Artigos, ensaios, pesquisas de interesse geral - política, cultura, sociedade, economia, filosofia, epistemologia - que merecem registro
segunda-feira, 31 de março de 2025
Marx e as “robinsonadas” da Economia Política
https://revistas.face.ufmg.br/index.php/novaeconomia/article/view/2095
Neste artigo é resgatada a crítica de Marx às “robinsonadas” da Economia Política. Com isso, Marx observa que a Economia Política toma como ponto de partida o indivíduo isolado e sem determinações sociais, o indivíduo tal como é supostamente posto pela natureza representado na imagem de Robinson Crusoé em sua ilha. Seguindo o método da crítica ontológica de Marx, as “robinsonadas” da Economia Política são apreendidas como uma representação teórica ilusória de condições realmente existentes na sociedade capitalista. Na primeira parte do artigo, será resgatada a “robinsonada” da Economia Política, procurando-se sintetizar sua concepção de homem e de sociedade. Será indicada também a perenidade dessa concepção no pensamento econômico, em seus traços gerais. Na terceira parte do artigo, é indicada a crítica ontológica de Marx às “robinsonadas” apontando sua origem nas condições reais da reprodução material na sociedade capitalista. Finalmente é resgatado o tema do indivíduo em Marx, indicando que a crítica de Marx às “robinsonadas” não implica que Marx não dê importância ou desconheça o indivíduo teórica e eticamente.
domingo, 30 de março de 2025
RACIONALIDADE ECONÔMICA vários
As noções de razão utilizadas pela tradição utilitarista reduzem-se à questão do cálculo interessado. Mas a crítica à racionalidade utilitarista é complexa na medida em que existem diferentes registros do utilitarismo: o prático, como é o caso do utilitarismo economicista que prega a satisfação primeira de interesses egoístas materiais; o teórico, que propõe serem todos os homens egoístas e calculistas por natureza; e o normativo, que vincula o ideal de justiça à satisfação do maior número de indivíduos. A crítica às teses utilitaristas leva o autor a lembrar a contribuição de Marcel Mauss na fundação de um novo paradigma, o da dádiva. Enfim, este texto é fundamental para se compreender a passagem de uma crítica antiutilitarista negativa para uma outra, antiutilitarista positiva, que se apoia na criação do novo paradigma.
HOMOM OECONOMICUS
Os clássicos (1) simplificaram o comportamento econômico na
famosa figura do homo economicus — racional, capaz
de reconhecer seu interesse pessoal com precisão e de elaborar cálculos para efetiva-lo.
CLÁSSICOS: Consideramos clássicos ou "autores clássicos" Adam Smith
(Riqueza das Nações, 1776) e seus discípulos Malthus (1798, 1807), Ricardo
(1817) Stuart Mill (1848) Jean Baptiste Say (1803, 1828) etc. Keynes (Teoria
Geral do Emprêgo, do Juro e da Moeda, 1936, entretanto, denomina "Clássicos"
todos os economistas que se inspiram nas teorias de Ricardo, como Marshall (marginalista) e Pigou (economia do bem-estar).
NA CATEGORIA DO HOMO OECONOMICUS, OS MARGINALISTAS 1870 o inglês William Stanley Jevons, austríaco Carl Mengen,e o francês Léon Waalras. Limitação da racionalidade âmbito dos interesses materiais. os marginalistas apresentaram o raciocínio seguinte: se a intensidade de uma necessidade decresce à medida que é satisfeita,
o mesmo acontece com o valor de uso do bem destinado a responder a
essa necessidade. Se um indivíduo possuir um estoque de determinado
bem, poderá dividi-lo mentalmente em doses correspondentes a uma
satisfação cada vez menos intensa. À última dose, ou dose marginal,
corresponde o menor valor de uso, pois se for consumida, a necessidade terá desaparecido. É esta dose marginal, entretanto, que determina
o valor unitário de todas as outras. Assim se obtém a curva de preferências do conmsumidor, ou maximização da utilidade. O mecanismo de trocas, qeu tem como agentes com indivíduos racionais, gera automaticamente o equilíbrio entre oferta procura no mercado. Ou seja, o somatório das preferências individuais (subjetivas) resulta no equiíbrio no mercado. A ideologia do equilíbrio de mercado mantém-se circunscrita na atualidade à sua defesa por economistas e rentistas liberais, ainda aferrados à mecânica de Newton, mesmo depois da teoria do calor, do físico francês Sadi Carnot e da Termodinâmica de Maxuell. O corpo teórico da termodinâamica de equilíbrio e de processos irreversveis (entropia) constitui a pedra fundamental da mecânica estatística, que passa a colonizar outras áreas da especulação cientifica, como a economia, a computação e a teoria da informação. A mecâanica trata de sistemas sob os quais se dispõem informações completas, enquanto a estatística é um instrumento matemáatico que se utilizam para sde minimizar os efeitos da ignorâancia. Um exemplo é o estudo dos efeitos de uma droga no organismo.
ROBINSONADAS - SOBRE VER AQUI https://revistas.face.ufmg.br/index.php/novaeconomia/article/view/2095
Neste artigo é resgatada a crítica de Marx às “robinsonadas” da Economia Política. Com isso, Marx observa que a Economia Política toma como ponto de partida o indivíduo isolado e sem determinações sociais, o indivíduo tal como é supostamente posto pela natureza representado na imagem de Robinson Crusoé em sua ilha. Seguindo o método da crítica ontológica de Marx, as “robinsonadas” da Economia Política são apreendidas como uma representação teórica ilusória de condições realmente existentes na sociedade capitalista. Na primeira parte do artigo, será resgatada a “robinsonada” da Economia Política, procurando-se sintetizar sua concepção de homem e de sociedade. Será indicada também a perenidade dessa concepção no pensamento econômico, em seus traços gerais. Na terceira parte do artigo, é indicada a crítica ontológica de Marx às “robinsonadas” apontando sua origem nas condições reais da reprodução material na sociedade capitalista. Finalmente é resgatado o tema do indivíduo em Marx, indicando que a crítica de Marx às “robinsonadas” não implica que Marx não dê importância ou desconheça o indivíduo teórica e eticamente.
Para além desse âmbito restrito, o que que nele circunscrito Como a mecânica de Newton mostrou-se insuficiente para explicá-lo, recorreu-se ao equilíbrio instável, um postulado sem fundamento empírico, pois, como mostra a mecânica de Newton, no estado de equilíbrio nada ocorre. (um fato objetivo). na liberdade de escolha, no indivíduo, no mercado, no laissez-fair e no governo mínimo, como instrumento do Estado para preservar as regras do jogo e impedir que possam ser modificadas.
O conceito de sistema isolado é uma idealização. . Equilbrio e invari^ancia com o tempo
| as propriedades que caracterizam o estado do sistema s~ao constantes do movimento. Ele e alcancado
quando tomamos tempos sucientemente longos
— a preferência pela liquidez;
— o estímulo para investir;
— a propensão a consumir.
MARX E AS ROBINSONADAS BBB
https://revistas.face.ufmg.br/index.php/novaeconomia/article/view/2095/1758
https://revistas.face.ufmg.br/index.php/novaeconomia/article/view/2095/1758
Neste artigo é resgatada a crítica de Marx às “robinsonadas” da Economia Política. Com isso, Marx observa que a Economia Política toma como ponto de partida o indivíduo isolado e sem determinações sociais, o indivíduo tal como é su-postamente posto pela natureza representado na imagem de Robinson Crusoé em sua ilha. Seguin-do o método da crítica ontológica de Marx, as “robinsonadas” da Economia Política são apreen-didas como uma representação teórica ilusória de condições realmente existentes na sociedade capitalista. Na primeira parte do artigo, será resgatada a “robinsonada” da Economia Política, procurando-se sintetizar sua concepção de homem e de sociedade. Será indicada também a pereni-dade dessa concepção no pensamento econômico, em seus traços gerais. Na terceira parte do artigo, é indicada a crítica ontológica de Marx às “ro-binsonadas” apontando sua origem nas condições reais da reprodução material na sociedade capi-talista. Finalmente é resgatado o tema do indiví-duo em Marx, indicando que a crítica de Marx às “robinsonadas” não implica que Marx não dê importância ou desconheça o indivíduo teórica e eticamente
JUSTIÇA NA GRÉCIA ANTIGA hesíodo
Hesíodo: https://docs.google.com/document/d/1pFBFiol3bEQmdOjTp_Bqi2PxzIigssYQhrH4TMYBUIU/edit?tab=t.0
HESÍODO
O período de atuação de Hesíodo foi fortemente marcado pelas profundas diferenças sociais. Ao mesmo tempo, os gregos se movimentavam para se emancipar das velhas tradições mantidas desde tempos pretéritos e, orientados por uma herança comum, procurava organizar um novo modo de produzir a vida e de viver.
O culto aos mortos ligado ao túmulo ia sendo abandonado com as mudanças dos costumes ocasionadas pela invasão dória e pelas imigrações. Os ancestrais passaram a ser lembranças e imagens
dos mitos e os cultos não se renovavam em torno das novas chefias, em razão da prática de incineração dos cadáveres. O estabelecimento de contato com homens de origem, cultura e costumes diversos contribuíram para a ruptura com as velhas tradições, já enfraquecidas, pois já se observavam crenças
e práticas religiosas comuns entre os gregos e esses povos. Nessa ambiência de mudanças, os deuses perderam sua sacralidade, ganharam humanidade e podiam se tornar personagens de narrativas que os afastavam dos mistérios: a religião dos deuses assumiu o espaço da religião dos mortos.
Essa relação estabelecida entre homem -deuses apresentava dupla dimensão: ao passo que o homem era valorizado, os deuses eram humanizados e dotados de forma e sentimentos humanos
(Andery et al , 1996, p. 26 .
Isso pode explicar a preocupação de Hesíodo de aproximar Zeus dos homens: por meio de sua justiça superior, a vida na terra poderia se tornar mais segura, justa e compreensível no mundo dos homens. Outro fato a ser considerado é que a
pólis , experiência única da Grécia, ainda estava em sua fase embrionária. Foi esse cenário de tensões, lutas e transformações da sociedade grega, foram essas as condições históricas que inspiraram a poética de Hesíodo. Em sua obra mais importante, ele manifesta sua preocupação com o mundo dos homens, com a forma como eles se org anizavam, com a agricultura e a navegação, com suas necessidades e limitações. Assim, o trabalho e a justiça ganham centralidade em seu poema.
Seus 828 versos são divididos em cinco fábulas e contos e/ou blocos, além da Invocação
A TRAGÉDIA GREGA
https://periodicos.ufpe.br/revistas/INV/article/view/1501
sábado, 29 de março de 2025
ILUMINISMO CRITICA AO BASE KOSELLECK
ILUMINISMO CRITICA AO BASE KOSELLECK
https://www.scielo.br/j/ln/a/rXxK9VFbyKRNcWhQvdmX7rx/
Individualismo, liberalismo e filosofia da história
Resumos
Texto
Referências bibliográficas
Data de Publicação
Resumos
O artigo aborda a principal questão da teoria política: a legitimidade. O tema é desenvolvido a partir dos conceitos básicos da filosofia política iluminista: individualismo, liberalismo e filosofia da história, com a ajuda da historiografia conceitual de Reinhart Koselleck, para demonstrar, como resultado, uma aporia política. A articulação específica entre esses conceitos é então utilizada para ler os principais trabalhos de Friedrich August von Hayek, como um exemplo da adaptação desse conjunto conceitual para o neoliberalismo, e, de outro lado, para ler o núcleo da obra de Jürgen Habermas, como exemplo da versão social-democrata dessa adaptação. A conclusão aponta para a teoria de sistemas de Niklas Luhmann como uma alternativa possível à aporia política herdada do arcabouço conceitual do Iluminismo.
