Artigos, ensaios, pesquisas de interesse geral - política, cultura, sociedade, economia, filosofia, epistemologia - que merecem registro
terça-feira, 15 de abril de 2025
COMUNIDADE SOCIEDADE BIBLIO E MAIS BBB
Comunidade e sociedade: conceito e utopia
LMB de Albuquerque - Raízes: Revista de Ciências Sociais e Econômicas, 1999
https://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/2/2136/tde-07052010-084701/pt-br.php
A presente dissertação analisa o papel da Justiça Restaurativa na atualidade, tratando de situar o seu lugar no debate sociológico, inaugurado por Ferdinand Tönnies, que identifica na comunidade e na sociedade duas formas de sociabilidade distintas. A hipótese de que partimos é a de que, a despeito de ser celebrada como uma panacéia para os males do sistema de justiça criminal tradicional, a Justiça Restaurativa, por evocar um ideal de comunidade de difícil materialização nos dias de hoje, talvez não seja apropriada no contexto das sociedades modernas. Para verificá-la, empreendemos uma revisão da literatura que examina as características e as conseqüências sociais do processo de modernização, com foco nas obras de Anthony Giddens e Zygmunt Bauman. A partir delas, oferecemos um diagnóstico que retrata como a transição de uma modernidade simples para uma modernidade reflexiva acirrou, nas últimas décadas, a sensação de insegurança e transformou o ideal comunitário, que anima a Justiça Restaurativa, em um refúgio para a inconstância da vida moderna. A seguir, descrevemos o desenvolvimento teórico e prático da Justiça Restaurativa e, com o fim de verificar nossa hipótese empiricamente, realizamos um estudo de caso, examinando em profundidade dois conflitos encaminhados ao Programa-Piloto de Justiça Restaurativa dos Juizados Especiais Criminais do Núcleo Bandeirante, localizado nos arredores de Brasília, no Distrito Federal. Concluímos, enfim, que a Justiça Restaurativa, por mobilizar emoções íntimas, funciona bem quando aplicada a conflitos penais protagonizados por pessoas próximas, vinculadas por laços de tipo comunitário. No entanto, quando se trata de conflitos envolvendo estranhos, típicos da modernidade, a estratégia restaurativa tende a ser mal-sucedida. Portanto, do mesmo modo que, no presente, a comunidade é incapaz de substituir a sociedade, uma Justiça Restaurativa atrelada a ideais comunitários não será capaz de alterar significativamente o esquema de funcionamento de um sistema de justiça criminal criado de acordo com as particularidades das sociedades modernas.
Comunidade, sociedade e sociabilidade: revisitando Ferdinand Tönnies
C Brancaleone - Revista de Ciências Sociais: RCS, 2008
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[PDF] unirioja.es
[PDF] Tão próximos, tão distantes: a Justiça Restaurativa entre comunidade e sociedade
JC Benedetti - 2009
MAIS SOCIEDADE E COMUNIDADE
Comunidade e Sociedade
Em uma sociedade os indivíduos se aglutinam de forma impessoal, enquanto que em uma comunidade os integrantes possuem relações mais conectadas e próximas.
Os integrantes de uma comunidade se aproximam uns dos outros ao se diferenciarem do restante da sociedade
Os integrantes de uma comunidade se aproximam uns dos outros ao se diferenciarem do restante da sociedade
Nossa convivência em meio a outros indivíduos é tão complexa a ponto de existir uma área do conhecimento dedicada a estudá-la e a entendê-la: as ciências sociais. Um dos “objetos” mais complicados sobre a qual a sociologia se debruça é a sociedade, que se define pela sua diversidade e dinâmica das relações dos sujeitos que a constituem. Ao falarmos que uma sociedade se define por sua diversidade e dinâmica estabelecemos que os indivíduos que a constituem, você e a maioria dos que habitam a sua rede de convivência direta e indireta, compartilhando um conjunto de regras normativas e de valores específicos que servem para mediar o processo de relação entre esses sujeitos e os possíveis conflitos que invariavelmente surgirão, estabelecemos que uma sociedade é constituída de forma impessoal entre os que a integram e que, salvo exceções, privilegiarão suas vontades individuais.
Entretanto, não seria correto afirmarmos que uma sociedade se constitui apenas por indivíduos sem qualquer tipo de ligação pessoal, seja por afinidade ou por necessidade. Todos nós acabamos por nos tornar parte de grupos que possuem contato mais próximo à nossa realidade diária, com os quais dividimos interesses, objetivos e similaridades de ideias e condições, sejam econômicas ou de posição social. A esses grupos denominamos comunidades.
O que caracteriza as comunidades?
Em seu modelo ideal (definição fechada do que um objeto seria, sem levar em consideração as possíveis interferências das infinitas variáveis que poderiam transformar o objeto de um ou de outro jeito), a comunidade é definida por Robert Redfield como sendo:
Um agrupamento distinto de outros agrupamentos humanos, sendo “visível onde uma comunidade começa e onde ela acaba”;
Pequena, a ponto de seus limites estarem sempre ao alcance da visão daqueles que a integram;
Autossuficiente, “de modo que atenda a todas às necessidades e ofereça as atividades necessárias para as pessoas que fazem parte dela.” Independente dos que estão de fora.
Embora as definições de Redfield sejam referentes às formas que tomavam as comunidades principalmente agrárias, que ainda sobrevivem hoje em alguma medida, e as anteriores à nossa modernidade pós revolução industrial, é possível traçar uma referência ao nosso convívio moderno e nas formas que uma comunidade toma em nossa realidade.
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Comunidade e modernidade
Trata-se então de não apenas um corpo ou um objeto, mas também de uma construção ideológica que se baseia na necessidade individual da segurança, do conforto, da familiaridade e do sentimento de pertencimento, de que fazemos parte de algo maior que nossa individualidade, da delimitação do “Nós” (o familiar) e dos “outros” (o estranho). Nesse ponto, o autor Zygmund Bauman nos esclarece: “pertencer a uma comunidade significa renegar parte de nossa individualidade em nome de uma estrutura montada para satisfazer nossas necessidades de intimidade e da construção de uma “identidade”.”
Como um círculo fechado, a comunidade tende a manter o que é estranho do lado de fora
Como um círculo fechado, a comunidade tende a manter o que é estranho do lado de fora
A construção de uma fronteira entre o familiar, o “de dentro”, e o estranho, “o de fora”, é a essência que fundamenta uma comunidade. Para tanto, deve existir um policiamento por parte dos integrantes desta comunidade, para que ideias “estranhas” não entrem em seu meio e ameace a estrutura construída em torno das ideias familiares. Esse fenômeno é observável em alguns grupos religiosos sectaristas que buscam se separar e se diferenciar ao perseguir um ideal de “pureza” que envolve o estabelecimento de comportamentos e prática de atividades que estão relacionados diretamente às suas crenças religiosas. Dessa forma, a comunidade se estabelece dentro da vontade comum na busca de se diferenciar do que é considerado profano por sua crença, que se relaciona diretamente ao que é considerado sagrado. Desta forma, são construídas determinações quanto a valores e interpretações de fenômenos dos quais todos os seus integrantes compartilham e valorizam, em alguma medida, em detrimento dos ideais e características que são atribuídas ao comportamento dos que se encontram do lado de fora, que representam o impuro e o profano.
Redfield, Robert. Little community and peasant society and culture - University of Chicago Press, 1989.
Bauman, Zygmunt, 1925- Comunidade: a busca por segurança no mundo atual / Zygmunt Bauman; tradução Plínio Dentzien. — Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2003.
Publicado por Lucas de
ATENAS metecos BBB
METECOS CONTEMPORÂNEOS
hospitalidade, política e subjetividade na
Grécia antiga e no Mundo globalizado
file:///C:/Users/Nivaldo/Downloads/Metecos+contempor%C3%A2neos....pdf
A cidade diante dos metecos
Os estrangeiros residentes na cidade
de Atenas eram chamados de metecos,
“aqueles que moram junto”2, formando
um grupo social distinto juridicamente
tanto dos cidadãos quanto dos escravos.
Para se compreender as relações da
cidade com os metecos (relações estas
inseridas na questão da hospitalidade), é
preciso retom ar alguns aspectos
históricos da cidade de Atenas no período
clássico (séculos VI-IV a. C.).
Em primeiro lugar, Atenas era uma
democracia. Dos objetos de reflexão no
pensamento ocidental, a democracia
ateniense tem sido um dos mais
constantes e polêmicos: seja festejada
como m odelo de liberdade a ser
perseguido, ou temida como modelo de
desordem a ser evitado; seja enaltecida
como primeira experiência de liberdade
na H istória da H um anidade, seja
rebaixada como mais uma das formas de
dominação dos homens sobre os homens,
a democracia ateniense é frequentemente
tomada como contraponto tanto das
experiências políticas contemporâneas,
quanto das teorias a respeito da política
em si. De que se tratava, afinal, a
dem ocracia em Atenas no período
clássico?
Em seus aspectos institucionais
(talvez os m enos polêm icos na
historiografia), a democracia de Atenas
era formada pela Assembléia, pelo
Conselho, pelas Magistraturas e pelos
Tribunais; de todas elas, a Assembléia era
a que tomava as principais decisões
políticas da cidade, e era o espaço por
excelência do exercício da soberania
popular: estava aberta a todos os
cidadãos, ou seja, os homens adultos,
livres e atenienses (Mossé, 1979). Ainda
que esta definição de quem era cidadão
pareça hoje restrita, a extensão da
cidadania àqueles que não tinham
“berço” (ou seja, aos pobres, o demos)
era motivo de escândalo no mundo grego
(Ober, 2002). Nesta democracia direta,
virtualmente todo cidadão tinha chances
de ocupar qualquer cargo público, e o
método do sorteio para escolha da
maioria dos cargos era um exemplo disto
(Finley, 1985). A política era exercida por
meio da liberdade de expressão na
Assembléia, sendo a palavra pública
entendida, segundo alguns historiadores, como o m eio fundante de
participação do cidadão na coletividade,
e consequente vivência da liberdade
(Vernant, 1970; M eier, 1995). A
democracia também se definia pela
oposição a outros dois regimes políticos:
à tirania, na qual a cidade ficaria entregue
aos impulsos e desmedidas de um único
homem; e à oligarquia, na qual a
liberdade era restrita a poucos homens
(geralmente escolhidos segunda suas
rendas), que poderíam seja oprimir a
maioria dos pobres, ou destruir a cidade
devido a suas desavenças pessoais (cf.
Heródoto, Histórias, III.80-2; PseudoXenofonte, Constituição dos Atenienses,
1.8).
Em segundo lugar, Atenas era um
império. Com o fim das guerras médicas,
na primeira metade do século V a. C,
Atenas tornou-se a principal cidade
daquela que seria a Liga de Delos; na
metade do século, as cerca de duzentas
cidades-membro da Liga contribuíam
não apenas com barcos, mas também
com tributos em dinheiro (Guarinello,
1994), fazendo com que Atenas se
fortalecesse cada vez mais, constituindo
a maior frota entre as cidades gregas, e
ao mesmo tempo criando uma vasta rede
comercial que ligava amplas regiões do
Mediterrâneo (Horden & Purcell, 2000).
Com o crescimento econômico ateniense, houve o aumento significativo das
atividades comerciais e artesanais, além
da ampliação do uso do trabalho escravo.
(Austin&Vidal-Naquet, 1972) Seja por
este crescimento econômico, seja pelo
prestígio militar e cultural, a cidade de
Atenas passou a ser um foco de migração
populacional, fazendo com que Atenas
fosse a cidade mais habitada do mundo
grego, com mais de 300 mil habitantes -
a média das cidades gregas era de 10 a
15 mil (Cohen, 2000).
É nesta Atenas democrática e imperial
que se desenvolvem os metecos como
grupo juridicamente definido. O meteco
é definido, do ponto de vista da cidade,
antes de tudo, negativamente: não é nem
cidadão, nem escravo - ainda que livre,
não tem o direito de participar das
reuniões da Assembléia, não pode se
tornar m agistrado, não pode ser
escolhido para o Conselho, não pode
conduzir um processo jurídico sem um
“tutor”, não pode ser proprietário de terra nem de residência própria, além de
pagar o metoikion, um imposto especial
aos metecos. O meteco poderia ter
benefícios, devidos, especialmente, por
serviços prestados à cidade, como a
igualdade fiscal, o direito de propriedade
sobre a residência etc, além de obter, o
que raram ente acontecia, a plena
cidadania ateniense. Mas mesmo sem
estes benefícios, os metecos tinham
algum as form as de integração
reconhecidas pela cidade: prestavam
serviço m ilitar, participavam das
procissões, assim como poderíam fazer
parte de clubes aristocráticos
(Whitehead, 1977; Cohen, 2000). Em
suma: meteco é aquele que não pode
participar politicamente da cidade, e
que, para usufruir dos beneficios
económicos de morar na sede de um
império, tem de respeitar uma série de
restrições e obrigações, ainda que com
algumas formas de integração social.
Esta definição de “m eteco” ,
conforme ressaltado, é oriunda do ponto
de vista da cidade, observada tanto em
textos oficiais (decretos) quanto em
textos literários. Parte de uma oposição
básica entre público (koinos) e privado
(idios), entre a cidade {polis) e a casa
{oikos): aos cidadãos cabem a vida
pública, o cuidado com a polis (a
política), sendo a cidade o espaço no qual
os cidadãos se relacionam enq
iguais; aos não-cidadãos, cabem a vida
privada e a casa, onde impera o cidadão.
Assim, o meteco deve se reduzir ao homo
oeconomicus, sem mais ambições do que
prestígio e/ou riqueza, mas de modo
algum a política, dentro da cidade dos
cidadãos: em outras palavras, o meteco
como objeto da política, não como
sujeito (cf. Platão, República, /;
Xenofonte, Revenus, 2; Aristóteles, Ética
a Eudemo, 1233a28-3(P).
É justamente contra a “cidade dos
cidadãos” que alguns historiadores têm
procurado, recentemente, alternativas
para o estudo de Atenas como um todo e
especialmente na sua relação com os nãocidadãos, a saber, mulheres, estrangeiros
e escravos (Ober, 1996; Hansen, 1998;
Cohen, 2000; Andrade, 2000). A visão
dos cidadãos sobre os não-cidadãos, e
específicamente sobre as mulheres, é
vista pela historiadora Marta M. de
Andrade como uma ideologia, uma
tentativa de ordenam ento social;
oposição público/privado é tomada como
ideologia, pois “essa experiência só
poderia se referir a uma vivência do
espaço social do ponto de vista do
cidadão e das relações mútuas entre
cidadãos” , únicos que “tinham o
privilégio de ‘circular’ entre a casa e a
cidade” (Andrade, 2000: 103). No
entanto, segundo a autora, esta cidade
dos cidadãos repousava sobre a cidade
habitada, por cidadãos e não-cidadãos,
que travavam relações não somente
político-institucionais, mas também
econômicas, religiosas, e, de acordo com
a tese central da autora, cotidianas: a
partir da análise, principalmente, de
textos de A ristófanes, Platão e
A ristóteles, a autora propõe uma
categoria de vida cotidiana na Atenas
clássica: a “vida comum” ou “vida
doméstica” (kat’oikían), vida cotidiana
da cidade dos habitantes, abarcando
relações de amizade, formas específicas
de uso do espaço urbano, hábitos,
interações entre cidadãos e não-cidadãos,
entre os homens e mulheres, políticas e
não-políticas - ou seja, relações sociais
que ultrapassam as dimensões do público
e do privado; neste contexto, a ideologia
do público/privado acaba por deixar um
vazio conceituai para as atividades da
vida cotidiana (a confusão entre vida
cotidiana e vida doméstica é um indício),
que, por sua vez, aparecem como
resistência a exclusão política - constituise, pois, uma “política do cotidiano”,
espaço de participação de mulheres
(como ressalta a autora), estrangeiros e
escravos (Andrade, 2000:246-258).
O fundamental da noção de “política
do cotidiano” é que torna possível a
emergência dos grupos não-cidadãos
como sujeitos políticos. Mas como se
daria esta subjetivação política dos
metecos atenienses? É possível falar em
participação política dos metecos, ou
somente na sua existência econômica?
Os metecos diante da cidade
Um episódio particular da história da
democracia ateniense pode contribuir
para a discussão da questão da
hospitalidade ao estrangeiro e sua relação
com a subjetividade dos metecos na
democracia ateniense: a restauração
democrática de 403 a. C. Segue, em
linhas gerais, a narrativa4:
A cidade de Atenas, após a derrota
na batalha de Aigos-Potamos, em 405 a.
C. - batalha que marcaria a vitória
definitiva de Esparta na Guerra do
Peloponeso - assiste a suspensão de sua
democracia sob o governo dos Trinta
Tiranos, que, apoiados pelos espartanos
e por setores do corpo da cidadania,
instituíram um regime autoritário que
matou “não menos de mil e quinhentas
pessoas”, segundo A ristóteles em
Constituição de Atenas (xxxv, 4). Os
exilados pelo regime encontraram asilo
em Tebas e em Mégara, onde chefes
democratas como Trasíbulo, contando
com o apoio dos metecos do Pireu,
organizavam a guerra para o restabelecimento da democracia. Em 403 a.
C., diante do avanço do exército
dem ocrata no Pireu, os Trinta são
depostos pelos cidadãos, e, com a
mediação do rei espartano Pausânias,
ocorre a conciliação entre os ocupantes
do Pireu e aqueles que haviam apoiado
o regime dos Trinta, resultando na
“restauração dem ocrática” . Com a
dem ocracia restabelecida, alguns
metecos que lutaram a favor do exército
democrata recebem, por decreto proposto
por Trasíbulo e aprovado pela
Assembléia, o direito de cidadania plena;
no entanto, tal decreto tem curta duração,
pois Arquino, democrata moderado,
moveu processo de ilegalidade contra o
decreto, o que resultou em sua anulação.
Depois disso, a democracia não seria
ameaçada até o tempo da hegemonia
macedónica, passados mais de setenta
anos: os metecos continuariam sem
direito de voto ou expressão na
Assembléia.
Logo após a restauração, um meteco
que havia participado ativamente escreve
um discurso (que segundo a tradição foi
pronunciado por ele mesmo em tribunal)
contra um dos Trinta, responsável pelo
assassinato de seu irmão: o discurso
Contra Eratóstenes. Este meteco, Lisias,
logògrafo (ou seja, escritor de discursos
para outrem) e professor de oratória, era
filho do renomado fabricante de armas
C èfalo, que segundo este mesmo
discurso fora convidado pelo próprio
Péricles a se fixar em Atenas. Segundo
Lisias, antes da restauração democrática,
seu irmão Polemarco foi assassinado
pelos Trinta pois estes precisavam de
dinheiro, e decidiram prender, executar
e confiscar os bens de alguns dos ricos
metecos de Atenas (Lisias e Polemarco,
particularmente, tinham mais de cem
escravos); o próprio Lisias conseguiu
escapar pois conhecia a casa onde ficou
preso, e atravessando o mar, uniu-se ao
exército de Trasíbulo que acabaria por
restaurar a democracia.
Este relato traz diversas questões,
como a relação dos estrangeiros
residentes com a política, com os
cidadãos, com o espaço urbano, com a
democracia etc. Mas, o que aqui parece
merecer maior destaque é a emergênci
SUJEITO DESDE GRÉCIA CLÁSSICA BBB
SUJEITO DESDE GRÉCIA CLÁSSICA BBB
https://periodicos.pucpr.br/aurora/article/view/1750/1657
Subjetividade e verdade no último Foucault
Subjectivity and truth in the late Foucault
A constituição do sujeito na investigação do último Foucault geralmente é conhecida pela perspectiva de sua estética da existência. Tal abordagem deve-se sobremaneira à leitura dos dois últimos volumes de Histoire de la sexualité (1984). No entanto, o presente artigo aponta que nos cursos no Collège de France intitulados Subjectivité et verité (1981) e L'herméneutique du sujet (1982) outra leitura pode ser elaborada. A relação entre subjetividade e verdade evidencia-se como central em seu pensamento e seus desdobramentos são apresentados a partir das diferenças estabelecidas entre filosofia e espiritualidade, das articulações entre cuidado de si e conhec
imento de si, conhecimentos úteis e inúteis, cuidado de si e conversão a si, ascese e verdade.
