfraqueceram sua reivindicação pelos altos níveis de financiamento público de que desfrutavam anteriormente. Se a graduação da universidade serve para aumentar os salários individuais, em vez de promover a sociedade, o público não precisa pagar o custo da educação por meio de impostos. Essa visão está incorreta: a maioria dos efeitos do ensino superior é não pecuniária, ou social, ou ambos. O segundo problema é que as universidades não ficam realmente ricas com fundos privados. Elas se tornam dependentes da renda proveniente da mensalidade do estudante, que agora atingiu seu limite. E elas perdem dinheiro com subsídios de pesquisa patrocinados e ganham muito pouco para operações gerais da filantropia. O preço social assume várias formas: as universidades têm problemas financeiros, os estudantes pagam demais e assumem dívidas educacionais e a sociedade recebe menos benefícios não monetários porque o ensino e a pesquisa gravitam em torno de assuntos monetizáveis. Observe também que os estudantes que possuem altas dívidas educacionais desejam uma renda mais alta para pagá-las. Eles são menos capazes de seguir seus compromissos políticos ou éticos no serviço social, uma vez que os salários mais baixos desses empregos dificultam o pagamento da dívida da universidade.





A missão e o amplo espectro de capacidades humanas da universidade estão diminuindo cada vez mais para formar Homo economicus, ou seja, animais de mercado?

A pesquisa é um bem público básico. Uma nova ideia ou descoberta não tem valor de mercado. Isso ocorre apenas mais tarde, com o desenvolvimento comercial, se é que ocorrerá. Descobrir algo novo não pode ser incentivado pela expectativa de um retorno de mercado incerto, remoto ou inexistente. As universidades existem em grande parte para apoiar a exploração que não dará dinheiro. E ninguém pode ser um bom pesquisador enquanto opera como Homo economicus: o “animal de mercado” sempre busca retornos monetários, e não benefícios não monetários ou que agregam à multidão, e não ao pesquisador ou empresa. Isso vale especialmente para as disciplinas de artes e humanas, nas quais um relato melhor da relação entre escravidão e capitalismo na década de 1820 tem um valor intrínseco e provavelmente político, mas não traz dinheiro. As disciplinas de engenharia e ciências aplicadas são exceções parciais. Mesmo assim, o dinheiro real será ganho por laboratórios corporativos focados no desenvolvimento de produtos, não nas universidades que exploram conceitos fundamentais.



Ainda assim, você demonstra que é uma falácia pensar que as universidades são apoiadas por recursos corporativos. Elas ainda são amplamente subsidiadas pelo governo, mensalidades e patrocínios. Sendo assim, por que o mercado está definindo cada vez mais as premissas e os resultados do ensino e das pesquisas?

Um dos mitos da privatização a meio caminho era que, se os acadêmicos fizessem um trabalho melhor na comercialização de suas pesquisas, o dinheiro corporativo chegaria. As universidades agora divulgam incessantemente suas start-ups e objetivos comerciais, mas o dinheiro nunca chegou. Na realidade, o financiamento corporativo representa entre 5% e 7% do total das despesas de pesquisa nas universidades norte-americanas há décadas; isso nunca substituiu os fundos federais.



Você diz que as universidades públicas dos Estados Unidos eram em sua maioria gratuitas, até começarem a cobrar uma taxa simbólica, e progressivamente esse valor aumentou de modo exponencial para compensar o investimento público em queda e as políticas de austeridade. Isso levou novamente a uma elitização do acesso. Isto é, o que pagou a conta para reduzir o orçamento público, no final, foram os próprios alunos e suas famílias, e não as empresas privadas, como é propagado?

Você está certo – os estudantes e suas famílias cobriram o financiamento público que os estados retiraram. O efeito mais visível é a dívida estudantil, que atingiu US$ 1,6 trilhão nos Estados Unidos. Aumentou muito mais rapidamente do que a renda necessária para atendê-la; mais de 10% dos empréstimos estudantis estão em inadimplência. Desde 1993, o financiamento estatal diminuiu 25% (corrigido pela inflação), enquanto as mensalidades líquidas (o valor que os alunos pagam do bolso após a aplicação de toda a ajuda financeira) dobraram. Isso sugere como a privatização é ineficiente.



Nos últimos quinze anos, nos Estados Unidos, o montante transferido para as universidades privadas passou de US$ 4,6 bilhões para US$ 26 bilhões por ano. Como o lobby privado funciona para capturar fundos públicos?

As faculdades com fins lucrativos têm as taxas mais baixas de graduação e emprego do país, com o custo mais alto para os alunos. Como no Brasil, elas existem apenas porque o governo federal concede empréstimos aos estudantes para que paguem as mensalidades para frequentá-las. O governo teve de aprovar uma regra de que não mais que 90% de sua receita total deve vir de empréstimos estudantis concedidos pelo governo, ou a maioria delas teria conseguido 100% de seu dinheiro dessa maneira. São as piores instituições de ensino superior da história. Não caia na alegação de que ampliam o acesso de estudantes pobres e de primeira geração! Como no Brasil, elas transmitem dívidas às pessoas pobres, não conhecimento.



No final do livro, você refuta as afirmações de que não haveria alternativa (Tina, no jargão neoliberal de Thatcher), de que não há mais recursos públicos e de que o que aconteceu era inevitável “como as leis da física”. Você poderia resumir aqui seus conselhos para “consertar isso”, como você diz ironicamente?

Desde que eu escrevi The Great Mistake, duas de suas principais soluções se tornaram parte do debate nacional. Muitos candidatos políticos democratas, liderados por Bernie Sanders e Elizabeth Warren, estão clamando por uma faculdade gratuita e pelo alívio da dívida estudantil. Os estudantes de baixa renda precisam ter suas despesas de moradia pagas, bem como todos os gastos educacionais. Os Estados Unidos tornaram o ensino médio gratuito no século XIX. Fizemos o mesmo para as universidades no século XX. De fato, vamos reverter o modelo de alto custo para as universidades públicas. É só uma questão de tempo.



