domingo, 9 de março de 2025

CARTEIS

Há quase 50 ANOS, kurt Mirov, um suíço que vveu no Brasil e depois se fez eleger deputado em seu país, escreveu o clássico "A Ditadura dos Cartéis - Anatomia de um Subdesenvolvimento" (1978), a proposito do que vivenciou como empresário nestas terras. Desde então, se soube que a ditadura dos carteis só fez piorar, e muito, no Brasil, país cuja economia é controlada quase inteiramente por carteis em setores-chave da economia doméstica e nas exportações de produtos primários de caráter estratégico: alimentos, minérios e serviços de geração e distribuição de energia hidrelétrica e, agora, geração de energia verde, eólica e solar. Na contracorrente do que estão a fazer países da África, que se libertam do jugo neocolonial, o Brasil intensifica a sua dependência do antigo jugo COLONIAL, mediante, principalmente, as parcerias PPPs (parceiras público-privadas) apoiadas e em parte FINANCIADAS com dinheiro público via BNDES. Nivaldo Manzano

sábado, 8 de março de 2025

POR QUE A ÁFRICA ESTÁ FORA DO RADAR DO EXCEPCIONALISMO PLANETÁRIO DE DONALD TRUMP (EUA)? Em uma retomada inexorável da ACUMULAÇÃO DO CAPITAL, na atualização do conceito de Marx por Rosa de Luxemburgo (1871-1919) - processo recorrente que foge à queda tendencial na taxa de lucro mediante fuga para a frente com a apropriação de mais recursos -Trump, em poucos dias, anunciou o que resta do Planeta a ser apropriado pelos EUA - Groenlândia, Canal do Panamá, Golfo do México, Lítio (Argentina, Bolívia e Chile), Palestina, Amazônia (países amazônicos, incluído Brasil de Lula e governos anteriores). Trump não menciona a Europa e a África. A Europa, sem mais recursos a explorar, nada significa praticamente; e a África, por saber que o Continente é o OUTRO DO OUTRO. O Outro, na visão de Trump, é a China, que precisaria ser eliminada do caminho da acumulação do Capital, e o OUTRO DO OUTRO é, como a mulher negra, o outro de sua discriminação, a mulher branca, ou seja, o outro DEPOIS DA CHINA. E como se deve eliminar o inimigo principal por vez, a África ficaria para depois. Eis por que deve ser mantida na penumbra, longe da visão imediata do mapa geopolítico e geoeconômico: a África, associada ao Brics (o Sul-Global) é a resposta definitiva às ambições inexoráveis da acumulação do Capital, ASSIM COMO encenada na atualidade por Trump. A seguir um apanhado do que é a África, colhido em sítios do youtube: Ao contrário do que ocorre no resto do mundo, a população da África cresce exponencialmente. Esse gigantesco Continente, o terceiro em área territorial, com 30,330 milhões de km2, supera a Rússia (17, mi ki2), Europa (10,53 mi km2) e Estados Unidos (9,8 mi km2). O Continente Africano perde em área total apenas para a Ásia (44,58 mi km2) e Américas (42,50 mi km2). As projeções indicam que a população da região vai dobrar até 2050, chegando a 2,5 bilhões de pessoas. Na prática, isso significa que em menos de 30 anos um quarto da humanidade poderia ser potencialmente africana. O crescimento populacional da África ocorre duas vezes mais rápido que o do sul da Ásia e quase três vezes mais do que o da América Latina. O que impulsiona esse crescimento é uma característica peculiar dessa região: na maioria dos países africanos, pelo menos 70% dos habitantes têm menos de 30 anos. Isso contrasta fortemente com a situação no resto do mundo, onde a população envelhece rapidamente. A Europa precisaria repor a sua queda de natalidade com 2 milhões de imigrantes. América Latina e Caribe registram "o envelhecimento populacional mais célere do mundo". A explosão demográfica da África levou a ONU a concluir que o Continente "vai desempenhar um papel CENTRAL na formação do tamanho e distribuição da população mundial nas próximas décadas" É fácil entender a correlação positiva estreita entre população e desenvolvimento econômico e social, ao se olhar para a atualidade da China e da Índia. Nivaldo Manzano

sexta-feira, 7 de março de 2025

GUERRA CULTURAL

GUERRA CULTURAL TEXTO DE Ivanisa Teitelroit Martins que analisa em profundidade inédita a realidade que vivemos. “As lógicas discursivas e a guerra cultural vivo daquilo que o outro não sabe sobre mim. (Peter Handke, Nobel da literatura em 2019), vivo daquilo que nem eu mesmo sei de mim. A cultura não é um elemento acessório na luta e nos conflitos políticos; ela é o campo onde se constroem as bases da hegemonia. Quem controla a cultura não apenas domina narrativas, mas define os limites do possível, orienta valores e molda a percepção da realidade. Enfrentar a guerra cultural, portanto, exige mais do que reação ou denúncia: é necessário um esforço estratégico e de longo prazo que trate a cultura como o principal território de disputa política. Apenas ao disputar a cultura de forma propositiva e estruturada será possível reverter a hegemonia conservadora e resgatar a capacidade de a cultura funcionar como uma ferramenta crítica, capaz de ampliar os horizontes do debate público e transformar a sociedade. A guerra cultural não é um desvio da política real, mas uma de suas formas mais sofisticadas de disputa pelo poder. Ela opera no longo prazo, reconfigurando percepções, deslocando termos do debate público e redefinindo o que é socialmente aceitável ou inaceitável. Enquanto a direita utilizou esse mecanismo para consolidar sua influência, a esquerda demorou a reconhecer a cultura como um território central na luta política. O resultado é um cenário onde o debate público foi capturado por discursos que naturalizam desigualdades, reforçam hierarquias e deslegitimam o pensamento crítico. A guerra cultural não se limita ao enfrentamento direto de ideias políticas; ela transforma valores e comportamentos em campos de batalha permanentes, onde o que está em disputa não é apenas a argumentação, mas os próprios limites do que pode ser imaginado, dito e aceito na sociedade. Com isso, a política cede à administração de necessidades sociais que não podem modificar o quadro das relações socioeconômicas já existentes e que continuam perseverando. O hipercapitalismo dissolve a existência humana em uma rede de relações comerciais. Hoje não há mais domínio da vida que não se despoje de um aproveitamento comercial. O hipercapitalismo faz com que todas as relações humanas se tornem relações comerciais. Toma da pessoa sua dignidade e a substitui por valor de mercado. Vivemos em uma sociedade orientada completamente pela produção, pela positividade. Ela suprime a negatividade do outro, do estrangeiro, para acelerar a circulação de produção e de consumo. O que se permite são apenas as diferenças consumíveis. O outro, a quem foi retirada a alteridade, não se pode amar, apenas consumir. Na hipercomunicação digital tudo se mistura com tudo. Os limites entre o interno e o externo se tornaram cada vez mais permeáveis. Pessoas tornam-se interfaces de um mundo totalmente conectado. Essa desproteção digital é estimulada e explorada por um excesso do discurso do capital. Um grau maior de informação não cria, sozinho, uma renovação ou modificação sistêmica. A busca pela transparência da “verdade digital” desencadeou um exercício de exame permanente entre o que é verdadeiro e o que é falso. A chamada “verdade digital” constantemente manipulada é um fator que estabiliza o sistema conservador ao invés de questioná-lo. Falta à transparência a negatividade que coloca em questão o sistema político-econômico preexistente, o status quo. A sociedade da transparência é uma sociedade do positivo. Há transparência quando as coisas ficam transparentes quando se despojam de toda e qualquer negatividade, quando se tornam lisas, niveladas, quando se inserem sem resistência na corrente lisa do capital, da comunicação e da informação. As ações se tornam transparentes quando se subordinam ao processo contável, governável e controlável. As coisas se tornam transparentes quando perdem suas particularidades e se expressam apenas por seu preço. As imagens se tornam transparentes ao se alijarem de toda e qualquer profundidade hermenêutica chegando à perda de sentido. Há uma fenda aberta no eu que impede que o sistema psíquico concorde e coincida consigo mesmo. Essa fenda se situa no lugar da não transparência e faz com que a transparência do eu seja impossível. Também entre as pessoas há uma fenda aberta. O isso que fica oculto ao eu passa pela fenda psíquica. A iluminação total, a transparência total leva a um tipo de esgotamento do sujeito. O ser humano precisa de esferas em que possa estar em si mesmo sem se preocupar com a opinião dos outros. Apenas a máquina é inteiramente transparente. O psiquismo não é uma máquina. A interioridade, a espontaneidade e a capacidade de gerar acontecimentos são opostas à transparência. O outro é que me questiona, que me arranca de minha interioridade narcísica. Temos a capacidade de ver o outro em sua alteridade se não estivermos inundados pela nossa intimidade. Por outro lado devemos preservar nossa intimidade da sociedade da transparência. Temos que lidar hoje com uma técnica do poder, o poder smart, que não nega ou oprime nossa liberdade, mas que a esgota. É nisso que consiste a crise atual da liberdade. A avaliação algorítmica de uma pessoa contradiz a ideia da dignidade humana. Nenhuma pessoa deveria ser degradada a um objeto de avaliação. Por outro lado, se forem mantidos mistérios, segredos, estranheza ou outridade serão criados obstáculos que venham a subverter uma comunicação ilimitada, uma hipercomunicação, seus excessos e seus efeitos sobre o sujeito. A cultura institui o sujeito como humano. Sem o aparato do campo social o sujeito não sobrevive. O sujeito é constituído a partir do campo da linguagem, do simbólico. O sujeito só́ é possível porque entra na ordem social. A constituição do sujeito está atrelada ao campo social o que é uma condição para sua existência. Para Dessal, psicanalista argentino, o indivíduo pós-moderno é aquele que se vê obrigado a buscar soluções biográficas para problemas sistêmicos. O recurso à biografia torna-se insuficiente diante de uma lógica e de um discurso que hegemonizam uma cultura no contexto nacional e que se mostra em franca expansão no contexto internacional. O recurso à biografia se torna paliativo, sem conseguir se opor à força e a penetração do discurso do capital através da hipercomunicação, tendo como força paradoxalmente solidária o que há de mais temível e que nos espreita dentro de nós mesmos, a pulsão de morte. Giorgio Agamben, filósofo italiano, ao longo dos anos, adverte que o estado de exceção tende cada vez mais a se tornar o paradigma predominante dos governos na política contemporânea. Para Bauman que retoma os escritos de Freud o domínio da massa por uma minoria como a imposição coercitiva do trabalho cultural tem sido adotada pela tecnologia cumprindo o papel de neutralizar e anular o pensamento crítico. Aparelha-se pela coação por transparência que não é um imperativo ético ou político, mas econômico. A superexposição de uma pessoa maximiza a eficiência econômica. Big Data sugere e induz um conhecimento absoluto. Na realidade coincide com o não saber absoluto. É impossível se orientar no Big Data. Uma falha na comunicação nos parece insuportável. Manifesta um vazio que deve ser contornado que compele à compulsividade por mais comunicação, mais informação. Para a psicanálise, se isso tem efeito sobre o sujeito é devido a não admissão da falta em que o contorno somente poderá ser bordeado pela palavra singular de cada um, permitindo que se retome o pensamento crítico de um a um e coletivamente. A política enquanto esfera da coletividade e da democracia deve recuperar os princípios da solidariedade, justiça e dignidade humana e repelir a hegemonia do capital. Para Michael Foessel, filósofo francês, a história nos convida a superar os atalhos político-midiáticos que opõem, por exemplo, o liberalismo e o fascismo. A história nos convida a uma leitura mais acurada de nossa época, frequentemente deformada por slogans. A história nos estimula a prestar atenção às diferentes lógicas discursivas. Deste ponto de vista a força da extrema-direita traduz a gramática da insegurança cultural que causa sofrimentos cuja origem é econômica e social. É urgente repolitizar a questão da extrema-direita no momento em que esta se beneficia ao máximo da ilusão de despolitização característica de uma época supostamente pós-ideológica. No momento em que um sentimento se torna ressentimento coletivo contra estrangeiros e enquanto política de governo americana. O efeito é o surgimento de uma hostilidade crescente a qualquer alteridade. É importante ter ciência de que a extrema-direita dispõe de um corpo coerente de referências que se baseiam em um imaginário voltado para a desigualdade. A penetração do discurso da extrema-direita no espaço público intelectual e midiático se deve a um certo estágio de nossas economias, mas também a uma infraestrutura material que se apoia em novas tecnologias e no esquecimento da história. É urgente reconhecer a técnica e a lógica do discurso da extrema-direita, analisar sua base ideológica para repolitizar o discurso, recuperar o protagonismo em defesa da estabilidade e do fortalecimento da democracia, voltar a reconhecer a origem da desigualdade socioeconômica e desenvolver políticas públicas que se voltem à igualdade e à equanimidade. Além de criar condições a todo e qualquer sujeito de viver a alteridade e a diferença no enlaçamento amoroso social contrário à pulsão de morte que inadvertidamente pode se associar à ilusão do discurso do capital, à compulsão à hipercomunicação e ao imperativo econômico da transparência absoluta.” Ivanisa Teitelroit Martins em 17 de fevereiro de 2025

quinta-feira, 6 de março de 2025

Fernando Pessoa o guardador de rebanhos

O meu olhar é nítido como um girassol. Tenho o costume de andar pelas estradas Olhando para a direita e para a esquerda, E de vez em quando olhando para trás... E o que vejo a cada momento É aquilo que nunca antes eu tinha visto, E eu sei dar por isso muito bem... Sei ter o pasmo essencial Que tem uma criança se, ao nascer, Reparasse que nascera deveras... Sinto-me nascido a cada momento Para a eterna novidade do Mundo... Creio no Mundo como num malmequer, Porque o vejo. Mas não penso nele Porque pensar é não compreender... O Mundo não se fez para pensarmos nele (Pensar é estar doente dos olhos) Mas para olharmos para ele e estarmos de acordo… Eu não tenho filosofia: tenho sentidos... Se falo na Natureza não é porque saiba o que ela é, Mas porque a amo, e amo-a por isso, Porque quem ama nunca sabe o que ama Nem sabe porque ama, nem o que é amar... Amar é a eterna inocência, E a única inocência é não pensar... “O Guardador de Rebanhos”, de 08/03/1914, In Poemas de Alberto Caeiro. Fernando Pessoa.