Individualismo e Liberalismo; Filosofia da História; R. Koselleck; Neoliberalismo e Social-Democracia; A.Smith; F.Hayek; J.Habermas
O artigo aborda a questão principal da teoria política: legitimidade. O tema é desenvolvido a partir dos conceitos básicos da filosofia política do Iluminismo: individualismo, liberalismo e filosofia da história, com o auxílio da historiografia conceitual de Reinhart Koselleck, para apontar uma aporia política. A articulação específica entre esses conceitos é então usada para ler as principais obras de Friedrich August von Hayek, como um exemplo da adaptação desse arcabouço ao neoliberalismo e, por outro lado, para ler o cerne da obra de Jürgen Habermas, como um exemplo da versão social-democrata. A conclusão aponta para a teoria dos sistemas de Niklas Luhmann como uma possível alternativa à aporia política herdada do arcabouço conceitual básico do Iluminismo.
Individualismo e Liberalismo; Filosofia da História; R. Koselleck; Neoliberalismo e Social Democracia; A. Smith; F. Hayek; J. Habermas
Individualismo, liberalismo e filosofia da história*
Individualismo, liberalismo e filosofia da história
João Paulo Bachur
Doutorando em Ciência Política pela FFLCH/USP
RESUMO
O artigo aborda a principal questão da teoria política: a legitimidade. O tema é desenvolvido a partir dos conceitos básicos da filosofia política iluminista: individualismo, liberalismo e filosofia da história, com a ajuda da historiografia conceitual de Reinhart Koselleck, para demonstrar, como resultado, uma aporia política. A articulação específica entre esses conceitos é então utilizada para ler os principais trabalhos de Friedrich August von Hayek, como um exemplo da adaptação desse conjunto conceitual para o neoliberalismo, e, de outro lado, para ler o núcleo da obra de Jürgen Habermas, como exemplo da versão social-democrata dessa adaptação. A conclusão aponta para a teoria de sistemas de Niklas Luhmann como uma alternativa possível à aporia política herdada do arcabouço conceitual do Iluminismo.
Palavras-Chave: Individualismo e Liberalismo; Filosofia da História; R. Koselleck; Neoliberalismo e Social-Democracia; A.Smith; F.Hayek; J.Habermas.
RESUMO
O artigo aborda a questão principal da teoria política: legitimidade. O tema é desenvolvido a partir dos conceitos básicos da filosofia política do Iluminismo: individualismo, liberalismo e filosofia da história, com o auxílio da historiografia conceitual de Reinhart Koselleck, para apontar uma aporia política. A articulação específica entre esses conceitos é então usada para ler as principais obras de Friedrich August von Hayek, como um exemplo da adaptação desse arcabouço ao neoliberalismo e, por outro lado, para ler o cerne da obra de Jürgen Habermas, como um exemplo da versão social-democrata. A conclusão aponta para a teoria dos sistemas de Niklas Luhmann como uma possível alternativa à aporia política herdada do arcabouço conceitual básico do Iluminismo.
NEOLIBERALISMO
resultando de uma fórmula política que exige um Estado limitado (portanto, mais restrito e circunscrito nas suas funções) mas, ao mesmo tempo, forte (no seu poder de intervenção) – produzido, em certo sentido, um desequilíbrio importante a favor do Estado e em prejuízo do livre-mercado. Designado já como o "paradoxo do Estado neoliberal", esse fato significa basicamente que, "embora o neoliberalismo possa ser considerado como uma doutrina que prega o Estado autolimitador, o Estado tem-se tornado mais `poderoso' sob as políticas neoliberais de mercado" (Peters 1994, p. 213). concepção neoliberal proposta por autores como Robert Nozick em sua obra Anarquia, Estado e utopia , veremos que a nova direita versão introduziu uma liberal bastante mitigada.1Na visão liberal radical, a economia é o resultado de uma harmonia de interesses gerada por trocas voluntárias entre indivíduos livres e exclusivos, e o Estado é apenas a garantia dessa ordem gerada espontaneamente pelo mercado. Nessa linha de pensamento, admite-se como possível e possibilidade a existência de um mercado totalmente livre da tutela estatal, aceitando apenas como tarefas legítimas de um "Estado mínimo" aquelas que se restringem "às funções de proteção contra a violência, o roubo e a fraude, bem como às funções que permitem a aplicação de contratos" (Nozick 1988, p. 7).
Palavras-chave: Individualismo e Liberalismo; Filosofia da História; R. Koselleck; Neoliberalismo e Social Democracia; A. Smith; F. Hayek; J. Habermas.
O núcleo político fundamental do Iluminismo ( Aufklärung , esclarecimento), composto por um arranjo particular conceitual envolvendo individualismo , liberalismo e filosofia da história , permeou a teoria política contemporânea sob a forma de versões revistas e adaptadas, mas em alguma medida derivada do arranjo conceitual original – essa é a hipótese imediata deste artigo. Há, ainda, uma hipótese mediata e menos elementar: o individualismo iluminista fora verdadeiramente herdado não pelo neoliberalismo, como sempre se pretende, mas sim e mais propriamente pela sociologia "de esquerda"1.
Cabe indagar, de pronto, por que o núcleo conceitual do Iluminismo se fez presente na teoria política contemporânea? A razão é que a teoria política tem como preocupação fundamental a legitimação do poder político do homem sobre o homem, contudo, partindo do arranjo conceitual básico do Iluminismo, essa tarefa de legitimação revela-se aporética: o projeto inacabado iluminista se renovou de tempos em tempos, mas não se conseguiu concluir satisfatoriamente no correr da modernidade. Esses conceitos estão na ordem do dia e, muito embora não preservem, isoladamente, sua carga original, o sentido político do arranjo está preservado: a aporia da legitimação política . Seria possível fazer o percurso da "dialética do esclarecimento" na chave materialista da teoria crítica da sociedade – mas este artigo pretende abordar especificamente a articulação interna entre individualismo, liberalismo e filosofia da história na inescapável tensão oriunda desse amálgama.
Os pontos de apoio para demonstrar as presentes hipóteses serão Jürgen Habermas e Friedrich August von Hayek. Se John Rawls parece ser uma escolha mais intuitiva, Habermas e Hayek permitiram reflexões mais agudas: com efeito, parece ser tarefa mais estimulante analisar por que Habermas – e não Hayek – é o verdadeiro herdeiro de, herança, Adam Smith, e, ainda, por que nenhum dos dois conseguiu resolver o problema herdado dos clássicos.
O roteiro a ser seguido, portanto, mostrará que a aporia da legitimação política sobreviveu ao neoliberalismo e à social-democracia; os conceitos centrais do projeto iluminista se renovaram sem, contudo, resolver seu problema político básico. E essa circunstância, afinal, pode pôr a teoria política em questão.
O projeto do Iluminismo
A articulação conceitual específica entre liberalismo, individualismo e filosofia da história só é plenamente compreendida se. no projeto de emancipação humana liderada pelo Iluminismo do século XVIII – os três conceitos somente são plenamente compreensíveis em suas relações recíprocas.
Liberalismo, no sentido sintetizado pela expressão clássica " laissez faire, laissez passer " de origem fisiocrata, não se reporta apenas e imediatamente ao mercado, mas tem em conta uma luta política contra o absolutismo. Esse liberalismo está correlacionado a um individualismo muito específico, obtido a partir do confronto entre impulsos egoístas e impulsos "sociais" ou "sociáveis", por assim dizer. É dessa tensão extremamente sensível que emerge o mercado liberal – e a questão da desigualdade, preço a ser pago pelo desenvolvimento e pela liberdade econômica e política, tem então de ser remediada ao futuro, à utopia do progresso humano garantido pela filosofia da história. O problema posto pela desigualdade não pode ser resolvido no presente, para cada indivíduo isolado, mas reportado ao gênero humano.
De certa maneira, seria possível identificar uma tradição liberal razoavelmente unitária de Smith a Rawls (e Habermas), partindo, por exemplo, da "primazia moral da pessoa contra qualquer pretensão da colectividade social", que assegura "a todos os homens o mesmo estatuto moral e nega a relevância de graus de diferenciação", afirmando uma tendência de "correcção e aperfeiçoamento de todas as instituições sociais e dos acordos políticos" (Gray, 1988, p. 12).
Mas individualismo e liberalismo não são sinônimos, não estão, per se , automaticamente imbricados – como já foram quando da origem do projeto iluminista. Portanto, apesar da possibilidade de se compreender o liberalismo como tradição razoavelmente unitária (sem estendê-la até o neoliberalismo, como se verá), o individualismo é mais propriamente descrito pela fragmentação (Bellamy, 1994). Agora, se a relação entre liberalismo e individualismo não é, do ponto de vista conceitual, automático, mas histórico , é necessário recompor esse imbricamento específico. A tarefa implica, de um lado, desfazer o mal-entendido estabelecido em torno da associação "individualismo-egoísmo-capitalismo" que remete à Fábula das Abelhas , de Bernard de Mandeville; e, por outro lado, projetar o individualismo e o liberalismo de Smith em um pressuposto básico de sua filosofia moral.
Mandeville, no então poema polêmico Fábula das Abelhas , de 1714, vincula conceitualmente os progressos da época ao egoísmo/individualismo, pois a dualidade moral polarizada por "vício" e "virtude" é aplainada em um único conceito: o egoísmo. Nesse aspecto, Mandeville destoa a tradição da filosofia moral escocesa de Smith e de Adam Ferguson, por exemplo, pois opera uma inversão conceitual fundamental, popularizada na fórmula "vícios privados, benefícios públicos" (Mandeville, 1934, p. 230).
Diferentemente de Smith e Ferguson, não se tratava de inserir o individualismo em uma filosofia moral comprometida com o Iluminismo, como fizeram as escoceses, o idealismo alemão e o racionalismo francês. Ao contrário, a prosperidade social fora derivada do puro egoísmo. Mas esse egoísmo não é sinônimo de individualismo, pelo menos não no sentido da filosofia iluminista. Hayek tem muito mais de Mandeville do que de Smith. Não é por outra razão que o próprio Smith criticou o sistema de filosofia moral de Mandeville em sua Teoria dos Sentimentos Morais (1759) como "sistema licencioso", pois toda paixão fora reduzida ao vício e toda virtude à renúncia pessoal; o egoísmo puro e indiferenciado substituiu o amor próprio tão fundamental para a sociedade: "É a grande falácia do livro do Dr. Mandeville representar cada paixão como vibrante viciosa, em qualquer grau e sentido" (Smith, 1999, p. 387).
Smith tem sido sempre lido na chave "quanto mais extenso o mercado, maior a vantagem para o maior número" (Smith, 1994, p. 320), tornada palavra de ordem do glossário neoliberal, isolada do corpo de sua filosofia moral. Invoca-se sempre a passagem clássica de A Riqueza das Nações (1776), cuja dicção é conhecida de todos:
“Não é da benevolência do açougueiro, do cervejeiro ou do padeiro que esperamos nosso jantar, mas de sua consideração por seus próprios interesses. Nós nos dirigimos não a sua humanidade mas a seu auto-interesse ( amor próprio ), e nunca falamos-lhes de nossas próprias necessidades, mas de suas vantagens” (Smith, 1994, p. 20
Ao comparar a benevolência ao autointeresse , Smith não compara uma virtude a um vício, mas sim duas virtudes ou paixões, cuja diferença reside no maior ou menor grau de sociabilidade. O pressuposto fundamental da filosofia moral de Smith é a compreensão de toda a ambiguidade do individualismo: o amor-próprio é absolutamente indispensável à linha tênue que equilibra impulsos egoístas e impulsos sociáveis. As "paixões egoístas" estão situadas em uma zona de penumbra entre as "paixões sociáveis" e as "paixões insociáveis":
"Além desses dois grupos opostos de paixões, as sociáveis e as insociáveis, existe um outro que ocupa uma espécie de posição envolvida entre eles; nunca é tão gracioso quanto às vezes é o primeiro grupo, nem tão odioso quanto às vezes é o segundo. Dor e alegria, quando concebidos de acordo com a nossa boa ou má fortuna particular , são esse terceiro grupo de paixões. Mesmo quando excessivos, nunca são tão atraentes quanto o excessivo ressentimento (...); e mesmo quando mais específicos a seus objetos, essas paixões nunca são tão obscuras quanto a humanidade imparcial e a justa benevolência” (Smith, 1999, ps. 46/47 – grifos acrescidos).