Qual mensagem você gostaria de enviar aos brasileiros, considerando que o governo Bolsonaro está reduzindo violentamente os recursos das universidades públicas e agora está apresentando um projeto para a privatização indireta?

Três mensagens: seu modelo de ensino superior para o desenvolvimento social está certo. Seu modelo de ensino gratuito está certo, porque é a única maneira de ter acesso democrático. Se você cobra mensalidades que estabelecem barreiras de custo e restringem a alocação de bens educacionais (que é o que os mercados fazem bem), seu sistema universitário não será democrático – aumentará as desigualdades sociais em vez de reduzi-las. Segundo, não acredite que as universidades privatizadas serão mais ricas e mais estáveis: elas não serão. A maioria será mais pobre e dedicará mais dinheiro para angariar fundos. Terceiro, podemos proteger e promover as universidades como locais de formas autogovernadas de produção pós-capitalista. A ciência e os estudos avançam quando ideias e recursos são amplamente compartilhados. Dessa maneira, as universidades públicas reais esperam um mundo democrático e sustentável. Elas precisam de grande apoio e amor público.



Estão crescendo no Brasil e em outros países, que formam uma nova internacional de ultradireita, um claro projeto de poder baseado na desinformação e na intolerância, contrário ao esclarecimento e às evidências científicas e históricas. Como você entende o papel das universidades nesse contexto?

As crises políticas e ecológicas do mundo também são crises de conhecimento. Líderes autocráticos destrutivos, como Trump, Putin, Modi, Erdoğan, Duterte e Bolsonaro, abrem caminho para suas políticas insistindo que não há evidências ou argumentos válidos contra suas posições e fingem provar isso com ataques a disciplinas ou pesquisadores. Eles apresentam falsamente o fundamentalismo religioso e a civilização produtora de carbono como sendo vontade do povo, enquanto lotam as instituições com seus próprios partidários. Trump nomeia juízes que se opõem categoricamente aos direitos reprodutivos e à igualdade sexual das mulheres, assim como regulamenta uma técnica predatória de extração de energia etc. Receio que nosso presidente tenha agravado os problemas, como Bolsonaro no Brasil, ao estabelecer um ataque ao conhecimento e suas instituições. Todas essas figuras percebem que as universidades oferecem análises independentes que podem expor a intencionalidade de suas posições e oferecer conhecimento para fundamentar o dissenso em relação a elas. Essas figuras neocoloniais e antidemocráticas, portanto, se opõem à liberdade acadêmica e ao conhecimento popular ou do ponto de vista, e o fazem alegando que elas incorporam a sabedoria superior das pessoas comuns. Na realidade, ao longo dos anos, a universidade, mesmo com suas falhas, fez muito mais por pessoas comuns do que esses líderes fazem. Elas fizeram isso em parte aprendendo com a própria sociedade e oferecendo a criação de conhecimento independente a serviço de todos. Por isso, são mais importantes para as sociedades democráticas do que nunca, e espero que as universidades públicas e os movimentos sociais brasileiros agora se apoiem mutuamente, com foco e determinação.



Pedro Fiori Arantes é arquiteto e urbanista, professor da Unifesp e pró-reitor de Planejamento.

sexta-feira, 25 de dezembro de 2020

CANTO DO HOMEM DO POVO – CHARLES CHAPLIN Carlos Drummond de Andrade

 CANTO DO HOMEM DO POVO – CHARLES CHAPLIN

Carlos Drummond de Andrade

I
Era preciso que um poeta brasileiro,
não dos maiores, porém dos mais expostos à galhofa,
girando um pouco em tua atmosfera ou nela aspirando a viver
como na poética e essencial atmosfera dos sonhos lúcidos,

era preciso que esse pequeno cantor teimoso,
de ritmos elementares, vindo da cidadezinha do interior
onde nem sempre se usa gravatas mas todos são extremamente polidos e a opressão é detestada, se bem que o heroísmo se banhe em ironia,

era preciso que um antigo rapaz de vinte anos,
preso à tua pantomima por filamentos de ternura e riso dispersos no tempo, viesse recompô-los e, homem maduro, te visitasse para dizer-te algumas coisas, sobcolor de poema.

Para dizer-te como os brasileiros te amam
e que nisso, como em tudo mais, nossa gente se parece
com qualquer gente do mundo – inclusive os pequenos judeus
de bengalinha e chapéu-coco, sapatos compridos, olhos melancólicos,

vagabundos que o mundo repeliu, mas zombam e vivem
nos filmes, nas ruas tortas com tabuletas: Fábrica, Barbeiro, Polícia, e vencem a fome, iludem a brutalidade, prolongam o amor como um segredo dito no ouvido de um homem do povo caído na rua.

Bem sei que o discurso, acalanto burguês, não te envaidece,
e costumas dormir enquanto os veementes inauguram estátua,
e entre tantas palavras que como carros percorrem as ruas,
só as mais humildes, de xingamento ou beijo, te penetram.

Não é a saudação dos devotos nem dos partidários que te ofereço, eles não existem, mas a de homens comuns, numa cidade comum, nem faço muita questão da matéria de meu canto ora em torno de ti como um ramo de flores absurdas mando por via postal ao inventor dos jardins.

Falam por mim os que estavam sujos de tristeza e feroz desgosto de tudo, que entraram no cinema com a aflição de ratos fugindo da vida, são duras horas de anestesia, ouçamos um pouco de música, visitemos no escuro as imagens – e te descobriram e salvaram-se.

Falam por mim os abandonados da justiça, os simples de coração, os parias, os falidos, os mutilados, os deficientes, os indecisos, os líricos, os cismarentos, os irresponsáveis, os pueris, os cariciosos, os loucos e os patéticos.

E falam as flores que tanto amas quando pisadas, falam os tocos de vela, que comes na extrema penúria, falam a mesa, os botões,
os instrumentos do ofício e as mil coisas aparentemente fechadas, cada troço, cada objeto do sótão, quanto mais obscuros mais falam.