DA COISA E DO PROCESSO

DA COISA E DO PROCESSO Alvin Toffler (1928 - 2016) , estadunidense, escritor e doutor em letras e ciência, de pendores futuristas, maravilhava-se ante o progresso das ciências, cada vez mais analítica na dissecação da realidade em partes cada vez menores. Ao que a opinião contrária vê nisso um retrocesso, ao impulsionar a tendência da pesquisa científica a saber cada vez mais de cada vez menos. Essa visão de mundo de dividir a realidade em partes de um todo que não se estuda, na observação do Prêmio Nobel de Fisiologia, o francês François Jacob, opõe-se frontalmente à sabedoria da Grécia Clássica (e também da sabedoria oriental), que começa pelo todo, a partir do qual estudam-se os seus desdobramentos, não em partes estanques, mas na sua CONTINUIDADE e na sua DESCONTINUIDADE, ao mesmo tempo. É nesse curto circuito da lógica binária do sim x não, do certo x errado que os gregos antigos enxergavam o DEVIR do Cosmos. Ou seja, há uma continuidade descontínua nas manifestações do Cosmos, dos Titãs aos deuses do Olimpo, destes às divindades menores, aos semideuses, aos heróis míticos, aos homens, aos animais, às plantas e às pedras. De acordo com a mitologia grega, tais manifestações engendram-se umas às outras num ciclo recorrente do nascer e do perecer, assim como ocorre na metamorfose dos insetos de ciclo completo, o da borboleta, por exemplo. Da mitologia os gregos retiraram a inspiração de sua filosofia, segundo o historiador francês Jean-Pièrre Vernant, dentre outros. Tem-se, então, do lado dos gregos o PROCESSO e do lado de Alvin Toffler a COISA, na modernidade dos modelos usuais de pesquisa científica. Entendam-se como "coisa" também os conceitos, coisas mentais, abstrações, que se caracterizam por suas DELIMITAÇÕES distintivas, ao passo que o PROCESSO, sem começo nem fim, não se delimita em segmentos, reais ou conceituais. Assim, por exemplo, a criança, que não é uma coisa, não é divisível na sua transição para a adolescência, à diferença de um queijo, divisível em pedaços. É verdade que a arte macabra que tornou célebre Jack Estripador, o bandido londrino que esquartejava as suas vítimas, ao tratá-las como coisa, perde força nos modelos da pesquisa científica, cada vez mais inclinados a tratar a realidade como processo, ou seja, partindo da consideração do todo. Ao entrar em contato, por leitura, com um novo autor por mim desconhecido, intento saber, em primeiro lugar, como ele trata a realidade, se coisa ou se processo. Identifico, assim, um número pequeno, porém, crescente, de autores voltados à ideia de processo, mais consentânea com o modo como experimento minha existência, um desenrolar de mim mesmo rumo à incompletude, graças à qual entrevejo possibilidades de caráter exponencial de permanecer como sou, diferentemente, ao escandir as modalidades lúdicas de papeis que venha a desempenhar. COISA é com Alvin Toffler e seus amigos da dissecação anatômica da existência. Tudo isso para dizer que me é difícil compartilhar do entusiasmo avassalador pela Inteligência Artificial, uma COISA tecnológica, que assusta mais do que empolga. A IA capta fragmentos de minhas manifestações nas redes informáticas e me devolve na forma de um todo vicário, ajambrado estatisticamente, que pretende me convencer de que sou eu, convertido em COISA. Não seria esse o sentido profético da metáfora da barata em Kafka, ou em Clarice Linspector? Nivaldo Manzano

quarta-feira, 5 de março de 2025

TEMPO ZERO

QUIPROCÓ A PROPÓSITO DO TEMPO ZERO Em uma postagem no facebook fui chamado à atenção por não precisar o tempo (a data, a época) em que ocorreu o fato. Assim procedi deliberadamente em consonância com o propósito que tinha em vista e, ao que parece, não me fiz entender. Desencadeou-se a partir daí um debate com o interlocutor, pois o que eu tinha em vista implicava associar dois eventos, distantes entre si no tempo LINEAR (tempo do relógio),é verdade, mas com outro intento. Eu me referia à MUDANÇA DE UM CONTEXTO PARA OUTRO CONTEXTO, correspondente aos dois eventos, mudança contextual que não implica DURAÇÃO, Por isso, por convenção, chama-se TEMPO ZERO, noção corrente na engenharia de software, retirada da VISÃO DE PROCESSO, OU CONTEXTUAL, que contrasta com a visão LINEAR da geodésia do tempo, que é o estudo da rotação da Terra, rotação que fundamenta a convenção cultural da medida do tempo linear pelo relógio./// Há várias noções de tempo, e a disciplina que cuida disso é a ANTROPOLOGIA CULTURAL, que é o estudo da diversidade entre as culturas, e o tempo tem aí o seu papel de caráter DIFERENCIAL. Deixo de lado as várias noções culturais do tempo, para ir direto ao ponto: o TEMPO ZERO. Apenas menciono dois marcos na coleção cultural dos tempos: o tempo da teoria da relatividade de Einstein, que rompe com a visão clássica de um tempo único em todos os lugares; e o tempo do filósofo francês Henry Bergson, que propõe a existência de um tempo único mediante a ideia de DURAÇÃO, num sentido anti-einsteiniano. Tempo zero não tem duração, tampouco é único, embora também não seja diverso. TEMPO ZERO é tempo nenhum e isso não é um paradoxo./// Para um indígena que jamais tenha sabido da existência de uma arma de fogo, ao vê-la em operação, irá associar por analogia a arma de fogo ao seu arco e flecha. Dar-se conta disso não implica transcurso de tempo algum. Do mesmo modo, praticamos o tempo zero no computador quando, ao toque de um dedo, mudamos de um aplicativo para outro, de um sistema operacional para outro etc. Por que outro? Porque cada aplicativo tem a sua sintaxe, ou seja, os seus componentes e as suas regras de operação, assim como o jogo de xadrez difere do jogo de damas: nesse caso, muda-se o tabuleiro, mudam-se as pedras e as regras que estabelecem o modo como cada uma pode deslocar-se frente às outras. Não transcorre tempo linear algum quando me vem a ideia de mudar do contexto da sala de visita para o contexto do quarto de dormir, ao improvisar o sofá como cama, para um cochilo. O sal é branco no contexto do olhar; amargo no contexto do paladar e cristal no contexto do tato. Isso é dizer que os OBJETOS, os EVENTOS, os FATOS mudam de contexto de acordo com a REFERÊNCIA assumida por mim. E ainda: posso reutilizar soluções anteriores, eventos anteriores, fatos anteriores, retidos na memória, que passam a ser escandidos sob novas referências, um novo contexto. Ou seja, TEMPO ZERO é o TEMPO DA MUDANÇA DE UM CONTEXTO PARA OUTRO CONETEXTO. Nivaldo Manzano

Agronegócio e china

ATÉ QUANDO VAI DURAR A BONANÇA DO AGRONEGÓCIO NO BRASIL? Um mil toneladas de produção de alimentos por habitante/ano. Essa é a convenção - e toda convenção é fungível - estabelecida por especialistas em segurança alimentar nos anos 1950. A China, segundo informa a Reuters (05.02.2025), elevou a sua previsão de produção para este ano para 700 milhões de toneladas métricas e anuncia a sua meta de elevar a sua produção de 50 milhões toneladas/ano. Isso significa dobrar em QUINZE ANOS o montante da produção prevista para 2025. Caso não ocorram obstáculos climáticos ou de outra natureza, a autossuficiência alimnentar visada pela China deverá ser alcançada dentro de 15 anos, quando, então, hipoteticamente, deverá não mais depender da importação de alimentos. A China tem como meta recuperar 6,7 milhões de hectares de áreas desérticas com pastagens e florestas, até 2025. O objetivo está dentro 14º Plano Quinquenal, que começou em 2021 e termina em 2025. O país tem a maior área desertificada do mundo, com 2,5737 milhões de km2 (quase 1/3 de seu território) e 1,6878 milhão de km2 de áreas de solo arenoso, segundo dados de 2019 da Administração Nacional de Florestas e Pastagens. /// A propósito, Burkina Faso, país da África Ocidental, que acaba de se livrar de meio século sob jugo neocolonial francês, anunciou hoje (05.03.2025) o lançamento de seu novo projeto de produção irrigada de 2 mil hectares, que se incorporam a áreas já em produção de arroz e frutos como tomate (50 t/dia de massa de tomate) e a criação de peixes no sistema tanque-rede (flutuante), com previsão de produção de 300 mil toneladas/ano, ou 830 toneladas/dia. Outros países da África Ocidental, como Mali e Niger, igualmente libertos do jugo francês, propõem-se a realizar projetos semelhantes, todos eles com vistas à autossuficiência alimentar em curto prazo (cinco/dez anos). Dinheiro AGORA não falta: são países ricos em minérios estratégicos, como ouro e urânio, atualmente sob controle nacional e é de sua exportação que obtêm divisas para aquisição de tecnologia. Burkina Faso produz 150 toneladas de ouro por ano e deverá concluir em 12 meses o projeto de sua refinaria./// O neocolonalismo francês deixou como herança nos países que explorou os mais baixos Índices de Desenvolvimento Humano (IDH) do Continente. Uma revolução social associada a movimentos de libertação nacional agita uma vintena de países da África, uma revolução ignorada pela imprensa corporativa ocidental. Em iniciativa pioneira no Ocidente, pelo menos DEZ países africanos proíbem a exportação de matérias-primas vegetais e minerais em estado bruto, obrigando à sua agregação de valor in loco, diferentemente do que faz o Brasil, ainda preso ao esquema colonial. Nivaldo Manzano

Porque parece dificil entender o que pensa o chinês

PORQUE PARECE DIFÍCIL ENTENDER A CABEÇA DE UM CHINÊS Admirador do que se passa na China, meu filho, em viagem de trabalho ao país, notou com estranheza o espírito fortemente COMPETITIVO que grassa entre os chineses, especialmente entre os jovens. Deu-me, assim, a oportunidade de lhe explicar como na cabeça de um chinês cabe AO MESMO TEMPO o sentido de COMPETIÇÃO e o sentido de SOLIDARIEDADE. Nós, do Ocidente, ainda sujeitos à mentalidade ILUMINISTA (predominância absoluta da RAZÃO, como faculdade soberana sobre as demais, a saber, a intuição, os sentimentos, a ética e a estética)) valorizamos o CONCEITO (abstrações) no lidar com os afazeres humanos, em contraste com a mentalidade ORIENTAL, que valoriza espontaneamente o modo de pensar EM PROCESSO (contexto). O conceito, a que se chega por abstração lógica (e, em geral, também matemática) é de caráter DUALISTA: "é ou não é", sendo que ambas as opções excluem-se mutuamente. Na visão em processso, tem-se "é e também não é", de acordo com o contexto, que tem como referência o ser humano. Assim, ambas as opções conciliam-se mutuamente, de modo SOLIDÁRIO E CONFLITVO. O processo é de caráter MONISTA. De modo que, sem se considerar contraditório, o chinês se enxerga como "individualista" (no dizer ocidental), na defesa e afirmação do próprio interesse, ao mesmo tempo que solidário na defesa e afirmação da COMUNIDADE (solidariedade). Aqui não entra nenhuma consideração que remeta à ideia de oportunismo. Por influxo do ILUMINISMO, de base exclusivamente racional e egotista (ideologia liberal) , fomos privados do sentido constitutivo de COMUNIDADE, porém, ainda muito vivo entre os ameríndios e demais povos que não sofreram a investida da mentalidade eurocentrista. Há dois mil e quinhentos anos, Aristóteles escreveu em seu livro "Ética a Nicômaco" que o maior risco para a democracia é a acumulação de dinheiro em mãos de poucos, do que resulta o afrouxamento dos laços comunitários e daí, a sua ruína. Nivaldo Manzano

terça-feira, 4 de março de 2025

POR QUE LEIO COISAS ASSIM?

POR QUE LEIO COISAS ASSIM? Nestes tempos ásperos, de grosseria, arrogância, impolidez, incivilidade, desrespeito, rudeza, ignorância empafiosa, encontro oportunidade de catarse (será?) na leitura de biografias de tipos oportunistas, malandros, argentários, bajuladores, ladrões de casaca, golpistas, matreiros, campeões da dissimulação e outras adjetivações elevadas à enésima potência, integrantes da mesma constelação semântica, que se alçaram aos píncaros do prestígio junto às cortes europeias nos séculos XVII e XVIII, tendo sido responsáveis por decisões políticas que mudaram o destino de Estados, em razão de suas habilidades de dar nó em pingo d'água. Refiro-me a Joseph Fouché, por exemplo, que saltou dos jacobinos, na sua amizade com Robespièrre, na Revolução Francesa, ao Diretório e ao Imperio, como escudeiro, conselheiro e chefe de polícia de Napoleão Bonaparte, um mágico da calhordice, natureza de réptil, provavelmente a personalidade pública mais odiada em seu tempo, que mereceu memórias escritas com fel por todos os que experimentaram o dissabor e a repulsa moral de lhe estar próximo nas suas incumbências institucionais. Ao nteressado, sugiro a leitira de "Fouché", por Stefan Zweig, Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1985, livro de sebo, barato. Outra biografia, verdolenga do mesmo fel é a de Nicolas Fouquet, nobre francês, jesuíta, bispo, ministro na Revolução Francesa e no Império Napoleônico, considerado como fundador da polícia política e conhecido como "o judas da Revolução" (Veja-se a página do google de acessos ao seu nome). O terceiro é o cardeal Giulio Mazarino (1602- 1661), tutor de Luis XIV, herdeiro intelectual nas artes diplomáticas do cardeal Richelieu. Mazarino, envolvente, se valeu de sua conversa labiosa para estar junto ao leito da raínha Ana de França, ocasiões em que ela que lhe abria as portas de acesso ao saque financeiro que praticou no convívio dos poderosos que frequentou. As suas peripécias de golpes ladinos encontram limite na imaginação. Mas o que me provocou sincero engulho foi a leitura de seu "Breviário dos políticos", um vademecum, como sugere o título, com recomendações aos principiantes, de um cinismo tal que me fez arrepiar a pele e sustar a leitura a meio caminho, algo que não me ocorrera antes. Reconheço, porém, que há estômagos mais fortes do que o meu. Nivaldo Manzano

PARA O SER HUMANO A NORMA

PARA O SER HUMANO A NORMA É A CAPACIDADE DE MUDAR DE NORMA" (Georges Canguilhem) Passam-se os anos, e algumas ideias sedimentam-se em mim com a intensidade de um encantamento. Todas elas têm como referência última a existência, que não tem outra referência senão a si mesma. Existir é inventar-se a si mesmo, movido pelo desejo de permanecer no que se é, diferentemente, como diz Espinosa. O filósofo diria que existir é conjugar os verbos e advérbios modais nas suas infinitas flexões. Desejo sair de mim mesmo em busca de outrem, como objeto do desejo, que retorna à minha consciência como exponenciação da variedade dos modos de existir, mediante a representação de novos papeis, um reflexo caleidoscópico de minhas potencialidades, nas quais busco realizar-me, recorrentemente. A felicidade não está no fim da viagem, a última estação. Nessa visão de mundo, o que importa é o MODO de viajar. Em contraste, as ontologias - todas elas - buscam agarrar-se a um pau de enchente metafísico, inseguras e medrosas de si mesmas. Toda ontologia, assim como a Bíblia, desdobra-se numa narrativa, com começo, meio e fim. E para tanto impõe-se uma visão do tempo como transcurso entre o antes e o depois. Para nós, ocidentais, a aferição costumeira do tempo é a do relógio mecânico (agora digital), que faz do tempo algo à disposição do ser humano à maneira de um taxi estacionado no ponto, à espera de percorrer um caminho que se estende à sua frente, antes de se anunciar para onde pretende ir. Tanto esse sentimento é premente na atualidade, que se fala em TRAJETÓRIA de vida, uma metáfora retirada da Física, que descreve o deslocamento de um corpo, se consciente, rumo a um objetivo determinado. Não há ideologia que não comece por submeter à sua forja a noção de tempo. Assim, Platão, em sua República, contrapondo-se ao tempo cíclico do mito, inaugura no Ocidente o tempo LINEAR. Com Platão, somos advertidos de que é preciso chegar a algum lugar determinado, não se admitindo mais que o caminho se faça ao caminhar, como escreve o poeta espanhol Antonio Machado, possivelmente inspirado na sabedoria do Tao. Que lugar é esse de Platão? Sabem-no os filósofos, que ele elegeu para conduzir a cidade (Estado). Assim, com o tempo linear, caberá a uns mandar e aos demais obedecer. O tempo linear é o do progresso automático, da ontologia, do messianismo, da utopia, que tem aqui a função de gerar, alimentar e manter o estado de salivação feérica em que se debate a vítima, em resposta à expectativa de uma existência que se frustra, porque lhe é oferecida em migalhas, fragmentos de uma experiência que se quer plena a cada instante. Trata-se de uma ontologia associada ao monoteísmo, que se converte em modelo na Mecânica newtoniana, sob a égide do deslocamento, uma ontologia que é tambem uma ÉTICA, a ÉTICA DO DEVER SER, que se impõe indistintamente à maçã de Newton e ao ser humano. A opção de "liberdade" assim oferecida a ambos é a mesma: dizer sim à lei da gravidade, como se para o ser humano a norma não consistisse na capacidade de mudar de norma, para sintonizar-se com o seu contexto, em estado de mudança. Por não admitir o tempo como vivência interior, assim como ocorre em outras culturas, como no Oriente ou entre os ameríndios, o tempo linear impõe-se na sua pretensão objetivista de modo autoritário e excludente. E esse é o tempo que prevalece na atualidade, o tempo do status quo, o tempo dos meritocratas que crescem à custa de puxar para cima os próprios cabelos, o tempo do mercado autorregulável, o tempo do Capital. /// A questão sobre outras modalidades do tempo, além do tempo linear, fica para uma outra postagem. Nivaldo Manzano