MAIS AQUI
https://periodicos.pucpr.br/aurora/article/view/1750/1657
Uma passagem da entrevista a Arnold Davidson, publicada no volume La philosophie comme manière de vivrecom o título “De Socrate à Foucault”, ilustra bem o que pretendo dizer. Quando perguntado a propósito de suas divergências com Foucault, Hadot responde: é preciso ressaltar antes de tudo que nossos métodos eram muito di-ferentes. Foucault era, sem dúvida, ao mesmo tempo que filósofo, um Rev. Filos., Aurora, Curitiba, v. 23, n. 32, p. 99-111, jan./jun. 2011ALMEIDA, F. F. de. 100
O objetivo do presente artigo é analisar a noção de exercícios espirituais que o filósofo, filólogo e historiador Pierre Hadot elabora a partir de seus estudos acerca do pensamen-to antigo. Sobressai da ideia de exercícios espirituais, que marcou tão profundamente a filosofia de Michel Foucault, a relação entre ação e discurso, relação essa que configura a compreensão do que seja a própria filosofia. Compreender a filosofia como exercício espiritual a liga intimamente à vida, o que lhe confere tanto mais intensidade. Considera-se também aqui a indissociabilidade entre filosofia e história na obra de Hadot, traço que distingue seu pensamento e que vem acrescentar a ele uma nota suplementar de exigência e de rigor.
os historiadores da filosofia estudam filosofias e obras filosóficas. Pessoalmente, tendo a estudar, não tanto as filosofias, mas, sobretudo, as obras filosóficas, pois duvido da possibilidade de re-construir com exatidão corpos de doutrinas filosóficas, ou de sistemas. Podemos apenas estudar a estrutura das obras e a finalidade delas, o que o filósofo quis dizer nesta ou naquela determinada obra. Para to-mar o exemplo de um filósofo moderno, como Bergson, é impossível descobrir uma coerência absolutamente perfeita entre seus diferentes escritos. Quando afirmo que o filósofo deve sempre permanecer vivo no historiador, quero sobretudo dizer que, em cada obra de um filósofo, é necessário tentar reviver integralmente, em si, a démarche filosófica do autor, a um só tempo o movimento do pensamento e, se possível, todas as intenções do autor. O estudo desta démarche permitirá, talvez, reconhecer os dois pólos da atividade filosófica, o discurso e a escolha de vida (HADOT, 2008a, p. 227). Rev. Filos., Aurora, Curitiba, v. 23, n. 32, p. 99-111, jan./jun. 2011Pierre Hadot e os exercícios espirituais101
segunda-feira, 14 de abril de 2025
POR QUE A INTELIGÊNCIA ARTIFIAL É INCAPAZ DE EXPLICAR A VIDA, A EXISTÊNCIA E O SUJEITO ?
Para ruminar. POR QUE A INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL É INCAPAZ DE EXPLICAR A VIDA, A EXISTÊNCIA E O SUJEITO? A IA, assim como toda tecnologia e toda investigação científica ocidental, apreende somente OBJETOS, concretos ou abstratos (conceitos); e a vida, a existência e o sujeito não cabem em conceitos. Fazê-lo exigiria que essas noções pudessem ser definidas; e as definições, os conceitos, os objetos delimitam-se uns aos outros, como manda a lógica formal, com o seu principio de identidade e de não contradição, princípio em que se apoia também a matemática. Se fossem idênticos, não seriam reconhecidos: são percebidos, conhecidos e explicados por suas diferenças. Ocorre que a vida, a existência e o sujeito não são passíveis de delimitações: diferentes em relação a que, senão em relação à sua própria contraposição lógica, como entes de razão (não-objetos reais), uma abstração criada pelo intelecto? São, pois, noções IRREDUTÍVEIS. Aí falece toda tentativa de operação computacional, linear, por definição, inerme frente a um problema complexo (REAL E NÃO LÓGICO, embora não seja ilógico), ainda que se intente chamar a isso de complexidade, como o faz equivocadamente Norbert Wiener, um dos criadores da cibernética. Aí é que embatuca a pretensão insubsistente da AI de se achar capaz de tudo, à moda de um Ícaro, que confia em chegar aos céus com as suas de cera. Na verdade, a AI é incapaz de se apreender a si mesma - uma pirueta, ou um salto de duplo carpado de que somente a consciência é capaz. Isso equivale a dizer que a consciência, como manifestação da vida, a existência e o sujeito são noções AUTORREFERENTES, capazes, portanto, de compreender o mundo dentro de si, como objetos idealizados, sem serem compreendidos nele como um objeto dentre outros. A empreitada da razão soberana do ILUMINISMO, ideologia da modernidade ocidental, que se circunscreve a si mesma normativamente nos limites estreitos e excludentes da lógica e da matemática, como critérios da cientificidade, jamais chegará lá enquanto insistir no encalço de apreender o seu OBJETO. Os objetos assumem-se como integrantes de uma CLASSE de objetos, assim como ocorre na teoria dos conjuntos, deles excluídos a vida, a existência e o sujeito, por serem insusceptíveis de integrarem algum conjunto. Sem ser metafísico, o sujeito - eu e você -, transcende os objetos, como suporte de suas definições, por ser o sujeito que os define. Nivaldo Manzano
ATÉ QUANDO SE VAI IGNORAR A VISÃO DE MUNDO ORIENTAL?
ATÉ QUANDO SE VAI IGNORAR A VISÃO DE MUNDO ORIENTAL?
Não consta dentre os vários ensaios que li sobre a noção de cor a diferença entre o modo de percebê-las entre os chineses e os ocidentais. Na verdade, parece mais regra que exceção desconsiderar-se as culturas orientais, como se o umbigo do mundo fosse a Europa, com o seu Iluminismo, que deveria chamar-se mais propriamente EUROCENTRISMO. Uma das características da presunção e arrogância do Eurocentrismo é IGNORAR o caráter CULTURAL dos povos e etnias, em que pesem os estudos de antropólogos (século XIX). Assim procedeu, por exemplo, o filósofo Immanuel Kant, ainda hoje um dos mais acessados no google (260 milhões de acessos em 20223, quando de minha consulta), Kant se desincumbiu do desafio, ao limitar o seu discurso à "espécie humana" (uma abstração), sem considerar as diferenças históricas, concretas, entre local e tempo em que ela ocorre.
A simbologia das cores muda de cultura para cultura. Assim, por exemplo, para os chineses o branco simboliza o luto, enquanto para os ocidentais simboliza a paz, sendo que em ambos os casos o aparelho visual é o mesmo, assim como os seus respectivos comprimentos de onda. E isso também vale para a cor vermelha e demais cores.
Taí uma evidência de que a percepção humana varia de contexto para contexto. A noção de contexto é metodologicamente ignorada pelo paradigma dominante da ciência ocidental, que admite como prova de certeza e de verdade somente os universais, que são conceitos abstratos e, pour cause, destituídos de contexto. De modo que a ciência ocidental, como praticada ainda hoje na Academia, é incapaz de apreender a SINGULARIDADE da pessoa, expressa no epíteto cunhado pelo filósofo espanhol Ortega Y Gasset "El hombre y su circunstancia" https://www.scielo.br/j/pusp/a/gx7FwGyypjNMn5hbyZh8Hgh/?format=pdf
SUBJETIVIDADE
Michel Villey e a subjetividade jurídica
JP Magalhães - 2020
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A noção de" e; conversão a si" e;: uma leitura da abordagem de Michel Foucault a respeito da relação subjetividade e verdade na filosofia antiga
Agamben : cidadania e singularidade
Nenhuma singularidade pode formar uma societas porque não tem identidade que possa afirmar, nem vínculo de pertencimento que possa reconhecer. Em última análise, de facto, o Estado pode reconhecer qualquer reivindicação de identidade […]. Mas que as singularidades constituam uma comunidade sem reivindicar uma identidade, que os homens copertençam sem uma condição representável de pertencimento (mesmo na forma de um simples pressuposto) constitui o que o Estado não pode em caso algum tolerar […]. Para ele, o que importa nunca é a singularidade como tal, mas apenas sua inclusão em alguma identidade.
domingo, 13 de abril de 2025
A VOLTA DE SIMÃO BACAMARTE E A MORAL DO BEM E DO MAL
A VOLTA DE SIMÃO BACAMARTE E A MORAL DO BEM E DO MAL
Em sonho apareceu-me Simão Bacamarte, o médico da novela O Alienista, de Machado de Assis, aquele que, julgando loucos, intentou prender a todos os habitantes da Vila de Itaguaí no manicômio da Casa Verde que criara, até se dar conta de que o louco era ele e se internar ele próprio. Bacamarte pediu-me para anunciar ao mundo que se restabelecera e se encontrava em pleno juízo. Aduziu como prova que o restabelecimento é possível mencionando o testemunho de Dom Quixote, que, já no leito de morte, dissera “Fui louco, e hoje estou no meu juízo”.
De fato, vi-me diante de um Bacamarte senhor de sua mente, dotado de cristalina clarividência, um privilégio somente acessível aos memorialistas post mortem. Fez-me várias revelações. Hoje dou-lhe a primeira. Esclareceu-me, por exemplo, que ele havia sido escolhido por Machado de Assis, no amplo leque de seus protagonistas, para encarnar na forma de sátira burlesca a fé absoluta nas abstrações do cientificismo, cultuado por fanáticos seguidores do filósofo francês Augusto Comte. Não duvidei. No tempo de Machado, o Brasil havia se tornado o país com o maior número de discípulos de Comte, atrás apenas da própria França, sua terra natal. Ainda está lá no Rio de Janeiro o edifício da Igreja Positivista do Brasil, inscrito no seu frontispício imponente, erigido por Miguel Lemos, no bairro da Gloria, à rua Benjamin Constant, 74, "Templo da humanidade", inaugurado em 1881. "Não por acaso", disse-me Bacamarte, "ao publicar a novela, Machado fez saber de mim ao Brasil e ao mundo no ano seguinte, 1882". O positivismo era então o ismo mais discutido em meio às rodas de rapé, nos saraus antimonárquicos, ou nas livrarias da Rua do Ouvidor. Era a doutrina oficial dos conspiradores da República, civis e militares.
Explicou-me a doutrina:
"A ilusão do positivismo e de todos os ismos, conhecidos também como ideologias, que consistem em assumir a parte pelo todo, distorcendo-o, está em acreditar na carnalidade real das abstrações, que constroem. Por exemplo, o versejador observa o movimento das ondas do mar e lá despacha um verso sobre o mundo ondulante. Mas o pior é que essa ilusão não se restringe à fantasia poética. Impregna todos os interstícios da sociedade e vai instalar-se na Academia, passando a gerar a ciência da objetividade sem sujeito, como o algoritmo, com as suas sequências mecânicas. Como cientista positivista, eu estava imbuído de que cada pessoa, a exemplo de uma entidade cibernética, é movida por suas funções, e não seria a pessoa que as move. As funções seriam acionadas pela racionalidade, que opera como uma chave de comutação: A pessoa é ou não é racional, sem meias tintas. A isso dá-se o nome de binarismo: certo x errado, verdade x erro, bem x mal. Em caso negativo de alguém, por exemplo, que fosse portador de algum grão de sandice no bestunto, teria de ser removida do convívio humano, para não prejudicar os demais. E como você sabe, eu revelava uma confiança cega e missionária no método: ao sacrificar a pessoa, reiterava para mim mesmo e para o mundo que a verdade precisa prevalecer, preservando-se assim a racionalidade. Esse é o motivo por que, não conseguindo isolar de cada habitante da vila o grão de loucura de que supunha portador, trancafiei-me a mim mesmo na Casa Verde.Hoje estou convencido de que Machado tinha razão. Na sua ficção, sempre que encontrava oportunidade no enredo, metia-lhe dentro o binarismo, que é também um desvario da ontologia, dos finalismos e messianismos. Acredito que no Brasil de hoje o binarismo é o seu mal maior, fundamento da intolerância, do fanatismo, da violência, além de túmulo da criatividade. É sim x não, sem mais. Espanta-me que mais de 300 anos depois de Espinosa não se tenha aprendido a lição de sua Ética: Trata-se de escolher entre o bem e o bem, porque entre o Bem e o Mal, abstratos, com maiúsculas, não há escolha. Quem haveria de escolher o Mal? Essa fora a lição de Homero, na Odisseia. O protagonista Ulisses, consagrado na mitologia grega como o homem capaz de decisão, é instado a escolher entre Calipso, a mais linda das deusas, e Penélope, a esposa igualmente bela, que o aguardava em casa, ou escolher entre as sereias e Penélope, ou entre a também belíssima Nausícaa e Penélope. Sim, à parte o viés machista da epopeia, não teria ele razão? -concluiu Simão Bacamarte. Nivaldo Manzano
sexta-feira, 11 de abril de 2025
Tomas de Aquino comentário sobre de veritate bbb
https://revistacoletanea.com.br/index.php/coletanea/article/view/450/298
Resumo:Estas reflexões têm como objetivo demonstrar como a teoria da verdade de Santo Tomás de Aquino é subtilizada entre o início e a maturidade da sua vida intelectual. Para atingirmos este objetivo, servir-nos-emos de duas obras de Santo Tomás de Aquino. Primeiramente, estudaremos o De Veritate, que trata da verdade como um transcendental e insiste sobre o fato de que ela está primeiramente nas coisas. Em segundo lugar, o nosso estudo será concentrado na Summa Theologiae. Esta obra apresenta uma subtilização do pensamento de Santo Tomás na medida em que ele introduz uma reinterpretação da verdade segundo a qual ela, ainda que sendo um transcendental que acompanha todo o ser, é antes algo próprio do intelecto. Quanto à primeira obra, analisaremos o primeiro artigo da primeira questão, que trata da natureza da verdade e do fato de o ente a preceder. Com relação à segunda, examinaremos o primeiro artigo da décima sexta questão da Prima Pars, no qual o Doctor Angelicus questiona se a verdade se encontra na coisa, ou tão somente no intelecto.Palavras-chave:Santo Tomás de Aquino. Verdade. Intelecto. Transcendental. Deus.Abstract: These reflections aim to demonstrate how Saint Thomas Aquinas’s theory of truth is refined from the beginning to the maturity of * Lúcio Souza Lobo é Doutor em Filosofia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e professor no Programa de Pós-Graduação em Filosofia da Universidade Federal doParaná (UFPR). Contato: luciosouzalobo@gmail.com ** Marco Antônio Pensak é Mestrando em Filosofia pela Universidade Federal do Paraná(UFPR). Contato: marcopensak@icloud.comCOLETÂNEA Rio de Janeiro v. 23 n. 46 p. 291-308 jul./dez. 2024 www.revistacoletanea.com.br
quinta-feira, 10 de abril de 2025
O COLONIALISMO DE VOLTA, SE É QUE JÁ FORA POSTO PARA FORA
O maior projeto de desmatamento do mundo destrói florestas para produzir bioetanol, açúcar e arroz na Indonésia. A área a ser desmatada é do tamanho da BÉLGICA. Comunidades locais dizem que já estão sofrendo danos com o projeto apoiado pelo governo. A Indonésia abriga a terceira maior floresta tropical do mundo, lar de muitas espécies de animais silvestres e plantas ameaçadas de extinção, incluídos orangotangos, elefantes e flores gigantes da floresta. Algumas espécies são endêmicas (veja algumas delas https://animalia.bio/pt/endemic-lists/country/endemic-animals-of-indonesia?adsafe_ip=). Mais de 74 milhões de hectares de floresta tropical indonésia — uma área duas vezes maior do que a ALEMANHA — já foi desmatada, queimada ou degradada e, em seu lugar, instalaram-se empreendimentos para produção de óleo de palma, papel e borracha, mineração de níquel e outras commodities desde 1950, de acordo com a Global Forest Watch. https://farmlandgrab.org/post/32759-world-s-largest-deforestation-project-destroys-forests-for-bioethanol-fuel-sugar-and-rice-in-indonesia
CRÉDITOS DE CARBONO, UMA FALCATRUA DE DIMENSÃO PLANETÁRIA
CRÉDITOS DE CARBONO, UMA FALCATRUA DE DIMENSÃO PLANETÁRIA
NA ARGENTINA, UMA APROPRIAÇÃO DE TERRAS ("crédito de carbono") de US$ 600 MILHÕES
A Theter Limited Inc., que opera em dólar, é uma das grandes compradoras de créditos de carbono
com vistas à apropriação de terras na África e na América Latina, mediante intermediários, como corretoras e bancos. No caso do Brasil, como intermediários da apropriação de terras via crédito de carbono, sobressai-se o BTG, do banqueiro Andreia Esteves, chegado a Lula e ao mesmo tempo um dos que mais torcem pela derrota de Lula. A Theter, propriedade da iFinex, uma empresa com sede nas Ilhas Virgens Britânicas, é uma operadora de criptomoedas, com 350 milhões de usuários no mundo (2024), tendo superado a bitcoin em volume de negócios. Divulgou um patrimônio líquido de US$ 11,9 bilhões (2024) e um lucro de US$ 5,2 bilhões no primeiro semestre de 2024. Investiu US$ 600 milhões no controle da Adecoagro, que também opera no Brasil e no Uruguai. Aqui https://farmlandgrab.org/post/32734-un-gigante-cripto-invertira-usd-600-millones-en-la-argentina-para-quedarse-con-el-control-de-adecoagro Leia também sobre uma pontinha do véu do que ocorre na Amazônia (aqui: Uma análise de dois projetos de créditos de carbono na Amazônia brasileira concluiu que eles podem estar ligados à lavagem de madeira ilegal. Os projetos pertencem a Ricardo Stoppe Jr., conhecido como o maior vendedor individual de créditos de carbono do Brasil, que faturou milhões de dólares negociando esses créditos com empresas como Gol, Nestlé, Toshiba, Spotify, Boeing e PwC. https://infoamazonia.org/2024/05/21/grandes-marcas-compram-creditos-de-carbono-de-esquema-suspeito-de-esquentamento-de-madeira-na-amazonia/
augusto ,arx
¿Se cuenta el principado de Augusto merecidamente
entre las épocas más prósperas de Roma?
Al que investiga de qué naturaleza fue la época de Augusto
se le presentan muchas cosas a partir de las cuales se puede
tener un juicio sobre ella.1
Primero, una comparación con las otras épocas de la historia de Roma, pues si demuestras que la
época de Augusto fue similar a épocas anteriores, a las que llaman
prósperas, pero distinta de aquellas a las que la opinión de antiguos y
modernos [llaman funestas por las costumbres deterioradas y cam-
biadas a su peor aspecto, la República dividida en partidos, además
de las hazañas de guerra mal emprendidas, puedes elaborar una con-
jetura sobre esta época, a partir de las otras; y luego se debe indagar
qué dijeron sobre ella los mismos antiguos, qué pensaron del impe-
rio romano los pueblos extranjeros —si lo respetaron o lo desprecia-
ron— y, finalmente, cómo fueron sus artes y su literatura.
Pero para no extenderme más de lo necesario, compararé la más
hermosa época anterior a Augusto, a la cual hicieron próspera la sen-
cillez de costumbres, el gusto por el esfuerzo y la integridad tanto de
los magistrados como de la plebe —época en la que el sur de Ita-
lia comenzó a ser sometido—, y también la de Nerón —no hay una
peor—, con la época de Augusto.
En ningún momento los romanos se apartaron del estudio de
las artes liberales más que en la época anterior a las Guerras Púnicas,
cuando la instrucción era estimada en menos —dado que los hom-
bres ilustres de aquellas épocas ponían especialmente su dedicación
y esfuerzo en la agricultura—, la elocuencia considerada superflua
—puesto que decían ocuparse de sus asuntos con pocas palabras y
no procuraban la elegancia del discurso, sino la fuerza en sus enun-
ciados—; pero la historia no estaba desprovista de elocuencia, dado
que se refería sólo a los hechos y únicamente consistía en la redac-
ción de anales.
Pero toda esa época estuvo colmada de la pugna de patricios y
plebeyos; pues desde que los reyes fueron expulsados hasta la primera
guerra púnica, se compite por el derecho de unos y otros, y gran parte
de la historia se refiere sólo a las leyes que los tribunos o los cónsules
crearon, con enorme esfuerzo de una parte o de otra.