II
A noite banha tua roupa.
Mal a disfarças no colete mosqueado,
no gelado peitilho de baile,
de um impossível baile sem orquídeas.

És condenado ao negro. Tuas calças
confundem-se com a treva. Teus sapatos
inchados, no escuro do beco,
são cogumelos noturnos. A quase cartola,
sol negro, cobre tudo isto, sem raios.

Assim, noturno cidadão de uma república
enlutada, surges a nossos olhos
pessimistas, que te inspecionam e meditam:
Eis o tenebroso, o viúvo, o inconsolado,
o corvo, o nunca-mais, o chegado muito tarde
a um mundo muito velho.

E a lua pousa
em teu rosto. Branco, de morte caiado,
que sepulcros evoca mas que hastes
submarinas e álgidas e espelhos
e lírios que o tirano decepou, e faces
amortalhadas em farinha. O bigode
negro cresce em ti como um aviso
e logo se interrompe. É negro, curto,
espesso. O rosto branco, de lunar matéria,
face cortada em lençol, risco na parede,
caderno de infância, apenas imagem
entretanto os olhos são profundos e a boca vem de longe,
sozinha, experiente, calada vem a boca
sorrir, aurora, para todos.

E já não sentimos a noite,
e a morte nos evita, e diminuímos
como se ao contato de tua bengala mágica voltássemos
ao país secreto onde dormem os meninos.
Já não é o escritório e mil fichas,
nem a garagem, a universidade, o alarme,
é realmente a rua abolida, lojas repletas,
e vamos contigo arrebentar vidraças,
e vamos jogar o guarda no chão,
e na pessoa humana vamos redescobrir
aquele lugar – cuidado! – que atrai os pontapés: sentenças
de uma justiça não oficial.

III
Cheio de sugestões alimentícias, matas a fome
dos que não foram chamados à ceia celeste
ou industrial. Há ossos, há pudins
de gelatina e cereja e chocolate e nuvens
nas dobras do teu casaco. Estão guardados
para uma criança ou um cão. Pois bem conheces
a importância da comida, o gosto da carne,
o cheiro da sopa, a maciez amarela da batata,
e sabes a arte sutil de transformar em macarrão
o humilde cordão de teus sapatos.

Mais uma vez jantaste: a vida é boa.
Cabe um cigarro: e o tiras
da lata de sardinhas.
Não há muitos jantares no mundo, já sabias,
e os mais belos frangos
são protegidos em pratos chineses por vidros espessos.

Há sempre o vidro, e não se quebra,
há o aço, o amianto, a lei,
há milícias inteiras protegendo o frango,
e há uma fome que vem do Canadá, um vento,
uma voz glacial, um sopro de inverno, uma folha
baila indecisa e pousa em teu ombro: mensagem pálida
que mal decifras
o cristal infrangível. Entre a mão e a fome,
os valos da lei, as léguas. Então te transformas
tu mesmo no grande frango assado que flutua
sobre todas as fomes, no ar; frango de ouro
e chama, comida geral, que tarda.

IV
O próprio ano novo tarda. E com ele as amadas.
No festim solitário teus dons se aguçam.
És espiritual e dançarino e fluido,
mas ninguém virá aqui saber como amas
com fervor de diamante e delicadeza de alva,
como, por tua mão a cabana se faz lua.

Mundo de neve e sal, de gramofones roucos
urrando longe o gozo de que não participas.
Mundo fechado, que aprisiona as amadas
e todo o desejo, na noite, de comunicação.

Teu palácio se esvai, lambe-te o sono,
ninguém te quis, todos possuem,
tudo buscaste dar, não te tomaram.
Então encaminhas no gelo e rondas o grito.

Mas não tens gula de festa, nem orgulho
nem ferida nem raiva nem malícia.
És o próprio ano-bom, que te deténs. A casa passa
correndo, os copos voam,
os corpos saltam rápido, as amadas
te procuram na noite… e não te vêem,
tu pequeno, tu simples, tu qualquer.

Ser tão sozinho em meio a tantos ombros,
andar aos mil num corpo só, franzino,
e ter braços enormes sobre as casas,
ter um pé em Guerrero e outro no Texas,
falar assim a chinês a maranhense,
a russo, a negro: ser um só, de todos,
sem palavra, sem filtro,
sem opala: há uma cidade em ti, que não sabemos.

V
Uma cega te ama. Os olhos abrem-se.
Não, não te ama. Um rico, em álcool,
é teu amigo e lúcido repele
tua riqueza. A confusão é nossa, que esquecemos
o que há de água, de sopro e de inocência
no fundo de cada um de nós, terrestres. Mas, ó mitos
que cultuamos, falsos: flores pardas,
anjos desleais, cofres redondos, arquejos
poéticos acadêmicos; convenções
do branco, azul e roxo; maquinismos,
telegramas em série, e fábricas e fábricas
e fábricas de lâmpadas, proibições, auroras.
Ficaste apenas um operário
comandado pela voz colérica do megafone.
És parafuso, gesto, esgar.
Recolho teus pedaços: ainda vibram,
lagarto mutilado.

Colo teus pedaços. Unidade
estranha é a tua, em mundo assim pulverizado.
E nós, que a cada passo nos cobrimos
e nos despimos e nos mascaramos,
mal retemos em ti o mesmo homem,

aprendiz
bombeiro
caixeiro
doceiro
emigrante
forçado
maquinista
noivo
patinador
soldado
músico
peregrino
artista de circo
marquês
marinheiro
carregador de piano

apenas sempre entretanto tu mesmo,
o que não está de acordo e é meigo,
o incapaz de propriedade, o pé
errante, a estrada
fugindo, o amigo
que desejaríamos reter
na chuva, no espelho, na memória
e todavia perdemos

VI
Já não penso em ti. Penso no ofício
a que te entregas. Estranho relojoeiro
cheiras a peça desmontada: as molas unem-se,
o tempo anda. És vidraceiro.
Varres a rua. Não importa
que o desejo de partir te roa; e a esquina
faça de ti outro homem; e a lógica
te afaste de seus frios privilégios.