Aqui fica clara a diferença entre os conceitos de dependência, benevolência e fortuna particular. O amor-próprio é explicado como muito mais abrangente que o egoísmo também por Adam Ferguson, em seu An Essay on the History of Civil Society (1767). O amor-próprio da filosofia moral escocesa tem paralelo na ambivalência do impulso para a autopreservação, presente nas teorias contratualistas de Hobbes a Kant. Toda essa tradição da filosofia política vê, no princípio da autopreservação, riscos para a sociabilidade humana, mas, também e precisamente aí, a única forma de viabilizar a associação política: o medo que leva à agressão defensiva antecipatória e degenera o estado natural na guerra de todos contra todos é o mesmo que funde os homens individualizados no Leviatã de Hobbes; os inconvenientes para a preservação da propriedade de Locke, a rigor, pré-existente ao governo civil, são os fundamentos para sua própria constituição; a instabilidade do estado natural que corrompe o bom selvagem de Rousseau é a mola para a expressão da vontade geral na instituição do legislador (tão fundamental contra o Antigo Regime ); e, finalmente, a "sociabilidade insociável" ( ungesellige Geselligkeil ) da filosofia da história de Kant, expressão mais nítida da incontornável tensão moral do individualismo, que viabiliza a sociedade enquanto ameaça sempre dissolvê-la.
Contra o raciocínio intuitivo desavisado, o amor próprio é absolutamente essencial para a sociedade burguesa – muito embora, no limite, possa destruí-la. É essa tensão extremamente sensível que marca a simbiose entre liberalismo e individualismo no século XVIII. Essa síntese, mesmo partindo de uma igualdade básica, tende a desigualar os homens, o que, no limite, levaria a comprometer os fundamentos do próprio Iluminismo – para amainar essa tensão intrínseca, o século XVIII desenvolveu a filosofia da história, no sentido de Reinhart Koselleck.
Koselleck, em seu conhecido Crítica e crise: Uma contribuição à patogênese do mundo burguês (1959), expressa toda a dificuldade da gênese patológica do mundo burguês, oriunda da separação entre moral e política operada pelo Estado moderno no século XVII. Essa separação subtraiu as bases morais do poder político, garantidas pela religião, as quais não puderam ser plenamente decorrentes da política "neutra" – ie, desvencilhada da religião e reforçada no direito – ironicamente inaugurada por Hobbes ( in secret free ): "O individualismo de Hobbes é a suposição de um Estado ordenado e, ao mesmo tempo, a condição de um livre desenvolvimento do indivíduo" (Koselleck, 1999, p. 27).
A separação entre moral e política instaurou um movimento permanente de crítica e crise do poder político, e ensejou a necessidade de uma filosofia da história: "A crise política (que, uma vez deflagrada, exige uma) e as respectivas filosofias da história (em cujo nome tenta-se antecipar essa decisão, influenciá-la, orientá-la ou, em caso de catástrofe, evitá-la) formam uma única característica histórica, cuja raiz deve ser procurada no século XVIII", pois "o processo crítico do O iluminismo conjurou a crise na medida em que o sentido político dessa crise ocorreu encoberto. A crise se agravou na mesma medida em que a filosofia da história a obscura” (Koselleck, 1999, p. 9; p. 13).
A única maneira de resolver a crise era a utopia da filosofia da história, atualizando a teologia pela razão. Pautada pela fé no progresso, a filosofia da história a um só tempo obscuro a crise e remetia sua solução (pendente desde a separação entre moral e política) para um futuro remoto, isentando de responsabilidade o individualismo liberal-burguês.
As filosofias da história do século XVIII têm em conta um processo de formação humana ( Bildung 2), assentado sobre a pressuposta perfectibilidade humana, já detectável em Ferguson (1995, p. 14) e, em toda a sua dimensão, em Condorcet: "que a natureza não indicou nenhum termo ao aperfeiçoamento das faculdades humanas; que a perfectibilidade do homem é realmente indefinida: que os progressos dessa perfectibilidade, doravante independentes da vontade que desejariam detê-los, não têm outros termos senão a competência do globo onde a natureza nos foi liberada. Sem dúvida, estes poderão seguir uma marcha mais ou menos rápida, mas ela deve ser contínua e nunca retrógrada enquanto a terra ocupa o mesmo lugar no sistema do universo” (Condorcet, 1993, p. 20/21).
A filosofia da história de Condorcet é paradigmática: a história humana progrediu em uma seqüência de avanços evolutivos, compreendendo um processo de desenvolvimento progressivo constantemente apoiado nos avanços técnicos realizados pelas gerações passadas, os quais, pela educação, são incorporados ao patrimônio científico e cultural dos modernos. Nessa escalada, os homens passam de (1) povoados primitivos a (2) comunidades de pastores e agricultores; (3) momento a partir do qual se desenvolve a escrita alfabética; (4) chegando-se à Grécia clássica; (5) momento após o qual o progresso humano entra em decadência e permanece obscuro até (6) como Cruzadas; após o que (7) as ciências e a tipografia promovem um novo surto de expansão do progresso científico e tecnológico; (8) que fornece as bases para que a ciência e a filosofia se oponham e condenem o jugo do absolutismo; (9) fazendo com que a razão desde Descartes possa compor a República Francesa; culminando (10) na época moderna. Essa progressão histórica, concebida como uma escadaria marcada pelo avanço tecnológico, tem seu sentido na medida em que o desenvolvimento do espírito humano condiciona o desenvolvimento das próprias faculdades individuais.
Herder também apresenta um exemplo importante, a começar pelo título de sua obra de 1774: Também uma Filosofia da história para a formação da humanidade: Uma contribuição a muitas contribuições do século . Nota-se que Herder capta com exatidão o "espírito da época", tornando mais explícito o projeto de formação da humanidade. Compartilha com seu tempo a noção de que a perfectibilidade humana aconselhada da educação é uma garantia de seus passos futuros, justamente porque o progresso está associado a um processo de formação plena e gradual: daí porque não se pode afirmar a superioridade deste ou daquele povo neste ou naquele período (Herder usa todos "idade"), justa e exatamente porque os períodos foram e são importantes para a formação da humanidade tal como ela se encontra.
"Se a natureza humana nada tem a ver com uma divina que autonomamente se orienta para o bem, se tudo tem que aprender, se tem que se ir formando por sucessivos passos, se tem que ir sempre progredindo numa luta gradual, é natural que se vá formando, quase sempre, senão mesmo sempre, nos domínios em que encontra motivos que conduzem à virtude, à luta, ao progresso . Em certo sentido dir-se-á pois que toda a perfeição humana é nacional , secular e – se observarmos com o máximo rigor – individual. ” (Herder, 1995, p. 38 – grifos acrescidos.)
E acrescenta ainda, quanto à Bildung do gênero humano: "Tem que passar por diferentes idades, sempre em manifestação contínua progressão, sempre num esforço de continuidade! Entre cada idade parece haver momentos de descanso, revoluções, transformações! E contudo, cada um dos estádios contém em si mesmo o ponto central da sua felicidade" (Herder, 1995, p. 45).
Mas talvez Kant seja, ainda, o melhor exemplo do arranjo programado entre liberalismo, individualismo e filosofia da história. Seu pequeno escrito de 1784, Idéia de uma História Universal de um ponto de vista cosmopolita , articula-se em torno de novas proposições: (1) todas as disposições naturais de uma criatura estão fadadas a se desenvolverem completamente conforme um fim determinado; (2) no homem, tais disposições significam o uso da razão e devem se manifestar no desenvolvimento não do indivíduo, mas da espécie; (3) a natureza proporciona uma felicidade livre do instinto ao homem; (4) o instrumento utilizado pela natureza para que a espécie humana desenvolva completamente suas determinações é o antagonismo social, a sociabilidade insociável ( ungesellige Geselligkeit ) que força os homens a entrar na sociedade mas ameaça dissolvê-la a cada momento; (5) de forma que o maior problema para a espécie humana é alcançar uma organização da sociedade civil perfeitamente justa e livre; (6) o problema este que, por ser o mais difícil, será resolvido pela última espécie humana; (7) o problema da perfeita constituição civil somente poderá ser resolvido a partir da solução do problema externo da relação entre os Estados; (8) de forma que a história da espécie humana representa a realização de um plano oculto da natureza, tanto na constituição civil interna quanto externa, desenvolvendo-se plenamente como determinações humanas; e, finalmente, (9) uma tentativa de elaboração filosófica desse plano da natureza não é apenas possível quanto mesmo favorável para o propósito da natureza (Kant, 1986, ps. 24/09).
Toda essa progressão tem em vista uma tarefa singular, formulada, como não poderia deixar de ser, pelo próprio Kant, em Resposta à Pergunta: Que É Esclarecimento? , cuja resposta é óbvia: "Esclarecimento é a saída do homem de sua menoridade, da qual ele próprio é prejudicial. A menoridade é a incapacidade de fazer uso de seu entendimento sem a direção de outro indivíduo" (Kant, 1985, p. 100).
Fica claro, portanto, que a filosofia moral escocesa, o racionalismo francês e o idealismo alemão apresentaram um concerto conceitual peculiar quanto ao individualismo, liberalismo e filosofia da história, no bojo do Iluminismo do século XVIII. Toda a questão do esclarecimento era emancipar o homem da tradição pela razão, e, do ponto de vista político, essa tarefa se traduzia na busca por um fundamento racional para o poder político. A razão natural do Iluminismo naturalizou, por assim dizer, a ordem social que se constituía à imagem e semelhança do burguês.
Donde a concepção da sociedade – e do mercado capitalista em constituição – dar-se em termos naturais e espontâneos: a ordem natural das coisas, a abstração do individualismo liberal-burguês que tanto incomodava Marx, está completamente enraizada na filosofia da história do século XVIII; ela foi o verdadeiro elemento filosófico da política e da economia burguesas, pois eximiu o burguês de explicação do fardo da desigualdade e da exploração. Aqui, a correção das desigualdades não está assentada na eficiência reguladora do capitalismo, mas na utopia do progresso humano – e a diferença não é retórica:
"O objetivo dos cidadãos será aperfeiçoar-se moralmente até o ponto de saber eficaz, e cada um por si, o que é bom e o que é mau. Assim, cada um torna-se um juiz que, em virtude da esclarecimento alcançado, considera-se autorizado a processar as determinações heterônomas que contradizem sua autonomia moral. Assim, a separação, realizada pelo Estado, entre política e moral volta-se contra o próprio Estado, que é obrigado a aceitar um processo moral" (Koselleck, 1999, pág. 16).
A aporia da legitimação política decorre então da incapacidade de uma política resistir ao crivo da moral, mesmo diante da expressão moderna do Estado racional – tanto na passagem do Estado absoluto ao Estado de direito quanto deste ao Estado democrático, ou, ainda, deste último ao Estado social. Enfim, "A conta foi apresentada pela primeira vez na Revolução Francesa" (Koselleck, 1999, p. 161) e seria apresentada ainda em outras graças.