Hemos dicho ya qué se debe elogiar de aquella época.
Si queremos definir la época de Nerón, no son necesarias muchas
palabras, puesto que, asesinados los mejores ciudadanos, gobernando
un juicio infame, violadas las leyes, incendiada la capital y procurando
los generales la gloria en la paz más que en la guerra —temiendo que
sus éxitos suscitaran la sospecha y sin algo que los motivara a grandes
hazañas—, ¿quién preguntará cómo fue aquella época?
Nadie puede dudar por qué la época de Augusto es distinta a ésta, pues
su gobierno es notable por la clemencia, dado que los romanos pensaban
que ellos gobernaban —aún cuando se les había desvaneció toda libertad,
incluso toda apariencia de libertad—, y no veían que la libertad les había si-
do arrebatada, que las instituciones y las leyes habían cambiado por decreto
del príncipe, superando hasta los más altos honores, que antes habían teni-
do los tribunos de la plebe, los censores y los cónsules, habían sido entonces
ocupados por un solo hombre, y que el emperador tenía otro nombre que
designaba los poderes que antes habían poseído los tribunos y cónsules, los
había privado de su libertad. Ciertamente si los ciudadanos pueden dudar
quién es el príncipe o si ellos mismos gobiernan o son gobernados, ésta es la
gran prueba de la clemencia.
En la guerra, sin embargo, los romanos nunca fueron más afortuna-
dos, pues los partos fueron sometidos, los cántabros vencidos, los recios
y los vindelicos derrotados; pero los germanos, los peores enemigos de
los romanos, a los que César había combatido en vano, superaron a los
romanos en cada combate, con traición, con trampas y bravura, y en sus
bosques. Pero la fuerza de muchas tribus de Germania estaba ya abatida3
completamente, tanto por la ciudadanía romana, que Augusto ofreció
a cada pueblo, como por las armas que los generales experimentados
sostuvieron, y por la enemistad surgida entre ellos mismos.
Por lo tanto, en la paz y en la guerra la época de Augusto no debe ser
comparada con el tiempo de Nerón ni de los peores príncipes.
Además, los partidos y las luchas que hallamos en la época anterior
a las guerras púnicas, entonces habían terminado, pues vemos que Au-
gusto reunió en sí mismo todas las facciones, todos los cargos públicos y
toda soberanía, y así, el imperio no pudo apartarse de sí mismo, porque
atrae el mayor peligro a todo el Estado, disminuida su autoridad entre
los pueblos extranjeros y los asuntos públicos siendo administrados
más por ambición que por el bienestar de la ciudadanía.5
Pero la época de Augusto no debe de este modo llamar nuestra aten-
ción para pasar por alto que es inferior a aquella otra edad en muchos
aspectos; porque disminuidas o de plano suprimidas las costumbres, la
libertad y la virtud, mientras reinan la avaricia, la lujuria y el exceso,
esta misma época no puede ser llamada próspera. Pero el gobierno
de Augusto, las instituciones y las leyes de los hombres a los que él había
elegido para que restituyeran la república trastornada y la mejorasen,
lograron en gran manera que el desorden, ocasionado por las guerras
civiles, terminara.
Por ejemplo, vemos que Augusto purga el Senado —al que habían
entrado los hombres más corruptos— de las huellas de los crímenes
,habiendo expulsado de él a muchos cuyas costumbres le eran odiosas,
y habiendo introducido a muchos, que destacaron por su valor e inte-
ligencia.
En el principado de Augusto, hombres destacados por su repu-
tación de valor y sabiduría siempre disfrutaron de las delicias de la
administración pública. Pues ¿quién puede mencionar hombres de
esa época más grandes que Mecenas, que Agripa? Contemplamos el
mismo genio del príncipe, aunque nunca estuvo despojado de la en-
voltura del fingimiento, como ya hemos dicho, no abusando de su
autoridad. Parece que oculta su fuerza invisible con una apariencia
más indulgente; y si bien la República, tal como fue antes de las gue-
¿Se cuenta el principado de Augusto merecidamente
entre las épocas más prósperas de Roma?
quarta-feira, 9 de abril de 2025
A necessidade do supérfluo pau brasil
A necessidade do supérfluo . ou a ilusão da escassez*
Por mais que se privilegie a reprodução das condições materiais da existência social como motor explicativo da História, o fato é que ninguém sai de casa em busca de comida antes de se dar as razões do que pretende fazer tão logo esteja de barriga cheia. O desejo fundamental do ser humano está para além da mera sobrevivência — ainda que dela não prescinda —, tanto assim que se deixa exaurir no sacrifício em nome de um ideal, de um sonho, de um novo amor. E não só o ser humano: o albatroz também falece de exaustão ao voar para longas, longuíssimas distâncias, em busca de comida para alimentar a prole, como evoca Niestzsche no último aforisma de seu livro “Aurora”. “Teríamos encalhado no infinito?", conclui ele.
Diante dessa evidência, assume-se que a busca da reprodução material da existência social é indissociável do desejo de se comprazer na existência. Se assim for, é preciso reconhecer que a necessidade orgânica põe o mundo em movimento tanto quanto os sonhos que os seres humanos alimentam (e que, reciprocamente, os alimentam). A necessidade orgânica não se faz presente em nós mecanicamente, e sim como interpretação cujo sentido inscreve-se no âmbito da cultura. Ao contrário da satisfação das necessidades básicas, que se mede em calorias, os sonhos não têm limites, o que talvez explique por que o ser humano arrisca a pele lançando-se à conquista do infinito e do ilimitado.
Partindo-se desse axioma, é plausível vislumbrar a expansão ultramarina dos povos europeus, os portugueses à frente, como fruto de uma aventura árdua e arriscada, que, além de prazerosa, era devotada ao excesso, ao supérfluo, ao gasto perdulário, ao prazer da mesa e da cama, ao luxo, à dilapidação suntuária, à afirmação, à ostentação e à exaltação do poder, da vaidade e da glória, valores mundanos, à época veladamente indissociáveis da propagação da fé cristã. E embora não tenham sido os marujos e grumetes os eleitos para desfrutar da empreitada, é certo que foram eles também que se lançaram por mares nunca dantes navegados, ao lado de mercenários, numa aventura temerária, que os desafiava a irem além de si mesmos, temática de Ernest Hemingway, em sua novela “O velho e o mar”, e de outros ficcionistas.
A evocação de tais suposições, e dos valores a elas associados, num livro sobre a pedagogia da incompletude, parece tanto mais necessária quanto mais a utilidade racional tem sido exaltada como um valor natural e como única alavanca da existência, em desfavor dos demais valores, considerados ilusórios, porque inúteis, tais como a poesia e o galanteio. Que utilidade efetiva poderia ter o vermelho, a cor do luxo e da luxúria? Que utilidade poderiam ter as peças de tecido púrpura comercializadas pelos navegadores fenícios nas costas do Mediterrâneo, por cuja conquista se expunham a riscos e privações e a eventuais refregas sangrentas?
O caráter excludente do valor atribuído à utilidade cumpre uma dupla função ideológica: suprime o lugar de direito ocupado na História pelo devaneio e escamoteia a sua compreensão, ao fazer supor que todo o espaço da existência esteja adequadamente preenchido pela figura caricata do Prometeu capitalista e daquele que o sustenta o homo faber. Invenção antropológica, contemporânea da Revolução Industrial, o homo faber é o sujeito impessoal que se caracteriza por agir supostamente de modo racional, subordinando o tempo presente a um futuro que nunca chega, em nome do qual sacrifica o gozo imediato. Ao proceder dessa maneira, a racionalidade do homo faber destitui de seu valor intrínseco o presente, momento da fruição, para convertê-lo numa ponte abstrata a ligar o antes, que já não existe, e o depois, que não virá, como adverte Raoul Vaneigem, parceiro de Guy Débord na convocação para o levante estudantil na França de maio de 1968.
Terá sido assim alguma vez? Será verdade que a Europa, ao se enriquecer com o botim obtido na conquista do Novo Mundo, buscava reunir condições para inaugurar uma nova era, a da acumulação e reprodução do capital, votada à produção e ao suor no trabalho, desdenhosa do prazer? É somente no contexto da unidade indissociável dos móveis da ação humana que se pode enxergar e compreender o sentido da exploração do pau-brasil — o primeiro e o mais longo ciclo econômico da história do Brasil. Entender a sanha e a intensidade predatórias a que se entregaram os exploradores das maiores potências comerciais de então — portugueses, franceses, holandeses e ingleses, entre outros — exige, como sugere o historiador alemão Werner Sombart (1863 - 1941), em seu livro "Luxo e Capitalismo", a propósito do advento do capitalismo, que se reconstitua metodologicamente o seu ambiente cultural. É preciso explicar no botim a presença seletiva dos panos, das sedas, das especiarias, das tinturas, dos perfumes, da roupa branca, das vasilhas de prata, do vinho, dos destilados, do tabaco, dos objetos do mobiliário, dos candelabros — quase nada do que é indispensável ou necessário à subsistência física. Se, vez por outra, armas e mulheres também podiam ser encontradas no cesto do comércio, da pilhagem e da conquista, é porque elas infundiam segurança ou prazer na aventura de se perseguir e justificar o consumo do supérfluo — e a conquista do infinito. Tais objetos, considerados em si mesmos e fora de qualquer contexto, são meros suportes materiais sem sentido, despidos de qualquer valor cultural; incapazes, portanto de inspirar um desejo ou estimular uma ação. É somente depois de inscritos na fantasia e no imaginário que se pode divisar neles os coeficientes de valor cultural, graças aos quais se hierarquizam, de acordo com a variação do tempo e do lugar.
É preciso, pois, começar por investigar que elementos teriam constituído o imaginário daqueles “descobridores” e exploradores europeus que, com suas caravelas e naus, vieram dar no Novo Mundo, desembarcando na “terra do brasil”. Embora tal hipótese seja repelida pela historiografia de viés utilitarista e funcionalista, trata-se de um procedimento recomendado por todos aqueles que não confundem a História com o deslocamento de um pistão no cilindro de um motor a combustão. Ao contrário do que nos quer impingir a ideologia liberal, nada na História é resultado de uma necessidade inelutável — e tudo poderia ter sido diferente do que foi, ainda que os mesmos elementos dela tenham participado.
Na diversidade dos produtos que são objeto do saque colonial pode observar-se que o pau-brasil — como matéria-prima para a indústria do mobiliário e, principalmente, como tintura na indústria têxtil — insere-se na ampla gama das cadeias de comércio orientadas para o consumo suntuário, origem e razão de ser das rotas comerciais que ligavam os portos da Europa aos portos da Ásia Menor, da África e do Extremo Oriente. Rotas cujo bloqueio por terra haveria de estimular a expansão ultramarina dos portugueses. A cadeia comercial do pau-brasil é, pois, uma entre muitas — todas entrelaçadas num contexto unitário que lhes dá direção e significado. É preciso investigar que significado é esse.
Em 1501, quando D. Manuel, na plenitude de seus 30 anos de idade, declara o pau-brasil monopólio da Coroa portuguesa, o jovem Francisco I, de apenas sete, preparava-se para, dali a quatorze, assumir o reino da França e consagrar definitivamente um novo estilo de vida pública, que iria se irradiar por toda a Europa: a sociedade cortesã, fenômeno cultural que havia sido estimulado pelo papado em Avignon, 200 anos antes e que, logo a seguir, ainda no início do século XIV, seria copiado pelo Grão-Duque de Borgonha. Localizada ao lado do porto de Marselha, Avignon foi berço da primeira corte moderna, ao congregar, pela primeira vez na história europeia, de modo estável, nobres sem outra missão que não a de servir, em benefício próprio, os interesses da corte e beldades cobiçadas por amores ilícitos, que se encarregaram de imprimir sua marca peculiar à vida e ao trato social — eis a courtoisie. Reúnem-se em Avignon os mais altos senhores da ordem eclesiástica, dispostos a celebrar e enaltecer um modelo inaugural de livre trato, de magnificência, de fausto e de brilho cortesão. Lembra-se que, dentre os dignatários ali reunidos, todos tinham o costume de se vestir de vermelho. Clemente V, o primeiro papa a se instalar em Avignon, soube fazer uso de seu pendor hedonista para externar de forma hiperbólica o sentido do usufruto privado e doentio do poder: durante os nove anos que pontificou, de 1305 a 1314, fez cardeais cinco membros de sua família. Justificou o nepotismo, argumentando que não era culpa sua que seus “predecessores não tenham sabido ser papas”, pois “um papa devia fazer felizes os seus súditos”. Embora criticada por cristãos de mente franciscana, votados à imitação da pobreza de Cristo, a largueza complacente do estilo de vida de Avignon seria ainda mais amplificada anos mais tarde pelos grandes Luíses da França, na esteira do que havia ocorrido anteriormente nas cortes de Milão, Ferrara e Nápoles (continua).
*Este artigo( reelaborado) é parte do capítulo sobre a economia do pau-brasil, de minha autoria, extraído do livro Pau-Brasil - H
A PROPÓSITO DE TRUMP: O HERÓI OCIDENTAL, OU A HIPERTROFIA DO EU
A PROPÓSITO DE TRUMP: O HEÓI OCIDENTAL, OU A HIPERTROFIA DO EU
A pretensão de se controlar a realidade não é nova.Josué parou o sol na batalha de Jericó, para que seu povo pudesse vencer o inimigo antes do cair a noite. Moisés separou o mar em duas partes com o seu cajado, para que seu povo pudesse atravessá-lo sem molhar os pés.
No Ocidente, do Renascimento ao ILUMINISMO da crença na SUPERIORIDADE da RAZÃO sobre os demais valores humanos (intuição, estética, ética, sentimentos, além da razão),o indivíduo, dentro de seu prê-à-porter do liberalismo econômico e político, se acha no centro da Criação, uma nova dignidade, um demiurgo capaz de refazer o mundo à sua imagem e semelhança. É não ter lido com atenção Maquiavel (1469 – 1527), a quem se atribui equivocadamente a primeira ode moderna à capacidade de empreender. A proósito, escreve o sociólogo francês Julien Freund (1998): “A matéria política, sendo contingente, é apreendida por ele como maleável, portanto, teoricamente transformável, e o indivíduo acredita em ter poder sobre ela, a despeito dos perigos, no intento de dar-lhe forma, na expectativa de ver atendidos os seus desígnios” (Julien Freund, 1998).*
E Freund acrescenta: Nessa perspectiva, "a história intelectual do Ocidente é a edificação progressiva do sujeito da ação, até à sua explosão delirante na hipertrofia do sujeito, capaz de afirmar e de se dotar de uma vontade que o aproximaria de Deus (Descartes), a sua maneira de ser Deus". É a ilusão de crescer puxando para o alto os próprios cabelos. Já não se trata de um ideal de ação que se entrega, com dignidade e reverência, a perscrutar uma ordem de coisas, e sim de um desafio prometeico de reordenar essa ordem de coisas, ao alvitre de sua virtù. Esse é o herói ocidental, diria Freund.
Essa usurpação sacrílega, que se reflete em Francis Bacon (1561-1626),conhecido pejorativamente como "lenhador da natureza", na instauração de um divórcio entre ser humano e natureza, sujeito e objeto, entre conhecimento e ação, entre inteligência e operação, choca-se frontalmente com a visão de mundo do sábio chinês, que, ao invés de desperdiçar esforços na ilusão do controle da realidade, empenha a sua energia em buscar o modo de enxergá-la melhor: observa com atenção os sopros celestes e os sopros terrestres, à espera que de seu entrechoque resulte uma configuração favorável, à qual buscará, em resposta, harmonizar-se, assim como procede o surfista ante as ondas do mar. Em vez de lutar contra as ondas para mudá-las em seu favor, o surfista busca tão somente retirar o melhor proveito de seu balanço imprevisível. Já aqueles acometidos da sensação de impotência comportam-se como um medroso que sonhasse em converter o mar em geleia, para amortecer o movimento das ondas, e poder assim exibir um ilusório controle sobre a realidade. Ignoram o tamanho do mar.
E Karl Marx em seu livro "O 18 Brumário de Luís Bonaparte" em resposta aos filósofos da liberdade ABSOLUTA, como Immanuel Kant, dentre outros iluministas, escreve: "Os homens fazem a sua própria história; contudo, NÃO A FAZEM DE LIVRE E ESPONTÂNEA VONTADE, pois não são eles que escolhem as circunstâncias sob as quais ela é feita..."
Concluir daí que não se pode interferir na realidade, recolhendo-se ao conformismo, é não ter entendido a lição. O que nos ensinam o sábio chinês, o surfista e Marx é que a nossa intervenção deve dar-se, modestamente, na forma de RESPOSTA a um desafio ou a um convite colocado não por nós, mas pela realidade. Não controlamos a realidade, pois é a realidade que nos controla, assim como a ilusão de controlá-la. A iniciativa cabe à realidade, ou ao contexto, que se nos apresenta como instigação e repto: E agora, José? Nivaldo Manzano
TRUMP NAS PEGADAS DE HITLER
TRUMP NAS PEGADAS DE HITLER
Assim como Hitler, Trump intervém em Universidades estadunidenses, fechando departamentos, extinguindo disciplinas, asfixiando-as financeiramente e exigindo a demissão de alunos e de reitores que não obedeçam às suas ordens. Já a partir do início de seu governo, em 1933, Hitler deu início à sua limpeza anticomunista e étnica, tendo começado pela então chamada Universidade de Berlim, a mais prestigiosa do país, criada em 1810 em homenagem ao rei da Prússia Frederico Guilherme III; em 1949 renomeada como Humboldt-Universität em homenagem a seu fundador. De lá saíram, nos últimos dois séculos, uma grande penca de cientistas e filósofos alemães de renome mundial, entre eles, Johann Gottlieb Fichte, Oswald Spengler, Arthur Schopenhauer, G.W.F. Hegel, Friedrich Schelling, Georg Cantor, Albert Einstein, Max Planck, Alfred Wegener, Karl Marx,Friedrich Engels, Heinrich Heine, Otto von Bismarck, Karl Liebknecht. A universidade teve 29 ganhadores do Prêmio Nobel.
Foi da biblioteca da Universidade de Berlim que 20 MIL LIVROS escritos por "degenerados" e oponentes do regime foram retirados para serem queimados em 10 de maio daquele ano na Opernplatz (hoje Bebelplatz) para uma demonstração promovida pela SA, que também contou com um discurso de Joseph Goebbels. Hoje, ergue-se na praça um monumento rememorativo do evento: um painel de vidro, que se abre para uma sala branca subterrânea contendo prateleiras vazias com espaço para 20 mil livros e uma placa em que se lê a epígrafe de uma obra de Heinrich Heine de 1820: ""Aquilo foi somente um prelúdio; onde se queimam livros, queimam-se no final também pessoas". Estudantes judeus, professores e oponentes políticos foram expulsos da Universidade e muitos deportados e assassinados.
O carro de boi , paradigma do vínculo social entre a solidariedade e a tecnologia
Lembrança do carro de boi, paradigma do vínculo social entre a solidariedade e a tecnologia, vínculo que se perdeu com a chegada da modernidade.
O mundo do carro de boi — e da vida que se moveu em torno dele nos mais de quatro séculos de história do Brasil, período em que foi o principal meio de transporte terrestre — tudo isso adormeceu na história. Convém evocá-lo para se sopesar, no balanço das equivalências, o caráter das interações sociais, afetivas e culturais associadas a ele.
Com o carro de boi, não se foi um meio de transporte, apenas. O carro de boi era mais que um veículo de carga. Era, entre outros modos de ser, para quem o ouvia passar ao longe, um “instrumento musical de transporte”, como o definiu o jornalista Décio Bar. Estudante em colégio interno, durante seis anos, sempre na mesma sala de aula, em dias de tempo firme eu o ouvia aproximar-se lentamente e passar a quinze metros de minha janela,frente a uma rua de terra, à entrada e saída da cidade. Com seu canto — nhéeeemmm — produzido pelo atrito das rodas de madeira girando sobre o eixo de madeira, podia saber-se quem era o dono do carro, a que distância estava, se o carro ia vazio ou carregado, se era velho ou novo, quanto tempo levaria para chegar até à cidade e coisas mais.