segunda-feira, 3 de março de 2025

trumpismo o fim do ocidente meu

O "FIM DO OCIDENTE" PRECEDE DE MUITO O TRUMPISMO São insuficientes as avaliações que indigitam Donald Trump como coveiro do "mundo ocidental" ,entendido no calendário cultural, na sua interface axiológica (ciência dos valores humanos) como ILUMINISMO, da vertente racionalista de kant, o mundo ocidental, que há pouco menos de meio milênio se auto proclama depositário da herança compartilhada como democracia, estado de direito, direitos humanos inalienáveis, o direito à segurança física e social, direito internacional e uma ordem multilateral baseada em regras, sob a batuta dos Estados Unidos. Mas isso não é de agora, observa Guilherme Duval (https://www.socialeurope.eu/the-end-of-the-west-and-europes-future ). É preciso reconhecer que "na prática" prossegue ele, "o Ocidente frequentemente se desviou desses ideais. Os estados europeus se comportaram vergonhosamente em relação às suas colônias e a seus habitantes durante as guerras de independência, enquanto os EUA durante a Guerra Fria prontamente apoiaram ditaduras brutais para combater a URSS, desde a derrubada de Mohammad Mossadegh no Irã até Salvador Allende no Chile. A era pós-Guerra Fria não foi melhor, como demonstrado pela desastrosa invasão do Iraque". Seria necessário atentar "para as mudanças geopolíticas e da dinâmica geoeconômica subjacente, em relação às quais a presidência de Trump marca uma aceleração decisiva e provavelmente irreversível dessa tendência". E prossigamos ainda com Duval, que sinaliza "o retorno de Donald Trump ao poder nos EUA como o fim do Ocidente — a aliança entre a Europa Ocidental e os EUA, forjada nas duas guerras mundiais do século XX e solidificada durante a Guerra Fria. A queda do Muro de Berlim já havia enfraquecido esse vínculo... Os EUA vêm mudando seu foco para a Ásia e a China há anos. Essa tendência começou sob Barack Obama, que iniciou uma retirada de fato da Europa e suas regiões vizinhas...O forte apoio do governo Biden à Ucrânia desacelerou esse desligamento, mas havia pouca dúvida de que a trajetória continuaria". E ainda mais um pouco da argumentação de Durval: "Os EUA, outrora campeões do multilateralismo, não esperaram que Trump minasse as instituições globais. Washington há muito tempo criticava e desfinanciava as Nações Unidas, a UNESCO e a Organização Mundial do Comércio. Recusou-se a ratificar o Estatuto do Tribunal Penal Internacional, rejeitou a sua jurisdição e recusou-se a apoiar o Protocolo de Kyoto — atrasando os esforços globais para combater as mudanças climáticas em pelo menos vinte e cinco anos. A doutrina "America First" é anterior a Trump". E por aí vai o diagnóstico de seu trumpismo. De minha parte, sem a pretensão de ser original (longe disso), na avaliação do trumpismo recorro a uma interface da geopolítica e da geoeconomia, muito pouco evocada na atualidade, que é a da axiologia, e isso me leva às origens do pensamento ocidental, assumidas como valor de face da herança da Grécia Clássica e seus pensadores, supostamente responsáveis por inaugurar a reflexão autônoma no Ocidente, dissociada do mito. Na verdade, trata-se de uma CONTRAFAÇÃO do pensamento grego, que consiste num caricatural REDUCIONISMO, ao eleger a RAZÃO como valor supremo da reflexão humana, em prejuízo dos demais valores, quais sejam, além da razão, a intuição, a ética, a estética e os sentimentos. A HIERARQUIZAÇÃO dos valores jamais constou da sabedoria grega, assim como de TODA e qualquer visão de mundo na história da cultura e da civilização. Trata-se de uma autêntica jabuticaba eurocentrista, responsável pela arrogância suicida que veio a dar no "fim do Ocidente". Os valores humanos são distintos uns dos outros, porém, não se separam e são EQUIVALENTES na axiologia: Quem seria capaz de hierarquizá-los? Com que autoridade?  Nivaldo Manzano

Trumpismo o fim do ocidente

O "FIM DO OCIDENTE" PRECEDE DE MUITO O TRUMPISMO São infundadas as avaliações que indigitam Donald Trump como coveiro do "mundo ocidental",entendido no calendário cultural, na sua interface axiológica (ciência dos valores humanos) como ILUMINISMO, da vertente racionalista de kant, o mundo ocidental, que há pouco menos de meio milênio se auto proclama depositário da herança compartilhada como democracia, estado de direito, direitos humanos inalienáveis, o direito à segurança física e social, direito internacional e uma ordem multilateral baseada em regras, sob a batuta dos Estados Unidos. Mas isso não é de agora, observa Guilherme Duval (https://www.socialeurope.eu/the-end-of-the-west-and-europes-future ). É preciso reconhecer que "na prrática" prossegue ele, "o Ocidente frequentemente se desviou desses ideais. Os estados europeus se comportaram vergonhosamente em relação às suas colônias e a seus habitantes durante as guerras de independência, enquanto os EUA durante a Guerra Fria prontamente apoiaram ditaduras brutais para combater a URSS, desde a derrubada de Mohammad Mossadegh no Irã até Salvador Allende no Chile. A era pós-Guerra Fria não foi melhor, como demonstrado pela desastrosa invasão do Iraque". Seria necessário atentar "para as mudanças geopolíticas e da dinâmica geoeconômica subjacente, em relação às quais a presidência de Trump marca uma aceleração decisiva e provavelmente irreversível dessa tendência".E prossigamos ainda com Duval, que sinaliza "o retorno de Donald Trump ao poder nos EUA como o fim do Ocidente — a aliança entre a Europa Ocidental e os EUA, forjada nas duas guerras mundiais do século XX e solidificada durante a Guerra Fria. A queda do Muro de Berlim já havia enfraquecido esse vínculo... Os EUA vêm mudando seu foco para a Ásia e a China há anos. Essa tendência começou sob Barack Obama, que iniciou uma retirada de fato da Europa e suas regiões vizinhas...O forte apoio do governo Biden à Ucrânia desacelerou esse desligamento, mas havia pouca dúvida de que a trajetória continuaria". E ainda mais um pouco da argumentação de Durval: "Os EUA, outrora campeões do multilateralismo, não esperaram que Trump minasse as instituições globais. Washington há muito tempo criticava e desfinanciava as Nações Unidas, a UNESCO e a Organização Mundial do Comércio. Recusou-se a ratificar o Estatuto do Tribunal Penal Internacional, rejeitou a sua jurisdição e recusou-se a apoiar o Protocolo de Kyoto — atrasando os esforços globais para combater as mudanças climáticas em pelo menos vinte e cinco anos. A doutrina "America First" é anterior a Trump". E por aí vai o diagnóstico de seu trumpismo. De minha parte, sem a pretensão de ser original (longe disso), na avaliação do trumpismo recorro a uma interface da geopolítica e da geoeconomia, muito pouco evocada na atualidade, que é a da axiologia, e isso me leva às origens do pensamento ocidental, assumidas como valor de face da herança da Grécia Clássica e seus pensadores, supostamente responsáveis, por inaugurar a reflexão autônoma no Ocidente, dissociada do mito. Na verdade, trata-se de uma CONTRAFAÇÃO do pensamento grego, que consiste num caricatural REDUCIONIOSMO, ao eleger a RAZÃO como valor supremo da reflexão humana, em prejuízo dos demais valores, quais sejam, além da razão, a intuição, a ética, a estética e os sentimentos.A HIERARQUIZAÇÃO dos valores jamais constou da sabedoria grega, assim como de TODA e qualquer visão de mundo na história da cultura e da civilização. Trata-se de uma autêntica jabuticaba eurocentrista, responsável pela arrogância suicida que veio a dar no "fim do Ocidente". Os valores humanos são distintos uns dos outros, porém, não se separam e são EQUIVALENTES na axiologia: Quem seria capaz de hierrquizá-los? Com que autoridade? NIvaldo Manzano

domingo, 2 de março de 2025

A REALIDADE NÃO SE ENTREGA NEM DEIXA DE SE ENTREGAR

A REALIDADE NÃO SE ENTREGA NEM DEIXA DE SE ENTREGAR O OBJETIVISMO do mundo da mercadoria, o mundo do capital, reduz as interações humanas a valor de troca, desprovido, por definição, de subjetividade, ou dinheiro. Os dicionaristas, em que pese o seu mérito, insistem por profissão em definir as coisas na sua suposta objetividade; e aí fracassam, não por culpa sua, mas por causa das palavras, que se supõe sejam um espelho da realidade, como se a realidade fosse translúcida. Se não estou certo, responda-me, então: Quantos fios de cabelo são necessários desprender-se do couro cabeludo para que se possa considerar alguém como careca? Quantos acenos de indirefernça são necessários para esfriar uma paixão? Quantos atos de rebeldia são necessários para estigmatizar uma criança como rebelde? Quantos apelos da realidade são necessários para despertar alguém para a consciência de si mesmo? ASSUME-SE, e é isso o que confessam para si mesmos, envergonhados do embuste, no dicionário, os verbos, os advérbios, os substantivos, os adjetivos. Extrai-se o seu significado da MÉDIA, já que a realidade, mais ou menos virgem, não se entrega de uma vez nem deixa de se entregar. Quando a realidade se rende, enfim, às investidas abstrativas do sujeito, ela não o faz com despojamento absoluto. Ao contrário do que nos induzem as definições no dicionário, a realidade não é uma figura geométrica, e sim um saco de farinha: nunca desprende toda farinha, por mais que o agitemos. Lembra a metáfora do mistério divino a que Santo Agostinho recorre em suas CONFISSÕES, da criança na praia, que intentava com a sua canequinha encher de água um buraco na areia, no intento de esgotar o mar.// Uma palavra fora de contexto pode deixar-se seduzir e crer-se dotada de vocação universalista, assim como faz a moral do Bem e do Mal e a filosofia de Emmanuel Kant, o desbravador da ideologia liberal, que contaminou de pestilência objetivista os séculos da ciência sem sujeito, invocando, ao mesmo tempo, a subjetividade na apreensão do tempo e do espaço, com os seus chamados A PRIORI. Eis o BINARISMO do sujeito x objeto, que acredita em poder operar de modo unívoco, como uma FUNÇÃO, na sua pretensão de mover o mundo, como a alavanca de Arquimedes, sem se deixar mover. /// Esse é o mercado liberal, que supostamente regula a si mesmo, subordinando a comunidade às suas leis, diversamente do que pensaram os pais do liberalismo, Adam Smith e John Stuart Mill, para quem são as leis da sociedade que regulam o mercado. O mercado liberal, sem sujeito, lembra o aprendiz de feiticeiro, da lenda de Goethe, que deixa o mecanismo mover-se a si mesmo, provocando caos. Aprendizes de feiticeiro são na atualidade a Inteligência Artificial, o algoritmo e praticamente todos os ismos, que movem as pessoas infundindo-lhes a ilusão de que elas se movem por vontade própria. /// No dia em que as palavras contiverem o pleno significado do que pretendem significar, a INCERTEZA terá sido banida do mundo e, juntamente com ela, a dimensão humana da humanidade. A INCERTEZA é intrínseca à existência e é o móvel da melhoria contínua, na busca da EXCELÊNCIA, jamais plena, assim como ocorre aos contendores nos desportos, que no cotejo com o adversário se medem na emulação de si mesmos, com vistas a embates futuros. A busca da excelência, que tem como limite o ilimitado, é o desafio humano de sua benfazeja incompletude. Aristóteles foi quem introduziu na sua FILOSOFIA PRAGMÁTICA, como pioneiro no Ocidente a noção de excelência, em lugar da certeza absoluta, cabível, segundo ele, somente no contexto da lógica e da matemática, não, porém no contexto do comportamento, ou ação. Nivaldo Manzano (achegas de um ensaio de minha autoria, no forno)