Com a Revolução Francesa, inaugura-se uma nova temporalidade, encerra-se o tempo da filosofia da história ao mesmo tempo em que não se consuma o projeto iluminista. Não é à toa que o século XIX, tensionado pelo constitucionalismo democrático e pelo movimento proletário revolucionário, conheceu a sociologia e o romantismo, dada a frustração de 1848. Duas guerras mundiais depois, entremeadas pela Revolução Russa, pela crise de 1929, pelo nazi-fascismo, por um Keynes e um Beveridge, o Ocidente dominado pela social-democracia – uma recusa à memória da primeira metade do século XX e uma retomada do élan do século XVIII. E essa determinação histórica é bastante consciente: “ Apenas este projeto do Estado social fez sua herança dos movimentos burgueses de emancipação ” (Habermas, 1987, p. 106). A ponte está finalmente completa: o Estado social é a "última" etapa do projeto iluminista:
"A emancipação, assegurada o denominador comum de justiça para todas as demandas, objetivava a erradicação da desigualdade jurídica, social, política e econômica. Assim, versão em qualquer caso, o termo se tornou um conceito que exigia a erradicação da dominação pessoal do homem sobre o homem; era tanto liberal, em favor da regra da lei , quanto democrático, em favor da soberania popular; era interpretável em uma socialista, em favor da comunhão da propriedade, tanto quanto o suposto meio de abolição da dominação economic . (Koselleck, 2002, p. 254/255).
Essa percepção é absolutamente clara tanto para Habermas quanto para Hayek. E é o posicionamento quanto à situação do Estado de Bem-Estar Social vis-à-vis o projeto iluminista que determinará o sentido da teoria política mais recente.
Neoliberalismo e individualismo econômico: Hayek
Uma vez feita a relação entre individualismo, liberalismo e filosofia da história no transcorrer da modernidade em trânsito do século XVIII para o século XIX, cumpre agora desfazer uma relação conceitual geralmente compreendida de maneira bastante linear, qual seja: a derivação do neoliberalismo a partir do liberalismo. O apelo ao amor próprio como estratégicos para as trocas mercantis, na passagem clássica de Adam Smith, já mencionado, é geralmente limitado à ação mercantil – de Hayek à teoria da escolha racional, passando por Robert Nozick, James Buchanan e Gordon Tullock, o "homem econômico" édo como reivindicação pedra angular da nova direita, muito embora essa nova tenha generalizado uma postura teórica bem distinta da moralidade econômico-liberal de Smith3.
Para esclarecer os termos, é necessário investigar como Hayek lida com a tradição liberal. O clássico The Road to Serfdom , de 1944, denunciava: "Nós ainda pensamos que até bem recentemente éramos governados pelo que é vagamente chamado de ideias do século dezenove ou princípio do laissez faire " (Hayek, 1994, p. 15). A crítica é dirigida ao abandono da liberdade econômica individual tipicamente liberal, experimentado no funcionamento do século XX – mas tal abandono decorre, segundo o próprio Hayek, de uma matriz liberal racionalista exacerbada que culmina no planejamento coletivista.
Em "Individualismo: Verdadeiro e Falso", na coletânea Individualismo e Ordem Económica (1948), a maior preocupação é a integração do individualismo, fundamento da civilização ocidental. O individualismo de que fala Hayek pretende resgatar uma referência ao Renascimento, para o qual o homem é visto enquanto tal, soberano em sua própria esfera. É necessário, então, matizar a tradição liberal iluminista, pois não é toda ela que segue essa linha: há um individualismo "verdadeiro" e outro "falso". O primeiro remanescente ao empirismo britânico e passa por Locke, Mandeville, Hume, Smith e Burke, culminando em Tocqueville e Lord Acton; o falso individualismo remete à tradição racional-cartesiana francesa, incluindo Voltaire, Rousseau, os fisiocratas e os enciclopedistas (especialmente D'Alembert e Diderot). Hayek imputa a confusão entre o "verdadeiro" e o "falso" individualismo a John Stuart Mill e Herbert Spencer, que promoveram a fusão entre o racionalismo francês e o empirismo anglo-saxônico – no caso de Mill, claramente tomado de Kant, tributário do racionalismo de Rousseau – mas também, é bom lembrar, do empirismo de Hume.
O principal problema é que "esse individualismo racionalista sempre tende a se desenvolver como o oposto do individualismo, a saber, socialismo ou coletivismo" (Hayek, 1984, p. 4) – a vinculação entre o racionalismo iluminista e o Estado de Bem-Estar Social é aqui bastante evidente para Hayek (1979b, p. 13).
O verdadeiro individualismo é precipuamente uma teoria da sociedade e apenas a partir daí permite deduzir um conjunto de políticas máximas: a única maneira de compreender as orientações sociais é a partir das ações individuais orientadas pelo comportamento e pelas expectativas dos demais indivíduos:
"não há outra maneira para entender as tendências sociais a não ser através de nosso entendimento das ações individuais orientadas em direção às outras pessoas e guiadas pelo comportamento que delas é esperado" (Hayek, 1984, p. 6).
Não obstante Hayek pretende, com o verdadeiro individualismo, retomar o "homem econômico" liberal, ele acaba se colocando mais próximo de Max Weber e de Vilfredo Pareto que do próprio Smith. Como se pode perceber, o individualismo de Hayek ou a aproximação do individualismo econômico de Weber e Pareto – indispensável, nessa medida, para compor sua própria teoria do conhecimento. Veja-se, respectivamente:
" Ação como orientação orientada pelo sentido do próprio comportamento sempre existe para nós unicamente na forma de comportamento de um ou vários indivíduos . se refere ao comportamento de outros, orientando-se por este em seu curso ” (Weber, 2000, v. I, p. 8/9 – grifos acrescidos).
“Todo indivíduo, à medida que atue logicamente, busca atingir um máximo de utilidade individual”; "O termo indivíduo é preciso: serve para indicar seres vivos considerados isoladamente. O termo sociedade é um pouco vago: designa, geralmente, um agregado de tais indivíduos, considerados em seu conjunto" (Pareto, 1984, p. 96; p. 174).
Partindo de uma definição pareto-weberiana do individualismo (se não na intenção, pelo menos no conteúdo), Hayek chega à conclusão de que as instituições sociais mais fundamentais resultaram de reflexões e fragmentadas ações individuais não executadas a um plano de ação anterior, em clara exposta ao racionalismo cartesiano. Nesse sentido, é possível compreender a formação de arranjos sociais espontâneos e não planejados e, mais ainda, refutar o preceito racionalista de que a razão deve servir aos fins individuais – pois tal circunstância levaria ao planejamento e, em última instância, ao socialismo. Os resultados sociais aconselhados de ações individuais são muito melhores do que o planejamento racional poderia eventualmente prever.
Com Hayek, a exclusão de que o conceito de individualismo provocado na segunda metade do século XX é imputado ao sentido de egoísmo geralmente a ele associado, de forma que os dois conceitos são tomados como sucessivos. Contra essa participação, argumenta-se que na linguagem do século XVIII, o amor próprio e o interesse egoísta não demonstraram o egoísmo hedonista que conhecemos hoje, relacionado exclusivamente ao interesse econômico de mais curto prazo. Até aqui, Hayek argumenta com toda a retidão. Mas as diferenças entre Mandeville e Smith, como visto, não se avaliam a questões terminológicas; a diferença entre eles é fundamentalmente filosófica ; melhor dizendo, é uma diferença de filosofia moral .
Partindo das ações individuais orientadas por expectativas sociais, apresentadas claramente weberiana, Hayek tem de forçar a leitura que faz do liberalismo escocês do século XVIII: apoiado em Ferguson, assevera que "rastreando os efeitos combinados de ações individuais, nós descobrimos que muitas das instituições sobre as quais se apoiam as realizações humanas surgiram e funcionam sem uma mente idealizadora e planejada" (1984, p. 6/7); e que o desenvolvimento espontâneo da ordem social a partir das ações individuais é o "grande tema" da filosofia moral escocesa (1984, p. 7).
Agora, o grande tema da filosofia moral escocesa é completamente outro, por mais que tais considerações envolvam o fato presente – tanto Smith quanto principalmente Ferguson asseveraram a evolução gradual e espontânea da sociedade. Mas, como visto na seção anterior, o individualismo subjacente a essa concepção não se relaciona às ações individuais orientadas por expectativas sociais, mas sim à tensão intrínseca ao individualismo liberal, representado na sociabilidade insociável tipicamente iluminista, amainada pela filosofia da história . Nessa medida, a solução dos efeitos colaterais do individualismo liberal-burguês do século XVIII é remediada para o futuro, para a evolução humana. Mas esse não é, isoladamente, o grande tema de Smith e Ferguson. Tanto é assim que Hayek, não obstante as inúmeras remissões a Smith, e mesmo quando recorre a Mandeville, deixa entrever as viés de sua leitura – principalmente no artigo "Dr. Bernard Mandeville", publicado nos Freiburger Studien :
"Talvez ele [ Mandeville ] não tenha de maneira alguma mostrada exatamente como uma ordem pode se constituir sem um plano, mas ele compreendeu plena e claramente que ela assim se faz" (Hayek, 1969, p. 128).
De fato, se, na esteira da tradição da filosofia moral clássica, o individualismo não se reduz ao hedonismo estrito mas projeta-se no anteparo moral garantido pela filosofia da história, Hayek se distancia dessa tradição e se aproxima do empirismo cético ao negar ao indivíduo a condição para melhor descobrir quais são seus verdadeiros interesses. Essa tarefa tem de ficar, por isso, a carga de um processo social em que todos possam participar igualmente e tentar o melhor resultado; a razão humana não é um atributo individual dado ao homem, mas eminentemente um processo interpessoal, no qual a ação de um indivíduo é testada em face da ação dos outros indivíduos, sendo então aprovada, reprovada, corrigida ou confirmada4.
O ponto central do individualismo de Hayek não é um atestado de conduta empírica, mas diz respeito às possibilidades cognitivas intrinsecamente limitadas, já que o homem não é capaz de conhecer e apreender muito mais além do que uma pequena parcela da sociedade e somente pode levar em consideração aquilo que sua capacidade intelectiva é capaz de processar na esfera circunscrita individual da predição possível. Trata-se de uma teoria do conhecimento de caráter essencialmente cético-empirista (na matriz de Kant e Hume)5.
Com isso, Hayek se aproxima e se afasta da tradição liberal clássica a que se pretende filiar, pois seu individualismo é muito mais conectado a uma teoria do conhecimento que a uma filosofia moral propriamente dita – e o principal problema de Hayek é que sua teoria do conhecimento, não obstante sua conotação moral, é determinada precipuamente por suposições econômicas e, em especial, por pressupostos típicos do mercado competitivo. Por mais que sua teoria do conhecimento empiricamente limitada o aproxime de Kant e Hume, e por mais que seu conceito de ordem espontânea aponte para Mandeville (e, conceda-se, para Ferguson e Smith), falta-lhe, contudo, a garantia teórica representada por um projeto moral, dado seu descompromisso com o iluminismo. Mas Hayek não pode fazê-lo, em função de sua compreensão do verdadeiro individualismo, eminentemente anti-racionalista.
No individualismo de Hayek, o indivíduo, unidade básica de ordem social espontânea, só tem acesso a um conhecimento muito limitado, empiricamente apreensível. É por essa razão que o individualismo, a teoria do conhecimento e o mercado se imbricam inexoravelmente em Hayek: agora, o arranjo que permite que pequenas esferas individuais capazes de um conhecimento muito limitado entrem em contato umas com as outras para a produção de efeitos sociais de longo alcance é o mercado, financiado na propriedade privada e na troca. Mas essa teoria do conhecimento tem um vício intrínseco insanável. Vejamos:
“Em suma, devo afirmar que o elemento empírico na teoria econômica – a única parte que concerne não apenas implicações mas causas e efeitos e que leva, portanto, a conclusões as quais, de qualquer forma, são em princípio susceptíveis de verificação – consiste em proposições sobre a aquisição de conhecimento” (Hayek, 1984, p. 33 – grifos acrescidos).
Qual é o elemento empírico da teoria econômica que viabiliza o conhecimento?
" Competição é, assim como a experimentação na ciência, primeiro e sobretudo um processo de descoberta" (1979a, p. 68 – grifos acrescidos).