Para o carreiro, o canto servia para animar os bois que puxavam o carro e pôr cadência no seu passo; advertir algum carreiro que viesse em sentido contrário, para desviar-se do caminho; avisar a esposa em casa de que era hora de botar a comida no fogo; saudar a vizinhança à sua passagem, alertar um doente de que estava próxima a hora de levá-lo ao médico e, principalmente, fazer o mundo saber que o canto de seu carro era o mais belo de todos.
Muitas eram as variedades de canto do carro — e sua sonoridade dependia do tipo de madeira utilizada nas cantadeiras, pedaços de madeira afixados entre o eixo e a roda, e também da qualidade da madeira do eixo e do perfeito acoplamento das peças, ou do rodado, como se dizia. No Norte,a preferência era por madeiras que, além de resistentes, produzissem um som agradável — eram elas a sucupira, a moreira, o pau d’arco, o pau-de-viola, o pau pombo; no Sul, o óleo vermelho, o bálsamo ou cabreúva, o faveiro, a aroeira, o ipê e a sucupira. ]
Longe a ideia de querer confundir-se canto com ronco. Ronco era coisa de carro mal feito. Carro que se preza canta de verdade, canta de prima, estridente como as cigarras; canta de bordão, como um gemido; canta de meio, canta estradeiro, de assobio, gaitado, fino e baixão e de muitos outros jeitos imaginados já no momento de se escolher a madeira para a construção do eixo e das rodas e do dia certo de cortá-la, para evitar um canto aguado, de pau cortado em tempo de chuva.
E lá se foi o canto do carro de boi e com ele o canto do carreiro, que alegrava a viagem e que quase sempre terminava com uma interpelação direta ao boi que retardava a marcha.
“E o carro saía gemendo,
esse gemido sem fim
das coisa qui nada sente...
das coisa qui num tem fala
mas fala à alma da gente...”
(José Martins, do livro Luzes da Canana, poemeto “Mestre João Carreiro”, in Bernardino José de Souza, Ciclo do carro de bois no Brasil, São Paulo, Companhia Editora Nacional, 1958)
E quem saberia hoje dar nome aos bois? Que boi de carro tem nome! Dentre toda a boiada, é o único que pega no pesado; em compensação tem nome, mesmo quando muda de dono, porque o nome é a sua personalidade. Nome inspirado na cor da pelagem — Araçá, Azeitão, Fubá, Dourado, Fumaça ou Laranjo; nome inspirado na disposição dos chifres — Cambuco, Corneta, Gaiolo ou Galheiro; nome inspirado nos sinais do corpo — Cara-suja, Estrela, Espadilha e Silveiro; nome inspirado na conformação e beleza — Bela-chita, Figurão, Galante, Seda-fina, Redondinho; nome inspirado nas manhas — Batedor, Genioso, Matreiro, Moroso, Sabido, Teimoso, Zunzum; nome inspirado em políticos — Moreira César, Carlos Teles; nome inspirado em batalhas — Riachuelo, Marengo, Tuiuti, Guararapes; nome inspirado na flora — Cravo, Cambaru, Figueira, Alecrim, Araçá; nome inspirado na fauna — Andorinha, Azulão, Bacurau, Sabiá, Surubim, Tigre, Tucano, Macuco; nome inspirado no reino mineral — Brilhante, Carbonato, Cristal, Diamante, Safira; e por aí vai.
Com o fim do canto do carro e do nome dos bois, perderam-se também inspirações da fantasia, o olhar capaz de enxergar personalidades em bois, o carreiro e seu guia, uma profissão que não era para qualquer um. O candidato precisava começar o aprendizado cedo, aos 12 a 18 anos. Mas anos no trato com o carro e com os bois não era garantia de profissão de carreiro. Começava por chamar os bois pelo nome e, ao final, tinha de saber amansar um boi de carro e adivinhar a melhor posição para ele nas juntas, de acordo com seu temperamento e habilidades e os de seu vizinho de junta, dos bois que vinham antes e dos que vinham depois; formar a fiação de tração, atrelá-los e desatrelá-los na junta e no carro; tanger os animais sem violência, zelar pela conservação do carro e evitar acidentes na jornada com a carga, o auxiliar e os bois de tração.
Mais que isso, exigia-se a perfeição de um Mestre Banguela, um carreiro pernambucano que sabia curar bicheiras sem mercúrio ou tinhorão e converter boi bravio em cordeiro, a um simples aboio ou aceno de braços. Ou a habilidade de um outro que podia conduzir até doze parelhas (24 bois atrelados), ficando, nesse caso, no comando dos bois e de outros carreiros auxiliares. Desatolar o carro, transpor um rio que não dá vau, não bater em cancelas ou porteiras, fazer recuar o carro e contê-lo em descidas e ladeiras eram outras tantas competências requeridas a um aprendiz, para merecer o nome de carreiro.
Com o carreiro, foram-se também seus instrumentos de trabalho, entre eles a vara de ferrão, uma vara de madeira de até quatro metros de comprimento, com um ferrão de metal na ponta aguçada, que servia para apontar a direção da marcha e para outras manobras e também para tanger a boiada, quando era necessário um esforço maior. Nos estados do Sul e Sudeste, de São Paulo ao Rio Grande do Sul, os carreiros penduravam ao ferrão, à moda de guizos e chocalhos, argolas de metal ou peças de latão que tilintavam, servindo para alertar os animais, e os obedientes tinham assim a chance de livrar-se da ferroada. E da perícia dos artesãos, que sabiam da melhor madeira para fazer a mesa, o rodeiro, a canga, o jugo, o canzil, o cambão, a chavelha, o torno e o cambito — cada uma das peças exigentes, para o seu melhor desempenho, de madeiras diferentes — restam lembranças registradas nos livros. Mas o mundo do carro de boi — e da vida que se moveu em torno dele nos mais de quatro séculos de história do Brasil, período em que foi o principal meio de transporte — tudo isso adormeceu na história.
Nota 1 - O texto iniciado pelo jornalista Décio Bar foi deixado a meio caminho em razão de seu falecimento, de modo que tive de retomá-lo e leva-lo à conclusão. Assim, assina como coautor o saudoso Décio Bar.
Nota 2 - O livro de Bernardino José de Souza (Ciclo do carro de bois no Brasil, São Paulo, Companhia Editora Nacional, 1958), sobre o qual nos apoiamos para realizar essa crônica, é uma obra-prima da produção documental, de escrita escorreita e sóbria, enriquecido com uma iconografia precisa, enxuta e bela. Nada falta à obra de Bernardino sobre a civilização do boi de carro e do carro de boi. A atenção para com os cuidados com que foi elaborado sugere que se trata de rabalho de décadas, considerando-se a diversidade de fontes esparsas, de acesso dificultoso em passado anterior às facilidades atuais da internet. Nivaldo Manzano
terça-feira, 8 de abril de 2025
Atenas peste
https://brasil.elpais.com/opiniao/2020-05-07/o-retorno-da-aischropolis-a-cidade-feia-e-sua-democracia-agonizante.html
PAULA VERA-BUSTAMANTE
O retorno da ‘Aischrópolis’, a cidade feia, e sua democracia agonizante
Nem com toda a tecnologia e todo o conhecimento alcançados, a
humanidade pôde evitar que se repetisse a história de Atenas e, 2.450 anos
depois, além de lutar contra um vírus imprevisível, tem de combater a
‘hybris’, a arrogância e ignorância de alguns líderes
sexta-feira, 4 de abril de 2025
SANTO TOMÁS DE AQUINO DE VERITATE
SANTO TOMÁS DE AQUINO DE VERITATE
https://revistacoletanea.com.br/index.php/coletanea/article/view/450/298
8A teoria da verdade segundo Santo Tomás de Aquino: umaleitura atenta a partir do De Veritate e da Summa Theologiae The Theory of Truth according to Saint Thomas Aquinas: a Careful Reading based on De Veritate and Summa TheologiaeLúcio Souza Lobo*Marco Antônio Pensak**Resumo:Estas reflexões têm como objetivo demonstrar como a teoria da verdade de Santo Tomás de Aquino é subtilizada entre o início e a maturidade da sua vida intelectual. Para atingirmos este objetivo, servir-nos-emos de duas obras de Santo Tomás de Aquino. Primeiramente, estudaremos o De Veritate, que trata da verdade como um transcendental e insiste sobre o fato de que ela está primeiramente nas coisas. Em segundo lugar, o nosso estudo será concentrado na Summa Theologiae. Esta obra apresenta uma subtilização do pensamento de Santo Tomás na medida em que ele introduz uma reinterpretação da verdade segundo a qual ela, ainda que sendo um transcendental que acompanha todo o ser, é antes algo próprio do intelecto. Quanto à primeira obra, analisaremos o primeiro artigo da primeira questão, que trata da natureza da verdade e do fato de o ente a preceder. Com relação à segunda, examinaremos o primeiro artigo da décima sexta questão da Prima Pars, no qual o Doctor Angelicus questiona se a verdade se encontra na coisa, ou tão somente no intelecto.Palavras-chave:Santo Tomás de Aquino. Verdade. Intelecto. Transcendental. Deus.Abstract: These reflections aim to demonstrate how Saint Thomas Aquinas’s theory of truth is refined from the beginning to the maturity of * Lúcio Souza Lobo é Doutor em Filosofia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e professor no Programa de Pós-Graduação em Filosofia da Universidade Federal doParaná (UFPR). Contato: luciosouzalobo@gmail.com ** Marco Antônio Pensak é Mestrando em Filosofia pela Universidade Federal do Paraná(UFPR). Contato: marcopensak@icloud.comCOLETÂNEA Rio de Janeiro v. 23 n. 46 p. 291-308 jul./dez. 2024 www.revistacoletanea.com.br
quarta-feira, 2 de abril de 2025
CITAÇÕES CLE 2025
CITAÇÕES CLE 2025
PEIRCE mostra que as vias que vão do
instinto à razão e vice-versa não estão separadas por fronteiras intransponíveiS.
CHANTAL MOUFFÉ - para consenso e conflito
https://en.wikipedia.org/wiki/The_Democratic_Paradox
DEWEY Para Dewey e os pragmatistas, o conhecimento, que até então era visto em si mesmo, distante de sua significação útil, e ainda justificado por uma lógica racionalista que o legitimava, deveria se aproximar da experiência cotidiana.
e
EPISTEMOLOGIA O QUE É O termo epistemologia, de origem grega, do ponto de vista etimológico, quer dizer: episteme (ciência)+logos (discurso/saber); inicialmente, é entendê-la como reflexão filosófica das teorias, conceitos ou discursos das ciências. Nesse sentido, seria a epistemologia a especulação crítica e reflexiva dos enunciados científicos que se pretendem verdadeiros. é um pensamento que, destinado inicialmente à crítica das proposições científicas, acaba por identificar conhecimento com conhecimento científico. O grau superlativo dessa proposta encontra-se na obra do francês Gaston Bachelard (1884 - 1962) , Discutir Bachelard, considerado no mundo intelectual francês como o grão vizir da disciplina epistemologia, criador dos neologismos "ruptura epistemológica (ruptura da ciência com o bom senso) e "obstáculos epistemológicos" (entraves ao espírito científico) Um tipo de entrave de caráter verbal é associar uma palavra concreta a uma abstrata, ou, como adverte o sociólogo francês Roland Barthes, não se pode confundir um leão de papel com um leão de verdade). , entre outros assumir a metáfora - evolução dos modelos científicos de caráter ascendente, do racional para o mais racional: exponenciação histórica do racional, uma versão do projeto kantiano da parusia racional, momento culminante e triunfante da espécie humana, como exposto em À PAZ PERPÉTUA E .... Isso reflete uma ambição epistemológica de caráter legislativo, atribuindo-se à razão a soberania epistêmica. Na atualidade, essa crítica afasta-se do projeto normativo da ciência moderna e é incorporada ao conceito de cultura - como interface da antropologia cultural ou filosófica. Aqui, em lugar da racionalildade ascendente em linha reta, lia-se o indissociável de sua historidade na diversidade dos modos de se conceber a ciência, ou conhecimento contexto. “pensamento alternativo, Tem, pós-epistemológico, s, uma implicação intrinsecamente social, ou contextual. Discutir Bachelard - do racional para o mais racional: exponenciação histórica do racional.
DESCARTES CORPO E ALMA
vou defender que a imagem de Descartes como um dualista de substância incide num grave erro que consiste na confusão entre um plano de análise epistemológico ou metafísico, para o qual o corpo não é necessariamente requerido, e uma análise antropológica, entendida como análise da condição humana, que é irrealizável sem a compreensão do corpo e da mente conjuntamente.CITAR MÁQUINA QUE NÃO CRIA A VIDA PRÁTICA É A DO SER HUMNANO NA SUA MORAL .Descartes conduz a sua reflexão em direção à compreensão de que as paixões são irredutíveis, do ponto de vista de sua intencionalidade, às propriedades do corpo e da alma, tomados separadamente.
“Até para morrer, o enfermo na cama busca uma posição mais confortável” (Raul Pompeia, em O Ateneu) *
Na ausência do ser humano, o mundo não tem significado algum. Isso não quer dizer, porém, que o sistema de valores tenha o seu fundamento apenas na subjetividade individual. O reconhecimento da própria singularidade vem da percepção de uma diferença; é indissociável, portanto, do reconhecimento de outrem, como alteridade irredutível. Raul Pompeia escreveu em seu livro “O Ateneu” que até para morrer o enfermo na cama busca a posição mais confortável. É o que basta para perceber que o móvel mais profundo do ser humano é o desejo – o desejo de se comprazer na existência. É o desejo que lança o ser humano para fora de si tão logo reconheça no outro, no mundo, a oportunidade de realizá-lo em si mesmo. O outro e o mundo estão assim implicados na singularidade como condição de seu auto- reconhecimento como desejo, projeto de existência. Sujeito do desejo e objeto do desejo são, pois, indissociáveis, embora distintos. Ao longo da história da reflexão, construíram-se teorias antropológicas e morais segundo as quais a fonte do valor estaria fora do ser humano. Assim, por exemplo, Tomás de Aquino (1224-1274), teólogo dominicano, afirmou que o ser humano é naturalmente orientado para o Bem objetivo e transcendente, e é a atração exercida pelo Bem que o põe em movimento na existência, balizando moralmente a sua conduta. Segundo essa visão de mundo, o amor, considerado como o valor por excelência, consistiria em se comprazer no que é bom, segundo o Bem. O amor seria a experiência de uma afinidade natural e de uma complementaridade entre o sujeito e o objeto, a singularidade e o destino da Criação, ambos definidos previamente como portadores naturais de uma ordem imanente e transcendente criada pelo Bem, ou Deus, que os precedeu na existência para abrir e indicar o caminho da felicidade. Esta seria, portanto, uma espécie de êxtase produzido pelo acoplamento entre a chave e a fechadura, ambas desenhadas pelo artífice divino.
Uma outra visão antropológica e moral é a do filósofo inglês Thomas Hobbes (1588-1679). De acordo com Hobbes, o móvel fundamental da ação humana não é o prazer e sim a afirmação e a expansão do eu individual: o amor próprio e a vontade de poder. Em Hobbes, diferentemente de Tomás de Aquino, a prioridade do desejo não está voltada para um valor transcendental, nem para a realização da felicidade como um valor em si, e sim para a manutenção fisiológica do indivíduo na existência e para o aumento de seu poder sobre o mundo e sobre os outros. Hobbes confundiu, identificando, a pessoa com o indivíduo burguês. Tudo o que existe no indivíduo e fora dele não passaria de meio para a realização desse egoísmo calculista. O próprio amor e o prazer são modalidades secundárias desse cálculo. Ou seja, o móvel fundamental do ser humano, em Hobbes, consiste em manter o estado de saúde dos músculos para poder eliminar os outros: um projeto inviável, porque suicida. Ciente disso, Hobbes propõe a sujeição do ser humano ao Terror, como condição de sobrevivência: todos devem submeter-se à vontade do Estado absolutista. Nessa condição de privação de liberdade poderão vegetar até que a morte os remova.
Aqui, deixamos de lado ambos os modos de pensar, em razão de seu caráter alienante, e nos detemos em Espinosa. O ser humano é senhor de seu destino: não deve sujeitar-se a nada e a ninguém, para ser manipulado, porque não é uma coisa. Para Espinosa, o bem somente é bom quando nós próprios o elegemos como bem. Deixa de ser bem quando nos é imposto de fora para dentro, ainda que na forma de sedução, impedindo-nos de enxergar o próprio caminho. Bebe-se água porque se tem sede e não por alguma outra razão que não seja a própria sede. Exaure-se no sacrifício, não porque ele leva aos Céus, mas porque é prazeroso perder-se naquilo que se deseja. A fonte do valor não está fora de nós, e sim jorra do interior da singularidade em sua interação com o meio. Ou seja, não há valor algum transcendente, superior ao valor que brota de dentro do ser humano, no meio. Esse valor é necessariamente afirmativo, pois existir é comprazer-se na existência. Assim, com Espinosa está-se longe de qualquer cálculo egoísta baseado no instinto de conservação. Existir não se reduz a conservar a existência biológica bruta. Limitar-se a garantir a circulação do sangue nas veias não implica necessariamente uma existência prazerosa. Sujeitar-se ao terror do Estado é abdicar de si mesmo. Em vez de uma vida vegetativa e calculista, Espinosa propõe que se rejeite todo tipo de alienação – de subordinação a uma ordem externa que limite ou asfixie o desejo de se comprazer na existência. Como a tentação doentia de se auto-aplicar emplastros ideológicos sufocantes é recorrente, a existência em liberdade deve converter-se num projeto vigilante de reconstrução permanente. Ao cotejar esses modos de conceber a existência, observa-se que se em Hobbes o desejo de um exclui o desejo de outrem (“ou eu ou ele”), em Espinosa a condição de realização do desejo implica a inclusão de outrem no reconhecimento de si próprio. Antes de se projetar em direção ao mundo para realizar o seu desejo, meu amigo Fernando encontra dentro de si, na forma de papéis nos quais se reconhece, o outro, pois, se é ele que os desempenha não é ele, isoladamente, quem cria a sua estereotipia. O sentimento da existência não é senão a percepção do que se passa em nós mesmos como resultado de nossa interação com o mundo. A percepção de si mesmo é a experiência de uma mudança, induzida por algum estímulo vindo do meio e apreendido mediante os sentidos. Os outros e o mundo são para nós partes constituintes da experiência de sentirmos o que estamos sentindo. Por isso, somos também os outros e o mundo. Na ausência do outro, ou do que supomos esteja fora de nós, não saberíamos o que é o desejo nem o objeto que lhe corresponde, nem como realizá-lo. Assim, assumimos que eu e os outros constituímos os nós de uma rede - a rede do mexerico. Sentir o que se passa conosco na interação com o mundo é experimentar uma diferença. Quanto mais diferenças reconhecemos no mundo, mais aderentes nos sentimos a ele, mais se intensifica a sensação de estarmos nele, mais se amplia o espaço interior em que o acolhemos, mais portas de acesso se abrem a nós mesmos e ao mundo. Em suma: estar aberto para o mundo e para outrem é sentir mais intensamente a si mesmo – é comprazer-se na existência. Essa complacência é necessariamente recíproca na sua interdependência. Está-se vinculado a uma rede, é-se feito dela, como um de seus nós, e se é também uma rede com seus respectivos nós (os papéis). Nela, o que se busca é desfrutar do prazer de viver, não à custa dos outros, mas graças aos outros. Os outros são como que um prolongamento de si mesmo, e o eu é um prolongamento dos outros. Quanto mais aberto cada nó da rede, no processo de interação, mais intenso é o prazer de se estar nela. Eis a diversidade na unidade.
• As ideias aqui expostas foram colhidas na conversa com Fuad Gattaz Sobrinho, da leitura de Antoine Matheron (Individu et communauté chez Spinoza, Paris, Les Éditions du Minuit, 1988); e da leitura da obra do filósofo lituano Emmanuel Lévinas (1905-1995), conhecido como filósofo da alteridade.