Há o trabalho em ti, mas caprichoso,
mas benigno,
e dele surgem artes não burguesas,
produtos de ar e lágrimas, indumentos
que nos dão asa ou pétalas, e trens
e navios sem aço, onde os amigos
fazendo roda viajam pelo tempo,
livros se animam, quadros se conversam,
e tudo libertado se resolve
numa efusão de amor sem paga, e riso, e sol.

O ofício é o ofício
que assim te põe no meio de nós todos,
vagabundo entre dois horários; mão sabida
no bater, no cortar, no fiar, no rebocar,
o pé insiste em levar-te pelo mundo,
a mão pega a ferramenta: é uma navalha,
e ao compasso de Brahms fazes a barba
neste salão desmemoriado no centro do mundo oprimido
onde ao fim de tanto silêncio e oco te recobramos.

Foi bom que te calasses.
Meditavas na sombra das chaves,
das correntes, das roupas riscadas, das cercas de arame,
juntavas palavras duras, pedras, cimento, bombas, invectivas,
anotavas com lápis secreto a morte de mil, a boca sangrenta
de mil, os braços cruzados de mil.

E nada dizias. E um bolo, um engulho
formando-se. E as palavras subindo.
Ó palavras desmoralizadas, entretanto salvas, ditas de novo.
Poder da voz humana inventando novos vocábulos e dando sopros exaustos.
Dignidade da boca, aberta em ira justa e amor profundo,
crispação do ser humano, árvore irritada,
contra a miséria e a fúria dos ditadores,

ó Carlito, meu e nosso amigo, teus sapatos e teu bigode
caminham numa estrada de pó e de esperança


quarta-feira, 23 de dezembro de 2020

Uma análise em profundidade sobre o resultado das eleições na Bolívia 2020

 https://nuso.org/articulo/montana-rusa-boliviana/ 

Pablo Ortiz - dezembro 2020

Las elecciones bolivianas del 18 de octubre provocaron un vuelco político: después de su caída en 2019, el Movimiento al Socialismo (mas) se impuso de manera plebiscitaria con 55,11% de los votos y 26 puntos de diferencia sobre el segundo, el ex-presidente Carlos Mesa. Los resultados alimentaron diversos análisis sobre lo ocurrido, en medio de la sorpresa general por la magnitud de la victoria de Luis Arce Catacora. Luego del abandono del poder en desbandada, que incluyó el exilio del presidente Evo Morales, del vicepresidente Álvaro García Linera y de varios ministros –otros se refugiaron en la embajada mexicana en La Paz–, el mas comenzó un proceso de recomposición desde las bases y desde su propia bancada parlamentaria, que siguió controlando dos tercios del Congreso y mostró incluso una autonomía relativa frente a Morales, refugiado en Argentina. En paralelo, el gobierno de Jeanine Áñez mostraba sus dificultades para gobernar, en medio del «cisne negro» de la pandemia de covid-19. Finalmente, el «voto oculto» en favor del mas se impuso sobre el «voto útil» favorable a Mesa y provocó un giro de 180 grados en la política boliviana.

En esta entrevista, el periodista y analista político Pablo Ortiz, encargado de reportajes especiales en el diario El Deber de Santa Cruz de la Sierra, analiza los resultados y la nueva coyuntura, tanto a escala nacional como cruceña.

Para comenzar, la pregunta ineludible es cómo se explican los resultados del 18 de octubre y, sobre todo, el margen de triunfo del mas.

Lo primero que salta a la vista es que la propuesta de gobierno y de Estado del mas no estaba tan agotada como muchos creían. Probablemente lo que estaba agotado era el largo liderazgo de Evo Morales y su intención de quedarse en el poder más allá de lo que diga la Constitución. Es probable que los bolivianos hayan desarrollado durante todo este tiempo un apoyo a la institucionalidad y a las leyes más fuerte del que podía preverse, y esto sobrepasa incluso la probable popularidad que conserva Morales. La búsqueda de un mayor respeto a las reglas del juego democrático parece haber influido en la votación y en lo que pasó en 2019. En una de esas, la gente estaba más cansada de la imagen de Morales que de su gobierno, o de su proyecto estatal. Es probable que la diferencia de unos ocho puntos en favor de Arce respecto de Morales en 2019 se explique en gran medida por votantes del mas que el año pasado decidieron votar por el candidato de origen coreano Chi Hyun Chung, quien atrajo mucho voto evangélico en los nichos de votación del mas y obtuvo casi 9%. Pero la cuestión de todos modos es algo más compleja: si miramos la votación del mas en 2020, se ve que creció en todo el occidente del país respecto de 2019, incluso en municipios donde le fue relativamente mal a Arce en relación con el cómputo nacional, como Potosí o la ciudad de La Paz. Incluso en el municipio de Santa Cruz de la Sierra, donde el mas prácticamente fue expulsado del área urbana y perdió las circunscripciones uninominales que antes ganaba, hay una mejora en la votación respecto de 2019. Esto significa que gente que dejó de votar al mas el año pasado volvió a elegirlo en cierta proporción, y eso le dio mayor legitimidad y mayor fuerza a Luis Arce Catacora, incluso en relación con el personaje de Evo Morales. La pregunta es si eso será suficiente para blindarlo respecto de la porción enorme de poder que aún conserva el ex-presidente, quien demostró que no está jubilado y que aún conserva mucha popularidad a su regreso de Argentina. Veremos qué tipo de poder construye a su vez Arce y qué posibilidades tiene de aguantar los empujones de un caudillo –porque Evo Morales es un caudillo– que no se quedará quieto.

Algunos explican también parte de este repunte a partir de la figura de David Choquehuanca como referente de origen aymara que cuenta con cierta base en el Altiplano. El nuevo vicepresidente jugó un papel casi silencioso durante toda la campaña, pero con intervenciones puntuales que me parece que fueron claves para definir el voto de algunos indecisos, sobre todo el intento de diferenciar el nuevo gobierno del de Morales, de aceptar los errores de las pasadas gestiones y prometer un recambio incluso generacional. Y a eso se sumó algo que hizo Arce en los actos de cierre de campaña: prometer que solo se quedará en el poder los cinco años de su mandato. Después de un gobierno que duró 14 años y a la vista de la crisis política del año pasado, esto no es un detalle menor.