Hayek não deduz a competição de suas propostas – e aí é que está o ponto cego de sua construção teórica – ao contrário, erige a própria competição ou colocação do conhecimento. Essa construção traz uma dificuldade incontornável. Para Hayek, o individualismo não é puramente econômico – o que não quer dizer que os aspectos econômicos são desprezíveis, muito pelo contrário, são absolutamente determinantes. Não por outra razão, o mercado é a melhor forma de garantir o aumento do conhecimento social, a estabilidade da ordem social e o progresso, porque permite que os indivíduos manejem espontaneamente o conhecimento legado pela tradição e incrementem as informações adquiridas pelas negociações econômicas. Mas a dificuldade de Hayek parecer não dar solução satisfatória está em relação ao individualismo e à teoria do conhecimento. A competição como colocação não é a melhor opção. A pressuposição do mercado em sua neutralidade abstrata condicionada a teoria do conhecimento: Hayek não parte do indivíduo em seu conhecimento limitado e essencialmente empírico para chegar ao mercado, mas faz o contrário: o mercado competitivo está pressuposto na própria definição do conhecimento, pois é a competição que caracteriza o processo de descoberta; o conhecimento está diretamente subordinado ao elemento empírico da teoria econômica.
Como já mencionado, Hayek tem de fugir do individualismo racionalista, que conduz ao socialismo. Mas essa circunstância força sua construção teórica e impõe custos muito altos. Em última instância, a preocupação de Hayek é garantir uma ordem social que, mesmo não sustentada pela racionalidade estrita individual, constitui um conjunto social no todo racional. Mas se o individualismo de Hayek não é o mesmo de Smith – pois o amor próprio condicionava a extensão da divisão do trabalho e do mercado, e, no neoliberalismo, é uma concepção a priori do mercado que permite ligar o individualismo e a teoria do conhecimento – a liberdade individual do neoliberalismo não pode ser liberal6. Em Hayek, a liberdade é um conceito extremamente restrito, restrito à mera ausência de coerção físico-corporal por parte de outros homens:
“Estamos preocupados neste livro com aquela condição na qual a coerção dos homens por outros homens seja reduzido tanto quanto possível em sociedade. Devemos descrever esse estado daqui em diante como estado de liberdade.
Assim, liberdade e coerção adquirem um sentido exclusivamente pessoal, pois se referem apenas às ações lógicas entre homens individualizados, e não significam a ausência de outras barreiras impessoais:
"Nesse sentido, 'liberdade' refere-se somente à relação entre os homens, e sua única infração é a coerção por outros homens." (Hayek, 1960, p. 12)
Liberdade e coerção, como é possível perceber, advêm da concepção de um mercado espontâneo e não-coercitivo no qual os indivíduos se movem livremente. Essa circunstância, ao contrário da intuição, é muito mais uma diferença que uma semelhança entre liberalismo e neoliberalismo. Como visto, a naturalização da ordem social no liberalismo era garantida pela filosofia da história: para os liberais, a liberdade fundava o mercado livre; para os neoliberais a liberdade está contido no mercado.
O conceito de "ordem espontânea" ( kosmos – sociedade), em oposição ao de "organização" ( táxis ou "ordem artificial" – governo), configura uma ordem social endógena, abstrata, complexa e auto-suficiente. Esse conceito de ordem espontânea é uma negação frontal à tradição iluminista, pois não há de falar em qualquer "projeto" humano (Hayek, 1973, p. 35 e ss). A "ordem natural das coisas" do século XVIII foi assentada na utopia do progresso humano, que seria suficiente para resolver espontaneamente o problema da emancipação. A espontaneidade da ordem social de Hayek é um conceito restrito e paradoxal, pois a ordem social é espontânea apenas na medida em que não transcenda seus próprios limites. O progresso não está relacionado com a emancipação, mas sim com a manutenção da desigualdade e, nessa medida, com a contenção social. Esse paradoxo tem relação no vínculo intrínseco entre progresso e desigualdade, pois ele permite que bens materiais em princípio disponíveis apenas para as classes sociais mais abastadas possam se tornar acessíveis também às classes sociais mais baixas. Justamente a inevitabilidade da desigualdade econômica é o argumento utilizado para defender a espontaneidade da ordem social capitalista, pois é impossível antecipar os resultados do mercado ou prever o curso do progresso:
"Em sentido estrito, apenas a conduta humana pode ser chamada justa ou injusta. Se aplicarmos tais termos a um estado de coisas, eles farão sentido apenas na medida em que julgarmos alguém responsável por instituir esse estado de coisas ou por permiti-lo. Um fato puro ou um estado de coisas que ninguém pode mudar pode ser bom ou ruim, mas não justo ou injusto. (...) Evidentemente, não apenas as ações individuais, mas também a ação concertada de vários indivíduos ou a ação de organizações podem ser justas ou injustas. O governo é uma tal organização, mas a sociedade não é, embora a ordem social seja afetada pelas ações do governo, e desde que ela remanesça uma ordem deliberada, os resultados particulares do processo social não podem ser justos ou injustos ” (Hayek, 1976, p. 31/32 – grifos acrescidos).
Com tal articulação, o próprio princípio de organização da ordem social – a economia de mercado – fica isento de crítica; não se trata mais de defender uma sociedade baseada no capitalismo competitivo porque tal defesa não faz o menor sentido, aliás, não faz qualquer sentido questionar essa própria ordem social, pois sua espontaneidade fática está fora do crivo da justiça, reservada à conduta humana. Com isso, os resultados de uma sociedade de mercado já não se prestaram sequer a julgamento: a melhor defesa do mercado é enfrentar um pressuposto axiológico e epistemológico. O arcabouço conceitual de Hayek permite que a ordem social e o governo sejam concebidos em planos diferentes, sendo uma interação entre ambos regida pelo desenvolvimento da competição, pelas razões já vistas. É por isso que:
"Tem-se que admitir claramente que a maneira pela qual os benefícios e contribuições são distribuídos pelo mecanismo de mercado deveria ser considerado como muito injusto em várias instâncias se fosse o resultado de uma alocação deliberada a pessoas particulares. Mas não é esse o caso" (Hayek, 1976, p. 64 – grifos originais).
Sem uma filosofia da história como anteparo moral, Hayek força a caracterização do mercado como algo espontâneo, o que fragiliza a relação entre o neoliberalismo e a defesa da liberdade individual. Essa conclusão, após a identificação do arranjo clássico entre liberalismo, individualismo e filosofia da história, chega a um patamar quase elementar: se Hayek não se filia ao projeto do esclarecimento, se a emancipação não está no horizonte do neoliberalismo, não se poderia esperar muito de seu conceito de liberdade. É por essa razão que sua defesa moral da liberdade é mitigada e matizada pela defesa econômica do mercado competitivo – Hayek opera uma depuração moral do homem econômico de Smith, por assim dizer.
A união entre competição e teoria do conhecimento dispensa a garantia teórica representada pela filosofia da história; a ojeriza ao projeto distributivo exige a renúncia ao conteúdo moral da tradição liberal – a vinculação do neoliberalismo ao liberalismo é, portanto, muito mais fraca do que pode parecer à primeira vista, muito menos óbvia que retórica. Hayek está muito menos relacionado a Adam Smith do que a Pareto e Weber. A filosofia moral escocesa, o racionalismo francês e o idealismo alemão possuíam em comum um individualismo liberal que, embora projetasse resultados resultados econômicos bastante significativos para o desenvolvimento da economia de mercado, não se exauria em tal tarefa, não se limitava a explicação do mercado. A ausência de um anteparo moral como fundamento filosófico-político precípuo marca a fronteira entre Hayek e o liberalismo clássico, já que essa função é desempenhada pela competição7.
Agir comunicativo e filosofia da história: Habermas
Se Hayek desfaz a articulação entre individualismo, liberalismo e filosofia da história, reconfigurando o individualismo "verdadeiro" à sua maneira (ou seja, essencialmente marcado pela competição capitalista), Habermas reorganiza a tríade iluminista em uma crítica – ma non troppo – à social-democracia. Hayek, como visto, não pode herdar nada do projeto iluminista além de um individualismo economicamente hipostasiado muito distante de Smith. Habermas, tido por mentor de uma "segunda geração" da teoria crítica da sociedade (leia-se: filiado, nessa medida, ao marxismo ocidental da segunda metade do século XX), é, na verdade, o autêntico herdeiro do individualismo liberal-burguês; tem muito mais de Smtih do que de Frankfurt.
E a chave em que se dá essa apropriação não está no individualismo em si, que aparece como defesa da individualidade, mas na tradução da filosofia da história liberal à teoria do agir comunicativo.
Compreender Habermas implica, portanto, recompor um duplo movimento em sua trajetória teórica: a apropriação do élan iluminista em chave social-democrata e, simultaneamente, o distanciamento do materialismo histórico.
A apropriação habermasiana da tradição iluminista está equipada no conceito de filosofia da história, conforme desenvolvido por Koselleck: um expediente para remeter ao futuro a solução da aporia da legitimação política. O individualismo e o liberalismo, por sua vez, estão presentes em Habermas de maneira bastante peculiar: o "liberalismo" decorre da crítica ao Estado de Bem-Estar Social , ou melhor, a seus excessos juridicizantes – mas não às conquistas representadas pelos direitos sociais. O liberalismo clássico tinha em conta a liberdade como emancipação – Habermas irá mitigar esse aspecto, como se verá. O individualismo, por sua vez, é na verdade a defesa da individualidade contra o aparelho de poder estatal – o que remete Habermas, pelo menos em alguma medida, à tradição sociológica.
De fato, não obstante o célebre livro de Hayek, Road to Serfdom, tenha sido batizado por inspiração em Tocqueville, Habermas está mais perto do francês do que se pretende o próprio Hayek. O século XIX apresentou inúmeras reações ao individualismo, não circunscritas ao perímetro socialista: um diagnóstico comum foi feito tanto por Marx quanto por Tocqueville; ambos já delinearam uma defesa do indivíduo perante o aparelho de poder estatal. O argumento seria radicalizado por Weber nas teses da perda de sentido e da perda da liberdade, corolários inevitáveis do desencantamento do mundo como modernização social pautada pela ação racional com relação aos fins.
Na linha com Tocqueville, Marx vê na Revolução Francesa a construção de um aparato institucional cada vez mais centralizado, aperfeiçoado que seria por Napoleão e também depois dele: "Todas as revoluções aperfeiçoaram essa máquina, ao invés de destroçá-la. (...) o Estado tornar-se completamente independente" (Marx, 1997, p. 126). Não é diferente da impressão de Tocqueville, na outra ponta ideológica da fundação da sociologia. Também para o pensador francês, a Revolução Francesa somente fez acentuar a centralização política já presente desde o Antigo Regime , submetendo toda a sociedade à administração pública, "A sociedade que progride gera a cada instante novas necessidades, cada uma das quais representa uma nova fonte de poder para o governo, já que só ele é capaz de satisfazê-las" (Tocqueville, 1997, p. 94), culminando em uma espécie de "servidão regulada" (Tocqueville, 1998, pág. 531/532).
Habermas admite que a perda de liberdade é, em alguma medida, o custo para recuperar um sentido racional específico para a ação social. Mas nessa tentativa acaba recitando em algo como uma filosofia da história de caráter comunicativo, por assim dizer.