sábado, 1 de março de 2025

Objetivismo meu para alex

A questão posta por mim, que você chama de filosófica, remete a uma diferença entre dois modos de pensar - duas visões de mundo, talvez. Não me sinto preso a uma visão OBJETIVISTA da realidade, o que não quer dizer que seja SUBJETIVISTA. Não enxergo a realidade como dicotômica, o certo x errado, o sim x não, o lógico x ilógico (Há também o não lógico), um lugar para cada coisa e uma coisa para cada lugar. Diferentemente de mim e dos não objtetivisgtas pensa Bertradd Russeell, por exemplo, com a sua teoria dos conjuntos. Na teoria dos conjuntos só se admitem com foro de realidade OBJETOS, conceitos,que se definem por suas delimitações, propriedades supostamente intrínsecas, como o são de fato os objetos mentais, as abstrações, os conceitos. De um conceito pode dizr-se: "Uma coisa é uma coisa e não é outra coisa, ao mesmo tempo". Minha visão de mundo reconhece a bibliotecaría como gestora da biblioteca, ao contrário de Bertrand Russell, com o seu conhecido "paradoxo da biblioteca", que não enxerga a bibliotecária porque ela não é DEFINJÍVEL, delimitável, como o é o coneito de uma COISA, como um livro. Assim, Russell só enxerga livros na biblioteca de sua teoria dos conjujntos, da qual exclui a bibliotecária. Um mundo fantasmagórico como o da lenda do aprendiz de feiticeiro, de Goethe. Essa patologia do senso comum acomente todo aquele que entende como realildade somente o que pode ser DEFINIDO OBJETIVAMENTE. identifica a realidade como um conjunto de propriedades da lógica e da matemática, sem mais, um mundo admissível somente mediante as lentes da geometria analítica, das equações diferenciais etc. Assim, por implicação, não pode admitir o SUJEITO o PONTO GEOMÉTRICO, a EXISTÊNCIA e outras ocorrências mentais, que não se EXPLICITAM como um OBJETO, porque não se definem, não são portadores de propriedades intrínsecas. Uma visão de mundo não OBJETIVISTA aplica-se também aos FATOS, que são SUPORTES de significados, de atribuições de sentido, que variam de acordo com o CONTEXTO em que os enxergamos.No contexto da cozinha, uma faca presta-se a cortar carne e legumes; frente à ameaça de alguém, a faca converte-se em arma de defesa pessoal. O sal é branco para os olhos, amargo para o paladar e cristal para o tato. O sal é o contexto que diz o que ele é para quem dele se serve. Assim é também a evocação de um evento histórico. Os objetivistas descreven o evento histórico como fato MENSURÁVEL pelo tempo e pelo espaço, à moda do relógio de ponteiros, na sua SUCESSÃO temporal e espacial, na sua contiguidade, no seu paralelismo, uma propriedade dos objetos, mas não da mente. Esse é o equivoco de chamar de DESCOBERTA científica o que não passa de um RECONEHCIMENTO, algo que estava lá à espera de ser apreeendido num novo contexto em que o enxergue o cientista. Até recentemente, o tomate constava da cesta de frutos e legumes da cozinha; hoje, encontra-se também na farmácia como licopeno, um carotenoide indispensável numa dieta alimentar sausável. Estou confiante em que não existe temporalidade ALGUMA na mudança de um contexto para outro. Um novo contexto não se caracteriza por um deslocamento físico (espacial ou temporal); é uma MUDANÇA DE ESTADO para um outro estado, contexto, um processo de transição entre estados nos quais se exerga a realidade. Para um indígena que não tenha entrado em contato com uma arma de fogo, ele a reconhece sem TRANSCURSO DE TEMPO ALGUM como algo equivalente à sua flecha. Concluo: a transposição SEM DATA da declaração do bispo eu a assumo como uma mudança de contexto, de então para hoje, como realidades EQUIVALENTES quanto à intolerância crescente no comportamento político. Torna-se desnecessário para quem enxerga a realidade em contexto, como é o meu caso, aludir a datas, que devem, sim, ser mencionadas no caso de quem se dispuser a fazê-lo, ao preço de atribuir um ÚNICO SIGIFICADO ao evento do bispo frente aos parlamentares. Não é o meu caso. Posso? A REMOÇÃO RADICAL DAS FAKE NEWS É UMA ILUSÃO EQUIVALENTE À ERRADICAÇÃO DA MÁ FÉ NO CONTEXTO HUMANO Ferve no Ocidente o debate sobre como limitar o poderio das Bic Techs na indução do controle das mentes, a mais terrível arma jamais Alex Branco Para além das "torpezas das ações da direita" a evocação do passado está sujeita a uma recorrente disputa de narrativas na qual prevalece a de quem MANDA, como ocorre no diálogo entre Humpty Dumpty e Alice, num contexto de hierarquia entre os interlocutores. Toda comparação - e a evocação do passado é uma comparação - é falha, como diz o provérbio latino "Omnis comparatio mancat". Não é possível remover a má fé num contexto de exercício da liberdade, se não mediante o recurso de aduções de lado a lado. No limite da porfia vence o contendor que aduz o maior número de indícios convergentes em defesa de sua versão; e a autenticidade de tais indícios depende do grau de credibilidade e confiabilidade que se atribui a um e a outro. A cadeia de convergências é na prática ilimitada - e é por isso que o juiz sempre traz associada à sua competência algo da sabedoria peremptória de Salomão. Dito de outro modo: A Inteligência artificial - a máquina - jamais será capaz de emitir um juízo OBJETIVAMENTE justo. Felizmente, é a INCERTEZA do juízo humano que salva a nossa comum humanidade. A propósito, vale a leitura do sociólogo e filósofo polonês Zygmunt Bauman, sobre a AMBIGUIDADE, irremovível do juízo humano.

sexta-feira, 28 de fevereiro de 2025

EXERCICIO DE FENOMENOLOGIA Em suas diversas aplicações, como método, prática intelectual, ou como filosofia existencial, consiste em se dar conta pela consciência como me sinto como sujeito frente a mim mesmo como refletido como um objeto, como sujeito frente aos objetos e como o sujeito frente ao mundo.Como escopo, a fenomenologia mereceria um interesse mais frequente do que aparece. Como ponto de partida dessas piruetas mentais, prefico o ponto - o ponto geométrico -, uma figura riquiíssima em sugestões metafóricas.
PORQUE O ARGUMENTO RACIONAL, OBJETIVO, DO ÊXITO NA ECONOMIA, ISOLADAMENTE, NÃO CONVENCE. Como é pelo uso da palavra que se exerce o direito legítimo de influenciar, a arma utilizada na POLÍTICA é o argumento. Mas o argumento de caráter exclusivamente racional é insuficiente, porque o que se pretende é conquistar a adesão da audiência, seduzi-la — e a audiência não decide somente apoiada na razão ou somente apoiada na emoção. A sua resposta, como ação humana, é constituída ao mesmo tempo de razão, sentimento, emoção, intuição, paixão, ética e estética. Uma decisão, ou um ato, por mais concretos que sejam, carregam necessariamente consigo como interface a sua responsabilidade moral, uma aposta sobre o futuro, que se desconhece, e nessa medida são fruto de conjetura, de apelo, de encenação, de esperança, de promessa, de subjetividade. Por isso, qualquer apelo feito à razão ou em nome dela, unicamente, é um engodo: visa tão somente camuflar o desejo de mandar nos outros, submetendo-os a seus desígnios, jamais legítimos. O poder hierárquico é uma doença, e não se conhece melhor antídoto do que a reciprocidade, ou o poder de destituição que caracteriza o diálogo na rede social. É disso que nos adverte o mito da cosmogonia chinesa, ao sugerir que corrijamos o relato bíblico da Criação. A ideia de Deus como único autor da Criação seria uma construção ideológica que serve ao propósito de legitimar o poder hierárquico na sociedade. É indissociável e constitutivo da constelação semântica de que também fazem parte a visão escatológica, as doutrinas salvacionistas e messiânicas, o progresso automático, as ontologias, o paraíso, a moral do Bem e do Mal, a certeza ABSOLUTA da ciência de Newton e de Kant, a linguagem binária da cibernética e os ismos em geral. Uma tal justificação é por demais ingênua e rudimentar como estratégia para esconder o que só faz revelar. Seria preferível acreditar, como o faz o mito da cosmogonia chinesa, em que a Criação, que não teve começo, é fruto do embate entre forças opostas e solidárias de igual magnitude. Os sopros celestes e os sopros terrestres, ao se chocarem, provocam turbilhões, que geram um novo estado de mudança, este que somos e no qual nos encontramos. A ideia funcionalista de um Deus-sujeito que teria criado o mundo-objeto sozinho condena-o à solidão, à monotonia, ao monólogo, à reafirmação recorrente do status quo, à mesmice de uma eternidade sem surpresas. Por isso, pareceu pertinente a Machado de Assis, em seu apólogo "Opereta a quatro mãos", pensar em um Deus provido de atributos divinos por excelência: a comunicação, o diálogo. Daí a sua ideia lúdica da Criação como obra em construção recorrente, uma parceria solidária, ao mesmo tempo que conflitiva, entre Deus e o Diabo. Deus põe e o Diabo dispõe, conflitantes e solidários na decisão de prosseguir no jogo. Nada estranho, pois é isso o que ocorre nos desportos: Dois times de futebol disputam a partida com vistas à vitória sobre um adversário que não se identifica como um inimigo a eliminar, para que o torneio possa prosseguir. Assim, o jogo algébrico entre Deus e o Diabo consiste em remover as regras que eles próprios estabelecem, para dar-lhe outras. Um jogo de criação de regras de criação de novas regras de jogo. É o que os entretém eternidade a dentro. Ou, para dizer de outra maneira: A realidade que se exibe ao nosso olhar à espera de reconhecimento tem a feição do outro, o outro da interação entre mim e outrem (Levinas, E., 1988). Assim assumida, a realidade apresenta-se aqui também, no contexto da Política, como indomesticável na sua incompletude: não se deixa fixar definitivamente na imagem que se pretende fazer dela; não se rende à RACIONALIDADE SOBERANA do Iluminismo de DIREITA (liberalismo), de feição LÓGICO-MATEMÁTICA, única, necessária, irrecorrível, definitiva. É a nossa sorte, pois assim temos asseguradas a criatividade, a renovação do prazer e a ventura de sonhar. Nivaldo Manzano (achegas de um livro a publicar de minha autoria).

quarta-feira, 26 de fevereiro de 2025

UM TIPO COMO DONALD TRUMP ERA TÃO PREVISÍVEL NA POLÍTICA ASSIM COMO FRANKENSTEIN NA LITERATURA DE FICÇÃO UM TIPO COMO DONALD TRUMP ERA TÃO PREVISÍVEL NA POLÍTICA ASSIM COMO FRANKENSTEIN NA LITERATURA DE FICÇÃO Realidade e ficção, ambos Trump e Frankenstein são a mais pura extração cultural do EUROCENTRISMO, uma flexão semântica negativa do Iluminismo, ou IDEOLOGIA DA RAZÃO SOBERANA (Kant). Como é sabido, para nós, ocidentais, enunciamos como faculdades, ou valores humanos, a intuição, a ética, os sentimentos, a razão e a estética. Podem existir outros valores axiológicos, mas é o que nos tem bastado desde a cultura da Grécia Clássica para lidarmos com os afazeres da espécie. Para a sabedoria grega, os valores estão contidos na PALAVRA, ou LOGOS, que tinha a força hierática de um oráculo na mitologia. A PALAVRA caracteriza a expressão humana, no seu cotejo com os animais, e ela contém, AO MESMO TEMPO, todos os valores. Para um grego, o ato de falar com responsabilidade compunha a sua existência com a harmonia do Cosmos, assim como os ritos religiosos-festivos da primavera faziam chover. Por falta de sinônimo, o termo LOGOS foi traduzido em latim como RATIO, por Cícero em sua obra de direito distributivo "De legibus", como cálculo, proporção, medida. E assim a RAZÃO adentrou a cultura ocidental, primeiro como luz natural em contraste com a luz divina da Revelação, na Idade Média; a seguir como idioma da ciência. Galileu viu na sua matemática o idioma da natureza, de caráter divino, e Newton viu na sua física as leis da Criação. /// Palavra como sinônimo de razão é um REDUCIONISMO que sujeita as demais faculdades humanas - a saber, intuição, estética, ética, sentimentos e intuição - à soberania da razão, em contraste com a sabedoria grega, que as NÃO HIERARQUIZA, da qual seríamos supostamente herdeiros, como fundamento da cultura OCIDENTAL, o "nec plus ultra" do modo de pensar alheio às superstições medievais, ou o "despertar do sonho dogmático", na expressão basilar da filosofia kantiana, um sonho que teria durado cerca de 30 mil séculos, ou trezentos mil anos, a contar da ocorrência do homo sapiens. /// Esse reducionismo é considerado como responsável por todas as desgraças por que passa a Cultura no Ocidente, por sujeitar-se a uma ordem que dela excluiria os sentimentos, a ética, a estética e a intuição, valores considerados como estranhos ao fazer científico. Uma ideologia que não medrou em cultura ou civilização em parte alguma no mundo, desde quando Noé aportou a sua arca em algum remanso de mar./// Poucas décadas depois da morte de Kant, conhecido como desbravador do LIBERALISMO filosófico e político, assim como o foi Adam Smith na economia, a inglesa Mary Shelley colheu na razão kantiana, feita tão somente de lógica e matemática, disciplinas metaforicamente de rigor mecânico nos seus antecedentes e consequentes, a inspiração de seu Frankenstein, a obra de ficção mais lida ao longo do século XIX adentrando o século XX. /// A propósito da soberania da razão, em Kant, Machado de Assis, que filosofava nas entrelinhas de sua ficção, escreveu num de seus adágios: "Não há mal que não se possa defender racionalmente: A razão, como o burro atrelado aos varais, puxa todo tipo de carga que se lhe ponha em cima. Com a mesma eficiência e pelo caminho mais curto, ela nos leva tanto para o céu quanto para o inferno. Quem decide não é ela, e sim o carroceiro". Isso é dizer que Machado de Assis colocou a razão no lugar em que deve estar, ao lado dos demais valores axiológicos, não acima, nem abaixo deles, no papel de INSTRUMENTO de operações ABSTRATAS (generalistas, universais), inadequada para lidar, com exclusividade, com a ação, ou comportamento humano, de caráter SINGULAR, CONTEXTUAL. Assim, sugiro a você que confie em Machado de Assis e se tranquilize, pois não é a razão excludente do DINHEIRO de Trump e o seu entorno de bilionários que detêm a última palavra. Nivaldo Manzano

quinta-feira, 20 de fevereiro de 2025

PAU-BRASIL

O PAU-BRASIL CAI BEM COMO METÁFORA SIMBÓLICA DO QUE SIGNIFICOU O BRASIL PARA OS SEUS EXPLORADORES DE ENTÃO E DE HOJE Sob monopólio estatal (Coroa Portuguesa), ou privado (concessão de exploração como privilégio dos amigos e amigos dos amigos do rei), a NENHUM BRASILEIRO comum foi autorizado a explorar/negociar o pau-brasil. Ao titular da concessão cabia a condução da árvore e o seu corte, mediante baixa remuneração pela Coroa, que não compensava o imposto, duas ou três vezes o valor pago pelo serviço. Daí o ÓDIO de quem tinha por obrigação manter a espécie no âmbito de seu domínio. Campeava o contrabando, e o seu porto mais conhecido de desembarque da muamba na Europa era na Normandia, França, e não em Portugal, por motivo óbvio. A Companhia de Jesus também conquistou a sua "boquinha" nessa empreitada. Sob pretexto de evitar a exploração clandestina, proteger os indígenas contra os maus tratos submetidos ao seu manejo e assegurar a sua exploração sustentável, ela obteve também o monopólio do CORTE da madeira na Capitania do Espírito Santo, mas extensível a todo o território. O entusiasmo dos religiosos pelo negócio era tal, que foram advertidos por um visitante papal, de que a sua missão não era vender pau-brasil, exceto aos autorizados pelo rei, uma maneira diplomática de dizer que não deveriam manter negócios com os contrabandistas. Durante o longo perído em que durou o monopólio real-privado (modalidade pioneira equivalente às parcerias público-privadas da atualidade, incentivadas e financiadas pelo governo, via BNDES), a sanha na erradicação do pau-brasil inflamou o ânimo de muitas pessoas de influência que se opunham a ela - e de nenhuma de que dela desfrutavam, sob a cobertura e proteção da autoridade delegada pela Coroa. Assim é que, à diferença de outras espécies arbóreas da flora brasileira, o pau-brasil nunca foi incorporado à CULTURA nacional. Cada espécime de pau-brasil era visto como um corpo estranho na área de posse dos fazendeiros, tanto mais que o Estado autorizava os concessionários do privilégio a entrar e sair, sem lhes dar satisfação. E para arrematar, quando do acordo do Tratado de Comércio, entre Brasil e Grã-Bretanha, os ingleses passaram a controlar as Alfândegas, assegurando, assim, o livre embarque da madeira, desde que cobrado o imposto, em nome da Coroa e com ela repartido. /// A decantada INTEGRAÇÃO DA ECONOMIA BRASILEIRA À ECONOMIA INTERNACIONAL SEGUE MODELO EQUIVALENTE quanto à partilha de seus resultados, com a diferença à pior de que não incide imposto algum sobre os exportadores (lei Kandir etc.). Nivaldo Manzano

quarta-feira, 19 de fevereiro de 2025

"POR UM LADO, POR OUTRO LADO": QUANTOS LADOS TEM A REALIDADE?