ORTEGA X KANT BBB
Le monde est ce qui est invisible, ce que nous ne pouvons pas saisir d'un seul coup : un ensemble de perspectives, d'horizons. Il est la circonstance dernière qui englobe toutes les circonstances. Il est le fait de vivre au milieu d'une situation qui renvoie indéfiniment aux autres situations; ou bien l'ensemble de circonstances qui se renvoient indéfiniment les unes aux autres, la circonstance dernière étant ce que nous ne pouvons saisir parce que nous ne possédons toujours qu'une circonstance. La circonstance dernière (c'est la forêt !) se manifeste à nous précisément comme le renvoi d'une situation vers une autre. Elle est la profondeur qui, comme disait Ortega, ne peut se manifester que comme superficie9, comme dimension limitée, finie. Il n'y a pas une essence du monde qui s'offre à nous; ce que nous possédons, ce sont des profils visibles qui renvoient à ce qui demeure invisible. Rappelons-nous : la forêt est une nature invisible. Et ce mouvement d'une circonstance à l'autre, d'une clairière de la forêt à l'autre en cherchant ce qui fait telle la forêt, est l'histoire humaine. C'est pour cela que nous ne pouvons plus penser dorénavant, si ce n'est d'une façon finie et limitée, car nous ne trouvons jamais la forêt. Bien entendu, si nous ne sommes jamais sans le monde, sans la forêt, celle-ci n'est jamais sans nous. Il y a ici comme une tentative de dépassement de la relation sujet-objet, que notre penseur enfermera dans une phrase trois fois célèbre : « Yo, soy yo y mis circunstancias » (moi, je suis moi et mes circonstances)10. Nous pensons que dans cette phrase apparemment banale se synthétise toute la pensée du grand philosophe espagnol. Avec elle Ortega coupe avec l'idéalisme et sort vers le monde. Le moi souverain, rationaliste, est destitué parce qu'il ne peut pas subsister séparé du monde, dans la tour d'ivoire de la raison pure. Le moi se trouve maintenant profondément constitué par le monde, plongé dans la
O destacado filósofo espanhol José Ortega y Gasset
(1883-1955), em seu primeiro livro, de 1914, Meditaciones
del Quijote, citou aquela que seria, possivelmente, a sua frase
mais conhecida: “Eu sou eu e minha circunstância, e se não
salvo a ela não salvo a mim”1
(Ortega y Gasset, 1914/1966,
p. 322, tradução nossa).
Essa frase de Ortega y Gasset marca seu pensamento
a respeito do indivíduo humano. O homem orteguiano,
enquanto indivíduo, seria concebido como um todo
eu-circunstância, entendendo que o eu e a circunstância
estariam indissoluvelmente coimplicados entre si, de modo
que o eu seria tocado e, muitas vezes, preenchido por sua
circunstância, provocando modificações em si; do mesmo
modo que a circunstância seria tocada, influenciada e
modificada pelo eu. Mas o que seria circunstância para
Ortega y Gasset? Pois bem, a circunstância pode ser
entendida como tudo que esteja direta ou indiretamente
em contato com o eu; que tanto pode ser proveniente do
passado ou do presente, de contexto físico, histórico ou
cultural, como também de si mesmo, isto é, de seu próprio
corpo e psiquismo (Assumção, 2012).
terça-feira, 1 de abril de 2025
CONFLITO E POLITICA Mouffé etc. bbb
CONFLITO E POLITICA Mouffé etc.
Para descrever essa persistência irremediável de « conflitos para os quais nenhuma solução racional existe »,[9] Mouffe faz uso do conceito de antagonismo, pelo qual ela define o político em si mesmo. Novamente, esse conceito de antagonismo se inspira na teoria de Carl Schmitt, sendo que este compara o político a uma relação amigo/inimigo, « que não pode ser resolvida dialeticamente ».[9] Embora reconhecendo, com Schmitt, que o antagonismo amigo/inimigo conduz à « destruição da associação política » e não pode, portanto, ser considerado como « legitimo, dentro de uma sociedade democrática »,[9] Mouffe defende que o antagonismo propriamente dito, se não pode ser eliminado, pode e deve ser sublimado em um agonismo. Este se distingue do antagonismo por não mais levar a uma confrontação entre inimigos, mas a um confronto que opõe « adversários que reconhecem a legitimidade de suas respectivas reivindicações ».[9] Assim, ela afirma que « o objetivo de uma política democrática é o de transformar o antagonismo potencial em uma agonística »,[10] dentro da qual os adversários estejam de acordo sobre os princípios democráticos de liberdade e igualdade, embora se confrontem sobre o significado que se deva dar a esses princípios.[10] A democracia plural ou pluralista que Mouffe defende corresponde a esse modelo agonístico e apresenta, segundo ela, a vantagem de reconhecer o papel das paixões na formação das identidades coletivas.
Em consequência, ela se declara favorável à dimensão partidária da política e critica firmemente as teorias que alegam ser obsoleta a clivagem entre direita e esquerda.As tentativas de elaborar uma "terceira via", com a finalidade de superar essa clivagem, são, aliás, para Chantal Mouffe, uma das razões da ascensão dos populismos de direita e dos partidos de extrema direita.[11]
Uma tal concepção do político, que afirma, contra o racionalismo, a indissociabilidade entre democracia e conflituosidade (em razão da ausência de procedimentos políticos racionais que permitam superar as oposições e chegar a um modelo definitivo da ideia de justiça) pode ser comparada às posições de Claude Lefort ou de Jacques Rancière, que concordam também em ligar a ideia de democracia à ideia de necessidade do conflito. Essa concepção também se aproxima, em certa medida, de Cornelius Castoriadis, no tocante à refutação da existência de um fundamento estritamente racional na definição de justiça .
Mouffe vê a Democracia Radical como um meio para continuar a sustentar o equilíbrio entre os valores do liberalismo e da democracia. Este equilíbrio é alcançado através da prática agonística de valorizar e sustentar a dissidência no processo democrático como um objetivo mais importante do que o consenso . Este ponto é onde a teoria Democrática Radical diverge de Habermas e Rawls, pois contradiz a busca de Habermas por consenso racional e o projeto de Rawls para o liberalismo político . Mouffe descreve a importância da alternativa democrática radical em uma entrevista de 2009, dizendo que "O objetivo de uma democracia pluralista é fornecer as instituições que lhes permitirão assumir uma forma agonística, na qual os oponentes se tratarão não como inimigos a serem destruídos, mas como adversários que lutarão pela vitória de sua posição, ao mesmo tempo em que reconhecem o direito de seus oponentes de lutar pela deles. Uma democracia agonística requer a disponibilidade de uma escolha entre alternativas reais." [ 3 ]
segunda-feira, 31 de março de 2025
Marx e as “robinsonadas” da Economia Política
https://revistas.face.ufmg.br/index.php/novaeconomia/article/view/2095
Neste artigo é resgatada a crítica de Marx às “robinsonadas” da Economia Política. Com isso, Marx observa que a Economia Política toma como ponto de partida o indivíduo isolado e sem determinações sociais, o indivíduo tal como é supostamente posto pela natureza representado na imagem de Robinson Crusoé em sua ilha. Seguindo o método da crítica ontológica de Marx, as “robinsonadas” da Economia Política são apreendidas como uma representação teórica ilusória de condições realmente existentes na sociedade capitalista. Na primeira parte do artigo, será resgatada a “robinsonada” da Economia Política, procurando-se sintetizar sua concepção de homem e de sociedade. Será indicada também a perenidade dessa concepção no pensamento econômico, em seus traços gerais. Na terceira parte do artigo, é indicada a crítica ontológica de Marx às “robinsonadas” apontando sua origem nas condições reais da reprodução material na sociedade capitalista. Finalmente é resgatado o tema do indivíduo em Marx, indicando que a crítica de Marx às “robinsonadas” não implica que Marx não dê importância ou desconheça o indivíduo teórica e eticamente.
domingo, 30 de março de 2025
RACIONALIDADE ECONÔMICA vários
As noções de razão utilizadas pela tradição utilitarista reduzem-se à questão do cálculo interessado. Mas a crítica à racionalidade utilitarista é complexa na medida em que existem diferentes registros do utilitarismo: o prático, como é o caso do utilitarismo economicista que prega a satisfação primeira de interesses egoístas materiais; o teórico, que propõe serem todos os homens egoístas e calculistas por natureza; e o normativo, que vincula o ideal de justiça à satisfação do maior número de indivíduos. A crítica às teses utilitaristas leva o autor a lembrar a contribuição de Marcel Mauss na fundação de um novo paradigma, o da dádiva. Enfim, este texto é fundamental para se compreender a passagem de uma crítica antiutilitarista negativa para uma outra, antiutilitarista positiva, que se apoia na criação do novo paradigma.
HOMOM OECONOMICUS
Os clássicos (1) simplificaram o comportamento econômico na
famosa figura do homo economicus — racional, capaz
de reconhecer seu interesse pessoal com precisão e de elaborar cálculos para efetiva-lo.
CLÁSSICOS: Consideramos clássicos ou "autores clássicos" Adam Smith
(Riqueza das Nações, 1776) e seus discípulos Malthus (1798, 1807), Ricardo
(1817) Stuart Mill (1848) Jean Baptiste Say (1803, 1828) etc. Keynes (Teoria
Geral do Emprêgo, do Juro e da Moeda, 1936, entretanto, denomina "Clássicos"
todos os economistas que se inspiram nas teorias de Ricardo, como Marshall (marginalista) e Pigou (economia do bem-estar).
NA CATEGORIA DO HOMO OECONOMICUS, OS MARGINALISTAS 1870 o inglês William Stanley Jevons, austríaco Carl Mengen,e o francês Léon Waalras. Limitação da racionalidade âmbito dos interesses materiais. os marginalistas apresentaram o raciocínio seguinte: se a intensidade de uma necessidade decresce à medida que é satisfeita,
o mesmo acontece com o valor de uso do bem destinado a responder a
essa necessidade. Se um indivíduo possuir um estoque de determinado
bem, poderá dividi-lo mentalmente em doses correspondentes a uma
satisfação cada vez menos intensa. À última dose, ou dose marginal,
corresponde o menor valor de uso, pois se for consumida, a necessidade terá desaparecido. É esta dose marginal, entretanto, que determina
o valor unitário de todas as outras. Assim se obtém a curva de preferências do conmsumidor, ou maximização da utilidade. O mecanismo de trocas, qeu tem como agentes com indivíduos racionais, gera automaticamente o equilíbrio entre oferta procura no mercado. Ou seja, o somatório das preferências individuais (subjetivas) resulta no equiíbrio no mercado. A ideologia do equilíbrio de mercado mantém-se circunscrita na atualidade à sua defesa por economistas e rentistas liberais, ainda aferrados à mecânica de Newton, mesmo depois da teoria do calor, do físico francês Sadi Carnot e da Termodinâmica de Maxuell. O corpo teórico da termodinâamica de equilíbrio e de processos irreversveis (entropia) constitui a pedra fundamental da mecânica estatística, que passa a colonizar outras áreas da especulação cientifica, como a economia, a computação e a teoria da informação. A mecâanica trata de sistemas sob os quais se dispõem informações completas, enquanto a estatística é um instrumento matemáatico que se utilizam para sde minimizar os efeitos da ignorâancia. Um exemplo é o estudo dos efeitos de uma droga no organismo.
ROBINSONADAS - SOBRE VER AQUI https://revistas.face.ufmg.br/index.php/novaeconomia/article/view/2095
Neste artigo é resgatada a crítica de Marx às “robinsonadas” da Economia Política. Com isso, Marx observa que a Economia Política toma como ponto de partida o indivíduo isolado e sem determinações sociais, o indivíduo tal como é supostamente posto pela natureza representado na imagem de Robinson Crusoé em sua ilha. Seguindo o método da crítica ontológica de Marx, as “robinsonadas” da Economia Política são apreendidas como uma representação teórica ilusória de condições realmente existentes na sociedade capitalista. Na primeira parte do artigo, será resgatada a “robinsonada” da Economia Política, procurando-se sintetizar sua concepção de homem e de sociedade. Será indicada também a perenidade dessa concepção no pensamento econômico, em seus traços gerais. Na terceira parte do artigo, é indicada a crítica ontológica de Marx às “robinsonadas” apontando sua origem nas condições reais da reprodução material na sociedade capitalista. Finalmente é resgatado o tema do indivíduo em Marx, indicando que a crítica de Marx às “robinsonadas” não implica que Marx não dê importância ou desconheça o indivíduo teórica e eticamente.
Para além desse âmbito restrito, o que que nele circunscrito Como a mecânica de Newton mostrou-se insuficiente para explicá-lo, recorreu-se ao equilíbrio instável, um postulado sem fundamento empírico, pois, como mostra a mecânica de Newton, no estado de equilíbrio nada ocorre. (um fato objetivo). na liberdade de escolha, no indivíduo, no mercado, no laissez-fair e no governo mínimo, como instrumento do Estado para preservar as regras do jogo e impedir que possam ser modificadas.
O conceito de sistema isolado é uma idealização. . Equilbrio e invari^ancia com o tempo
| as propriedades que caracterizam o estado do sistema s~ao constantes do movimento. Ele e alcancado
quando tomamos tempos sucientemente longos
— a preferência pela liquidez;
— o estímulo para investir;
— a propensão a consumir.
MARX E AS ROBINSONADAS BBB
https://revistas.face.ufmg.br/index.php/novaeconomia/article/view/2095/1758
https://revistas.face.ufmg.br/index.php/novaeconomia/article/view/2095/1758
Neste artigo é resgatada a crítica de Marx às “robinsonadas” da Economia Política. Com isso, Marx observa que a Economia Política toma como ponto de partida o indivíduo isolado e sem determinações sociais, o indivíduo tal como é su-postamente posto pela natureza representado na imagem de Robinson Crusoé em sua ilha. Seguin-do o método da crítica ontológica de Marx, as “robinsonadas” da Economia Política são apreen-didas como uma representação teórica ilusória de condições realmente existentes na sociedade capitalista. Na primeira parte do artigo, será resgatada a “robinsonada” da Economia Política, procurando-se sintetizar sua concepção de homem e de sociedade. Será indicada também a pereni-dade dessa concepção no pensamento econômico, em seus traços gerais. Na terceira parte do artigo, é indicada a crítica ontológica de Marx às “ro-binsonadas” apontando sua origem nas condições reais da reprodução material na sociedade capi-talista. Finalmente é resgatado o tema do indiví-duo em Marx, indicando que a crítica de Marx às “robinsonadas” não implica que Marx não dê importância ou desconheça o indivíduo teórica e eticamente
JUSTIÇA NA GRÉCIA ANTIGA hesíodo
Hesíodo: https://docs.google.com/document/d/1pFBFiol3bEQmdOjTp_Bqi2PxzIigssYQhrH4TMYBUIU/edit?tab=t.0
HESÍODO
O período de atuação de Hesíodo foi fortemente marcado pelas profundas diferenças sociais. Ao mesmo tempo, os gregos se movimentavam para se emancipar das velhas tradições mantidas desde tempos pretéritos e, orientados por uma herança comum, procurava organizar um novo modo de produzir a vida e de viver.
O culto aos mortos ligado ao túmulo ia sendo abandonado com as mudanças dos costumes ocasionadas pela invasão dória e pelas imigrações. Os ancestrais passaram a ser lembranças e imagens
dos mitos e os cultos não se renovavam em torno das novas chefias, em razão da prática de incineração dos cadáveres. O estabelecimento de contato com homens de origem, cultura e costumes diversos contribuíram para a ruptura com as velhas tradições, já enfraquecidas, pois já se observavam crenças
e práticas religiosas comuns entre os gregos e esses povos. Nessa ambiência de mudanças, os deuses perderam sua sacralidade, ganharam humanidade e podiam se tornar personagens de narrativas que os afastavam dos mistérios: a religião dos deuses assumiu o espaço da religião dos mortos.
Essa relação estabelecida entre homem -deuses apresentava dupla dimensão: ao passo que o homem era valorizado, os deuses eram humanizados e dotados de forma e sentimentos humanos
(Andery et al , 1996, p. 26 .
Isso pode explicar a preocupação de Hesíodo de aproximar Zeus dos homens: por meio de sua justiça superior, a vida na terra poderia se tornar mais segura, justa e compreensível no mundo dos homens. Outro fato a ser considerado é que a
pólis , experiência única da Grécia, ainda estava em sua fase embrionária. Foi esse cenário de tensões, lutas e transformações da sociedade grega, foram essas as condições históricas que inspiraram a poética de Hesíodo. Em sua obra mais importante, ele manifesta sua preocupação com o mundo dos homens, com a forma como eles se org anizavam, com a agricultura e a navegação, com suas necessidades e limitações. Assim, o trabalho e a justiça ganham centralidade em seu poema.
Seus 828 versos são divididos em cinco fábulas e contos e/ou blocos, além da Invocação
A TRAGÉDIA GREGA
https://periodicos.ufpe.br/revistas/INV/article/view/1501
sábado, 29 de março de 2025
ILUMINISMO CRITICA AO BASE KOSELLECK
ILUMINISMO CRITICA AO BASE KOSELLECK
https://www.scielo.br/j/ln/a/rXxK9VFbyKRNcWhQvdmX7rx/
Individualismo, liberalismo e filosofia da história
Resumos
Texto
Referências bibliográficas
Data de Publicação
Resumos
O artigo aborda a principal questão da teoria política: a legitimidade. O tema é desenvolvido a partir dos conceitos básicos da filosofia política iluminista: individualismo, liberalismo e filosofia da história, com a ajuda da historiografia conceitual de Reinhart Koselleck, para demonstrar, como resultado, uma aporia política. A articulação específica entre esses conceitos é então utilizada para ler os principais trabalhos de Friedrich August von Hayek, como um exemplo da adaptação desse conjunto conceitual para o neoliberalismo, e, de outro lado, para ler o núcleo da obra de Jürgen Habermas, como exemplo da versão social-democrata dessa adaptação. A conclusão aponta para a teoria de sistemas de Niklas Luhmann como uma alternativa possível à aporia política herdada do arcabouço conceitual do Iluminismo.
Individualismo e Liberalismo; Filosofia da História; R. Koselleck; Neoliberalismo e Social-Democracia; A.Smith; F.Hayek; J.Habermas
O artigo aborda a questão principal da teoria política: legitimidade. O tema é desenvolvido a partir dos conceitos básicos da filosofia política do Iluminismo: individualismo, liberalismo e filosofia da história, com o auxílio da historiografia conceitual de Reinhart Koselleck, para apontar uma aporia política. A articulação específica entre esses conceitos é então usada para ler as principais obras de Friedrich August von Hayek, como um exemplo da adaptação desse arcabouço ao neoliberalismo e, por outro lado, para ler o cerne da obra de Jürgen Habermas, como um exemplo da versão social-democrata. A conclusão aponta para a teoria dos sistemas de Niklas Luhmann como uma possível alternativa à aporia política herdada do arcabouço conceitual básico do Iluminismo.
Individualismo e Liberalismo; Filosofia da História; R. Koselleck; Neoliberalismo e Social Democracia; A. Smith; F. Hayek; J. Habermas
Individualismo, liberalismo e filosofia da história*
Individualismo, liberalismo e filosofia da história
João Paulo Bachur
Doutorando em Ciência Política pela FFLCH/USP
RESUMO
O artigo aborda a principal questão da teoria política: a legitimidade. O tema é desenvolvido a partir dos conceitos básicos da filosofia política iluminista: individualismo, liberalismo e filosofia da história, com a ajuda da historiografia conceitual de Reinhart Koselleck, para demonstrar, como resultado, uma aporia política. A articulação específica entre esses conceitos é então utilizada para ler os principais trabalhos de Friedrich August von Hayek, como um exemplo da adaptação desse conjunto conceitual para o neoliberalismo, e, de outro lado, para ler o núcleo da obra de Jürgen Habermas, como exemplo da versão social-democrata dessa adaptação. A conclusão aponta para a teoria de sistemas de Niklas Luhmann como uma alternativa possível à aporia política herdada do arcabouço conceitual do Iluminismo.
Palavras-Chave: Individualismo e Liberalismo; Filosofia da História; R. Koselleck; Neoliberalismo e Social-Democracia; A.Smith; F.Hayek; J.Habermas.