Pero para entender los resultados hay que ver también qué pasó con la oposición. No es que la oposición lo haya perdido todo. Más bien, si comparamos esta elección con las de 2009 y 2014, el bloque anti-mas logró un hito: evitar los dos tercios del mas en el Congreso para obligarlo a negociar ciertas cosas, como nombramientos judiciales, el defensor del pueblo, etc. También la oposición tendrá una fuerza regional bastante grande, dada su concentración del voto en el oriente boliviano, en lo que se conocía como la «media luna»1, quizás hoy una media luna menguante. Eso dibuja la polarización que tendrá que enfrentar el nuevo gobierno. El mas ya no podrá ser hegemónico como en el pasado reciente.


El problema es que la expectativa del gobierno de Jeanine Áñez era, esta vez, que sin el aparato del Estado el mas estaba condenado a salir de la escena, y leyó mal lo que representaba en términos de bloque étnico-social.

No creo que haya sido una mala lectura solo del gobierno de transición, fue también una muy mala lectura de todo el bloque anti-mas. Durante las movilizaciones de 2019 la gente comenzó a convencerse a sí misma de que los masistas eran pocos y de que fuera del gobierno ya no tendrían la menor fuerza, y se siguió pensando eso. El problema era que no había ningún dato empírico para sostener esa apuesta. De hecho, ya en medio de la pandemia, diferentes sectores sociales –cercanos al mas– pararon el país contra la decisión de postergar las elecciones y el gobierno no tenía la fuerza coercitiva ni siquiera para llevar oxígeno desde el oriente al occidente; no obstante, seguían con el discurso de que los movilizados eran unos pocos miles y de que 70% de los bolivianos condenaba al mas.

Para mí, la postergación de las elecciones fue una medida muy razonable, en medio de la pandemia de coronavirus; estaba muy bien que el Tribunal Supremo Electoral tomara en sus manos su condición de poder del Estado y cambiara la fecha. Lo que no estuvo bien fue no consultar a los poderes fácticos: ahí había un poder institucional controlado por el gobierno de Áñez, un poder remanente y debilitado encarnado en la Asamblea Legislativa Plurinacional, en manos del mas, y unas fuerzas sociales que reclamaban su espacio de poder, como los campesinos, sectores de la ciudad de El Alto, la Central Obrera Boliviana, en definitiva, sectores populares con fuerza de movilización. El gobierno de Áñez vio diluirse su capacidad de gestión durante la pandemia, e incluso su capacidad discursiva se vio duramente mellada. Existía la sensación de un desgobierno absoluto. Los sectores movilizados tenían la sospecha de que lo que quería el gobierno era que no hubiera elecciones, ya que estas podrían habilitar el regreso del mas al poder, como finalmente ocurrió. Otra vez, como sucedió muchas veces en Bolivia, los poderes fácticos entraron en colisión con los poderes constituidos. Pero, sobre todo en espacios urbanos y en las redes sociales, se seguía insistiendo, y muchos en efecto lo creían, que los masistas eran poquitos y que ganarles era posible incluso casi sin hacer campaña.

Eso parece haber afectado a Mesa y a Comunidad Ciudadana…

Si uno mira la campaña de Carlos Mesa, esta se basó casi únicamente en decir «vótenme a mí, yo soy el único que puede ganarle al mas». Algo parecido pasó en 2005 cuando Jorge «Tuto» Quiroga buscó transformar la primera vuelta en una especie de balotaje (una figura que no existía aún en la Constitución). El problema fue que, en efecto, eso fue lo que ocurrió, pero el que ganó de manera plebiscitaria fue Evo Morales, con casi 54% de los votos. Lo mismo ocurrió esta vez. Se trató de forzar la polarización, pero sin tomar en cuenta que esta siempre favoreció al mas. Además, Arce Catacora fue el único candidato que puso la crisis económica en el centro de su discurso, aprovechando su experiencia de 12 años al frente del Ministerio de Economía. La marca de la campaña de Arce –a diferencia de Comunidad Ciudadana y Creemos– fue la crisis y el discurso de «nosotros como los únicos que podemos sacar a Bolivia de la crisis». Es interesante, como indicio de lo que podría suceder, que cuando se le preguntaba a la gente en las encuestas cuál de los candidatos podía resolver mejor la crisis económica, Arce encabezaba las respuestas con mucha ventaja respecto de Mesa y Luis Fernando Camacho. El segundo era «Tuto» Quiroga, que también tenía un discurso anticrisis, desde la derecha, pero sin estructura política –de hecho, terminó por declinar su candidatura–. Los propios políticos hicieron desaparecer la pandemia de la agenda pública, y lo que aparecía como preocupación número uno del electorado era la crisis económica. Y en ese terreno Arce tenía el discurso adecuado para ganar las elecciones.

En segundo lugar, la buena estrategia de Camacho le impidió seguir el destino de Oscar Ortiz –el candidato cruceño en 2019–, cuyo caudal electoral terminó casi pulverizado por el voto útil en favor de Mesa, que lo dejó por debajo del 5%. Camacho también cayó hasta el 6%, pero luego, con el cambio de fecha y una campaña muy corta que lo benefició, pudo recomponerse. Ya no se hablaba solo de Arce y Mesa sino también de Camacho; de hecho, con un show bastante pirotécnico, el dirigente cruceño logró ser parte de la elección. Es cierto que quedó en 14%, pero logró un voto territorial muy importante en Santa Cruz (45%) y tiene la posibilidad de ser la cabeza de la oposición gracias a su capacidad de movilización. No sabemos si Mesa puede convocar gente; Camacho, sí. Y además, puede ir acumulando poder con las próximas elecciones subnacionales, en las que podría ser candidato a gobernador o alcalde de Santa Cruz. No hay que olvidar que la Alcaldía de Santa Cruz de la Sierra tiene uno de los mayores presupuestos de Bolivia.