"POR UM LADO, POR OUTRO LADO": QUANTOS LADOS TEM A REALIDADE? A realidade tem tantos lados quantos sejamos capazes de reconhecer nela. Daí o equívoco ao se dizer que a ciência DESCOBRE. A ciência RECONHECE o que já estava lá ao alcance dos olhos, e o que estava lá passou a ser reconhecido PORQUE fomos NÓS que mudamos de CONTEXTO no qual a reconhecíamos anteriormente. Assim, por exemplo, o tomate, de um legume servido à MESA, passa a ser encontrado também na FARMÁCIA, na forma de LICOPENO, um componente da nutrição equilibrada. Dito de outra forma, a realidade para quem a enxerga é sempre CONTEXTUAL, pois quem tem a visão do TODO seria somente Deus, que não está sujeito à mudança das coordenadas do tempo e do lugar (contexto). O objeto tomate é, pois, um suporte de papeis que pode vir a desempenhar, assim como o sujeito da gramática pode assumir uma infinidade de predicados, em consonância com a mudança do contexto semântico em que ocorre. Assumo, então, como metáfora para representar a realidade o PONTO GEOMÉTRICO, que é feito de infinitos pontos, dispostos à distância de um mesmo raio em relação ao seu centro, ao formar uma círculo. Não há HIERARQUIA entre os pontos: são todos equivalentes, no papel que desempenham na conformação do círculo. Cada ponto contém em si todos os pontos, ou seja, o ponto é o ponto de todos os pontos, Na geometria, o ponto é o suporte de todas as formas geométricas, sem ser, ele mesmo, uma delas. "O ser humano é o suporte de todas as relações sociais", escreve Marx em seu "O CAPITAL" (livro I).É dizer que não há o ser humano, em geral. Há "el hombre y su circunstancia", como dizia o filósofo espanhol Ortega y Gasset. Não faz sentido, pois, PRIVILEGIAR um único ponto como FUNDAMENTO da realidade (com que autoridade?),como ocorre com a RAZÃO, em Kant; a INTUIÇÃO, em Goethe; a MATÉRIA, em Julien de La Mettrie; a TERMODINÂMICA, em Leslie White (antropólogo); o energetismo, em Ostwald (químico); os IMPULSOS, em Freud, e assim por diante. A realidade é tudo isso, ao mesmo tempo, de acordo com a mudança contextual de visão que se pode ter dela. Segmentar a realidade em escaninhos conceituais, no lugar do todo da realidade, é o que faz o pesquisador com o seu MODELO, um construto abstrato em que se apoia a investigação. A mitologia grega cuidou de alertar para o risco de se assumir o modelo como representação da realidade no episódio conhecido como "leito de Procusto". Trata-se do bandido Procusto, que cortava ou espichava as pernas de suas vítimas, de modo a fazê-las encaixar-se no comprimento de seu leito. Com o é sabido, o pesquisador assume como ponto de partida de seu trabalho o CONCEITO, uma abstração que ele constrói para representar o SEGMENTO da realidade objeto de sua investigação. O CONCEITO define-se pelas propriedades que o caracterizam, diferenciando-o de outro conceito. O TODO da realidade não cabe num conceito. Operado pela lógica e matemática, o conceito é incumbido abusivamente de representar o todo da REALIDADE, conferindo-lhe foro de OBJETIVIDADE. Ocorre que não é possível ao investigador livrar-se do CONTEXTO. A sua visão é necessariamenmte contextual. Assim, por exemplo, no contexto da fisiologia do século XIX o sangue se caracterizava pelo seu PESO, até surgir a QUÍMICA, que veio a enriquecer a visão da realidade, ao lado da FÍSICA: mudou-se o modelo. Longe de se deixar levar pelo CETICISMO, a visão contextual, ao contrário, enriquece a realidade ao permitir que se reconheçam nela infinitas janelas através das quais ela pode ser enxergada. A referência comum é a existência (humana) origem e sede dos valores axiológicos. É nessa medida que a atividade da ciência equivale à do poeta. /// Observação: A diversidade de janelas abertas para o acesso à realidade NÃO CONFLITA com o princípio de identidade e de não contradição, reservado por Aristóteles tão somente ao manejo de operações abstratas, sob a égide da lógica e da matemática. O princípio não se aplica à ação humana, ou comportamento (in Filosofia Pragmática) Nivaldo Manzano

sábado, 15 de fevereiro de 2025

O PONTO GEOMÉTRICO E A INTOLERÂNCIA

O PONTO GEOMÉTRICO E A INTOLERÂNCIA. Não fosse por uma questão de lógica, de que não há consequente sem antecedente, eu diria que a Criação não teria sido possível sem que Deus se tivesse inspirado na ideia do ponto - o ponto geométrico - no seu momento zero, antes do "Fiat" (faça-se). Como é sabido, o ponto não se define, mas é somente a partir do ponto que se definem as coisas. As coisas se reconhecem pelas suas formas; e, sem formas, não há coisas que se possam reconhecer pelos sentidos. Quanto às coisas ABSTRATAS, elas também têm forma, a sua representação mental. Pode imaginar-se uma maçã, mesmo que não a estejamos vendo. DEFINIR é conferir propriedade aos objetos. E é por ser desprovido de propriedades que o ponto não pode ser definido. Na geometria, o ponto faz o papel de suporte adimensional das formas geométricas. . Ou, seja, o ponto compreende figuras geométricas, mas não está compreendido nelas. Ele as “delimita”, mas não é delimitado por elas. Origem divina da forma? Por que Deus precisaria de uma representação tridimensional, própria de quem tem corpo? E, se é ele quem atribui propriedades às formas, qual seria o papel da mente: copiá-las? Nesse caso, de que céus tiramos as formas do boitatá e do lobisomem? E por que o lobisomem e o boitatá não são igualmente imaginados por povos de diferentes culturas? E observe-se que cada língua tem o seu próprio modo ( singular) de representar os objetos que enxerga através dos olhos de sua imaginação. O filósofo Platão entendeu ter resolvido o problema, apelando a um deus ex-máquina (solução artificial na trama teatral), ao criar as suas formas ETERNAS imutáveis, FIXAS, livres das contingências do tempo e do espaço. uma reprodução vicária de nossas formas terrenas, variáveis, sujeitas ao entrechoque das opiniões. Já o sábio Confúcio postava-se nas antípodas mentais de Platão, ao afirmar que “o homem não tem ideia” , como a dizer que a mente precisa desembaraçar-se de seus emplastros adventícios, para estar livre e aberta, pronta a acolher uma nova ideia, uma nova forma, com vistas a sincronizá-la com o novo contexto, ou seja, harmonizá-la com a realidade, por definição, em estado de mudança. Assim como água parada, uma ideia fixa, ao interromper o fluxo das ideias, impede a mente de se livrar do lixo, eventualmente tóxico, que nela se acumula É a essa profilaxia, com vistas à recuperação da virtualidade dos possíveis, inscritos na metáfora do ponto, que o artista recorre, para assegurar a livre inspiração no seu exercício de criar. Ao lado dos artistas, estou com Confúcio, que assim entrou para a história por ter enunciado o mais fulminante libelo contra o preconceito e a intolerância. Nivaldo Manzano,

quinta-feira, 13 de fevereiro de 2025

Bataille pressão da vida cronica

O QUE FOI PARA MIM SENTIR A FLORESTA AMAZÔNICA Por incumbência profissional sobrevoei muitas horas a Floresta Amazônica, tendo pousado em clareiras cercadas de mata fechada. São muitas as impressões que se registra da experiência. Atenho-me a uma. Se coubesse mais uma colônia de formigas no gigantesco ecossistema amazônico, lá estaria ela. "A vida aspira de todos os modos possíveis ao impossível crescimento, estendendo-se para além de si mesma. Pode ser descrita como pressão de intensidade máxima sobre o tempo e o espaço. Remova-se uma pedra centenária da soleira da porta de casa, e as sementes que sob ela dormitavam irão germinar, tantas quantas conseguirem ter acesso a um raio de sol. A vida é um derramamento gratuito e perdulário, que preenche tudo, das fossas oceânicas ao alto das rochas, sobre cuja superfície o musgo avança para mais longe ao alcançar as gotículas de vapor d’água que o vento colhe nas ondas do mar", escreve em seu clássico A parte maldita" o filósofo francês Georges Bataille. E acrescenta: "O milagre não está na proeza caricata do homo faber, que crê estar preenchendo a sua carência com a extração da mais-valia ou com o suor do trabalho. O verdadeiro milagre está na variação temática da cultura humana, testemunha de um excesso de existência" Essa foi uma experiência que me ensinou o Gatozé. Vi-o atestar a sua capacidade de tematizar o mundo, ao se instalar sobre a caixa de metal do modem da TV a cabo, para se aquecer: fez do aquecimento elétrico o que pode ser também o calor das brasas, multiplicando por dois a extensão de mundo de seu borralho. "O milagre está na autorregulação metafórica da vida e da existência — uma caldeira que, operando sob pressão máxima, não explode" (Bataille). A arte disso participa, ao se fazer exercício de criação de novas visões de mundo, tantas quantas possíveis. Há mais sonhos sonhados e a sonhar do que possibilidade de realizá-los. Há mais seduções do que possibilidades de se entregar a elas. Bataille me fez sentir o alcance existencial da ESCASSEZ artificial, que embebe a todos, como uma esponja, no mundo da mercadoria, como nos adverte Marx, em seus escritos. Nivaldo Manzano

TRUMP E A "CARTA DOS DIREITOS DOS ESTADOS UNIDOS"

TRUMP E A "CARTA DOS DIREITOS DOS ESTADOS UNIDOS" A"CARTA DOS DIREITOS DOS ESTADOS UNIDOS"nada diz a respeito dos direitos HUMANOS. Não vai além de definir os liimites sobre o que o governo pode e não pode fazer no que diz respeito às liberdades pessoais. Nela não se inclui a lberdade pessoal do negro nem do índio, nem do amarelo, (por extensão, nem do latino).Isso tanto passou em branco que os pais da CARTA, chamados "foundig fathers", entre os quais Washington e Jefferson, eram senhores de escravos. Washington teve sete filhos em sua mancebia com a amante negra. O francês Alexis Tocqueville, de origem nobre, autor do clássico "Democracia na América", esquece-se de incluir a liberdade pessoal do negro, ele que conheceu in loco a sua condição de trabalhador escravo. /// A "Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão", da Revoução Francesa, não inclui a liberdade pessoal do "homem e do "cidadão" negro, amarelo ou indígena. Limita-se a cobrir de direitos os contemplados no âmbito do Ilumismo, ideologia eurocentrista que consagrou a UNIVERSALIDADE dos direitos, como proclama o filósofo Immanuel Kant (1724 - 1804). Tampouco ela nada diz a respeito da liberdade pessoal da MULHER, que não tinha direito a voto e até recemente era considerada como inimputável, ou seja, incapaz de se autoderminar. Nisso tudo não há novidade, SENÃO A ERA TRUMP, que restabelece na prática, stricto sensu, a "Carta dos direitos dos Estados Unidos". Nivaldo Manzano

INCOMPLETUDE

NÃO HÁ MÁQUINA CAPAZ DE CONTER O PLENO SIGNIFICADO DAS PALAVRAS Humpty Dumpty, o gnomo irasciível, afirma a Alice: “Quando utilizo uma palavra, ela significa precisamente aquilo que eu quero que ela signifique. Nada mais, nada menos”. Alice contesta dizendo que “o problema está em saber se é possível fazer que uma palavra signifique montes de coisas diferentes”. Ao que Humpty Dumpty replica com rispidez: “O problema está em saber quem é que manda. Ponto final”. Nesse diálogo, o autor Lewis Carrol nos introduz a um sentimento evocado muito raramente: o sentimento de incompletude, anacrônico, ao que parece, nesta atualidade em que nos impingem a regularidade transitiva, linear do mecanismo, a Inteligência Artificial, ou o algoritmo, como suprassumo da competência. Incompletude não significa uma falta; ao contrário, significa excesso. Toda experiência é exponencial, desde que se saiba senti-lo. Vou a um concerto musical e, ao sair, observo em conversa com os demais que cada um reteve da execução do conserto uma dimensão diversa. Um se prendeu à melodia, outra ao andamento, outro à estrutura harmônica dos movimentos, outro ao desempenho do maestro, outro ao desempenho da orquestra, outro à inspiração do tema, e assim por diante. Isso é a exponenciação da realidade vivida. Tudo reunido numa mesma pessoa, em mim, é como se fosse uma ascensão sem fim rumo a mim mesmo, ou a nós mesmos como comunidade. É a exponenciação da realidade vivida: o sentimento de incompletude. A realidade, ou a experiência de viver, não cabe em palavras. Daí a anedótica afirmação de João Cabral de Melo Neto, ao dizer que o poeta começa a frustrar-se ao enunciado de sua primeira palavra no verso. A própria existência é um excesso: Há mais sonhos a sonhar do que a nossa capacidade de realizá-los. Há mais seduções do que possibilidades de se entregar a elas. O que nos priva do sentimento da incompletide é o mundo linear da quantidade, que nos asfixia na atualidade. que fragmenta a nossa experiência do tempo, mediante a noção de progresso, ou de futuro, ou de esperança ou de utopia. "O progresso, o futuro e toda a constelação semântica associada à quantidade consiste em fragmentar a plenitude do presente em pequenas quantidades contraditórias, do amanhã e depois do amanhã, portadoras de uma frustração intrínseca, que faz desejar mais a mesma coisa, sob a falsa aparência de outra, elevando ao paroxismo a sensação de escassez. Um novo automóvel, saído de fábrica, já vem com a sua imagem bichada, ao ser reconhecido pelo seu comprador e pelos outros num determinado ponto da escala de prestígio e status, abaixo da categoria que lhe está acima. Esse é o espetáculo da mercadoria, que compraz ao tempo em que frustra (Vaneigem, R., Traité de savoir vivre à l’usage des jeunes genérations, Paris, Gallimard, 1967; Beaudrilhard, J.; A sociedade de consumo, Lisboa, Edições 70, 1975). Mas a contrafação nunca é completa, e a manobra dessa equivalência vicária se desfaz no reconhecimento da ilusão. Incompletude: a exponenciação com que a realidade acena somente pode brotar de uma existência plena. O prazer de viver somente se oferece e se deixa reconhecer como um outro de si mesmo, como metáfora, ou tematização de si mesmo. É preciso trazê-lo dentro de si como condição para enxergá-lo à volta. Incompletude: na entrega sempre mais intensa é que se pressente o êxtase. O limite, que aqui é plenitude a cada instante, confunde-se com o ilimitado. É-se tudo a um só tempo e se deseja ser sempre mais tudo. O que está além e se deseja é um prolongamento de si mesmo, que somente é pressentido porque é também um aquém, a pulsar na intimidade do presente.(Apanhado de leituras do filósofo e poeta espanhol George Santayna, dotado de uma prosa cativante e profunda, além dos já mencionados). Nivaldo Manzano