RESUMO
O artigo aborda a questão principal da teoria política: legitimidade. O tema é desenvolvido a partir dos conceitos básicos da filosofia política do Iluminismo: individualismo, liberalismo e filosofia da história, com o auxílio da historiografia conceitual de Reinhart Koselleck, para apontar uma aporia política. A articulação específica entre esses conceitos é então usada para ler as principais obras de Friedrich August von Hayek, como um exemplo da adaptação desse arcabouço ao neoliberalismo e, por outro lado, para ler o cerne da obra de Jürgen Habermas, como um exemplo da versão social-democrata. A conclusão aponta para a teoria dos sistemas de Niklas Luhmann como uma possível alternativa à aporia política herdada do arcabouço conceitual básico do Iluminismo.
NEOLIBERALISMO
resultando de uma fórmula política que exige um Estado limitado (portanto, mais restrito e circunscrito nas suas funções) mas, ao mesmo tempo, forte (no seu poder de intervenção) – produzido, em certo sentido, um desequilíbrio importante a favor do Estado e em prejuízo do livre-mercado. Designado já como o "paradoxo do Estado neoliberal", esse fato significa basicamente que, "embora o neoliberalismo possa ser considerado como uma doutrina que prega o Estado autolimitador, o Estado tem-se tornado mais `poderoso' sob as políticas neoliberais de mercado" (Peters 1994, p. 213). concepção neoliberal proposta por autores como Robert Nozick em sua obra Anarquia, Estado e utopia , veremos que a nova direita versão introduziu uma liberal bastante mitigada.1Na visão liberal radical, a economia é o resultado de uma harmonia de interesses gerada por trocas voluntárias entre indivíduos livres e exclusivos, e o Estado é apenas a garantia dessa ordem gerada espontaneamente pelo mercado. Nessa linha de pensamento, admite-se como possível e possibilidade a existência de um mercado totalmente livre da tutela estatal, aceitando apenas como tarefas legítimas de um "Estado mínimo" aquelas que se restringem "às funções de proteção contra a violência, o roubo e a fraude, bem como às funções que permitem a aplicação de contratos" (Nozick 1988, p. 7).
Palavras-chave: Individualismo e Liberalismo; Filosofia da História; R. Koselleck; Neoliberalismo e Social Democracia; A. Smith; F. Hayek; J. Habermas.
O núcleo político fundamental do Iluminismo ( Aufklärung , esclarecimento), composto por um arranjo particular conceitual envolvendo individualismo , liberalismo e filosofia da história , permeou a teoria política contemporânea sob a forma de versões revistas e adaptadas, mas em alguma medida derivada do arranjo conceitual original – essa é a hipótese imediata deste artigo. Há, ainda, uma hipótese mediata e menos elementar: o individualismo iluminista fora verdadeiramente herdado não pelo neoliberalismo, como sempre se pretende, mas sim e mais propriamente pela sociologia "de esquerda"1.
Cabe indagar, de pronto, por que o núcleo conceitual do Iluminismo se fez presente na teoria política contemporânea? A razão é que a teoria política tem como preocupação fundamental a legitimação do poder político do homem sobre o homem, contudo, partindo do arranjo conceitual básico do Iluminismo, essa tarefa de legitimação revela-se aporética: o projeto inacabado iluminista se renovou de tempos em tempos, mas não se conseguiu concluir satisfatoriamente no correr da modernidade. Esses conceitos estão na ordem do dia e, muito embora não preservem, isoladamente, sua carga original, o sentido político do arranjo está preservado: a aporia da legitimação política . Seria possível fazer o percurso da "dialética do esclarecimento" na chave materialista da teoria crítica da sociedade – mas este artigo pretende abordar especificamente a articulação interna entre individualismo, liberalismo e filosofia da história na inescapável tensão oriunda desse amálgama.
Os pontos de apoio para demonstrar as presentes hipóteses serão Jürgen Habermas e Friedrich August von Hayek. Se John Rawls parece ser uma escolha mais intuitiva, Habermas e Hayek permitiram reflexões mais agudas: com efeito, parece ser tarefa mais estimulante analisar por que Habermas – e não Hayek – é o verdadeiro herdeiro de, herança, Adam Smith, e, ainda, por que nenhum dos dois conseguiu resolver o problema herdado dos clássicos.
O roteiro a ser seguido, portanto, mostrará que a aporia da legitimação política sobreviveu ao neoliberalismo e à social-democracia; os conceitos centrais do projeto iluminista se renovaram sem, contudo, resolver seu problema político básico. E essa circunstância, afinal, pode pôr a teoria política em questão.
O projeto do Iluminismo
A articulação conceitual específica entre liberalismo, individualismo e filosofia da história só é plenamente compreendida se. no projeto de emancipação humana liderada pelo Iluminismo do século XVIII – os três conceitos somente são plenamente compreensíveis em suas relações recíprocas.
Liberalismo, no sentido sintetizado pela expressão clássica " laissez faire, laissez passer " de origem fisiocrata, não se reporta apenas e imediatamente ao mercado, mas tem em conta uma luta política contra o absolutismo. Esse liberalismo está correlacionado a um individualismo muito específico, obtido a partir do confronto entre impulsos egoístas e impulsos "sociais" ou "sociáveis", por assim dizer. É dessa tensão extremamente sensível que emerge o mercado liberal – e a questão da desigualdade, preço a ser pago pelo desenvolvimento e pela liberdade econômica e política, tem então de ser remediada ao futuro, à utopia do progresso humano garantido pela filosofia da história. O problema posto pela desigualdade não pode ser resolvido no presente, para cada indivíduo isolado, mas reportado ao gênero humano.
De certa maneira, seria possível identificar uma tradição liberal razoavelmente unitária de Smith a Rawls (e Habermas), partindo, por exemplo, da "primazia moral da pessoa contra qualquer pretensão da colectividade social", que assegura "a todos os homens o mesmo estatuto moral e nega a relevância de graus de diferenciação", afirmando uma tendência de "correcção e aperfeiçoamento de todas as instituições sociais e dos acordos políticos" (Gray, 1988, p. 12).
Mas individualismo e liberalismo não são sinônimos, não estão, per se , automaticamente imbricados – como já foram quando da origem do projeto iluminista. Portanto, apesar da possibilidade de se compreender o liberalismo como tradição razoavelmente unitária (sem estendê-la até o neoliberalismo, como se verá), o individualismo é mais propriamente descrito pela fragmentação (Bellamy, 1994). Agora, se a relação entre liberalismo e individualismo não é, do ponto de vista conceitual, automático, mas histórico , é necessário recompor esse imbricamento específico. A tarefa implica, de um lado, desfazer o mal-entendido estabelecido em torno da associação "individualismo-egoísmo-capitalismo" que remete à Fábula das Abelhas , de Bernard de Mandeville; e, por outro lado, projetar o individualismo e o liberalismo de Smith em um pressuposto básico de sua filosofia moral.
Mandeville, no então poema polêmico Fábula das Abelhas , de 1714, vincula conceitualmente os progressos da época ao egoísmo/individualismo, pois a dualidade moral polarizada por "vício" e "virtude" é aplainada em um único conceito: o egoísmo. Nesse aspecto, Mandeville destoa a tradição da filosofia moral escocesa de Smith e de Adam Ferguson, por exemplo, pois opera uma inversão conceitual fundamental, popularizada na fórmula "vícios privados, benefícios públicos" (Mandeville, 1934, p. 230).
Diferentemente de Smith e Ferguson, não se tratava de inserir o individualismo em uma filosofia moral comprometida com o Iluminismo, como fizeram as escoceses, o idealismo alemão e o racionalismo francês. Ao contrário, a prosperidade social fora derivada do puro egoísmo. Mas esse egoísmo não é sinônimo de individualismo, pelo menos não no sentido da filosofia iluminista. Hayek tem muito mais de Mandeville do que de Smith. Não é por outra razão que o próprio Smith criticou o sistema de filosofia moral de Mandeville em sua Teoria dos Sentimentos Morais (1759) como "sistema licencioso", pois toda paixão fora reduzida ao vício e toda virtude à renúncia pessoal; o egoísmo puro e indiferenciado substituiu o amor próprio tão fundamental para a sociedade: "É a grande falácia do livro do Dr. Mandeville representar cada paixão como vibrante viciosa, em qualquer grau e sentido" (Smith, 1999, p. 387).
Smith tem sido sempre lido na chave "quanto mais extenso o mercado, maior a vantagem para o maior número" (Smith, 1994, p. 320), tornada palavra de ordem do glossário neoliberal, isolada do corpo de sua filosofia moral. Invoca-se sempre a passagem clássica de A Riqueza das Nações (1776), cuja dicção é conhecida de todos:
“Não é da benevolência do açougueiro, do cervejeiro ou do padeiro que esperamos nosso jantar, mas de sua consideração por seus próprios interesses. Nós nos dirigimos não a sua humanidade mas a seu auto-interesse ( amor próprio ), e nunca falamos-lhes de nossas próprias necessidades, mas de suas vantagens” (Smith, 1994, p. 20
Ao comparar a benevolência ao autointeresse , Smith não compara uma virtude a um vício, mas sim duas virtudes ou paixões, cuja diferença reside no maior ou menor grau de sociabilidade. O pressuposto fundamental da filosofia moral de Smith é a compreensão de toda a ambiguidade do individualismo: o amor-próprio é absolutamente indispensável à linha tênue que equilibra impulsos egoístas e impulsos sociáveis. As "paixões egoístas" estão situadas em uma zona de penumbra entre as "paixões sociáveis" e as "paixões insociáveis":
"Além desses dois grupos opostos de paixões, as sociáveis e as insociáveis, existe um outro que ocupa uma espécie de posição envolvida entre eles; nunca é tão gracioso quanto às vezes é o primeiro grupo, nem tão odioso quanto às vezes é o segundo. Dor e alegria, quando concebidos de acordo com a nossa boa ou má fortuna particular , são esse terceiro grupo de paixões. Mesmo quando excessivos, nunca são tão atraentes quanto o excessivo ressentimento (...); e mesmo quando mais específicos a seus objetos, essas paixões nunca são tão obscuras quanto a humanidade imparcial e a justa benevolência” (Smith, 1999, ps. 46/47 – grifos acrescidos).
Aqui fica clara a diferença entre os conceitos de dependência, benevolência e fortuna particular. O amor-próprio é explicado como muito mais abrangente que o egoísmo também por Adam Ferguson, em seu An Essay on the History of Civil Society (1767). O amor-próprio da filosofia moral escocesa tem paralelo na ambivalência do impulso para a autopreservação, presente nas teorias contratualistas de Hobbes a Kant. Toda essa tradição da filosofia política vê, no princípio da autopreservação, riscos para a sociabilidade humana, mas, também e precisamente aí, a única forma de viabilizar a associação política: o medo que leva à agressão defensiva antecipatória e degenera o estado natural na guerra de todos contra todos é o mesmo que funde os homens individualizados no Leviatã de Hobbes; os inconvenientes para a preservação da propriedade de Locke, a rigor, pré-existente ao governo civil, são os fundamentos para sua própria constituição; a instabilidade do estado natural que corrompe o bom selvagem de Rousseau é a mola para a expressão da vontade geral na instituição do legislador (tão fundamental contra o Antigo Regime ); e, finalmente, a "sociabilidade insociável" ( ungesellige Geselligkeil ) da filosofia da história de Kant, expressão mais nítida da incontornável tensão moral do individualismo, que viabiliza a sociedade enquanto ameaça sempre dissolvê-la.
Contra o raciocínio intuitivo desavisado, o amor próprio é absolutamente essencial para a sociedade burguesa – muito embora, no limite, possa destruí-la. É essa tensão extremamente sensível que marca a simbiose entre liberalismo e individualismo no século XVIII. Essa síntese, mesmo partindo de uma igualdade básica, tende a desigualar os homens, o que, no limite, levaria a comprometer os fundamentos do próprio Iluminismo – para amainar essa tensão intrínseca, o século XVIII desenvolveu a filosofia da história, no sentido de Reinhart Koselleck.
Koselleck, em seu conhecido Crítica e crise: Uma contribuição à patogênese do mundo burguês (1959), expressa toda a dificuldade da gênese patológica do mundo burguês, oriunda da separação entre moral e política operada pelo Estado moderno no século XVII. Essa separação subtraiu as bases morais do poder político, garantidas pela religião, as quais não puderam ser plenamente decorrentes da política "neutra" – ie, desvencilhada da religião e reforçada no direito – ironicamente inaugurada por Hobbes ( in secret free ): "O individualismo de Hobbes é a suposição de um Estado ordenado e, ao mesmo tempo, a condição de um livre desenvolvimento do indivíduo" (Koselleck, 1999, p. 27).
A separação entre moral e política instaurou um movimento permanente de crítica e crise do poder político, e ensejou a necessidade de uma filosofia da história: "A crise política (que, uma vez deflagrada, exige uma) e as respectivas filosofias da história (em cujo nome tenta-se antecipar essa decisão, influenciá-la, orientá-la ou, em caso de catástrofe, evitá-la) formam uma única característica histórica, cuja raiz deve ser procurada no século XVIII", pois "o processo crítico do O iluminismo conjurou a crise na medida em que o sentido político dessa crise ocorreu encoberto. A crise se agravou na mesma medida em que a filosofia da história a obscura” (Koselleck, 1999, p. 9; p. 13).
A única maneira de resolver a crise era a utopia da filosofia da história, atualizando a teologia pela razão. Pautada pela fé no progresso, a filosofia da história a um só tempo obscuro a crise e remetia sua solução (pendente desde a separação entre moral e política) para um futuro remoto, isentando de responsabilidade o individualismo liberal-burguês.
As filosofias da história do século XVIII têm em conta um processo de formação humana ( Bildung 2), assentado sobre a pressuposta perfectibilidade humana, já detectável em Ferguson (1995, p. 14) e, em toda a sua dimensão, em Condorcet: "que a natureza não indicou nenhum termo ao aperfeiçoamento das faculdades humanas; que a perfectibilidade do homem é realmente indefinida: que os progressos dessa perfectibilidade, doravante independentes da vontade que desejariam detê-los, não têm outros termos senão a competência do globo onde a natureza nos foi liberada. Sem dúvida, estes poderão seguir uma marcha mais ou menos rápida, mas ela deve ser contínua e nunca retrógrada enquanto a terra ocupa o mesmo lugar no sistema do universo” (Condorcet, 1993, p. 20/21).
A filosofia da história de Condorcet é paradigmática: a história humana progrediu em uma seqüência de avanços evolutivos, compreendendo um processo de desenvolvimento progressivo constantemente apoiado nos avanços técnicos realizados pelas gerações passadas, os quais, pela educação, são incorporados ao patrimônio científico e cultural dos modernos. Nessa escalada, os homens passam de (1) povoados primitivos a (2) comunidades de pastores e agricultores; (3) momento a partir do qual se desenvolve a escrita alfabética; (4) chegando-se à Grécia clássica; (5) momento após o qual o progresso humano entra em decadência e permanece obscuro até (6) como Cruzadas; após o que (7) as ciências e a tipografia promovem um novo surto de expansão do progresso científico e tecnológico; (8) que fornece as bases para que a ciência e a filosofia se oponham e condenem o jugo do absolutismo; (9) fazendo com que a razão desde Descartes possa compor a República Francesa; culminando (10) na época moderna. Essa progressão histórica, concebida como uma escadaria marcada pelo avanço tecnológico, tem seu sentido na medida em que o desenvolvimento do espírito humano condiciona o desenvolvimento das próprias faculdades individuais.
Herder também apresenta um exemplo importante, a começar pelo título de sua obra de 1774: Também uma Filosofia da história para a formação da humanidade: Uma contribuição a muitas contribuições do século . Nota-se que Herder capta com exatidão o "espírito da época", tornando mais explícito o projeto de formação da humanidade. Compartilha com seu tempo a noção de que a perfectibilidade humana aconselhada da educação é uma garantia de seus passos futuros, justamente porque o progresso está associado a um processo de formação plena e gradual: daí porque não se pode afirmar a superioridade deste ou daquele povo neste ou naquele período (Herder usa todos "idade"), justa e exatamente porque os períodos foram e são importantes para a formação da humanidade tal como ela se encontra.
"Se a natureza humana nada tem a ver com uma divina que autonomamente se orienta para o bem, se tudo tem que aprender, se tem que se ir formando por sucessivos passos, se tem que ir sempre progredindo numa luta gradual, é natural que se vá formando, quase sempre, senão mesmo sempre, nos domínios em que encontra motivos que conduzem à virtude, à luta, ao progresso . Em certo sentido dir-se-á pois que toda a perfeição humana é nacional , secular e – se observarmos com o máximo rigor – individual. ” (Herder, 1995, p. 38 – grifos acrescidos.)
E acrescenta ainda, quanto à Bildung do gênero humano: "Tem que passar por diferentes idades, sempre em manifestação contínua progressão, sempre num esforço de continuidade! Entre cada idade parece haver momentos de descanso, revoluções, transformações! E contudo, cada um dos estádios contém em si mesmo o ponto central da sua felicidade" (Herder, 1995, p. 45).
Mas talvez Kant seja, ainda, o melhor exemplo do arranjo programado entre liberalismo, individualismo e filosofia da história. Seu pequeno escrito de 1784, Idéia de uma História Universal de um ponto de vista cosmopolita , articula-se em torno de novas proposições: (1) todas as disposições naturais de uma criatura estão fadadas a se desenvolverem completamente conforme um fim determinado; (2) no homem, tais disposições significam o uso da razão e devem se manifestar no desenvolvimento não do indivíduo, mas da espécie; (3) a natureza proporciona uma felicidade livre do instinto ao homem; (4) o instrumento utilizado pela natureza para que a espécie humana desenvolva completamente suas determinações é o antagonismo social, a sociabilidade insociável ( ungesellige Geselligkeit ) que força os homens a entrar na sociedade mas ameaça dissolvê-la a cada momento; (5) de forma que o maior problema para a espécie humana é alcançar uma organização da sociedade civil perfeitamente justa e livre; (6) o problema este que, por ser o mais difícil, será resolvido pela última espécie humana; (7) o problema da perfeita constituição civil somente poderá ser resolvido a partir da solução do problema externo da relação entre os Estados; (8) de forma que a história da espécie humana representa a realização de um plano oculto da natureza, tanto na constituição civil interna quanto externa, desenvolvendo-se plenamente como determinações humanas; e, finalmente, (9) uma tentativa de elaboração filosófica desse plano da natureza não é apenas possível quanto mesmo favorável para o propósito da natureza (Kant, 1986, ps. 24/09).
Toda essa progressão tem em vista uma tarefa singular, formulada, como não poderia deixar de ser, pelo próprio Kant, em Resposta à Pergunta: Que É Esclarecimento? , cuja resposta é óbvia: "Esclarecimento é a saída do homem de sua menoridade, da qual ele próprio é prejudicial. A menoridade é a incapacidade de fazer uso de seu entendimento sem a direção de outro indivíduo" (Kant, 1985, p. 100).
Fica claro, portanto, que a filosofia moral escocesa, o racionalismo francês e o idealismo alemão apresentaram um concerto conceitual peculiar quanto ao individualismo, liberalismo e filosofia da história, no bojo do Iluminismo do século XVIII. Toda a questão do esclarecimento era emancipar o homem da tradição pela razão, e, do ponto de vista político, essa tarefa se traduzia na busca por um fundamento racional para o poder político. A razão natural do Iluminismo naturalizou, por assim dizer, a ordem social que se constituía à imagem e semelhança do burguês.
Donde a concepção da sociedade – e do mercado capitalista em constituição – dar-se em termos naturais e espontâneos: a ordem natural das coisas, a abstração do individualismo liberal-burguês que tanto incomodava Marx, está completamente enraizada na filosofia da história do século XVIII; ela foi o verdadeiro elemento filosófico da política e da economia burguesas, pois eximiu o burguês de explicação do fardo da desigualdade e da exploração. Aqui, a correção das desigualdades não está assentada na eficiência reguladora do capitalismo, mas na utopia do progresso humano – e a diferença não é retórica:
"O objetivo dos cidadãos será aperfeiçoar-se moralmente até o ponto de saber eficaz, e cada um por si, o que é bom e o que é mau. Assim, cada um torna-se um juiz que, em virtude da esclarecimento alcançado, considera-se autorizado a processar as determinações heterônomas que contradizem sua autonomia moral. Assim, a separação, realizada pelo Estado, entre política e moral volta-se contra o próprio Estado, que é obrigado a aceitar um processo moral" (Koselleck, 1999, pág. 16).
