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sexta-feira, 23 de agosto de 2024
Jacob Burckhardt
Jacob Burckhardt no pensamento de Nietzsche
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O presente trabalho procura evidenciar a relação existente
entre Nietzsche e o historiador Jacob Burckhardt acerca de suas
considerações no que concerne a “utilidade e desvantagem da história
para a vida”. Em Reflexões sobre a história, Burckhardt disserta sobre
temas como o determinismo histórico, a relação entre história e arte, o
progresso e a grandeza humana. Estes temas foram bastante
apreciados por Nietzsche em sua Segunda Consideração Intempestiva
e recorrente em toda sua obra posterior.
...
Segundo Peter Burke, a concepção burckhardtiana de
história era totalmente divergente da maioria dos seus
contemporâneos. Burckhardt rejeitava tanto o hegelianismo quanto o
positivismo que atribuía à história o caráter de ciência no sentido
moderno. Sobre a filosofia da história hegeliana, ensinava aos seus
alunos que suas aulas sobre o estudo da história estavam dissociadas
de “qualquer filosofia da história”. Sendo para ele, tal filosofia um
contra-senso, uma vez que a história era a-filosófica e a filosofia ahistórica (BURKE, 2009, p. 19-20). Ou seja, em filosofia não há
historicidade, no sentido do pensamento ser sempre permanente, e em
história não há filosofia no sentido de não existir nela uma filosofia da
história aos moldes do hegelianismo.
Quanto à ideia de uma história aos moldes da ciência
moderna, Burckhardt discordava, pois para ele a história deveria ser
vista como uma arte. A história era uma modalidade literária
equivalente à poesia, pois era uma arte produzida para agradar o
espírito. Por isso, procurava no passado aquilo que de mais
interessante este pudesse lhe oferecer. Não gostava de acumular fatos,
pois para ele, os fatos necessários ao homem são aqueles que
traduzem uma ideia de grandeza ou que marcaram de forma
extraordinária uma época (BURKE, 2009, p. 19-20). A história para
Burckhardt, assim como para Nietzsche, deveria ser caracterizada por
uma força magistral que estivesse a serviço da vida e que fosse capaz
de gerar grandes homens.
A análise da Segunda Consideração Intempestiva: da
utilidade e desvantagem da história para a vida e das aulas proferida
por Burckhardt em Basiléia, mais tarde editada com o título Reflexões
sobre a história, permite-nos observar a influência de Burckhardt no
pensamento de Nietzsche, sobretudo, no que concerne a pontos chaves
como: a ideia de grandeza, a inexistência de grandes homens na
modernidade, a influência da arte no processo de criação e as críticas
ao historicismo e ao progresso da história. São os temas proferidos por
Burckhardt em suas aulas que fizeram o jovem Nietzsche ruminá-las e
comentá-las a sua maneira ao falar da utilidade e dos inconvenientes
da história para a vida.
A filosofia da história e o seu progresso
Mesmo sendo de uma época em que a filosofia da história e
o cientificismo histórico estavam em alta, Burckhardt esteve pouco a
vontade com tais acontecimentos. Em sua obra póstuma Reflexões
Sobre a História, editado a partir dos escritos para as suas aulas em
Basiléia, Burckhardt descreve a filosofia da história com as seguintes
palavras:
No concernente às qualidades características da
filosofia histórica vigente até agora, cumpre-nos
observar que ela seguia a História e fornecia-nos
visões longitudinais dos acontecimentos, em outras
palavras: ela seguia um critério cronológico. Desta
maneira tentava elaborar um programa geral da
evolução mundial, na maioria das vezes sob um
ponto de vista extremamente otimista
(BURCKHARDT, 1961, p. 10-11).
Segundo Burckhardt, Hegel afirmara a razão como o único
pensamento acrescentado pela filosofia a comandar o mundo.
Concluía-se deste pensamento que o resultado da história universal
deveria ser o reconhecimento de um processo evolutivo do Espírito
em todo o mundo. Hegel desenvolveu a ideia segundo a qual, a
história universal seria formada a partir de um processo evolutivo do
espírito que chega a consciência plena de sua própria significação.
Dessa forma, seria possível perceber um progresso que tinha como
finalidade, levar a história ao processo de liberdade através dos
tempos; pois no Oriente, a liberdade pertencia a um só, o rei, na
Grécia clássica, a poucos, os cidadãos, e, nos tempos modernos, a
todos, pois todos se tornaram livres. (NÓBREGA, 2007, p. 70).
Entretanto, a ironia de Burckhardt se faz presente ao
afirmar que “não fomos iniciados nos desígnios da sabedoria eterna e,
portanto não os conhecemos. Esta audaz antecipação de um plano
mundial conduz a erros por partir de premissas errôneas”
(BURCKHARDT, 1961, p. 11). Para Burckhardt, a ideia de um
Espírito Absoluto determinando a história universal, não passa de
premissas equivocadas que não são capazes de convencer por si só.
Este era para ele, o perigo de toda e qualquer filosofia da história cuja
estrutura estivesse posta cronologicamente: degenerar-se em uma
visão universal da história desconsiderando suas particularidades,
como se a história fosse sempre homogênea e limitada aos
acontecimentos em torno do Estado.
Assim como Nietzsche, Burckhardt acreditava que a
história estava em constante reativação. Por isso, não existia retas que
a conduzisse para um bem ou para um mal. Consequentemente, não
havia um fim determinando a história, pois ela se auto-regula sem que
haja a presença de leis externas que a determine. Para Lima:
Burckhardt descrê que a história tenha leis ou esteja
investida de um fim, mas, para ele, tampouco se
confunde com uma arena em que se entredevoram
lobos que falam. Em vez de ser isso ou aquilo, a
História é a residência de um animal contraditório,
capaz de atrocidades, de promover e de suportar
dores incríveis e de criação (LIMA, 2003, p. 14.).
Segundo Burckhardt, “ao passo que os filósofos da história
estão presos à especulação em torno às origens e devem, portanto,
falar também do futuro, nós podemos dispensar essa teoria das
origens, desligando-nos também, consequentemente das teorias finais,
da escatologia” (BURCKHARDT, 1961, p. 12). Por conseguinte, seu
interesse parece não ter sido o da especulação relacionada a uma
determinada filosofia da história. Sua motivação maior foi analisar o
ser humano a partir de suas atribuições diárias, “tal como ele é,
sempre foi e será”. Este aspecto do pensamento de Burckhardt foi de
perto acompanhado pelo jovem Nietzsche que fez de sua Segunda
Consideração Intempestiva um verdadeiro campo de batalha contra a
cientificidade da história e o hegelianismo que com sua filosofia da
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