No Brasil republicano, em especial (mas não somente) durante a ditadura militar de 1964-85, a censura imperou em todos os meios de comunicação. Antes, na maior parte do período colonial, o Brasil sequer podia ter uma gráfica. Mas, contra esses fatos, sempre houve o contraponto – revolucionários e intelectuais que chegaram a dar a própria vida na luta pela liberdade.
No Brasil, a Comissão da Verdade está começando a fazer seu trabalho na investigação à tortura e violação dos direitos humanos. Já de algum tempo, alguns estudiosos fizeram levantamentos sobre a censura no cinema, na música, no teatro, no rádio e na televisão.
Em dezembro do ano passado, a Edusp/Fapesp lançou Repressão e Resistência: Censura de Livros na Ditadura Militar, de Sandra Reimão, analisando este setor específico de comunicação.
A autora constatou, na documentação que encontrou de uma lista de quase 500 livros, de ficção ou não, submetidos ao Departamento de Censura e Diversões Pública da ditadura, que cerca de 140 eram de autores nacionais, dos quais 70 foram proibidos. Ela considerou mais emblemáticas a censura aos romances e contos Feliz Ano Novo, de Rubem Fonseca; Zero, de Inácio de Loyola Brandão; Dez Estórias Imorais, de Aguinaldo Silva; Em Câmara Lenta, de Renato Tapajós; Mister Curitiba, de Dalton Trevisan; e O Cobrador, de Rubem Fonseca. Dos estudos e análises proibidos pelos ditadores, ela destacou O Mundo do Socialismo, de Caio Prado Jr.; A Universidade Necessária, de Darcy Ribeiro; A Mulher na Construção do Mundo Futuro, de Rose Marie Muraro; O Despertar da Revolução Brasileira, de Márcio Moreira Alves; História Militar do Brasil, de Nelson Werneck Sodré; e O Poder Jovem, de Arthur José Poerner.
Não apenas obras, mas também editoras foram fechadas ou perseguidas pelos militares. Logo no dia 3 de abril de 1964, os golpistas fecharam a Editorial Vitória, do Partido Comunista Brasileiro, PCB. Em entrevista ao Jornal da ABI, edição de maio de 2012, Sandra disse que, do golpe até o Ato Institucional número 5, de dezembro de 1968, “a censura a livros no Brasil foi marcada por uma atuação confusa e multifacetada e pela ausência de critérios, mesclando batidas policiais, apreensões, confiscos e coerção física”.
Em 26 de janeiro de 1970, os ditadores baixaram o Decreto-Lei 1.077, assinado pelo general Emílio G. MédIci e pelo ministro Alfredo Buzaid, considerando que a Constituição não tolerava “publicações e exteriorizações contrárias à moral e aos costumes” e que era necessário “proteger a instituição da família, preserva-lhe os valores éticos e assegurar a formação sadia e digna da mocidade”. Os donos do poder vituperavam “algumas revistas” que faziam “publicações obscenas” e programas de televisão “contrários à moral e aos bons costumes”. Atacavam também livros que ofendiam “frontalmente à moral comum”, insinuavam “o amor livre”, assim ameaçando “destruir os valores morais da sociedade brasileira”. Por trás de tais obras estava “um plano subversivo, que põe em risco a segurança nacional”. Era ordenado, então, que o Departamento de Polícia Federal não tolerasse “as publicações e exteriorizações contrárias à moral e aos bons costumes quaisquer que sejam os meios de comunicação”. Para isso, a polícia ficava incumbida de “verificar, quando julgar necessário, antes da divulgação de livros e periódicos, a existência de matéria” que fosse “ofensiva à moral e aos bons costumes”. Publicações vindas do estrangeiro também ficavam sujeitas à verificação. Os infratores, além da responsabilidade criminal, ainda seriam multados e obrigados a queimar os exemplares da publicação.
A pesquisadora diz que os censores faziam “uma correlação clara entre a destruição dos valores morais e a segurança nacional”. Devido ao protesto de escritores como Jorge Amado e Érico Veríssimo, os governantes liberaram de avaliação prévia as obras “de caráter estritamente filosófico, científico, técnico e didático, bem como as que não versarem sobre temas referentes a sexo, moralidade pública e bons costumes”. No entanto, continuaram perseguindo autores e editores, prendendo-os ou impossibilitando a continuidade das empresas editoriais, valendo-se da pressão econômica, como fizeram com Ênio Silveira e sua Editora Civilização Brasileira, que será assunto do próximo artigo.
Carlos Pompe
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