Camacho surge como presidente del Comité Cívico de Santa Cruz2 y asume un papel nacional en la crisis y las protestas de 2019. En un momento apareció como un outsider también en el liderazgo cruceño, frente a la dirigencia más tradicional, con un discurso conservador, y luego de manera bastante oportunista pareció abrazar la Biblia y la religión. ¿Cómo sintetizaría su perfil?

Yo creo que su primera característica es, en efecto, la del outsider: él encarna la disrupción de lo establecido. Así empezó en el Comité Cívico como vicepresidente; era el que tomaba la voz de los jóvenes más radicalizados, a punto tal de entrar pateando la puerta y obligar a convocar a un paro cívico contra Evo Morales que los líderes del Comité de ese momento no querían impulsar. Hay que recordar que los gremios empresariales cruceños se entendieron muy bien con Morales, sobre todo después de 2010. Camacho volvió a posicionar al Comité como la principal cabeza de la oposición regional contra el gobierno del mas. Desde ahí llegó a ocupar su presidencia y fue midiendo cada paso hasta que encontró su momento y lideró las protestas de los 21 días contra la reelección de Morales, terminando con el desfile triunfal en La Paz, desde una camioneta policial, tras la renuncia del presidente, con vítores sobre todo en la zona sur paceña. Mientras la consigna fue deshacerse de Morales, Camacho fue un líder apto en el nivel nacional. El discurso religioso se fue metiendo de manera más o menos espontánea: en el masivo cabildo del 4 de octubre de 2019, un pastor evangélico subió al palco a hacer una plegaria y la gente lo siguió. A partir de eso, la Biblia y los rezos se trasformaron en la identidad de combate de Camacho, y se mantienen hasta ahora. Y así fue construyendo una amalgama entre el outsider y el conservador en clave religiosa en línea con otros fenómenos en la región. Pero eso se acaba, uno no puede ser outsider toda la vida. Camacho ya es parte del sistema político: tendrá parlamentarios y va a participar en las próximas elecciones regionales. Veremos qué es lo que pasa y cuál va a ser su desarrollo tanto programático como partidario. Camacho creció al galope del discurso populista antiestablishment por un lado, y por el otro, con una retórica que enfatiza que él es el «verdadero representante» de Santa Cruz, que va a llevar el «modelo cruceño»3 al espacio nacional. Pero ahora va a tener que ponerle contenido a ese discurso de «yo soy Santa Cruz» y tendrá que romper prejuicios del resto del país hacia los cruceños, tanto políticos como identitarios. No hay que olvidar que hasta el momento no ha surgido el por muchos ansiado «postmasismo». En su favor tiene un cuaderno en blanco para llenarlo de contenido durante cinco años y la posibilidad de construir poder regional. Su riesgo es no encontrar un modelo alternativo al del mas que convenza al país.

Es interesante que Camacho haya buscado en las elecciones repetir su alianza con Marco Pumari, ex-presidente del Comité Cívico Potosinista, que en noviembre del año pasado le permitió construir puentes entre Santa Cruz y la Bolivia andina. Sin embargo, lo que funcionó para masificar las movilizaciones fue un fracaso en el plano electoral: menos de 1% en La Paz y menos de 3% en Potosí, pese a tener a Pumari como candidato a vice.

Efectivamente, eso funcionó en noviembre, pero al momento de votar los habitantes del occidente boliviano no lo harían por un cruceño. Hay aún mucha resistencia a la posibilidad de que un cruceño vuelva a dirigir el Estado. No olvidemos que en los 200 años de historia de Bolivia solo hubo tres presidentes cruceños4 y, en general, no fueron elegidos en las urnas, salvo en el segundo mandato del general Hugo Banzer, pese al creciente peso económico y demográfico de Santa Cruz.

¿Cree que Camacho podría apostar a un conflicto de tipo «catalán», que tensione el estatus de Santa Cruz en Bolivia?

No lo creo, por dos motivos. La única vez que un discurso que proponía revisar la relación de la región con la nación boliviana se refrendó en elecciones fue en 2006, con el grupo Nación Camba, y no logró ni un solo representante; su votación fue absolutamente marginal. Eso habla del poco arraigo popular que tendría una idea de separarse del país. No es algo que de frente dé resultados. No sé por detrás, pero en el plano electoral el asunto aún es vergonzante. Por otro lado, durante todo el gobierno del mas, justamente por ese mote de separatismo y regionalismo esgrimido contra la oposición cruceña, se terminó creando un vínculo mayor con lo nacional. Si miramos por ejemplo las movilizaciones, se ven muchas más banderas bolivianas que antes, no solamente cruceñas, o se canta el himno nacional. Es decir, se trata de demostrar que los cruceños somos parte del país; sigue habiendo gente con actitudes racistas y que no se considera parte de Bolivia, sin duda, pero son sectores muy minoritarios.

No sé si la polarización va a exacerbar este tipo de cosas, pero no parece tener masa crítica de momento. Tampoco las protestas que sucedieron después de las elecciones y que denuncian «fraude» son tan masivas como las del año pasado, ni tienen la misma energía. No hay una idea generalizada de que haya habido fraude y no hay una disposición institucional para denunciar alteraciones en la votación. La cuestión es que en Santa Cruz está también en disputa el poder local. Por primera vez veremos una situación en la que tendremos tres partidos (Demócratas, Creemos y Santa Cruz Somos Todos) luchando por la «ideología cruceñista», esta ideología regionalista y muy identitaria que ha dominado la región durante las últimas dos décadas. En anteriores elecciones, había una especie de loteamiento del voto cruceñista en el que unos se ocupaban de la gobernación, los otros de la Alcaldía de Santa Cruz, y no competían entre sí. Existían alianzas no escritas dentro de la competencia política regional. Pero hoy esos tres nichos se van a enfrentar por el poder local con el mas, llamémoslo así, como un observador oportunista. El mas podría aprovecharse de estas divisiones. No olvidemos que en casi todas las elecciones este partido estuvo encima de 30% de los votos en la región; en la última llegó a 36%.