INCOMPLETUDE

PORQUE ANDA SUMIDA A NOÇÃO DE INCOMPLETUDE Humpty Dumpty, o gnomo irascível, afirma a Alice: “Quando utilizo uma palavra, ela significa precisamente aquilo que eu quero que ela signifique. Nada mais, nada menos”. Alice contesta dizendo que “o problema está em saber se é possível fazer que uma palavra signifique montes de coisas diferentes”. Ao que Humpty Dumpty replica com arrrogância: “O problema está em saber quem é que manda. Ponto final". Nesse diálogo, o autor Lewis Carrol nos introduz a um sentimento evocado muito raramente: o sentimento de incompletude, anacrônico, ao que parece, nesta atualidade em que nos impingem a regularidade do mecanismo, como suprassumo da competência e da responsabilidade. Incompletude não significa falta; ao contrário, significa excesso. Vou a um concerto musical e à saída, em conversa com os demais, observo que cada um reteve da execução da peça musical uma dimensão diversa. Um se prendeu à melodia, outra ao andamento, outro à estrutura harmônica, outro ao desempenho do maestro, outro à execução da orquestra, outro à inspiração do tema, outro à convergência harmônica dos movimentos e assim por diante. Isso é a exponenciação da realidade vivida: o sentimento de incompletude. Tudo isso reunido em mim, que os ouço, numa mesma pessoa. É como se fosse uma ascensão sem fim rumo a mim mesmo, ou a nós mesmos como comunidade. A realidade, ou a experiência de viver, não cabe em palavras. A própria existência é um excesso: Há mais sonhos a sonhar do que a nossa capacidade de realizá-los. Há mais seduções do que possibilidades de se entregar a elas. O que nos priva do sentimento da incompletude é o mundo linear da quantidade, que nos asfixia na atualidade. ao fragmentar a experiência do tempo do relógio, mediante a noção de progresso, ou de futuro, ou de esperança ou de utopia. "O progresso, o futuro e toda a constelação semântica associada à quantidade consistem em fragmentar a plenitude do presente em pequenas quantidades contraditórias, do amanhã e depois do amanhã, portadoras de uma frustração intrínseca, que faz desejar mais a mesma coisa, sob a falsa aparência de outra, elevando ao paroxismo a sensação de escassez. Um novo automóvel, saído de fábrica, já vem com a sua imagem bichada, ao ser reconhecido pelo seu comprador e pelos outros num determinado ponto da escala de prestígio e status, abaixo da categoria que lhe está acima. Esse é o espetáculo da mercadoria, que compraz ao tempo em que frustra (Vaneigem, R., Traité de savoir vivre à l’usage des jeunes genérations, Paris, Gallimard, 1967. |Leia-se também Baudrilhard, J.; A sociedade de consumo, Lisboa, Edições 70, 1975).
O ENTENDIMENTO ENTRE PUTIN E TRUMP SOBRE A PAZ VAI DAR-SE EM TERMOS CONTÁBEIS - E SÓ. A imprensa corporativa nacional e internacional vai estender uma espessa cortina de fumaça, atrás da qual vão discutir-se os termos REAIS da negociação de paz. De fora ficará a questão que mais interessa a Trump e a Putin: como repartir, em termos de ocupação territorial, os superlativos recursos naturais da Ucrânia. Grande parte do território da Ucrânia, não sujeita ao controle de Putin, já se encontra em mãos dos grandes fundos de investimento do Ocidente. A democracia da paz e da guerra de Trump é o cifrão do dólar. Presume-se que não será dificil o entendimento contábil entre ambos: Rússia detém os territórios ocupados e deles não abre mão, e Trump há de concordar com ficar com o restante do espólio, que lhe cai no colo. Nivaldo Manzano

quarta-feira, 12 de fevereiro de 2025

UM ESBOÇO DO TRUMPISMO

UM ESBOÇO DO TRUMPISMO. Parece inadequado dizer-se que Trump rompe radicalmente na geopolítica com o UNIVERSALISMO, uma ideologia de revérberos grandiloquentes, já em retirada no mundo ocidental. O UNIVERSALISMO brotou dos arroubos retóricos da Revolução Francesa (RF), convertida em símbolo na "Declaração Universal dos Direitos do Homem e do Cidadão" É nela inspirado que o filósofo Immanuel Kant, um entusiasta da RF, fez do universalismo o seu credo, um ESCLARECIMENTO ("aufklarung", no original alemão) à "espécie humana" (sic), que consistiu em sacudi-la de seu "sonho dogmático", no qual permanecera adormecida durante três mil séculos (trezentos milênios), ou seja, desde a ocorrência do homo sapiens, uma "nova revolução copernicana" como foi chamada, conhecida também como ILUMINISMO, ou o despertar da RAZÃO. O Iluminismo é um eufemismo para ideologia liberal, da qual Kant foi um desbravador na sua teoria filosófico-política, assim como o fora Adam Smith na economia. Como inspiração e expressão do Iluminismo em ambas as dimensões tem-se a GLOBALIZAÇÃO, um rótulo novo para um processo multissecular e os seus correlatos, universalizados urbi et orbi no caráter contextual da expansão econômica, política, ideológica, cultural e militar de países da Europa ocidental e dos Estados Unidos sobre o restante do mundo. Este “universalismo europeu” na expressão do sociólogo estadunidense Immanuel Wallerstein, difere do projeto da Casa Branca, de Donald Trump, que se caracteriza peloseu seu PARTICULARISMO , que tem no seu DNA a quintessência da mesma globalização iluminista, quanto à sua vocação para o poder dos mais iguais que os iguais, agora despudorada. Isso é o TRUMPISMO, uma modalidade reducionista do EUROCENTRISMO, que é uma flexão retórica de caráter pejorativo do Iluminismo. E o Iluminismo, como se sabe, é o império da RAZÃO por sobre os demais valores axiológicos, a saber, os sentimentos, a ética, a estética e a intuição. Sao valores equivalentes entre si, incluida a razão, porém, distintos, embora nao separaveis. Nivaldo Manzano
A EVIDÊNCIA PLANA, COLHIDA DA SUPERFÍCIE DAS COISAS, MAIS ESCONDE DO QUE REVELA Um exemplo paradigmático: Immanuel Kant, pensador considerado maíúsculo, o filósofo que consolidou com a sua RAZÃO SOBERANA o ideário do liberalismo político, deixou-se levar pela evidência superficial, que suhjaz nas milhares de páginas que escreveu com vistas ao ESFLARECIMENTO (aufkarung, no original alemão) da HUMANIDADE,ou ILUMINISMO,na sua vertente racionalista. Faltou ao filósofo consciência crítica, ele, autor da "CRÍTICA da razão pura").Por "consciência crítica" entenda-se a capacidade espontânea de situar-se em CONTEXTO, somente possível sobre o pano de fundo diferencial de outro contexto. Os idênticos são irreconhecíveis. Em meio acadêmico, a consciência crítica se aloja ad hoc na atualidade na "Antropologia cultural", disciplina que avança celeremente, a ponto de inibir o interesse pela investigação filosófica. A pretensão kantiana de ter despertado a "espécie humana" de seu "sonho dogmático" (sic), 3 mil séculos (300 mil qnos) depois da ocorrência do homo sapiens, na localidade de Köenisberg, na Prússia, onde nasceu o filósofo, levou-o a formular uma visão de igual grandiloqência, feita de uma penca de universalismo VAZIOS (desprovidas de contexto), como "espécie humana","liberdade", "direito" "natureza", "felicidade" e outros. São tais determinações descontextuializadas que qualificam urbi et orbi a RACIONALIDADE,que supostamente lastreia a legitimidade do comportamento e do processo de tomada de decisão, apanágio da civilização OCIDENTAL moderna. O primeiro a contestá-lo foi o seu aluno predileto, Johann Gottfried von Herder(1744 - 1803) precursor da linguística, ao se opor de ofício à ideia do mestre de criação de uma LINGUAGEM UNIVERSAL, algo somente possível nas linguagens formais, tais como a dos bits, da matemática, da lógica, ou do telégrafo. É ignorar o que vem a ser DIVERSIDADE CULTUIRAL, conceito pioneiro do napolitano Giamhattista Vico, contemporâneo de Kant. Moral da história: Sob o pretexto da RAZÃO, considerada como faculdade SOBERANA por sobre as demais (sentimento, intuição, ética e estética) tem-se "realidade como ela é e não pode ser de outra maneira", do PENSAMWENTO ÚNICO, ou liberalismo. Lembre-se de que Kant é celebrado como o "filósofo da liberdade" ((mais de 260 milhões de acessos no google, em contraste com 60 milhões de Marx) Nivaldo Manzano Resulta, a mais das vezes, da necessidade de nomear tal ou tal experiência humana a partir do já conhecido. Por isso não é de estranhar o uso de órgãos do corpo para tornar determinado conceito mais próximo da realidade. Na verdade, os poemas homéricos falarão do corpo em si “enquanto totalidade visível [e por isso] será qualiicado de «estatura» ou «silhueta»”28, mas “enquanto conjunto vivo, ele será designado por um termo colectivo […] (como por exemplo “membros”)”29 , numa clara adaptação de um vocabulário de emoções e sentimentos a órgãos concretos, ou ao seu conjunto, isto é, ao visível, ao palpável. Outro exemplo poderá ser aduzido da própria batalha: o corpo que luta, aquele que se apresenta para ser ferido, é a χϱοιά, isto é, a superfície de corpo, a pele, isto é, a sua visibilidade passível de ser penetrada, e que, em batalha, pode estar revestida das armas que se possui. Assim, Aquiles perscruta o corpo (χϱοιά) de Heitor procurando onde penetrar. Signiicativamente utiliza-se este termo também quando referido ao corpo amoroso, isto é, ao corpo que se deita com outro30 .O corpo tem por “função a marca da pertença do ser humano ao universo da visibilidade e de o localizar”33. É um elemento no espaço, e enquanto cadáver “constitui-se como um estranho e inquietante resíduo de visibilidade, a meio caminho entre dois mundos”34 que será preciso “retirar” da visibilidade para que possa seguir o seu caminho para o Hades. Ora, este corpo assume-se dentro de um quadro antropológico especíico, com características particulares. Em primeiro lugar uma concepção naturalista do tempo e da vida do homem: uma geração dá lugar a outra como as folhas de uma árvore: “Assim como a linhagem das folhas, assim é a dos homens. Às folhas, atira-as o vento ao chão; mas a loresta no seu viço faz nascer outras, O ritmo da existência é dado então pela própria natureza, sublinhando-se assim uma curva vital que termina na morte: “os homens são os «efémeros», aqueles que só vivem o dia-a-dia, do nascimento matinal à noite da morte, mas também aqueles que constatam a cada dia que a sua energia vital, cuja sede é corporal, que se esgota e reclama ser restaurado pela alimentação e [pelo] o sono”36. Diferentemente os deuses, com um corpo muita das vezes antropomorizado, têm em si uma energia vital inesgotável e por isso escapam a essa estrutura vital da natureza. Criados como os humanos, essa geração não exprime uma sucessão temporal mas “os laços de dependência funcional e a estrutura hierárquica do cosmos”37 Esta personalidade orgânica é, no herói, como que um campo corporal, onde encontramos um luxo da força orgânica, psíquica e divina, concentrado na sua tarefa de se tornar imortal pelos seus actos. Na morte do herói, vida e destino coincidem enim. Fama é o único im do herói, mas uma fama que a própria mortalidade torna imperativa65. Assim, o herói será o exemplo a imitar pelo homem comum, não pela sua superação divina, mas porque é verdadeiramente excesso de humanidade66: “a fonte da implacável fúria de Aquiles é precisamente o seu nível de vitalidade sem paralelo”67 .

Crematística bbb

https://philarchive.org/archive/TABOPD-2 CAPÍTULO I O PROBLEMA DA ANÁLISE ECONÔMICA EM ARISTÓTELES 13 I. Karl Marx 15 II. Joseph Schumpeter 19 III. Moses Finley 22 IV. Karl Polanyi 26 CAPÍTULO II ECONOMIA E CREMATÍSTICA 29 I. Polis, Oikos e Economia 29 II. Riqueza e Propriedade – A Arte de Aquisição na Economia 33 III. A crematística 36 IV. A usura e o monopólio 43 CAPÍTULO III A JUSTIÇA NAS TROCAS 46 I. A necessidade 48 II. O dinheiro 52 III. A proporção na troca 54 CAPÍTULO IV AÇÃO E PRODUÇÃO 58 I. Instrumento de ação e produção 58 II. Práxis e Poiêsis 60 III. A riqueza – um instrumento de ação 65 IV. Economia e Crematística – considerações gerais 69 CONCLUSÃO 73 REFERÊNCIAS BIB Na interlocução´entre duas pessoas dá-se entre ambas o assentimento e a ponderação crítica, AO MESMO TEMPO, de modo a que o dito um ao outro se acomode no entendimento prévio que cada um trazia como bagagem cultural na sua experiência de vida. Somente no monólogo isso não ocorre, porque o monólogo consiste em falar consigo mesmo. A DIVERSIDADE de pontos de vista é intrínseca ao diálogo e o caracteriza. Arístóles a cunhou como fundamento da DEMPCRACIA. Nisso consiste a ASSIMIULAÇÃO, uma condição para se reconhecer o diálogo como enriquecedor, por ampliar as visões de mundo mediante a sua diversidade. O pressuposto é o do artista: Há tantos modos de se enxergar a realidade quantas sejam as janelas que se abrem para ela. Nestes tempos de predominância da cultura MAXISTA.em lugar do diálogo, prevalece a CONFRONTAÇÃO, tanto mais intensa quanto mais se amiuda a interlocução nas redes. Seria como no futebol fazer do adversário um inimigo. Machado de Assis, o mais arguto dos FILÓSOFOS brasileiros, escreveu, a propósito a alegoria da "Opereta a quatro mãos". O seguinte: Deus, aborrecido de sua eternidade monocórdica, decidiu convidar o Diabo para servir-lhe como interlocutor. Ao que o Diabo prontamente aceitou sob uma CONDIÇÃO: Que se refizesse o relato bíblico, em que Deus se faz reconhecer como o único Criador. Aceita por Deus, tem-se, então, a instalação do diálogo entre Deus e o Diabo, que transcorre na forma de um jogo, que consiste em criar regras de criação de regras de Criação do mundo. Assim, um põe e outro dispõe, sobre um tabuleiro que nunca é o mesmo, se entretando ambos eternidade a dentro. É o que o sábio

Opereta a quatro mãos

Opereta a quatro mãos Na interlocução´entre duas pessoas dá-se entre ambas o assentimento e a ponderação crítica, AO MESMO TEMPO, de modo a que o dito um ao outro se acomode no entendimento prévio que cada um trazia como bagagem cultural na sua experiência de vida. Somente no monólogo isso não ocorre, porque o monólogo consiste em falar consigo mesmo. A DIVERSIDADE de pontos de vista é intrínseca ao diálogo e o caracteriza. Arístóles a cunhou como fundamento da DEMPCRACIA. Nisso consiste a ASSIMIULAÇÃO, uma condição para se reconhecer o diálogo como enriquecedor, por ampliar as visões de mundo mediante a sua diversidade. O pressuposto é o do artista: Há tantos modos de se enxergar a realidade quantas sejam as janelas que se abrem para ela. Nestes tempos de predominância da cultura MAXISTA.em lugar do diálogo, prevalece a CONFRONTAÇÃO, tanto mais intensa quanto mais se amiuda a interlocução nas redes. Seria como no futebol fazer do adversário um inimigo. Machado de Assis, o mais arguto dos FILÓSOFOS brasileiros, escreveu, a propósito a alegoria da "Opereta a quatro mãos". O seguinte: Deus, aborrecido de sua eternidade monocórdica, decidiu convidar o Diabo para servir-lhe como interlocutor. Ao que o Diabo prontamente aceitou sob uma CONDIÇÃO: Que se refizesse o relato bíblico, em que Deus se faz reconhecer como o único Criador. Aceita por Deus, tem-se, então, a instalação do diálogo entre Deus e o Diabo, que transcorre na forma de um jogo, que consiste em criar regras de criação de regras de Criação do mundo. Assim, um põe e outro dispõe, sobre um tabuleiro que nunca é o mesmo, se entretando ambos eternidade a dentro. É o que o sábio

mensaegem aos titubeantes

terça-feira, 11 de fevereiro de 2025

Democracia representativa

PORQUE É CRESCENTE O DESCONFORTO NA DEMOCRACIA REPRESENTATIVA.orque é crescente o desconforto na democracia representatativa. Ou: A regularização dos quilombos estará concluída somente no próximo milênio. Pode dizer-se, sen risco inerente a toda generalização, que o instituto da representação na democracia liberal encontra-se em cris em toda parte. É patente a distância entre o que ela promente e o que entrega, entre a formalidade de seus adereços jurídicos e legais e a ccolheita de resultados. Vive-se num estdo crônico de instabilidade, que se expressa em sua ineficácia, resultante do fosso crescente entre a vontade dos governantes e a vontade dos governados. Mal comparando, o desconfoto que disso resulta corresponde à exasperação que se experimenta na cozinha ao se ter de se submeter ao manejo de uma faca que tenha perdido o gume, justamente no momento em que a precisão do corte se faz mais necessária. E a sensação é que o futuro risonho da felicidade da espécie, com que acena o filósofo Immanuel Kant, em seu ensaio sobre “A paz perpétua”, se esfuma. Parece não ter chegado às nossas mãos sequer o diagnóstico, o que não quer dizer que sob esse aspecto não se tenha vivido como comunidade humana tempos melhores.Os ameríndios, por exempplo, mantêm entre si o costume de dicidir sobre todas as questões de interesse comum mediante debate, sem hierarquia; é patente a sua capacidade superior de organização, mobilização e disciplina, graças ao seu baixo coeficiente de individualismo, sem prejuízo da liberdade; e é superior também no cotejo com o nosso déficit de realização social efetivamente democrática. Tudo isso de vantagem,eles, mal providos da parafernália tecnológica supostamente responsável pelo orgulho do avanço civilizatório de que nos falam os aparelhos de difusão ideológica de quem detém as rédes do poder nas mãos. Resta-nos o que ninguém nos toma: retomar o fio da meada que conduz ao ovo de colombo com que se põe de pé a eficácia democrática.É o que faz o movimento do Comum, a miriade de centenas milhões de participantes na disputa miúda e graúda, a exemplo dos quilombolas, que disputam pela reconquista do espço público. A propósito, das 7666 comunidades quilombolas exidstentes no Brasil (2022) somente uma cinquenta foi até agora regulamentata (Decreto nº 4.887, de 2003, e pelo Decreto nº 3.912, de 2001).Um caso paradigmático: Se nada atrapalhar,a regularização dos quilombos estará concluída no próximo milênio.