Para desenvolver a teoria do agir comunicativo, Habermas se avançou do materialismo histórico. A sociologia de esquerda como um todo não hesitou em descartar Marx à luz do Estado de Bem-Estar Social : o diagnóstico do capitalismo invalidaria as contribuições marxistas; o dogmatismo do Manifesto não poderia resistir à prova da história, ao "ganho sem ambigüidades" representado pelo Estado de Bem-Estar Social (Habermas, 2001b, p. 53). Não é à toa, por exemplo, que “A aplicação da teoria marxista das crises, à modificação da realidade do capitalismo avançado, conduz a dificuldades” (Habermas, 1999, p. 9). Na mesma linha, Claus Offe reverbera: "Grosseiramente, é a seguinte a dificuldade epistemológica que desde a Segunda Guerra Mundial vem torturando a teoria política marxista: faltam à teoria tradicional da crise pontos de referência empíricos, enquanto, ao contrário, falta uma teoria adequada aos processos reais da crise" (1984, p. 296). A social-democracia foi vista como a refutação da teoria de classes, da tese do colapso do capitalismo e da tese da proletarização progressiva, três dogmas centrais da Segunda Internacional (Heimann, 1991). Mas o passo decisivo de Habermas está em Técnica e Ciência como 'Ideologia' , no artigo homônimo:
"Por 'trabalho' ou ação racional teleológica entendo ou a ação instrumental ou a escolha racional ou, então, uma combinação de duas. A ação instrumental orienta-se por regras técnicas que se apoiam no saber empírico. (...) Por outro lado, entenda por ação comunicativa uma interação simbolicamente mediada. Ela orienta-se segundas normas de vigência obrigatórias que definem como expectativas recíprocas de comportamento e que têm de serem entendidas e reconhecidas, pelo menos, por dois sujeitos agentes" (2001a, pág. 57 – grifos originais).
Não é objeto deste trabalho problematizar, na extensão devida, o conceito de trabalho de Habermas. É evidente que a redução não se sustenta e somente faz sentido em uma separação idealista e artificial da realidade; de Hegel a Marcuse, passando por Marx, o trabalho é categoria da práxis social, para dizer o mínimo. A separação entre sistema e mundo da vida – como âmbitos de trabalho e de interação, respectivamente – é por demais forçada, já que o trabalho assalariado é "uma atividade que se realiza na esfera pública (...). Por isso, a sociedade industrial pode perceber a si mesma como uma 'sociedade de trabalhadores', distinta de todas as demais que a precederam" (Gorz, 2003, p. 21 – grifos originais).
Habermas, acompanhando Offe, demonstra o esgotamento da utopia da sociedade do trabalho em nome de uma utopia comunicativa – e esse é o pilar de sua crítica ao Welfare State (cf. Offe, 1989, p. 171). Não obstante Habermas seja plenamente consciente do vínculo do Estado social ao projeto esclarecedor, como já visto, a crise é inegável diante da perda da centralidade sociológica da categoria de trabalho : "O desenvolvimento do Estado social acabou num beco sem saída. Com ele esgotaram-se as energias da utopia de uma sociedade do trabalho" (1987, p. 112). Esse diagnóstico fundamenta a recuperação de sentido pelo agir comunicativamente orientado à obtenção livre do consenso – o projeto esclarecedor transita do trabalho à interação; da reprodução material à reprodução simbólica do mundo da vida.
Ora, mas se a reprodução simbólica do mundo da vida é sustentada por seu material de reprodução (Habermas, v. II, 1995, p. 209), não se pode abrir a mão de uma esfera própria do agir instrumental, em que pese a dominação correlata causada pela estrutura social erigida a partir do trabalho assalariado. Assim é que Habermas se envolve em uma circularidade estéril e insolúvel: se o trabalho, a manipulação técnica, enfim, o sistema , constitui esfera indispensável para a reprodução do mundo da vida, é extremamente improdutivo argumentar pela perda da centralidade da categoria trabalho: na tese do esgotamento da sociedade do trabalho, a categoria "trabalho" não pode ser a mera manipulação instrumental da natureza, tem de ser trabalho como interação – caso contrário, a solidariedade comunicativa não seria um sucedâneo. Mas, por outro lado, o trabalho como agir instrumental é absolutamente incontornável para a própria racionalização simbólica do mundo da vida – nesse sentido, o trabalho não pode perder a centralidade. Mas, como já foi dito, o argumento da perda da centralidade exige que o trabalho seja algo além do agir instrumental, o que não é desenvolvido na teoria do agir comunicativo – daí a contradição do conceito de trabalho de Habermas.
Os custos desse movimento não serão pequenos. Ao assumir para si a tarefa de dirigir o projeto esclarecedor, dispensando a dialética histórico-materialista (que se fiava no trabalho), Habermas tem de elaborar uma garantia teórica para a emancipação, exatamente como fazer o liberalismo clássico. E isso é feito conforme sua estratégia para uma abordagem reconstrutiva das ciências sociais aprimorada na comunicação e, mais especificamente, na orientação da ação comunicativa centrada no consenso (Habermas, 1989)8.
A ausência do potencial negativo da dialética exige, em contrapartida, uma positividade, um sucedâneo comunicativo para a filosofia da história. Essa positividade está na esfera pública, instância comunicativa capaz de revitalizar os processos de legitimação política do Estado de direito (Habermas, 1984, p. 269/270). É nela que se dá o “uso público da razão”, para lembrar Kant (1985, p. 104). Mas para que tal se processe, os requisitos não são pouco exigentes: as três ficções permitem à teoria do agir comunicativo rezam: autonomia dos agentes, independência (ainda que relativa) da cultura e transparência da comunicação (Habermas, 1995, v. II, ps. 224/225). Mais ainda, são condições para o discurso racional: ( i ) a disposição de uma interrupção não motivada da argumentação, a liberdade na escolha dos tópicos da discussão e a inclusão da melhor informação disponível; ( ii ) o acesso universal equânime e igual à argumentação, bem como participação igual e simétrica; e, finalmente, ( iii ) a exclusão de toda e qualquer coação além do melhor argumento, na busca cooperativa pela verdade (Habermas, 1996, p. 230).
Tais ficções são fortes e abstratas demais para passarem sem crítica. Somente fazem sentido quando se admitem a representação bipolar e idealista da sociedade como sistema e mundo da vida (trabalho e interação), conforme a qual os homens desempenham papéis sociais absolutamente independentes entre si, sob a orientação da busca por um conceito de "consenso" abstrato e normativo que, por isso mesmo, torna-se vazio de sentido político. A busca pelo consenso é, com efeito, mais importante que o próprio consenso – com isso, Habermas elimina a dimensão negativa da linguagem, cuja função é precisamente operar o dissenso. Vale considerar que essa dimensão negativa da comunicação está presente em Luhmann9.
Com efeito, a compreensão da sociedade como sistema e mundo da vida enfraqueceu o individualismo e, por conseguinte, a defesa da individualidade: o amor próprio e a "sociabilidade insociável" marcaram a tensão entre egoísmo e sociabilidade (quer dizer, entre ação instrumental e ação comunicativa), momentos mediados que não eram dados. Se a integração sistêmica se dá pela ação estratégica, detalhes são dinheiro e poder; e se a integração social se dá pela interação dialógica, cujo meio é o consenso; a tensão ínsita do individualismo liberal-burguês desaparece. Por mais que Habermas pretenda tocar o projeto iluminista, falta-lhe a intransigência na defesa substancial da liberdade, presente no século XVIII. O individualismo de Habermas, portanto, embora não se assemelhe ao individualismo econômico de Hayek, não retome integralmente Smith10.
Diante dessa defesa relativa da individualidade, Habermas tem de construir uma filosofia da história comunicativa: o desacoplamento entre sistema e mundo da vida é remetido à integração comunicativa alcançada em uma esfera pública universal, reforçada em um paradigma processual do direito e da democracia, cujo modelo é a evolução de níveis de consciência moral determinados pelo paralelismo entre a ontogênese (desenvolvimento do indivíduo isolado) e a filogênese (desenvolvimento do gênero humano).
Em Para a Reconstrução do Materialismo Histórico , Habermas conflui a teoria do agir comunicativo e a psicologia cognoscitiva do desenvolvimento. A composição permite avaliar a evolução de níveis de consciência moral estruturados conforme uma intersubjetividade produzida linguísticamente e uma dinâmica do desenvolvimento da personalidade, em referência "às estruturas de consciência do direito e da moral – que são homólogas na história do indivíduo e na do gênero " (Habermas, 1983, p. 15 – grifos acrescidos).
Partindo de Piaget, Habermas oferece uma evolução da aprendizagem conforme a interação entre a criança e o ambiente, de forma que é pela confrontação com o alter que se forma o ego . Isso faz com que o ego se relacione, de um lado, com uma alteração que é a natureza externa e, de outro lado, com uma alteração que seja a natureza interna. O desenvolvimento da "identidade-do-Eu" ( ich-Identität ) tem paralelo à evolução de imagens de mundo. Com efeito, a identidade-do-eu se desenvolve em estágios que aprimoram a delimitação entre a subjetividade e a objetividade, do ponto de vista cognoscitivo, lingüístico e interativo. Assim, o Eu me desenvolvo na sequência dos estágios simbióticos (em que a criança não se delimita perante o entorno, a subjetividade ainda não tem sentido); egocêntrico (a criança idade apenas e exclusivamente com referência ao seu próprio corpo); sócio-cêntrico objetivista (a criança toma consciência de sua perspectiva subjetiva e já delimita perfeitamente a natureza externa e a sociedade); e finalmente universalista (o adolescente se livra do dogmatismo precedente e assume a possibilidade de um ponto de vista reflexivo e relativista).
“Na ontogênese, observam-se seqüências de conceitos-base e estruturas de lógicas que são afins à evolução das imagens do mundo” (1983, p. 18/19).
Com isso, Habermas estabelece uma analogia evolutiva entre: ( i ) o estágio simbiótico e a sociedade paleolítica; ( ii ) o estágio egocêntrico e a sociedade tribal, marcado pela explicação narrativa mítica e sócio-mórfica do mundo; ( iii ) o estágio sócio-cêntrico objetivista e as sociedades pré-modernas, em que a narrativa mítica é remanescente pela justificação do poder, já resultou com argumentos mas ainda atrelados a princípios fundamentais além dos quais não pode avançar; e ( iv ) o estágio universalista e as sociedades estatais modernas:
"Quando se afirma na economia capitalista e no Estado moderno formas universalistas de relacionamento, a atitude em face da tradição judaico-cristã e grego-ontológica sofre uma fratura de tipo subjetivista (Reforma e filosofia moderna). Os princípios supremos perdem o seu caráter de indubitabilidade; a fé religiosa e a atitude teórica tornam-se reflexivas" (Habermas, 1983, p. 20).
Ora, Habermas, leitor de Koselleck, não poderia deixar passar desapercebida a camada ("eletiva") entre o caráter utópico da filosofia da história liberal e o ideal ético-discursivo universalista de sua própria teoria, inclusive quanto ao paralelo entre a história individual e a história do gênero humano: por isso Habermas insiste em impingir à teoria crítica da sociedade a pecha de uma "filosofia da história catastrófica" (Habermas, 1995, v. I, p. 508/509), oferecendo, por isso, uma teoria do agir comunicativo como alternativa à filosofia da história:
"Com a presente investigação, gostaria de introduzir uma teoria da ação comunicativa que esclarecesse os fundamentos normativos de uma teoria crítica da sociedade. A teoria da ação comunicativa oferece uma alternativa à filosofia da história que se tornou insustentável, e à qual permaneceua ainda ligada a velha teoria crítica" (Habermas, 1995, v. II, p. 583).
Com efeito, como é possível notar, a teoria do agir comunicativo não é uma alternativa à filosofia da história mas sim e mais propriamente seu substituto. A busca pelo consenso na teoria do agir comunicativo redunda na postergação rotineira da decisão, no adiamento processual da decisão política para o futuro; quer dizer, o agir comunicativo funciona – após os tempos áureos do Welfare State e a enxaurrada neoliberal – exatamente como a filosofia utópica da história funcionou para o liberalismo: descobrindo a crise de legitimação do poder político e remetendo-a ao futuro. O modelo processual do direito e da democracia deduzido da ação comunicativa significa, na verdade, aliviar o fardo de tomar decisões políticas substanciais, adiadas pelo processo político institucionalizado (Habermas, 1996, p. 362).