Volviendo al mas, podemos observar cierta mística que había perdido en 2019 cuando la campaña fue demasiado gris y burocrática, basada en el uso de la infraestructura estatal. ¿Cuánto pesó eso en los resultados?

La del año pasado fue una campaña de derroche. Llegaba Evo Morales con su avión, pero también con un montón de ómnibus con gente, etc. Las tarimas ya eran casi para espectáculos públicos. Era un mas «aburguesado», podríamos decir, con unas alianzas que entraban en tensión con los orígenes de esa fuerza, incluso en sus candidaturas. Alguna vez el vicepresidente Álvaro García Linera había hablado de «incluir a los derrotados» para construir hegemonía, y en un momento parecía como si los derrotados hubieran copado las candidaturas, sobre todo del oriente boliviano. En la última elección, el mas se sintió muy inseguro en los centros de las ciudades e hizo la campaña en los márgenes, recuperó la mística, y en lugar de tarimas con oradores que hablaban durante horas, Arce Catacora organizó caminatas por los barrios más alejados de las ciudades. No se acercó, por a militar y después como autoridad constitucional).

domingo, 20 de dezembro de 2020

China 2020: safra de 670 milhões de toneladas de grãos; produção de soja tem crescimento mais rápido

 Reserva de grãos chinesa atinge recorde histórico com colheita de 670 milhões de toneladas em 2020, alta de 0,9% interanual  O rendimento total chega a 670 milhões de toneladas; produção de soja vê crescimento mais rápido

A China teve outra boa safra de grãos em 2020, com um aumento de 0,9 por cento na produção anual, de acordo com dados divulgados pelo National Bureau of Statistics na quinta-feira.

A produção total de grãos, incluindo arroz, trigo, milho e soja, atingiu 670 milhões de toneladas métricas este ano, marcando o sexto ano consecutivo com uma produção de grãos de mais de 650 milhões de toneladas, disse a agência.

De todas as principais safras, a soja teve o aumento mais rápido na produção este ano - 8,3 por cento ano a ano, com uma produção total de quase 20 milhões de toneladas.

A soja é um importante produto agrícola do qual a China depende de importações para atender à demanda doméstica, com 85% da soja consumida internamente importada no ano passado, de acordo com o Ministério da Agricultura e Assuntos Rurais.

Entre outros grãos importantes, a produção de arroz atingiu 212 milhões de toneladas, um aumento de 1,1 por cento em comparação com o ano passado, enquanto a produção de trigo aumentou 0,5 por cento, para 134 milhões de toneladas, de acordo com o bureau.

A segurança alimentar tem sido uma prioridade na China há anos, dada a grande demanda do país gerada por sua enorme população. O país alcançou autossuficiência no fornecimento dos principais grãos após décadas de esforços.

A China é hoje o maior produtor de grãos do mundo, e a oferta per capita de grãos na China atingiu 470 quilos no ano passado, acima do padrão internacional de 400 quilos para segurança alimentar.

De todas as 31 províncias, regiões autônomas e municípios do continente chinês, 26 registraram aumentos na produção de grãos este ano, disse Li Suoqiang, chefe de assuntos rurais da agência, acrescentando que uma boa colheita este ano contribuirá muito para a estabilidade econômica geral e desenvolvimento Social.

“Conseguimos outra boa safra de grãos este ano. Isso forneceu uma base sólida para a China lidar com um ambiente doméstico e internacional complexo e flutuante e superar todos os tipos de riscos e desafios”, disse ele.

Com grandes safras consecutivas, as reservas de grãos também atingiram um recorde histórico. Estima-se que os estoques dos principais grãos da China possam atender à demanda de toda a população por mais de um ano, disse Qin Yuyun, chefe de reservas de grãos da Administração Nacional de Alimentos e Reservas Estratégicas, em entrevista coletiva na semana passada.

Li, do National Bureau of Statistics, disse que os governos locais em toda a China aumentaram o apoio à produção de grãos e divulgaram várias medidas este ano que resultaram em maior entusiasmo entre os agricultores para cultivar grãos e um aumento de 0,6 por cento ano a ano na área total de cultivo para grãos.

Enquanto isso, um clima favorável na maior parte da China neste ano também contribuiu para o crescimento da produção de grãos. Em certas partes atingidas por desastres naturais, como enchentes e tufões, esforços intensificados foram mobilizados para aliviar seu impacto negativo, disse ele.

sábado, 12 de dezembro de 2020

A grande transformação - Polanyi - resenha

 http://professor-ruas.yolasite.com/resources/Resenha_a%20grande%20transforma%C3%A7%C3%A3o_762-2777-1-PB.pdf

quarta-feira, 9 de dezembro de 2020

Agronegócio pagou apenas R$ 16,3 mil em imposto de exportação durante todo 2019

 

Agronegócio pagou apenas R$ 16,3 mil em imposto de exportação durante todo 2019

Artigo mostra como benefícios estatais sustentam a indústria de agrotóxicos e o modelo agroexportador

Brasil de Fato | São Paulo (SP) |
 

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Cerca de 80% do agrotóxico consumido no país destina-se para apenas quatro culturas: soja [foto], cana de açúcar, milho e algodão - Arquivo / Agência Brasil

Todas as vendas de produtos do agronegócio para fora do Brasil em 2019 renderam aos cofres públicos apenas R$ 16,3 mil em imposto de exportação. A cifra representa 0,000003% do valor total das vendas, ou seja, o Estado brasileiro arrecadou um centavo em imposto de exportação a cada R$ 323 mil faturados. A alíquota oficial é 30% – a mesma aplicada na Argentina, por exemplo –, mas a legislação permite que o governo altere o percentual tributado para estimular setores específicos da economia.