A aporia da legitimação política decorre então da incapacidade de uma política resistir ao crivo da moral, mesmo diante da expressão moderna do Estado racional – tanto na passagem do Estado absoluto ao Estado de direito quanto deste ao Estado democrático, ou, ainda, deste último ao Estado social. Enfim, "A conta foi apresentada pela primeira vez na Revolução Francesa" (Koselleck, 1999, p. 161) e seria apresentada ainda em outras graças.
Com a Revolução Francesa, inaugura-se uma nova temporalidade, encerra-se o tempo da filosofia da história ao mesmo tempo em que não se consuma o projeto iluminista. Não é à toa que o século XIX, tensionado pelo constitucionalismo democrático e pelo movimento proletário revolucionário, conheceu a sociologia e o romantismo, dada a frustração de 1848. Duas guerras mundiais depois, entremeadas pela Revolução Russa, pela crise de 1929, pelo nazi-fascismo, por um Keynes e um Beveridge, o Ocidente dominado pela social-democracia – uma recusa à memória da primeira metade do século XX e uma retomada do élan do século XVIII. E essa determinação histórica é bastante consciente: “ Apenas este projeto do Estado social fez sua herança dos movimentos burgueses de emancipação ” (Habermas, 1987, p. 106). A ponte está finalmente completa: o Estado social é a "última" etapa do projeto iluminista:
"A emancipação, assegurada o denominador comum de justiça para todas as demandas, objetivava a erradicação da desigualdade jurídica, social, política e econômica. Assim, versão em qualquer caso, o termo se tornou um conceito que exigia a erradicação da dominação pessoal do homem sobre o homem; era tanto liberal, em favor da regra da lei , quanto democrático, em favor da soberania popular; era interpretável em uma socialista, em favor da comunhão da propriedade, tanto quanto o suposto meio de abolição da dominação economic . (Koselleck, 2002, p. 254/255).
Essa percepção é absolutamente clara tanto para Habermas quanto para Hayek. E é o posicionamento quanto à situação do Estado de Bem-Estar Social vis-à-vis o projeto iluminista que determinará o sentido da teoria política mais recente.
Neoliberalismo e individualismo econômico: Hayek
Uma vez feita a relação entre individualismo, liberalismo e filosofia da história no transcorrer da modernidade em trânsito do século XVIII para o século XIX, cumpre agora desfazer uma relação conceitual geralmente compreendida de maneira bastante linear, qual seja: a derivação do neoliberalismo a partir do liberalismo. O apelo ao amor próprio como estratégicos para as trocas mercantis, na passagem clássica de Adam Smith, já mencionado, é geralmente limitado à ação mercantil – de Hayek à teoria da escolha racional, passando por Robert Nozick, James Buchanan e Gordon Tullock, o "homem econômico" édo como reivindicação pedra angular da nova direita, muito embora essa nova tenha generalizado uma postura teórica bem distinta da moralidade econômico-liberal de Smith3.
Para esclarecer os termos, é necessário investigar como Hayek lida com a tradição liberal. O clássico The Road to Serfdom , de 1944, denunciava: "Nós ainda pensamos que até bem recentemente éramos governados pelo que é vagamente chamado de ideias do século dezenove ou princípio do laissez faire " (Hayek, 1994, p. 15). A crítica é dirigida ao abandono da liberdade econômica individual tipicamente liberal, experimentado no funcionamento do século XX – mas tal abandono decorre, segundo o próprio Hayek, de uma matriz liberal racionalista exacerbada que culmina no planejamento coletivista.
Em "Individualismo: Verdadeiro e Falso", na coletânea Individualismo e Ordem Económica (1948), a maior preocupação é a integração do individualismo, fundamento da civilização ocidental. O individualismo de que fala Hayek pretende resgatar uma referência ao Renascimento, para o qual o homem é visto enquanto tal, soberano em sua própria esfera. É necessário, então, matizar a tradição liberal iluminista, pois não é toda ela que segue essa linha: há um individualismo "verdadeiro" e outro "falso". O primeiro remanescente ao empirismo britânico e passa por Locke, Mandeville, Hume, Smith e Burke, culminando em Tocqueville e Lord Acton; o falso individualismo remete à tradição racional-cartesiana francesa, incluindo Voltaire, Rousseau, os fisiocratas e os enciclopedistas (especialmente D'Alembert e Diderot). Hayek imputa a confusão entre o "verdadeiro" e o "falso" individualismo a John Stuart Mill e Herbert Spencer, que promoveram a fusão entre o racionalismo francês e o empirismo anglo-saxônico – no caso de Mill, claramente tomado de Kant, tributário do racionalismo de Rousseau – mas também, é bom lembrar, do empirismo de Hume.
O principal problema é que "esse individualismo racionalista sempre tende a se desenvolver como o oposto do individualismo, a saber, socialismo ou coletivismo" (Hayek, 1984, p. 4) – a vinculação entre o racionalismo iluminista e o Estado de Bem-Estar Social é aqui bastante evidente para Hayek (1979b, p. 13).
O verdadeiro individualismo é precipuamente uma teoria da sociedade e apenas a partir daí permite deduzir um conjunto de políticas máximas: a única maneira de compreender as orientações sociais é a partir das ações individuais orientadas pelo comportamento e pelas expectativas dos demais indivíduos:
"não há outra maneira para entender as tendências sociais a não ser através de nosso entendimento das ações individuais orientadas em direção às outras pessoas e guiadas pelo comportamento que delas é esperado" (Hayek, 1984, p. 6).
Não obstante Hayek pretende, com o verdadeiro individualismo, retomar o "homem econômico" liberal, ele acaba se colocando mais próximo de Max Weber e de Vilfredo Pareto que do próprio Smith. Como se pode perceber, o individualismo de Hayek ou a aproximação do individualismo econômico de Weber e Pareto – indispensável, nessa medida, para compor sua própria teoria do conhecimento. Veja-se, respectivamente:
" Ação como orientação orientada pelo sentido do próprio comportamento sempre existe para nós unicamente na forma de comportamento de um ou vários indivíduos . se refere ao comportamento de outros, orientando-se por este em seu curso ” (Weber, 2000, v. I, p. 8/9 – grifos acrescidos).
“Todo indivíduo, à medida que atue logicamente, busca atingir um máximo de utilidade individual”; "O termo indivíduo é preciso: serve para indicar seres vivos considerados isoladamente. O termo sociedade é um pouco vago: designa, geralmente, um agregado de tais indivíduos, considerados em seu conjunto" (Pareto, 1984, p. 96; p. 174).
Partindo de uma definição pareto-weberiana do individualismo (se não na intenção, pelo menos no conteúdo), Hayek chega à conclusão de que as instituições sociais mais fundamentais resultaram de reflexões e fragmentadas ações individuais não executadas a um plano de ação anterior, em clara exposta ao racionalismo cartesiano. Nesse sentido, é possível compreender a formação de arranjos sociais espontâneos e não planejados e, mais ainda, refutar o preceito racionalista de que a razão deve servir aos fins individuais – pois tal circunstância levaria ao planejamento e, em última instância, ao socialismo. Os resultados sociais aconselhados de ações individuais são muito melhores do que o planejamento racional poderia eventualmente prever.
Com Hayek, a exclusão de que o conceito de individualismo provocado na segunda metade do século XX é imputado ao sentido de egoísmo geralmente a ele associado, de forma que os dois conceitos são tomados como sucessivos. Contra essa participação, argumenta-se que na linguagem do século XVIII, o amor próprio e o interesse egoísta não demonstraram o egoísmo hedonista que conhecemos hoje, relacionado exclusivamente ao interesse econômico de mais curto prazo. Até aqui, Hayek argumenta com toda a retidão. Mas as diferenças entre Mandeville e Smith, como visto, não se avaliam a questões terminológicas; a diferença entre eles é fundamentalmente filosófica ; melhor dizendo, é uma diferença de filosofia moral .
Partindo das ações individuais orientadas por expectativas sociais, apresentadas claramente weberiana, Hayek tem de forçar a leitura que faz do liberalismo escocês do século XVIII: apoiado em Ferguson, assevera que "rastreando os efeitos combinados de ações individuais, nós descobrimos que muitas das instituições sobre as quais se apoiam as realizações humanas surgiram e funcionam sem uma mente idealizadora e planejada" (1984, p. 6/7); e que o desenvolvimento espontâneo da ordem social a partir das ações individuais é o "grande tema" da filosofia moral escocesa (1984, p. 7).
Agora, o grande tema da filosofia moral escocesa é completamente outro, por mais que tais considerações envolvam o fato presente – tanto Smith quanto principalmente Ferguson asseveraram a evolução gradual e espontânea da sociedade. Mas, como visto na seção anterior, o individualismo subjacente a essa concepção não se relaciona às ações individuais orientadas por expectativas sociais, mas sim à tensão intrínseca ao individualismo liberal, representado na sociabilidade insociável tipicamente iluminista, amainada pela filosofia da história . Nessa medida, a solução dos efeitos colaterais do individualismo liberal-burguês do século XVIII é remediada para o futuro, para a evolução humana. Mas esse não é, isoladamente, o grande tema de Smith e Ferguson. Tanto é assim que Hayek, não obstante as inúmeras remissões a Smith, e mesmo quando recorre a Mandeville, deixa entrever as viés de sua leitura – principalmente no artigo "Dr. Bernard Mandeville", publicado nos Freiburger Studien :
"Talvez ele [ Mandeville ] não tenha de maneira alguma mostrada exatamente como uma ordem pode se constituir sem um plano, mas ele compreendeu plena e claramente que ela assim se faz" (Hayek, 1969, p. 128).
De fato, se, na esteira da tradição da filosofia moral clássica, o individualismo não se reduz ao hedonismo estrito mas projeta-se no anteparo moral garantido pela filosofia da história, Hayek se distancia dessa tradição e se aproxima do empirismo cético ao negar ao indivíduo a condição para melhor descobrir quais são seus verdadeiros interesses. Essa tarefa tem de ficar, por isso, a carga de um processo social em que todos possam participar igualmente e tentar o melhor resultado; a razão humana não é um atributo individual dado ao homem, mas eminentemente um processo interpessoal, no qual a ação de um indivíduo é testada em face da ação dos outros indivíduos, sendo então aprovada, reprovada, corrigida ou confirmada4.
O ponto central do individualismo de Hayek não é um atestado de conduta empírica, mas diz respeito às possibilidades cognitivas intrinsecamente limitadas, já que o homem não é capaz de conhecer e apreender muito mais além do que uma pequena parcela da sociedade e somente pode levar em consideração aquilo que sua capacidade intelectiva é capaz de processar na esfera circunscrita individual da predição possível. Trata-se de uma teoria do conhecimento de caráter essencialmente cético-empirista (na matriz de Kant e Hume)5.
Com isso, Hayek se aproxima e se afasta da tradição liberal clássica a que se pretende filiar, pois seu individualismo é muito mais conectado a uma teoria do conhecimento que a uma filosofia moral propriamente dita – e o principal problema de Hayek é que sua teoria do conhecimento, não obstante sua conotação moral, é determinada precipuamente por suposições econômicas e, em especial, por pressupostos típicos do mercado competitivo. Por mais que sua teoria do conhecimento empiricamente limitada o aproxime de Kant e Hume, e por mais que seu conceito de ordem espontânea aponte para Mandeville (e, conceda-se, para Ferguson e Smith), falta-lhe, contudo, a garantia teórica representada por um projeto moral, dado seu descompromisso com o iluminismo. Mas Hayek não pode fazê-lo, em função de sua compreensão do verdadeiro individualismo, eminentemente anti-racionalista.
No individualismo de Hayek, o indivíduo, unidade básica de ordem social espontânea, só tem acesso a um conhecimento muito limitado, empiricamente apreensível. É por essa razão que o individualismo, a teoria do conhecimento e o mercado se imbricam inexoravelmente em Hayek: agora, o arranjo que permite que pequenas esferas individuais capazes de um conhecimento muito limitado entrem em contato umas com as outras para a produção de efeitos sociais de longo alcance é o mercado, financiado na propriedade privada e na troca. Mas essa teoria do conhecimento tem um vício intrínseco insanável. Vejamos:
“Em suma, devo afirmar que o elemento empírico na teoria econômica – a única parte que concerne não apenas implicações mas causas e efeitos e que leva, portanto, a conclusões as quais, de qualquer forma, são em princípio susceptíveis de verificação – consiste em proposições sobre a aquisição de conhecimento” (Hayek, 1984, p. 33 – grifos acrescidos).
Qual é o elemento empírico da teoria econômica que viabiliza o conhecimento?
" Competição é, assim como a experimentação na ciência, primeiro e sobretudo um processo de descoberta" (1979a, p. 68 – grifos acrescidos).
Hayek não deduz a competição de suas propostas – e aí é que está o ponto cego de sua construção teórica – ao contrário, erige a própria competição ou colocação do conhecimento. Essa construção traz uma dificuldade incontornável. Para Hayek, o individualismo não é puramente econômico – o que não quer dizer que os aspectos econômicos são desprezíveis, muito pelo contrário, são absolutamente determinantes. Não por outra razão, o mercado é a melhor forma de garantir o aumento do conhecimento social, a estabilidade da ordem social e o progresso, porque permite que os indivíduos manejem espontaneamente o conhecimento legado pela tradição e incrementem as informações adquiridas pelas negociações econômicas. Mas a dificuldade de Hayek parecer não dar solução satisfatória está em relação ao individualismo e à teoria do conhecimento. A competição como colocação não é a melhor opção. A pressuposição do mercado em sua neutralidade abstrata condicionada a teoria do conhecimento: Hayek não parte do indivíduo em seu conhecimento limitado e essencialmente empírico para chegar ao mercado, mas faz o contrário: o mercado competitivo está pressuposto na própria definição do conhecimento, pois é a competição que caracteriza o processo de descoberta; o conhecimento está diretamente subordinado ao elemento empírico da teoria econômica.
Como já mencionado, Hayek tem de fugir do individualismo racionalista, que conduz ao socialismo. Mas essa circunstância força sua construção teórica e impõe custos muito altos. Em última instância, a preocupação de Hayek é garantir uma ordem social que, mesmo não sustentada pela racionalidade estrita individual, constitui um conjunto social no todo racional. Mas se o individualismo de Hayek não é o mesmo de Smith – pois o amor próprio condicionava a extensão da divisão do trabalho e do mercado, e, no neoliberalismo, é uma concepção a priori do mercado que permite ligar o individualismo e a teoria do conhecimento – a liberdade individual do neoliberalismo não pode ser liberal6. Em Hayek, a liberdade é um conceito extremamente restrito, restrito à mera ausência de coerção físico-corporal por parte de outros homens:
“Estamos preocupados neste livro com aquela condição na qual a coerção dos homens por outros homens seja reduzido tanto quanto possível em sociedade. Devemos descrever esse estado daqui em diante como estado de liberdade.
Assim, liberdade e coerção adquirem um sentido exclusivamente pessoal, pois se referem apenas às ações lógicas entre homens individualizados, e não significam a ausência de outras barreiras impessoais:
"Nesse sentido, 'liberdade' refere-se somente à relação entre os homens, e sua única infração é a coerção por outros homens." (Hayek, 1960, p. 12)
Liberdade e coerção, como é possível perceber, advêm da concepção de um mercado espontâneo e não-coercitivo no qual os indivíduos se movem livremente. Essa circunstância, ao contrário da intuição, é muito mais uma diferença que uma semelhança entre liberalismo e neoliberalismo. Como visto, a naturalização da ordem social no liberalismo era garantida pela filosofia da história: para os liberais, a liberdade fundava o mercado livre; para os neoliberais a liberdade está contido no mercado.
O conceito de "ordem espontânea" ( kosmos – sociedade), em oposição ao de "organização" ( táxis ou "ordem artificial" – governo), configura uma ordem social endógena, abstrata, complexa e auto-suficiente. Esse conceito de ordem espontânea é uma negação frontal à tradição iluminista, pois não há de falar em qualquer "projeto" humano (Hayek, 1973, p. 35 e ss). A "ordem natural das coisas" do século XVIII foi assentada na utopia do progresso humano, que seria suficiente para resolver espontaneamente o problema da emancipação. A espontaneidade da ordem social de Hayek é um conceito restrito e paradoxal, pois a ordem social é espontânea apenas na medida em que não transcenda seus próprios limites. O progresso não está relacionado com a emancipação, mas sim com a manutenção da desigualdade e, nessa medida, com a contenção social. Esse paradoxo tem relação no vínculo intrínseco entre progresso e desigualdade, pois ele permite que bens materiais em princípio disponíveis apenas para as classes sociais mais abastadas possam se tornar acessíveis também às classes sociais mais baixas. Justamente a inevitabilidade da desigualdade econômica é o argumento utilizado para defender a espontaneidade da ordem social capitalista, pois é impossível antecipar os resultados do mercado ou prever o curso do progresso:
"Em sentido estrito, apenas a conduta humana pode ser chamada justa ou injusta. Se aplicarmos tais termos a um estado de coisas, eles farão sentido apenas na medida em que julgarmos alguém responsável por instituir esse estado de coisas ou por permiti-lo. Um fato puro ou um estado de coisas que ninguém pode mudar pode ser bom ou ruim, mas não justo ou injusto. (...) Evidentemente, não apenas as ações individuais, mas também a ação concertada de vários indivíduos ou a ação de organizações podem ser justas ou injustas. O governo é uma tal organização, mas a sociedade não é, embora a ordem social seja afetada pelas ações do governo, e desde que ela remanesça uma ordem deliberada, os resultados particulares do processo social não podem ser justos ou injustos ” (Hayek, 1976, p. 31/32 – grifos acrescidos).
Com tal articulação, o próprio princípio de organização da ordem social – a economia de mercado – fica isento de crítica; não se trata mais de defender uma sociedade baseada no capitalismo competitivo porque tal defesa não faz o menor sentido, aliás, não faz qualquer sentido questionar essa própria ordem social, pois sua espontaneidade fática está fora do crivo da justiça, reservada à conduta humana. Com isso, os resultados de uma sociedade de mercado já não se prestaram sequer a julgamento: a melhor defesa do mercado é enfrentar um pressuposto axiológico e epistemológico. O arcabouço conceitual de Hayek permite que a ordem social e o governo sejam concebidos em planos diferentes, sendo uma interação entre ambos regida pelo desenvolvimento da competição, pelas razões já vistas. É por isso que:
"Tem-se que admitir claramente que a maneira pela qual os benefícios e contribuições são distribuídos pelo mecanismo de mercado deveria ser considerado como muito injusto em várias instâncias se fosse o resultado de uma alocação deliberada a pessoas particulares. Mas não é esse o caso" (Hayek, 1976, p. 64 – grifos originais).
Sem uma filosofia da história como anteparo moral, Hayek força a caracterização do mercado como algo espontâneo, o que fragiliza a relação entre o neoliberalismo e a defesa da liberdade individual. Essa conclusão, após a identificação do arranjo clássico entre liberalismo, individualismo e filosofia da história, chega a um patamar quase elementar: se Hayek não se filia ao projeto do esclarecimento, se a emancipação não está no horizonte do neoliberalismo, não se poderia esperar muito de seu conceito de liberdade. É por essa razão que sua defesa moral da liberdade é mitigada e matizada pela defesa econômica do mercado competitivo – Hayek opera uma depuração moral do homem econômico de Smith, por assim dizer.
A união entre competição e teoria do conhecimento dispensa a garantia teórica representada pela filosofia da história; a ojeriza ao projeto distributivo exige a renúncia ao conteúdo moral da tradição liberal – a vinculação do neoliberalismo ao liberalismo é, portanto, muito mais fraca do que pode parecer à primeira vista, muito menos óbvia que retórica. Hayek está muito menos relacionado a Adam Smith do que a Pareto e Weber. A filosofia moral escocesa, o racionalismo francês e o idealismo alemão possuíam em comum um individualismo liberal que, embora projetasse resultados resultados econômicos bastante significativos para o desenvolvimento da economia de mercado, não se exauria em tal tarefa, não se limitava a explicação do mercado. A ausência de um anteparo moral como fundamento filosófico-político precípuo marca a fronteira entre Hayek e o liberalismo clássico, já que essa função é desempenhada pela competição7.