Valor eurístico do processo

DOS ISMOS E DA ESCALADA DA INTOLERÂNCIA Machado de Assis faz de sua novela tragicômica "O alienista", uma sátira do POSITIVISMO, filosofia reinante no Brasil de sua época. O protagonista médico alienista, Simão Bacamarte, munido de sua navalha de corte racional, põe-se a separar loucos dos sãos da Vila de Itaguaí, trancafiando os segregados no hospício da Casa Verde, que criara ad hoc. Dado o caráter inseparável da mistura, ao cabo do insucesso trancafia-se ele próprio na Casa Verde. Essa é a alegoria mais percuciente aa história universal dos ISMOS, resultado todos eles de operações de caráter reducionista, que assumem a parte pelo todo. Ou, dito de outro modo, é a contraposição frontal ao ILUMINISMO na sua vertente kantiana, que erige a RAZÃO como faculdade soberana por sobre as demais (intuição, sentimento, ética e estética), como já antecipara Aristóteles em sua FILOSOFIA PRAGMÁTICA: Tais faculdades são distintas umas das outras, de valor equivalente, porém, não separáveis, como atesta o gesto humano. Por isso, na PRÁTICA do comportamento, ou da ação humana, não PRESIDEM a lógica e a matemática, disciplinas da CERTEZA ABSOLUTA (Isso não quer dizer que a ação humana seja ilógica: entre o lógico e o ilógico há o não lógico). Em lugar da certeza absoluta, na PRAGMATICA de Aristóteles tem-se a MELHORIA contínua e recorrente em busca da EXCELÊNCIA, que não se confunde com a estação final iluminista da felicidade bovina da espécie humana de Kant. Não que Machado de Assis seja ele também um louco, por supostamente desconsiderar o valor da RAZÃO. O que ele denuncia em "O Alienista" é a HIPERTROFIA da razão, em prejuízo das demais faculdades. E Machado reitera sua asserção ao dizer, em outra parte de sua obra: "Não há mal que não se possa defender racionalmente. A razão, como o burro atrelado aos varais, puxa todo tipo de carga que se lhe ponha em cima. Com a mesma eficiência e pelo caminhos mais curto, ela nos leva tanto para o céu quanto para o inferno. Quem decide não é ela, e sim o carroceiro". De fato, estaria de acordo com Machado o poeta, ficcionista e ensaísta inglês G. Chesterton (1874 - 1939) de humor sem igual, ao escrever que "o louco é aquele que perdeu tudo menos a razão, ao enxerga intenções no farfalhar das cortinas na janela"* Aqui chego aos ISMOS.TODO ISMO consiste da extrapolação indevida do particular para o universal. Extrapolação: um sujeito trazia sujeira no bigode e dizia que o mundo cheira mal". Assim é o positivISMO, o marxISMO (vulgar) o funcionalISMO,o energetIISMO, o socialISMO, o capitalismo, na sua visão estática, como um fotograma, sem se dar conta de que sob essa caixinha conceitual flui uma corrente. O ISMO é uma borboleta pregada na parede. Com receio e inadequação dos instrumentos para se apreender a realidade em estado de mudança, cria-se o CONCEITO, que resulta de uma empreitada de caráter fixista em disputa com a arte da taxidermia. O modelo do conceito é ESTÁTICO, e a realidade é um estado de mudança: o que era já não é o que virá não é ainda, assim como ocorre nas fases do ciclo da borboleta. Esse é o motivo por que desde Galileu, passando por Newton, os, modelos de investigação científica têm fugido da mudança (transformação, devir, metamorfose) como o diabo da cruz. O ILUMINISMO racional de Kant, que preside à cultura ocidental, é a defesa entrincheirada do status quo. Nivaldo Manzano

segunda-feira, 10 de fevereiro de 2025

DOS ISMOS E DA ESCALADA DA INTOLERÂNCIA Machdo e Assis faz de sua novela tragicômica "O alienista", uma sátira do POSITIVISMO, filosofia reinante no Brasil de sua época. O protagonista médico alienista, munido de sua navalha de corte racional, põe-se a separar loucos dos sãos da Vila de Itaguaí, trancafiando os segregados no hospício da Casa Verde, que criara ad hoc. Dado o caráter inseparável da mistura, ao cabo do insucesso trancafia-se ele próprio na Casa Verde. Essa é a alegoria mais percuciente da história universal das ideias na denúncia da artificialidade dos ISMOS, resultado todos eles de operações de caráter reducionista, que assumem a parte pelo todo. Ou, dito de outro modo, é a contraposição frontal ao ILUMINISMO na sua vertente kantiana, que erige a RAZÃO como faculdade soberana por sobre as demais (intuição, sentimento, ética e estética), como já antecipara Aristóles em sua FILOSOFIA PRAGMÁTICA: Tais faculdades são distintas umas das outras, porém, não separáveis e de valor equivalente, como atesta um gesto humano. Por isso, na PRÁTICA do comportamento, ou da ação humana, não PRESIDEM a lógica e a matemática, disciplinas da CERTEZA ABSOLUTA (Isso não quer dizer que a ação humana seja ilógica: entre o lógico e o ilógico há o não lógico). Em lugar da certeza absoluta, na PRAGMATICA de Aristóteles tem-se a MELHORIA contínua e recorrente em busca da EXCELÊNCIA, que não se confunde com a estação final iluminsta da felicidade bovina da espécie humana de Kant. Não que Machado de Assis seja ele também um louco, por supostamente desconsiderar o valor da RAZÃO. O que ele denuncia em "O Alienista" é a HIPERTROFIA da razão, em prjuizo das demais faculdades. E Machado reitera sua asserção ao dizer, em outra parte de sua obra: "Não há mal que não se possa defender racionalmente.A razão, como o buro atrelado aos varais, puxa todo tipo de carga que se lhe ponha em cima. Com a mesma eificiência e pelo caminhos mais curto, ele nos leva tanto para o céu quanto para o infermo. Quem decide não é ela e sim o carroceiro".De fato, estaria de acordo com Machado o poeta,ficcionista e ensaísta inglês G. Chsterton (1874 - 1939) de humor exponencial,ao escrever que "o louco é aquele que perdeu tudo menos a razão, ao enxerga intenções no farfalhar das cortinas na janela"* Aqui chego aos ISMOS.TODO ISMO consiste da extrapolação indevida do particular para o universal. Extrapolação: um sujeito trazia sujeira no bigode e dizia que o mundo cheirava mal". Assim é o positivISMO, o marxISMO petrifiocado (vulgar) o funcionalISMO,o energetIISMO, o socialISMO abstrato, o capitalISMO atemporal etc. O ISMO é uma borboleta pregada na parede. Com receio e incapacidade de apreender a realidade em estado de mudança, cria-se o CONCEITO, que resulta de uma empreitada de caráter fixista, que a ideologia da ciência disputa com a arte da taxidermia. O modelo do conceito é ESTÁTICO, e a realidade é um estado de mudança: o que era já não é o que virá não é ainda, assim como ocorre nas fases do ciclo da borboleta. Esse é o motivo por que desde Galileu, passando por Newton, a ciência muderna tem fugido da mudança (transformação, devir, metamorfose) como o diabo da cruz. O ILUMINISMO racional de Kant, que preside à cultura ociental, é a defesa entrincheirada do status quo. Nivaldo Manzano

domingo, 9 de fevereiro de 2025

Valior eurístico do processo

valor eurístico do processo https://docs.google.com/document/d/0BxhfAvuo3_KBeVN3TG1fMjh5RXpvUGJ3WXlYM25HSjFPaklB/edit?resourcekey=0-SERFmHyqtgFmpmNyr_Hrdw