A teoria do agir comunicativo se incumbiu de tocar o Iluminismo e, para tanto, teve que recorrer a um programa político positivo – que, em última instância, funciona como um teórico equivalente para as filosofias da história liberais utópicas pré-revolucionárias . Resta comprometido, nesse passo, a tarefa de esclarecer que o agir comunicativo chamou a si11.
Post scriptum : legitimação pelo procedimento?
Diante do quatro até aqui esboçado, nota-se que a conjunção entre individualismo, liberalismo e filosofia da história, engendrada no bojo do projeto iluminista, contendo uma determinação política aporética que – a despeito da pretensa retomada do individualismo liberal pelo neoliberalismo, de um lado, e da herança da filosofia da história utópica retomada de forma subreptícia em registro social-democrata pela teoria do agir comunicativo, de outro lado – não foi solucionada.
O projeto de emancipação humana, que só faz sentido após o Iluminismo, torna-se uma tarefa inatingível porque perpetrada pela legalização, pela positivação jurídica de reivindicações emancipatórias (Koselleck, 2002, p. 258). No contexto iluminista, a razão do direito natural passou a crítica ao absolutismo que, cristalizada no Estado de direito, tornou o impulso revolucionário no princípio de conservação da ordem liberal – e, justamente por isso, a aporia da legitimação política repetiu-se para a social-democracia. Nesse sentido, se, diante da separação entre moral e política, "a conta foi apresentada pela primeira vez na Revolução Francesa", a conta foi apresentada uma segunda vez no Estado de Bem-Estar Social – na primeira vez pela revolução, na segunda pela reforma.
A teoria política contemporânea tem de partir, portanto, dessa situação aporética herdada do liberalismo – e não resolvida pela social-democracia nem pelo neoliberalismo.
Niklas Luhmann radicaliza a teoria da sociedade e propõe uma saída da aporia da legitimação política que, na verdade, significa precisamente aprofundar e radicalizar essa aporia: o "esclarecimento sociológico" é o abandono do "esclarecimento ingênuo" que marca toda a tradição iluminista (Luhmann, 1991, p. 67). Para a teoria de sistemas, a legitimação política deixa de ser um problema político diante da legitimação pelo procedimento.
Luhmann transforma o conceito de esclarecimento conforme recebido pela tradição iluminista racionalista ao fazer a inversão conceitual entre Aufklärung e Abklärung , muito mais significativa do que meramente terminológica. Com Abklärung o "esclarecimento" é tornado de um impulso de transformação social em direção à implosão da tradição em um impulso de conservação social, solução de problemas e tomada de decisões. Por isso "Iluminismo sociológico": a teoria de sistemas opera o esclarecimento como uma função de resolução de problemas sociais, pois o ganho representado pelo aumento das possibilidades humanas não significa nada se não puder ser corretamente apreendido e trabalhado (é a redução da complexidade social, no jargão da teoria de sistemas).
Partindo do esclarecimento sociológico, Luhmann prescinde do individualismo, da filosofia da história e até mesmo do liberalismo (no sentido empregado neste artigo, quer dizer, como fundamento da liberdade). Daí a individualidade ser conceituada apenas como auto-referência, como operação autopoiética. Exatamente como ocorre com o indivíduo, também o Estado é um sistema social dentre outros. O sistema político define-se por duas propriedades fundamentais: o poder de tomar decisões e o caráter vinculante dessas decisões. A mudança é feita pela capacidade de introdução de temas para a decisão por parte do sistema político conforme o binômio "progressivo"/"conservador" (1981, p. 38).
O risco para o sistema é dúplice: ( i ) que, uma vez submetido um tema à apreciação política, a decisão seja tomada depressiva demais, colocando em risco a sobrevida do sistema; ou ( ii ) que o sistema admite um tema político e é incapaz de alcançar uma solução. A grande tarefa do sistema político, portanto, é trazer temas para os quais ele conseguir oferecer ao menos uma decisão dentro de seus próprios limites, ou seja, garantir a legitimidade da legalidade. Isso é assegurado pela legitimação pelo procedimento (Luhmann, 1980).
A apreciação crítica dessa alternativa exige, contudo, um outro trabalho.
Referências bibliográficas
BELLAMY, R. Liberalismo e sociedade moderna (Trad. M. Lopes). São Paulo: UNESP, 1994.
BUCHANAN, J. Ensaios sobre economia política Honolulu: University of Hawaii Press, 1989.
CONDORCET, JAN Marquês de. Esboço de um quadro histórico dos progressos do espírito humano (Trad. CAR de Moura). Campinas: UNICAMP, 1993.
FERGUSON, A. Um ensaio sobre a história da sociedade civil Nova York: Cambridge University Press, 1995.
GORZ, A. Metamorfoses do trabalho: Crítica da razão econômica (Trad. A. Montoia). São Paulo: Annablume, 2003.
GREY, J. O liberalismo (Trad. MH Costa Dias). Lisboa: Estampa, 1988.
_________. Pós-liberalismo: Estudos em pensamento político Londres: Routledge, 1996.
HABERMAS, J. Para a permanência do materialismo histórico (Trad. CN Coutinho). São Paulo: Brasiliense, 1983.
_________. Mudança estrutural da esfera pública: Investigações sobre uma categoria da sociedade burguesa (Trad. Flávio Kothe). Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1984.
_________. “A nova intransparência: A crise do Estado de Bem-Estar Social e o esgotamento das energias utópicas”. (Trad. CAM Novaes). In: Novos Estudos, Cebrap , n. 18, 1987.
_________. Consciência moral e agir comunicativo (Trad. Guido de Almeida.) Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1989.
_________. Theorie des kommunikativen handelns , 4ª ed.. Frankfurt a. Principal: Suhrkamp, 1995.
_________. Entre fatos e normas: Contribuições para uma teoria do discurso do direito e da democracia (Trad. W. Rehg). Cambridge: MIT Press, 1996.
_________. Uma crise de legitimação no capitalismo tardia 3Şed. (Trad. Vamireh Chacón). Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1999.
_________. Técnica e ciência como "Ideologia" (Trad. Artur Morão). Lisboa: Edições 70, 2001a.
_________. A constelação pós-nacional: Ensaios políticos (Trad. Márcio Seligmann-Silva). São Paulo: Littera Mundi, 2001b.
HAYEK, FA A constituição da liberdade Chicago: University of Chicago Press, 1960.
_________. Freiburger Studien Tübigen: JCB Mohr, 1969.
_________. Direito, legislação e liberdade Chicago: University of Chicago Press, v. I (1973), v. II (1976), v. III (1979a).
_________. Liberalismus Tübigen: JCB Mohr, 1979b.
_________. O caminho para a servidão Chicago: University of Chicago Press, 1994.
_________. Individualismo e ordem econômica Chicago: University of Chicago Press, 1984.
HEIMANN, H. Die voraussetzungen des demokratischen socialismus und die aufgaben der sozialdemokratie Bonn: JH Dietz, 1991.
HERDER, JG Também uma filosofia da história para a formação da humanidade: Uma contribuição a muitas contribuições do século (Trad. José M. Justo). Lisboa: Antígona, 1995.
KANT, I. Resposta à Pergunta: 'Que é Esclarecimento? '. 2ª ed. (Trad. Floriano de Sousa Fernandes). Petrópolis: Vozes, 1985.
_________Idéia de uma história universal de um ponto de vista cosmopolita (
sexta-feira, 28 de março de 2025
Fábula das Abelhas, de Bernard Mandeville
https://tendimag.com/wp-content/uploads/2023/01/a-fabula-das-abelhas-de-bernard-mandeville.-1714.pdf
Iluminismo filosofia política bbb
Iluminismo filosofia política bbb
https://www.scielo.br/j/ln/a/rXxK9VFbyKRNcWhQvdmX7rx/
Maquiavel instaura uma dissociação no mundo político entre o poder divino e o poder temporal : as relações entre os homens passam a ser regidas pela RAZÃO
O artigo aborda a principal questão da teoria política: a legitimidade. O tema é desenvolvido a partir dos conceitos básicos da filosofia política iluminista: individualismo, liberalismo e filosofia da história, com a ajuda da historiografia conceitual de Reinhart Koselleck, para demonstrar, como resultado, uma aporia política. A articulação específica entre esses conceitos é então utilizada para ler os principais trabalhos de Friedrich August von Hayek, como um exemplo da adaptação desse conjunto conceitual para o neoliberalismo, e, de outro lado, para ler o núcleo da obra de Jürgen Habermas, como exemplo da versão social-democrata dessa adaptação. A conclusão aponta para a teoria de sistemas de Niklas Luhmann como uma possível alternativa à aporia política herdada do arcabouço conceitual do Iluminismo.
Individualismo e Liberalismo; Filosofia da História; R. Koselleck; Neoliberalismo e Social-Democracia; A. Smith; F.Hayek; J. Habermas
terça-feira, 25 de março de 2025
VIDA BOA ARISTOTELES E OUTROS
https://www.academia.edu/45684529/Aristotles_Pursuit_of_the_Good_Life?email_work_card=title
A busca de Aristóteles pela boa vida
José Karuzis
Universidade de Hokkaido
Resumo
No Livro I de AristótelesÉtica a Nicômaco, três tipos de vidas que são geralmente
observadas como permutações convencionais de modos de vida são apresentadas como
candidatos para a boa vida. Eles são a vida do prazer, a vida política e a vida
de contemplação filosófica.A vida de prazer é imediatamente descartada como uma
candidato viável porque aqueles que equiparam o bem ao prazer carecem do essencial
qualidades que são necessárias para o cultivo de uma vida boa e significativa. As
vida política, ou seja, uma vida centrada na ação e na prática de boas ações em benefício
de outros cidadãos não é tão facilmente descartado como um candidato para uma vida boa devido à
virtudes morais que são praticadas em tal vida.No Livro X Aristóteles declara que é
na verdade, a vida de contemplação filosófica é a melhor candidata para alcançar
a boa vida.O maior bem e o objetivo de toda ação é atingireudaimonia, ou seja
felicidade, ou bem-estar, que é, segundo Aristóteles, não um estado, mas uma atividade.