Agir comunicativo e filosofia da história: Habermas
Se Hayek desfaz a articulação entre individualismo, liberalismo e filosofia da história, reconfigurando o individualismo "verdadeiro" à sua maneira (ou seja, essencialmente marcado pela competição capitalista), Habermas reorganiza a tríade iluminista em uma crítica – ma non troppo – à social-democracia. Hayek, como visto, não pode herdar nada do projeto iluminista além de um individualismo economicamente hipostasiado muito distante de Smith. Habermas, tido por mentor de uma "segunda geração" da teoria crítica da sociedade (leia-se: filiado, nessa medida, ao marxismo ocidental da segunda metade do século XX), é, na verdade, o autêntico herdeiro do individualismo liberal-burguês; tem muito mais de Smtih do que de Frankfurt.
E a chave em que se dá essa apropriação não está no individualismo em si, que aparece como defesa da individualidade, mas na tradução da filosofia da história liberal à teoria do agir comunicativo.
Compreender Habermas implica, portanto, recompor um duplo movimento em sua trajetória teórica: a apropriação do élan iluminista em chave social-democrata e, simultaneamente, o distanciamento do materialismo histórico.
A apropriação habermasiana da tradição iluminista está equipada no conceito de filosofia da história, conforme desenvolvido por Koselleck: um expediente para remeter ao futuro a solução da aporia da legitimação política. O individualismo e o liberalismo, por sua vez, estão presentes em Habermas de maneira bastante peculiar: o "liberalismo" decorre da crítica ao Estado de Bem-Estar Social , ou melhor, a seus excessos juridicizantes – mas não às conquistas representadas pelos direitos sociais. O liberalismo clássico tinha em conta a liberdade como emancipação – Habermas irá mitigar esse aspecto, como se verá. O individualismo, por sua vez, é na verdade a defesa da individualidade contra o aparelho de poder estatal – o que remete Habermas, pelo menos em alguma medida, à tradição sociológica.
De fato, não obstante o célebre livro de Hayek, Road to Serfdom, tenha sido batizado por inspiração em Tocqueville, Habermas está mais perto do francês do que se pretende o próprio Hayek. O século XIX apresentou inúmeras reações ao individualismo, não circunscritas ao perímetro socialista: um diagnóstico comum foi feito tanto por Marx quanto por Tocqueville; ambos já delinearam uma defesa do indivíduo perante o aparelho de poder estatal. O argumento seria radicalizado por Weber nas teses da perda de sentido e da perda da liberdade, corolários inevitáveis do desencantamento do mundo como modernização social pautada pela ação racional com relação aos fins.
Na linha com Tocqueville, Marx vê na Revolução Francesa a construção de um aparato institucional cada vez mais centralizado, aperfeiçoado que seria por Napoleão e também depois dele: "Todas as revoluções aperfeiçoaram essa máquina, ao invés de destroçá-la. (...) o Estado tornar-se completamente independente" (Marx, 1997, p. 126). Não é diferente da impressão de Tocqueville, na outra ponta ideológica da fundação da sociologia. Também para o pensador francês, a Revolução Francesa somente fez acentuar a centralização política já presente desde o Antigo Regime , submetendo toda a sociedade à administração pública, "A sociedade que progride gera a cada instante novas necessidades, cada uma das quais representa uma nova fonte de poder para o governo, já que só ele é capaz de satisfazê-las" (Tocqueville, 1997, p. 94), culminando em uma espécie de "servidão regulada" (Tocqueville, 1998, pág. 531/532).
Habermas admite que a perda de liberdade é, em alguma medida, o custo para recuperar um sentido racional específico para a ação social. Mas nessa tentativa acaba recitando em algo como uma filosofia da história de caráter comunicativo, por assim dizer.
Para desenvolver a teoria do agir comunicativo, Habermas se avançou do materialismo histórico. A sociologia de esquerda como um todo não hesitou em descartar Marx à luz do Estado de Bem-Estar Social : o diagnóstico do capitalismo invalidaria as contribuições marxistas; o dogmatismo do Manifesto não poderia resistir à prova da história, ao "ganho sem ambigüidades" representado pelo Estado de Bem-Estar Social (Habermas, 2001b, p. 53). Não é à toa, por exemplo, que “A aplicação da teoria marxista das crises, à modificação da realidade do capitalismo avançado, conduz a dificuldades” (Habermas, 1999, p. 9). Na mesma linha, Claus Offe reverbera: "Grosseiramente, é a seguinte a dificuldade epistemológica que desde a Segunda Guerra Mundial vem torturando a teoria política marxista: faltam à teoria tradicional da crise pontos de referência empíricos, enquanto, ao contrário, falta uma teoria adequada aos processos reais da crise" (1984, p. 296). A social-democracia foi vista como a refutação da teoria de classes, da tese do colapso do capitalismo e da tese da proletarização progressiva, três dogmas centrais da Segunda Internacional (Heimann, 1991). Mas o passo decisivo de Habermas está em Técnica e Ciência como 'Ideologia' , no artigo homônimo:
"Por 'trabalho' ou ação racional teleológica entendo ou a ação instrumental ou a escolha racional ou, então, uma combinação de duas. A ação instrumental orienta-se por regras técnicas que se apoiam no saber empírico. (...) Por outro lado, entenda por ação comunicativa uma interação simbolicamente mediada. Ela orienta-se segundas normas de vigência obrigatórias que definem como expectativas recíprocas de comportamento e que têm de serem entendidas e reconhecidas, pelo menos, por dois sujeitos agentes" (2001a, pág. 57 – grifos originais).
Não é objeto deste trabalho problematizar, na extensão devida, o conceito de trabalho de Habermas. É evidente que a redução não se sustenta e somente faz sentido em uma separação idealista e artificial da realidade; de Hegel a Marcuse, passando por Marx, o trabalho é categoria da práxis social, para dizer o mínimo. A separação entre sistema e mundo da vida – como âmbitos de trabalho e de interação, respectivamente – é por demais forçada, já que o trabalho assalariado é "uma atividade que se realiza na esfera pública (...). Por isso, a sociedade industrial pode perceber a si mesma como uma 'sociedade de trabalhadores', distinta de todas as demais que a precederam" (Gorz, 2003, p. 21 – grifos originais).
Habermas, acompanhando Offe, demonstra o esgotamento da utopia da sociedade do trabalho em nome de uma utopia comunicativa – e esse é o pilar de sua crítica ao Welfare State (cf. Offe, 1989, p. 171). Não obstante Habermas seja plenamente consciente do vínculo do Estado social ao projeto esclarecedor, como já visto, a crise é inegável diante da perda da centralidade sociológica da categoria de trabalho : "O desenvolvimento do Estado social acabou num beco sem saída. Com ele esgotaram-se as energias da utopia de uma sociedade do trabalho" (1987, p. 112). Esse diagnóstico fundamenta a recuperação de sentido pelo agir comunicativamente orientado à obtenção livre do consenso – o projeto esclarecedor transita do trabalho à interação; da reprodução material à reprodução simbólica do mundo da vida.
Ora, mas se a reprodução simbólica do mundo da vida é sustentada por seu material de reprodução (Habermas, v. II, 1995, p. 209), não se pode abrir a mão de uma esfera própria do agir instrumental, em que pese a dominação correlata causada pela estrutura social erigida a partir do trabalho assalariado. Assim é que Habermas se envolve em uma circularidade estéril e insolúvel: se o trabalho, a manipulação técnica, enfim, o sistema , constitui esfera indispensável para a reprodução do mundo da vida, é extremamente improdutivo argumentar pela perda da centralidade da categoria trabalho: na tese do esgotamento da sociedade do trabalho, a categoria "trabalho" não pode ser a mera manipulação instrumental da natureza, tem de ser trabalho como interação – caso contrário, a solidariedade comunicativa não seria um sucedâneo. Mas, por outro lado, o trabalho como agir instrumental é absolutamente incontornável para a própria racionalização simbólica do mundo da vida – nesse sentido, o trabalho não pode perder a centralidade. Mas, como já foi dito, o argumento da perda da centralidade exige que o trabalho seja algo além do agir instrumental, o que não é desenvolvido na teoria do agir comunicativo – daí a contradição do conceito de trabalho de Habermas.
Os custos desse movimento não serão pequenos. Ao assumir para si a tarefa de dirigir o projeto esclarecedor, dispensando a dialética histórico-materialista (que se fiava no trabalho), Habermas tem de elaborar uma garantia teórica para a emancipação, exatamente como fazer o liberalismo clássico. E isso é feito conforme sua estratégia para uma abordagem reconstrutiva das ciências sociais aprimorada na comunicação e, mais especificamente, na orientação da ação comunicativa centrada no consenso (Habermas, 1989)8.
A ausência do potencial negativo da dialética exige, em contrapartida, uma positividade, um sucedâneo comunicativo para a filosofia da história. Essa positividade está na esfera pública, instância comunicativa capaz de revitalizar os processos de legitimação política do Estado de direito (Habermas, 1984, p. 269/270). É nela que se dá o “uso público da razão”, para lembrar Kant (1985, p. 104). Mas para que tal se processe, os requisitos não são pouco exigentes: as três ficções permitem à teoria do agir comunicativo rezam: autonomia dos agentes, independência (ainda que relativa) da cultura e transparência da comunicação (Habermas, 1995, v. II, ps. 224/225). Mais ainda, são condições para o discurso racional: ( i ) a disposição de uma interrupção não motivada da argumentação, a liberdade na escolha dos tópicos da discussão e a inclusão da melhor informação disponível; ( ii ) o acesso universal equânime e igual à argumentação, bem como participação igual e simétrica; e, finalmente, ( iii ) a exclusão de toda e qualquer coação além do melhor argumento, na busca cooperativa pela verdade (Habermas, 1996, p. 230).
Tais ficções são fortes e abstratas demais para passarem sem crítica. Somente fazem sentido quando se admitem a representação bipolar e idealista da sociedade como sistema e mundo da vida (trabalho e interação), conforme a qual os homens desempenham papéis sociais absolutamente independentes entre si, sob a orientação da busca por um conceito de "consenso" abstrato e normativo que, por isso mesmo, torna-se vazio de sentido político. A busca pelo consenso é, com efeito, mais importante que o próprio consenso – com isso, Habermas elimina a dimensão negativa da linguagem, cuja função é precisamente operar o dissenso. Vale considerar que essa dimensão negativa da comunicação está presente em Luhmann9.
Com efeito, a compreensão da sociedade como sistema e mundo da vida enfraqueceu o individualismo e, por conseguinte, a defesa da individualidade: o amor próprio e a "sociabilidade insociável" marcaram a tensão entre egoísmo e sociabilidade (quer dizer, entre ação instrumental e ação comunicativa), momentos mediados que não eram dados. Se a integração sistêmica se dá pela ação estratégica, detalhes são dinheiro e poder; e se a integração social se dá pela interação dialógica, cujo meio é o consenso; a tensão ínsita do individualismo liberal-burguês desaparece. Por mais que Habermas pretenda tocar o projeto iluminista, falta-lhe a intransigência na defesa substancial da liberdade, presente no século XVIII. O individualismo de Habermas, portanto, embora não se assemelhe ao individualismo econômico de Hayek, não retome integralmente Smith10.
Diante dessa defesa relativa da individualidade, Habermas tem de construir uma filosofia da história comunicativa: o desacoplamento entre sistema e mundo da vida é remetido à integração comunicativa alcançada em uma esfera pública universal, reforçada em um paradigma processual do direito e da democracia, cujo modelo é a evolução de níveis de consciência moral determinados pelo paralelismo entre a ontogênese (desenvolvimento do indivíduo isolado) e a filogênese (desenvolvimento do gênero humano).
Em Para a Reconstrução do Materialismo Histórico , Habermas conflui a teoria do agir comunicativo e a psicologia cognoscitiva do desenvolvimento. A composição permite avaliar a evolução de níveis de consciência moral estruturados conforme uma intersubjetividade produzida linguísticamente e uma dinâmica do desenvolvimento da personalidade, em referência "às estruturas de consciência do direito e da moral – que são homólogas na história do indivíduo e na do gênero " (Habermas, 1983, p. 15 – grifos acrescidos).
Partindo de Piaget, Habermas oferece uma evolução da aprendizagem conforme a interação entre a criança e o ambiente, de forma que é pela confrontação com o alter que se forma o ego . Isso faz com que o ego se relacione, de um lado, com uma alteração que é a natureza externa e, de outro lado, com uma alteração que seja a natureza interna. O desenvolvimento da "identidade-do-Eu" ( ich-Identität ) tem paralelo à evolução de imagens de mundo. Com efeito, a identidade-do-eu se desenvolve em estágios que aprimoram a delimitação entre a subjetividade e a objetividade, do ponto de vista cognoscitivo, lingüístico e interativo. Assim, o Eu me desenvolvo na sequência dos estágios simbióticos (em que a criança não se delimita perante o entorno, a subjetividade ainda não tem sentido); egocêntrico (a criança idade apenas e exclusivamente com referência ao seu próprio corpo); sócio-cêntrico objetivista (a criança toma consciência de sua perspectiva subjetiva e já delimita perfeitamente a natureza externa e a sociedade); e finalmente universalista (o adolescente se livra do dogmatismo precedente e assume a possibilidade de um ponto de vista reflexivo e relativista).
“Na ontogênese, observam-se seqüências de conceitos-base e estruturas de lógicas que são afins à evolução das imagens do mundo” (1983, p. 18/19).
Com isso, Habermas estabelece uma analogia evolutiva entre: ( i ) o estágio simbiótico e a sociedade paleolítica; ( ii ) o estágio egocêntrico e a sociedade tribal, marcado pela explicação narrativa mítica e sócio-mórfica do mundo; ( iii ) o estágio sócio-cêntrico objetivista e as sociedades pré-modernas, em que a narrativa mítica é remanescente pela justificação do poder, já resultou com argumentos mas ainda atrelados a princípios fundamentais além dos quais não pode avançar; e ( iv ) o estágio universalista e as sociedades estatais modernas:
"Quando se afirma na economia capitalista e no Estado moderno formas universalistas de relacionamento, a atitude em face da tradição judaico-cristã e grego-ontológica sofre uma fratura de tipo subjetivista (Reforma e filosofia moderna). Os princípios supremos perdem o seu caráter de indubitabilidade; a fé religiosa e a atitude teórica tornam-se reflexivas" (Habermas, 1983, p. 20).
Ora, Habermas, leitor de Koselleck, não poderia deixar passar desapercebida a camada ("eletiva") entre o caráter utópico da filosofia da história liberal e o ideal ético-discursivo universalista de sua própria teoria, inclusive quanto ao paralelo entre a história individual e a história do gênero humano: por isso Habermas insiste em impingir à teoria crítica da sociedade a pecha de uma "filosofia da história catastrófica" (Habermas, 1995, v. I, p. 508/509), oferecendo, por isso, uma teoria do agir comunicativo como alternativa à filosofia da história:
"Com a presente investigação, gostaria de introduzir uma teoria da ação comunicativa que esclarecesse os fundamentos normativos de uma teoria crítica da sociedade. A teoria da ação comunicativa oferece uma alternativa à filosofia da história que se tornou insustentável, e à qual permaneceua ainda ligada a velha teoria crítica" (Habermas, 1995, v. II, p. 583).
Com efeito, como é possível notar, a teoria do agir comunicativo não é uma alternativa à filosofia da história mas sim e mais propriamente seu substituto. A busca pelo consenso na teoria do agir comunicativo redunda na postergação rotineira da decisão, no adiamento processual da decisão política para o futuro; quer dizer, o agir comunicativo funciona – após os tempos áureos do Welfare State e a enxaurrada neoliberal – exatamente como a filosofia utópica da história funcionou para o liberalismo: descobrindo a crise de legitimação do poder político e remetendo-a ao futuro. O modelo processual do direito e da democracia deduzido da ação comunicativa significa, na verdade, aliviar o fardo de tomar decisões políticas substanciais, adiadas pelo processo político institucionalizado (Habermas, 1996, p. 362).
A teoria do agir comunicativo se incumbiu de tocar o Iluminismo e, para tanto, teve que recorrer a um programa político positivo – que, em última instância, funciona como um teórico equivalente para as filosofias da história liberais utópicas pré-revolucionárias . Resta comprometido, nesse passo, a tarefa de esclarecer que o agir comunicativo chamou a si11.
Post scriptum : legitimação pelo procedimento?
Diante do quatro até aqui esboçado, nota-se que a conjunção entre individualismo, liberalismo e filosofia da história, engendrada no bojo do projeto iluminista, contendo uma determinação política aporética que – a despeito da pretensa retomada do individualismo liberal pelo neoliberalismo, de um lado, e da herança da filosofia da história utópica retomada de forma subreptícia em registro social-democrata pela teoria do agir comunicativo, de outro lado – não foi solucionada.
O projeto de emancipação humana, que só faz sentido após o Iluminismo, torna-se uma tarefa inatingível porque perpetrada pela legalização, pela positivação jurídica de reivindicações emancipatórias (Koselleck, 2002, p. 258). No contexto iluminista, a razão do direito natural passou a crítica ao absolutismo que, cristalizada no Estado de direito, tornou o impulso revolucionário no princípio de conservação da ordem liberal – e, justamente por isso, a aporia da legitimação política repetiu-se para a social-democracia. Nesse sentido, se, diante da separação entre moral e política, "a conta foi apresentada pela primeira vez na Revolução Francesa", a conta foi apresentada uma segunda vez no Estado de Bem-Estar Social – na primeira vez pela revolução, na segunda pela reforma.
A teoria política contemporânea tem de partir, portanto, dessa situação aporética herdada do liberalismo – e não resolvida pela social-democracia nem pelo neoliberalismo.
Niklas Luhmann radicaliza a teoria da sociedade e propõe uma saída da aporia da legitimação política que, na verdade, significa precisamente aprofundar e radicalizar essa aporia: o "esclarecimento sociológico" é o abandono do "esclarecimento ingênuo" que marca toda a tradição iluminista (Luhmann, 1991, p. 67). Para a teoria de sistemas, a legitimação política deixa de ser um problema político diante da legitimação pelo procedimento.
Luhmann transforma o conceito de esclarecimento conforme recebido pela tradição iluminista racionalista ao fazer a inversão conceitual entre Aufklärung e Abklärung , muito mais significativa do que meramente terminológica. Com Abklärung o "esclarecimento" é tornado de um impulso de transformação social em direção à implosão da tradição em um impulso de conservação social, solução de problemas e tomada de decisões. Por isso "Iluminismo sociológico": a teoria de sistemas opera o esclarecimento como uma função de resolução de problemas sociais, pois o ganho representado pelo aumento das possibilidades humanas não significa nada se não puder ser corretamente apreendido e trabalhado (é a redução da complexidade social, no jargão da teoria de sistemas).
Partindo do esclarecimento sociológico, Luhmann prescinde do individualismo, da filosofia da história e até mesmo do liberalismo (no sentido empregado neste artigo, quer dizer, como fundamento da liberdade). Daí a individualidade ser conceituada apenas como auto-referência, como operação autopoiética. Exatamente como ocorre com o indivíduo, também o Estado é um sistema social dentre outros. O sistema político define-se por duas propriedades fundamentais: o poder de tomar decisões e o caráter vinculante dessas decisões. A mudança é feita pela capacidade de introdução de temas para a decisão por parte do sistema político conforme o binômio "progressivo"/"conservador" (1981, p. 38).
O risco para o sistema é dúplice: ( i ) que, uma vez submetido um tema à apreciação política, a decisão seja tomada depressiva demais, colocando em risco a sobrevida do sistema; ou ( ii ) que o sistema admite um tema político e é incapaz de alcançar uma solução. A grande tarefa do sistema político, portanto, é trazer temas para os quais ele conseguir oferecer ao menos uma decisão dentro de seus próprios limites, ou seja, garantir a legitimidade da legalidade. Isso é assegurado pela legitimação pelo procedimento (Luhmann, 1980).
A apreciação crítica dessa alternativa exige, contudo, um outro trabalho.
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_________Idéia de uma história universal de um ponto de vista cosmopolita (
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