sexta-feira, 31 de janeiro de 2025

Descartes corpo máquina sobre bbb

Descartes corpo máquina sobre bbb 83alma animal; contudo, a inscrição do mecânico no orgânico encontra também seus fundamentos no conceito cartesiano de animal-máquina. Dessa forma, segundo Canguilhem, o mecanicismo está inscrito no organismo independentemente da concepção antropomórfica ou teleológica do mundo físico. De todo modo, a paternidade da teoria mecânica do organismo é cartesiana.As interpretações cartesianas do animal-máquina foram modificadas, mas o princípio geral foi mantido. Na cibernética, por exemplo, propõe-se como uma teoria aplicada, renovando o estudo da natureza, do animal e do homem a partir de modelos tecnológicos dispostos como válidos. A cibernética parte dessa afirmação radical de que não somente no organismo tudo é máquina, mas o organismo é apenas máquina, retomando, dessa forma, o essencial da tese do animal-máquina. Segundo Norbert Weiner, em seu livro Cibernética e sociedade:Quando comparo o organismo vivo como tal à maquina, nem por um momento pretendo dizer que os processos físicos, químicos e espirituais específicos da vida tal como a conhecemos habitualmente sejam os mesmos que os das máquinas simuladoras de vida. Quero simplesmente dizer que ambos podem exemplificar localmente processos antientrópicos que talvez possam ser exemplificados de muitas outras maneiras que, naturalmente, não chamaremos nem de biológicas nem de mecânicas. (Weiner, 1993, p. 32)Osimulador encarna a coerência mecanicista e representa algo que vai além da referência humana e além do simbólico. Tanto faz se os autômatos são artificiais ou humanos, eles são descritíveis em termos fisiológicos. Para Weiner, importa se o simulador tem algumas caraterísticas básicas: se são projetados para realização de uma ação; possuem órgãos motores; estão em relação com o mundo exterior; são capazes de realimentação para ajustar conduta futura; e se possuem órgãos decisórios centrais e memória para oregistro da informação retransmitida por comando. Para ele, o sistema nervoso e a máquina automática são análogos e a sinapse no organismo vivo corresponde ao dispositivo comutador da máquina. Ambos são dispositivos que resistem local e temporariamente aoaumento de entropia.Segundo Jacques Lacan, a cibernética procede por um movimento de encontrar a linguagem humana funcionando praticamente só, pois ela demonstra que a máquina 84encarna a atividade simbólica mais radical no homem (Lacan, 1978). Pela ação da realimentação, a mensagem se processa no interior da máquina como abertura e fechamento articulados, do mesmo modo que acontece com as oposições fundamentais do registro simbólico. A cadeia de combinações possíveis de 0 e 1 seguem uma ordem que subsiste em seu rigor, independentemente do sujeito. Assim, como não há sujeito nessa operação, o simbólico se encarna no real da combinação de 0 e 1. Os nossos mecanismos simbólicos são os mesmos da máquina. Nas palavras de Lacan: “é necessário que isso funcione no real e independentemente de toda subjetividade” (Lacan, 1978, p. 342). Assim, para a psicanálise de orientação lacaniana, a proposição do homem-máquina ocidental é uma forma de encontro com o real do corpo.4) O real do corpoQuando Lacan apresenta o automatismo mecânico como o real do corpo que age independentemente de qualquer subjetividade, sua afirmação caminha na vertente cartesiana de distinção entre corpo e alma, pois o real do corpo máquina não permite a interferência de qualquer ordem subjetiva, seja consciente ou inconsciente. Segundo Descartes, o corpo máquina não tem alma e, segundo Lacan, também não tem consciência e muito menos inconsciente (Lacan, 1978, pp. 65 e 350). O automatismo é da ordem do real do corpo sem sujeito.Devemos lembrar que, em seu texto “A ciência e a verdade” (1966/1998), Lacan identifica o sujeito do inconsciente com o sujeito da ciência. Para ele, a psicanálise seria impensável antes da ciência moderna inaugurada no século XVII. O correlato da ciência é a posição cartesiana do sujeito. O sujeito é, de fato, a condição da ciência moderna. Contudo, em vários momentos, Lacan aponta que a ciência é a recusa do sujeito. Já Descartes, ao mesmo tempo em que inventa o sujeito da ciência, abre a vertente da recusa do sujeito coma proposição da teoria do corpo máquina, que é isenta de sujeito. O sujeito é separado do corpo e isso tem consequências que implicam em sua recusa. O animal-máquina é proposto sem a possibilidade de inclusão do sujeito que, por sua vez, se solidariza, emseu surgimento, com o campo da metafísica. O sujeito é legado à metafísica, e o corpo máquina passa a ser submetido à investigação científica. Contudo, com a admissão do sujeito da ciência na psicanálise, Lacan traz de volta o sujeito que fora excluído daciência. O inconsciente, por se assemelhar ao saber científico, traz o sujeito 85como efeito de seu saber, e não como sua causa, já que o sujeito do inconsciente é efeito da produção de saber efetuada na cadeia de significantes.Quando La Mettrie pergunta em seu manifesto se “não é maquinalmente que o corpo se retira, arrebatado pelo terror diante de um precipício inesperado? / (...) não é maquinalmente que agem todos os esfíncteres? / (...) que os músculos eretores elevam o pênis no homem?” (La Mettrie, 1981, p. 193), podemos pensar que o recurso ao automatismo se dá quando o sujeito desaparece. E, sem o sujeito, o único operador que conta é o saber do corpo sem efeito de sujeito.O encontro com o real do corpo implica na perda do sujeito.5) A crítica fenomenológica à noção de corpo máquinaTodavia, o automatismo e a ação reflexa esgotam a ideia de corpo? Husserl (2006) encontrou um novo sentido, uma nova perspectiva para a noção de corpo, alargando a visão objetiva dominante na psicologia, de uma massa partes extra partes, para a noção de corpo vivido. Para ele, é preciso considerar a diferença entre Leibe Körper. Em oposição a Körper, Leib é o corpo vivo e sensível, aquele que eu habito e, por isso mesmo, um corpo que não se reduz ao atomismo material das coisas. A significação fundante e original do mundo da vida –Lebenswelt–é a expressão das experiências do corpo vivo. Já Körperé o corpo da ciência, aquele tomado como uma coisa entre coisas: junção de órgãos no qual operam relações de causalidade lineares e objetivas.De modo geral, Körperé extensão, enquanto Leibé corpo sentiente-sentido, da experiência da reversibilidade, como foi ilustrado por Husserl e, mais tarde, por Merleau-Ponty, na imagem da mão que toca e, ao mesmo tempo, é tocada.Em Merleau-Ponty, a noção de Leibvai ser enriquecida pelas ideias de ambiguidade, saber anônimo, sinestesia, reversibilidade, expressividade e afetividade, indicando, desse modo, o sentido mais próximo da noção de corpo próprio como antítese do corpo máquina. Aambiguidade do corpo não é conclusão teórica ou o signo de uma falha. É, antes de tudo, o sentido nascido da condição própria do corpo que embaralha todas as definições clássicas sobre sujeito e objeto. Ao corpo cabem todas as denominações do pensamento mecanicista e, ao mesmo tempo, nenhuma exclusivamente. Ele é um objeto, uma coisa, uma conexão de órgãos, uma massa de carne e é, também, um pensamento vivo. É um objeto, como a própria psicologia já havia descoberto, mas totalmente diferente da noção clássica de coisa, pois o corpo é um objeto que não me 86deixa e que não se deixa apreender por interior. O corpo nunca está diante de mim, mas, entre todos os objetos, é o único sobre o qual tenho o sentimento perpétuo de uma posse integral.Sou o que sou porquetenho um corpo. É pelo meu corpo e tão somente pela minha existência corporal que encontro o sentido do meu ser-no-mundo, aquela significação perpétua de que sou um para-si cercado de coisas e de outros sujeitos: um para-si-para-o-outro. O corpo não é a sede da minha alma, mas a carne do meu ser. Mais do que o emblema de uma subjetividade, ele é o registro da minha situação no mundo. Tudo o que sou e faço é corporal. Mesmo funções interiores como pensar, imaginar, sonhar, comunicar, querer e respirar são experiências corporais. É impossível ser, agir e pensar fora de uma relação carnal. É sempre um ser corporal que pensa, imagina, vê, fala e se move, ainda que esse ser não tenha em determinadas situações voz ou mesmo não possa andar. O corpo opera como uma Gestalt, assim como a expressão não se resume apenas à voz e a visão não é exclusividade do olho. Como interpreta Merleau-Ponty em O olho e o espírito(2014), toco as coisas com a minha visão como, também, as vejo com as minhas mãos.Mas é preciso compreender a teoria do corpo próprio de Merleau-Ponty além da antítese da tese do corpo máquina. Desde A estrutura do comportamento, ele contrapõe ao exame objetivo do corpo a perspectiva fenomenológica. Nesse caso, mais do que propriamente negar a tese do corpo máquina, é preciso reencontrar a significação estrutural presente no comportamento autômato e reconhecer que o corpo máquina é apenas uma variante reducionista nascida do corpo vivido. O exame que parece melhor reencontrar os limites do corpo máquina e a significação do comportamento autômato está na análise do caso Schneider, um paciente dos médicos Gelb e Kurt Goldstein. Schneider, à primeira vista, é um autômato perfeito. Paciente com ferimento de guerra sem sequelas aparentes, apresentava uma série de patologias: distúrbios de percepção, de reconhecimento visual e tátil, de motricidade, de memória, de inteligência e, como indicado a seguir, também de linguagem, como afasia e alexia. Na descrição de Merleau-Ponty, tomada de Goldstein, Schneider se apresentava como: O sujeito não pode acompanhar um sermão ou um discurso. Fala fluentemente em respostas às solicitações de uma situação concreta; em todos os outros casos tem que preparar antecipadamente as suas frases. Para recitar as palavras de uma canção tem que assumir a postura do 87cantor. Não pode subdividir em palavras uma frase que acabou de pronunciar e, inversamente, palavras coerentes separadas por uma pausa nunca constituem para ele uma frase. Não sabe nem soletrar as letras de uma palavra que pronuncia bem como conjunto e nem escrevê-las isoladamente, ao passo que possui a palavra como conjunto motor automático. Isso mostra o quanto a linguagem é nele deficiente, embora essas insuficiências sejam especialmente marcadas na instituição de conjuntos simultâneos. (Merleau-Ponty, 1999a, p. 104)As conclusões de Goldstein indicam que os sintomas de linguagem em Schneider são uma resposta do organismo aos problemas do meio e representam uma perturbação no comportamento de conjunto. Merleau-Ponty interpretaque é preciso considerar “que adoença não se refira ao conteúdo do comportamento, mas à sua estruturae que, em consequência, ela não seja alguma coisa que se observa, mas que se compreenda” (Merleau-Ponty, 1999a, p. 93). No caso da alexia, por exemplo, o doente não demonstra incapacidade absoluta de ler, porém, não consegue ler fora de um contexto específico; a transformação ocorre no sentido de um comportamento menos diferenciado, menos organizado, mais global, mais amorfo e quase totalmente aderente aomeio. A doença, portanto, não se refere ao seu conteúdo, mas à sua estrutura, pois a função da linguagem se mantém quase intacta e Schneider permanece como alguém que fala. É o que Goldstein denomina atitude categorial: “o distúrbio poderá (...) ser definido como incapacidade de captar o essencial de um processo ou, enfim, como a incapacidade de circunscrever nitidamente um conjunto percebido, concebido ou apresentado a título de figura em um fundo tratado como indiferente” (Merleau-Ponty, 1999a, p. 98).Já a patologia motriz de Schneider dissocia o pegar e o mostrar: “Um doente a quem se pede que mostre com o dedo uma parte do seu corpo, por exemplo, o nariz, só consegue se lhe permite pegá-lo” (Merleau-Ponty, 1999a, p. 150). Essa diferença entre pegar e mostrar está na base da distinção entre o espaço nascido do esquema corporal e o espaço objetivo, pois é semelhante à distinção entre movimentos abstratos –que visam o espaço virtual –e concretos, entre o atual e o virtual. Quando recebe um estímulo qualquer –uma agulhada no braço, por exemplo –, Schneider só é capaz de identificar onde ocorreu o estímulo se puder alcançá-lo posando a própria mão no local dolorido. Ele é incapaz de identificar o local exato da agulhada no seu corpo mostrando ou dizendo algo como “acima do joelho”, “no antebraço esquerdo” etc. Schneider somente executa movimentos 88e localiza no seu corpo os estímulos que se ligam ao complexo vital de sua existência; para ele, o espaço só existe a partir de situações práticas. Schneider não pensa, não localiza o virtual: ele se mantém inteiramente no espaço concreto no fundo de movimento dado para alguém que perdeu o sentido do espaço simbólico, pois a morbidade de Schneider é um enfraquecimento do esquema corporal em benefício das relações vitais. Sua patologia não revela apenas uma perda de função, mas uma desorganização encontrada no esquema corporal e, por consequência, na relação de conjunto do doente com o mundo:Abaixo da inteligência enquanto função anônima ou enquanto operação categorial, é preciso reconhecer um núcleo pessoal que é o ser do doente, sua potência de existir. É aí que reside a doença. Schneider ainda gostaria de ter opiniões políticas e religiosas, mas sabe que é inútil tentar. Ele precisa contentar-se com crençasgrosseiras, sem poder exprimi-las. Ele nunca canta ou assobia por si mesmo [...], nunca toma inciativa sexual. Nunca sai para passear, mas sempre dá uma caminhada. (Merleau-Ponty, 1999a, p. 188)O comportamento autômato de Schneider –sem opiniões, sem iniciativa, sem espontaneidade etc. –não se explica simplesmente pela perda de dados táteis e visuais, ou mesmo por causalidades reflexas, mas está ligada à vida prática do sujeito, à perda de um referencial simbólico, de um espaço virtual. O enfraquecimento do corpo para esboçar um comportamento fora do habitual resulta de um déficit da intencionalidade original nascida no esquema corporal, no domínio imediato do eu desejo, e não do eu penso. Como o texto anterior indica, Schneider nunca procura o ato sexual, não se excita pela visão e quase nunca abraça espontaneamente, e o beijo para ele nunca tem valor de estimulação sexual. Todas as reações de Schneider são locais e dependem de contato. O gozo é raro, somente físico e sempre sem sonhos. Ele vive uma inércia no domínio da vida desejante. O exame de seu comportamento patológico mostra que entre o automatismo e a representação existe uma zona vital sexual, um Eros ou uma Libido que animam o mundo original. É a estrutura da percepção erótica que está alterada. O corpo do outro para Schneider não tem essência particular, pois ele perdeu o poder de se colocar em situação erótica, de projetar um mundo afetivo diante de si: as pessoas não são atraentes, não são simpáticas e nem bonitas, assim como a natureza é apenas funcional. O mundo da vida e 89das paixões é, podemos dizer, neutro. Em um sujeito normal, a percepção do corpo do outro é habitada por um esquema sexual, por zonas erógenas e afetivas. O corpo do outro é compreendido com os caracteres equivalentes ao vivido no próprio corpo (Merleau-Ponty, 1999a, p. 183).Podemos ler em Lacan essa mesma perspectiva sobre o comportamento autômato de Schneider. Todavia, além da amizade entre Merleau-Ponty e Lacan25, podemos destacar convergências entre a teoria psicanalítica de Lacan e a teoria fenomenológica de Merleau-Ponty, presentes, sobretudo, nos primeiros escritos de Lacan. Como lembra Eran Dorfman, Lacan criticou, a exemplo de Merleau-Ponty, a teoria mecanicista da ciência aplicada à causalidade das patologias psíquicas. Referindo-se diretamente à teoria da psicogênese de Henry Ey, Lacan recusou a relacionar de maneira determinante a gênese de qualquer transtorno mental a dispositivos de jogos compreendidos unicamente no corpo, jogos que repousariam, em última análise, em interações moleculares prolongadas “partes extra partes”, como foi pensado pela física clássica e pela teoria do reflexo. Nesse texto, Lacan parece concordar com a críticas de Merleau-Ponty ao mecanicismo científico e à teoria do localizacionismo. Entretanto, é a intepretação de Lacan do caso Schneider que nos interessa aqui. O paciente apresenta uma cegueira psíquica que, seguindo Lacan, não pode ser explicada exclusivamente a partir de dados fisiológicos, pois, mesmo considerando que a lesão é “localizada na área de projeção visual”, Schneider apresenta sintomas que afetam toda a esfera da vida simbólica, conforme já descrevemos anteriormente. Todavia, Schneider é, à primeira vista, um modelo quase perfeito de autômato. Mas, considerando as análisesde Merleau-Ponty e Lacan, poderíamos perguntar: onde se encontra esse automatismo? No corpo? Na consciência? Para o filósofo e o psicanalista, a patologia de Schneider não está no substrato fisiológico ou mental, trata-se, antes, de uma patologia de estrutura. Conforme a leitura de Eran Dorfman, isso é suficiente para Lacan encontrar por meio desse caso a mesma estrutura que a loucura e, especialmente, a do ser humano como tal. É preciso compreender Schneider além do automatismo e, ainda mais importante, épreciso reter o que o automatismo nos ensina. Sua cegueira não resulta do substrato fisiológico, mas é uma condição que afeta a relação entre a visão e a função simbólica. Ainda que, ao contrário da fenomenologia, a vocação clínica da psicanálise não vise transformar o sujeito empírico em transcendental ou fenomenal, já que o objetivo 25Cf. artigo de Lacan publicado inicialmente na revista Tempos modernosem homenagem a Merleau-Ponty: Lacan, J. (2003). Maurice Merleau-Ponty. InJ. Lacan, Outros escritos. Rio de Janeiro: Zahar. 90terapêutico é curar o ego empírico e não levá-lo ao domínio das coisas mesmas, Lacan propõe um caminho que não refuta em absoluto o automatismo. Assim como a loucura, é preciso compreendê-lo num jogo de causalidades muito mais rico do que o da mecânica clássica. O caso Schneider nos mostra que, no lugar da teoria mecanicista, devemos caminhar em direção a uma metafísica da causalidade psíquica, cujo âmbito de aplicação se estende bem além do reino da loucura: ela está, podemos dizer, presente no modo como o nosso corpo interage e reage no mundo. Desse modo, na perspectiva da psicanálise lacaniana, podemos anotar que, diante do encontro com o real, o sujeito apresenta-se antesde tudo pelo e com o seu corpo. Essa elaboração sobre o real foi formulada por Descartes pela via do animal-máquina e desenvolvida em outras teorias decorrentes do mecanicismo, as quais apontamos algumas. Em Lacan, como podemos ler em “Freud, Hegel e a máquina” (1978), o corpo máquina não é, em uma última instância, uma coisa ou, tão somente, uma objetificação do simbólico. Podemos concluir que o corpo de Schneider é uma máquina reveladora da “atividade simbólica mais radical no homem” (Lacan, 1978, p. 95). Desse modo, a psicanálise, ao adotar o sujeito da ciência como sujeito do inconsciente –aquele sujeito que somente passou a existir e ter um corpo depois de Descartes –, trabalha na perspectiva da retomada do sujeito como efeito da produção de saber sempre que ele falta.ReferênciasAssoun, P-L. (1999). Lire La Mettrie. In J. O. de La Mettrie, L’homme-machine. Paris: Gallimard.Canguilhem, G. (1965). La conaissance de la vie.Paris: Vrin.Descartes, R. (1979a). O discurso do método. São Paulo: Abril Cultural.Descartes, R. (1979b). Meditações metafísicas. São Paulo: Abril Cultural.Descartes, R. (2000). As paixões da alma. São Paulo: Nova Cultural.Descartes, R. (2009). O mundo ou Tratado da luz e O homem. Campinas: Unicamp. 91Dorfman, E. (2007). Réapprendre à voir le monde: Merleau-Ponty face au miroir lacanien. Paris: Springer. Freud, S. (1974). Além do princípio do prazer. In S. Freud, Edição standard brasileira das obras psicológicas de Sigmund Freud(J. Salomão, Trad., Vol. 8). Rio de Janeiro: Imago.Freud, S. (1976). O problema econômico do masoquismo. In S. Freud, Edição standard brasileira das obras psicológicas de Sigmund Freud(J. Salomão, Trad., Vol. 19). Rio de Janeiro: Imago.Goldstein, K. (1995). The Organism: a Holistic Approach to Biology derived from Pathological Data in Man. Nova York: Zone Books.Husserl, E. (2006). Ideias para uma fenomenologia pura e para uma filosofia fenomenológica(M. Suzuki, Trad.). Aparecida: Ideias & Letras. Koyre, A. (1982). Estudos de história do pensamento científico.Rio de Janeiro: Forense Universitária.Koyre, A. (1993). Do mundo fechado ao universo infinito.Rio de Janeiro: Forense Universitária.Lacan, J. (1978). Le seminaire, livre 2: “le moi dans la théorie de freud e dans la technique da la psychanalyse”.Paris: Seuil.Lacan. J. (1998). A ciência e a verdade. In J. Lacan, Escritos. Rio de Janeiro: Zahar. (Trabalho original publicado em 1966).Lacan, J. (2003). Maurice Merleau-Ponty. InJ. Lacan,Outros escritos. Rio de Janeiro: Zahar.La Mettrie, J. O. (1981). L’homme-machine. Paris: Folio. 92Merleau-Ponty, M. (1999a). Fenomenologia da percepção. São Paulo: Martins Fontes. Merleau-Ponty, M. (1999b). O visível e o invisível. São Paulo: Perspectiva.Merleau-Ponty, M. (2000). Parcours deux (1951-1961). Paris: Verdier.Merleau-Ponty, M. (2006). A estrutura do comportamento. São Paulo: Martins Fontes.Merleau-Ponty, M. (2010). Oeuvres. Paris: Gallimard.Merleau-Ponty, M. (2014). O olho eo espírito. São Paulo: Cosac Naify.Pavlov, I. (1955). Los reflejos condicionados aplicados a la psicopatologia y psiquiatria. Montevideo: Pueblos Unidos.Weiner, N. (1993). Cibernética e sociedade: o uso humano de seres humanos. São Paulo: Cultrix.