Esse e outros dados reveladores sobre o modelo agroexportador foram reunidos no artigo Agrotóxicos, capital financeiro e isenções tributárias, escrito por Marcelo Carneiro Novaes e Thomaz Ferreira Jensen. O texto é um dos 38 que compõem o livro Direitos Humanos no Brasil 2020lançado nesta segunda-feira (7) pelo Movimento Humanos Direitos e pela Rede Social de Justiça e Direitos Humanos. 

Novaes é advogado, membro da Defensoria Pública do Estado de São Paulo e do Fórum Paulista de Combate aos Impactos dos Agrotóxicos e Transgênicos. Jensen é economista, assessor sindical e membro da Rede Social de Justiça e Direitos Humanos e da Associação Brasileira de Reforma Agrária (Abra). 

O presidente Jair Bolsonaro (sem partido) e sua família são defensores ferrenhos das isenções fiscais e dos subsídios estatais ao agronegócio. Em novembro, quando o governo de São Paulo retirou a isenção de Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) sobre alguns insumos agrícolas para 2021, as redes sociais bolsonaristas, incluindo dois dos filhos do presidente, se referiram ao governador de São Paulo, João Doria (PSDB), como "inimigo do agronegócio" e "inimigo da nação."

Adubos e fertilizantes, milho em grão, farelo de soja, sementes, produtos veterinários, agrotóxicos e rações são alguns dos itens que hoje são isentos e sobre os quais passará a incidir taxa de 4,14% no estado. O artigo de Novaes e Jensen não menciona essa medida específica, mas deixa claro que mudanças pontuais não alteram a lógica de "agro-dependência".

Leia também: Como o MST se propõe a enfrentar o agronegócio plantando soja orgânica

Indústria do veneno

"Não há crise de governança em matéria de agrotóxicos. Trata-se da consecução de uma política estrategicamente pensada e aplicada, direcionada para o fomento do agronegócio, um dos eixos fundamentais do modelo de reprodução do capitalismo rentista e especializado na exportação de bens primários, com baixíssimo valor agregado", diz o texto, acrescentando que cerca de 80% do agrotóxico consumido no país destina-se para apenas quatro culturas: soja, cana de açúcar, milho e algodão.

Os autores ressaltam que o mercado de fabricação de agrotóxicos é oligopolizado por empresas estrangeiras e movimenta, em média, US$ 10 bilhões – mais de R$ 55 bilhões – anualmente no Brasil. 

As indústrias do setor desoneram-se integralmente do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), do Programa de Integração Social e da Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (PIS/COFINS). Além disso, são beneficiadas por desoneração parcial de ICMS.

"Chega-se, assim, a [...] um subsídio tributário direto de uma quantia próxima a US$ 3 bilhões por ano, correspondente a 30% das vendas do setor, o que está em consonância com a carga tributária vigente no país, que beira os 35%", concluem os autores.

Os agrotóxicos são considerados insumos para atividade agrícola, assim como os fertilizantes, sementes, aviões e maquinário. Por isso, o gasto com a sua aquisição é abatido integralmente nos tributos sobre a renda, o que os autores chamam de "subsídio indireto."

Relembre: Venda de agrotóxicos altamente perigosos é mais intensa em países pobres, diz estudo

Financeirização

Cerca de 90% dos agrotóxicos são vendidos diretamente a grandes e médios produtores rurais.

"Troca-se o 'pacote tecnológico', composto por sementes e agrotóxicos, por parte da produção futura", descreve o texto, em uma operação complexa que classificam como escambo.

"O produtor rural emite um título de crédito que é repassado às indústrias e aos outros agentes da cadeia de financiamento, tais como bancos, securitizadoras, serviços de estocagem e comercialização externa (tradings), gerando novos títulos de crédito em cada fase da operação, que é finalizada, no mais das vezes, com um contrato de hedge para 'trancar o preço futuro'."

"Trata-se de uma operação estruturada e complexa que envolve, numa perspectiva contida, a emissão de cinco títulos creditícios (existem mais de vinte à disposição dos operadores), calculados com o valor-base da venda. São US$ 9 bilhões comercializados mediante 'escambo', com a operação lastreada em cinco títulos, no mínimo. Isso representa US$ 45 bilhões que alimentam o sistema financeiro e a circulação da riqueza-capital", completam os autores.

Os títulos de crédito do agronegócio, em sua grande maioria, são isentos de Imposto sobre Operações Financeiras (IOF), cuja alíquota é de 0,38%, além de Imposto de Renda incidente sobre o lucro da operação. O montante poderia chegar a US$ 1 bilhão ao ano.

Leia mais: Mesmo com pandemia, governo Bolsonaro já liberou 150 novos agrotóxicos este ano

Agro-dependência

O artigo reúne ainda dados que mostram a baixa participação do agronegócio nas receitas públicas.

Em 2019, a União arrecadou, excetuadas as contribuições previdenciárias, R$ 1,04 trilhão de reais, sendo que o setor da Agricultura, Pecuária e Serviços Relacionados contribuiu com apenas 0,27% dessas receitas. 

Em São Paulo, a participação da agricultura e pecuária na receita do ICMS não passa de 0,1% do total. O texto mostra ainda que o estado concede ao setor agroexportador subsídios que representam mais que toda a economia estimada com a reforma da Previdência do Servidor Público paulista e com a venda de empresas e fundações públicas em dez anos.

Na conclusão do artigo, os autores defendem que a financeirização do capital investido no agronegócio e as "absurdas benesses tributárias" concedidas pelo Estado brasileiro evidenciam a necessidade de se atacar o problema da agro-dependência em sua totalidade, tendo em vista um projeto de Nação com soberania popular e alimentar.

Marcelo Carneiro Novaes e Thomaz Ferreira Jensen ressaltam, entre outras medidas, a urgência de revogação da Lei Kandir, que veda a tributação de ICMS incidente sobre as operações de exportação de bens primários e semi-processados, e uma "tributação agressiva sobre as atividades rentísticas do mercado financeiro e dos grandes complexos agroindustriais."

O vídeo do lançamento do livro Direitos Humanos no Brasil 2020 estará disponível no canal da TVT no Youtube a partir desta terça-feira (8).