A escolha de uma vida dedicada à contemplação filosófica, porém, por si só, não
assegurar necessariamente a obtenção deeudaimonia, que é uma posse permanente de
a alma.Além de escolher o tipo certo de vida para viver, Aristóteles argumenta que a própria
a vida também deve ser composta pela participação em ações boas e corretas, que, ao longo
tempo, levam ao desenvolvimento de virtudes.Aristóteles afirma que existem duas formas diferentes
tipos de virtudes, virtudes morais e virtudes intelectuais, que são, respectivamente,
desenvolvidos através da prática e da instrução e são, em quase todas as circunstâncias,
alcançado ao lutar pelo que é moderado em coisas e situações.Além disso, o
bens externos, como posses materiais suficientes e ter alguns bons amigos
também são constituintes essenciais de uma vida boa.Este artigo examinará o
componentes necessários para atingir a vida boa de acordo com os argumentos de Aristóteles em
oÉtica a Nicômaco, e proporá que uma consciência do aspecto teleológico
da natureza humana é de fato necessária para a aquisição deeudaimonia
A boa vida
https://www.academia.edu/11162885/Aristotles_concept_of_the_good_Life?email_work_card=title
MAIS
Aristóteles sobre o bem humano (resenha)
David Depew
arrow_downward
Download
more_horiz
Mais opções
Estilo de vida e bem-estar de estudantes universitários no Japão: um estudo transversal
Takemune Fukuie
arrow_downward
Download
more_horiz
Mais opções
Um exame da teoria eudaimônica da felicidade de Aristóteles
arrow_downward
Download
more_horiz
Mais opções
Aristóteles sobre a escolha das vidas: Dois conceitos de autossuficiência
Eric Marrom
arrow_downward
Download
more_horiz
Mais opções
Aproveitando ao máximo a vida: uma análise crítica da concepção metafísica grega da boa vida
Ikedinachi Ayodele Poder wogu
arrow_downward
Download
more_horiz
Mais opções
A busca de Aristóteles pela boa vida
José Karuzis
arrow_downward
Download
more_horiz
Mais opções
Academia Saúde Mental e Bem-Estar: Promover a Conscientização sobre Saúde Mental e Transformar em Bem-Estar Operacional Global
Uriel Halbreich
arrow_downward
Download
more_horiz
Mais opções
O Bem Supremo e a Melhor Atividade: Aristóteles sobre a Vida Bem Vivida
Philip Bauchan
arrow_downward
Download
more_horiz
Mais opções
POR QUE NÃO DEVEMOS FICAR INFELIZES COM A FELICIDADE VIA ARISTÓTELES A explicação funcionalista da noção de eudaimonia de Aristóteles
Irene César
arrow_downward
Download
more_horiz
Mais opções
O pleno florescimento humano: o lugar das várias virtudes na busca pela felicidade na ética de Aristóteles, Anais da Associação Filosófica Católica Americana 81, Liberdade, Vontade e Natureza (2007): 193-204
Mark K. Spencer
arrow_downward
Download
more_horiz
Mais opções
Aristóteles sobre a essência da felicidade
Daniel Devereux
arrow_downward
Download
more_horiz
Mais opções
O conceito aristotélico de felicidade (eudaimonia) e seu papel conativo na existência humana: uma avaliação crítica
Puríssima Egbekpalu
arrow_downward
Download
more_horiz
Mais opções
O Logos da Felicidade de Aristóteles
Carlos Mozzoni
arrow_downward
Download
more_horiz
Mais opções
Felicidade e Contemplação em Aristóteles
Victor E. Gelan
arrow_downward
Download
more_horiz
Mais opções
O Bem Supremo é a Felicidade: Epistemologia, Phronesis e Contemplação na Ética a Nicômaco de Aristóteles
Benjamin Inverno / Wintress
arrow_downward
Download
more_horiz
Mais opções
Formas de vida e escolha deliberada na ética teleológica de Aristóteles
António Campelo Amaral
arrow_downward
Download
more_horiz
Mais opções
As visões de Aristóteles sobre a felicidade
Jordi Crespo Saumell
arrow_downward
Download
more_horiz
Mais opções
Contemplação, bem-aventurança e o fim último do homem: a teoria ética de Aristóteles e seu desenvolvimento nos escritos de São Tomás de Aquino
Timothy Redfern
arrow_downward
Download
more_horiz
Mais opções
A vida supremamente feliz na ética a Nicômaco de Aristóteles
Howard Curzer
arrow_downward
Download
more_horiz
Mais opções
A Busca por Deus e o Bem: Capítulo 7: O Bem é Aquilo a que Todas as Coisas Visam
As palavras eudaimonismo ou eudaimonia dizem respeito a uma doutrina que prega a felicidade como a finalidade da vida humana. Segundo Aristóteles, a felicidade é uma finalidade (telos) maior e comum a todos os seres racionais. Nessa concepção teleológica (que busca apontar finalidades para as ações práticas), todas as ações humanas ocorrem visando a alcançar algum estágio de felicidade. Essa busca, porém, não dá ao ser humano a plena liberdade de ação, pois essa deve estar em conformidade com a felicidade dos outros.
Etimologia
Eudaimonia é uma palavra de origem grega formada a partir dos vocábulos Eu (o bem ou aquilo que é bom) e Daemon (deus, ou gênio, intermediário entre os homens e as divindades superiores). Na cultura grega, o Daemon seria a entidade capaz de guiar o caminho das pessoas.
Traduções equivocadas relacionam Daemon a demônio, mas esse sentido não se sustenta. O Daemon era a entidade que traria a luz e a sabedoria divina à humanidade, por ser a ponte entre os deuses e os seres humanos. Em uma tradução livre, podemos dizer que eudaimonia é a “ética da felicidade” ou o “voltar-se para a felicidade”, pois é uma espécie de doutrina que coloca como finalidade última a sabedoria prática necessária para que o agir humano alcance o bem supremo.
LIBERALISMO bbb Alfredo Attie
https://www.brasil247.com/blog/autoritarismos-neoliberais-o-estado-de-sitio-primeira-parte-1-3-mgjf9l4y
Introdução - Tolerado e respeitado, disciplinado pelo liberalismo, o Estado tornou-se, para o regime neoliberal, um mal desnecessário.
No presente artigo, pretendo, brevemente, mostrar de que modo o neoliberalismo desfez a ordem institucional criada pelo liberalismo e buscou implantar estruturas de salvaguarda econômico-sociais no interior da esfera política, voltadas a impedir que o Estado pudesse funcionar. Solapar, sobretudo, os liames de representação política e a capacidade de o poder político garantir direitos, fazer cumprir deveres e desempenhar políticas públicas.
Play Video
Minha intenção é mostrar como se apresentam e funcionam essas estruturas, de que modo desconectam Estado – destruindo sua legitimidade – e sociedade – contestando sua existência e relevância. Legitimidade alcançada e relevância preservada, a duras penas, no curso do processo, de idas e vindas, permeado de obstáculos, de construção republicano-democrático-social. Entender, assim, a razão de a política estar mais uma vez em xeque, com o desmantelamento dos mecanismos e das instituições que os solidificaram, em sua capacidade de ativar valores e práticas, como a igualdade, a solidariedade e a liberdade, abrindo caminho para o recomposição de um regime oligárquico, corporativo e autoritário, que denomino de anticonstitucionalidade e antipolítica.
Minha tese principal está em que essa ordem neoliberal, por meio dessas estruturas, fez reviver a ideia e a prática da guerra de sítio, reconfigurando o estado de sítio, seu sucedâneo jurídico, como instrumento voltado a não apenas impedir o funcionamento das estruturas políticas, cuja institucionalidade busca incessantemente destruir, mas, também, restabelecer a institucionalidade dos corpos intermediários. A revivescência, portanto, de instituições próprias ao Antigo Regime, no modo como sobreviveram e foram mesmo recuperadas e retrabalhadas no processo pós-revolucionário do constitucionalismo. Constitucionalismo que – cantado em prosa e verso pelas doutrinas tradicional e contemporânea do Direito Constitucional, como se fora uma resultante das revoluções inglesa, norte-americana e francesa, mas –, na forma como o interpreto e critico, efetivou-se num momento consecutivo e de reação a essas revoluções (v. ATTIÉ, Alfredo. Brasil em Tempo Acelerado: Política e Direito. São Paulo: Tirant, 2022; ATTIÉ, Alfredo. Direito Constitucional e Direitos Constitucionais Comparados. São Paulo: Tirant, 2023; ATTIÉ, Alfredo. “Anticonstitucionalidade e Antipolítica” in Democracia e Direitos Fundamentais, Porto Alegre: Instituto Novos Paradigmas, publicado em 04/08/2021, acessível em https://direitosfundamentais.org.br/anticonstitucionalidade-e-antipolitica/).
Liberalismo, Soberania, Território, Constitucionalismo e Força - O sistema econômico liberal, a partir da contribuição e do impulso decisivo de Adam Smith, viu na estrutura estatal, então em construção – como, de resto, ainda está –, uma aliada, salientando as atribuições do “soberano” de guarda da ordem social e de instrumento para possibilitar o desenvolvimento da(s) liberdade(s) econômica(s). Esse desenvolvimento estava fundamentado nas ideias e nas práticas:
a) da acumulação e concentração crescente do capital, mediante a expropriação e a exploração do trabalho;
b) da divisão social do trabalho, mediante a construção de mecanismos de disciplina e de controle do trabalho, da cultura e do tempo social;
c) da imposição do sistema de fábrica, basicamente um modo de disciplinar e controlar a transformação de coisas simples em produtos ou mercadorias, em valor para o comércio; modelo que vai se reproduzir em todos os modos de vida social, distribuindo funções, hierarquias e vigilância por todos os espaços e tempos de existência, marcando a saúde e a doença das pessoas a partir de seu processo de constituição de um corpo social que se compreende apenas diante das máquinas que o instrumentalizam, para fazer alguns lucrarem em troca da submissão disciplinar e salarial de todos; e
d) da constituição da propriedade privada – em verdade a negação da ideia de propriedade –, pela desconexão entre o humano e a ordem das coisas, e pela personalização ou subjetivação da relação real (isto é, antes determinada pela impossibilidade física e jurídica de apropriação de todas as coisas), que torna a aquisição de domínio um processo de (de)marcação da realidade por poucos, em detrimento da imensa maioria.
Muito bem, para assegurar essas funções, o liberalismo pensou e realizou estruturas e práticas e desenhou uma prática discursiva, voltada a configurar a ordem “jurídica” do Estado, como limitação ao poder, ou, mais apropriadamente, disciplina da força do soberano: especificar suas atribuições e ordenar seu modo de agir.
Tomou como ponto de partida a ideia de que o soberano era – no início da caminhada da constituição histórico-teórica da tão propalada “esfera pública” (europeia e resultante de um pacto de elites) – uma personagem criada pelo conjunto das oligarquias, como forma de alienação da capacidade política que possuiriam (ou acreditavam poder reafirmar), levada a efeito para possibilitar a concentração da coerção (uso da força, não do poder) para impor o cumprimento de pactos sociais. Pactos e não contratos, é importante salientar, isto é, modos de imposição de decisões tomadas em relação hierárquica de capacidades. O soberano é a instituição da heteronomia, personalizada para possibilitar que o domínio de alguns sobre a vida ou a ordem privada se transmita à nova ordem pública, que surge concomitantemente à engenhosa invenção ou concepção de sua figura. O Estado, por figurar um modo de alienação de capacidade de decidir, em conjunto, o destino comum, é a negação da autonomia (política e jurídica).
Se o soberano, ou melhor, a configuração do soberano foi o ponto de partida dessa ordem – que será chamada e tida como moderna –, seu ponto de chegada seria a abstração dessa figura, por meio de uma nova invenção: a soberania. A soberania desfigura o soberano e permite que as funções que foram imaginadas para que exercesse, com unidade e universalidade, sejam despedaçadas. Isso em decorrência da própria origem da soberania, que foi o sucedâneo da prática de suseranias, formas de relação e de submissão plural, descentralizada.
A suserania, no Medievo, era uma relação de ordem territorial, assim embasada na noção de domínio. Entregava-se a terra, em troca de defesa e segurança. Essa transmissão era realizada na forma de um pacto entre o suserano e seu vassalo que, jurando fidelidade, passava a exercer os direitos relativos à propriedade, comprometendo-se a prestar defesa a seu suserano. A ideia de segurança é fundamental. Era, claro, uma relação de proteção mútua, mas a vassalagem figurava um dever específico de dar proteção.
paA soberania, por sua vez, ao buscar findar com o sistema fragmentário medieval, insere-se como mecanismo igualmente de proteção, também com base no território. Ocorre que, na soberania, os que formulam o pacto abrem mão da capacidade de exercer a guerra, portanto, de prestar segurança, em favor do soberano que criam. A obrigação de prestar a defesa e a segurança passa a ser do soberano em relação aos súditos, no sentido inverso da relação suserana, em que o território se fragmentava para que o vassalo garantisse a segurança do suserano. Nos dois casos, aquele que se põe na condição inferior, numa relação heterônoma, hierárquica, posta por um pacto (Sobre a diferença entre pacto e contrato ver: ATTIÉ, Alfredo. Direito Constitucional e Direitos Constitucionais Comparados. São Paulo: Tirant, 2023.), jura fidelidade. Todavia, na suserania, ele deve a proteção, em troca da gestão territorial como domínio, enquanto, na soberania, ele perde a autonomia dessa gestão territorial, (sujeitando-se a uma disciplina do domínio, cujas regras serão estatuídas pelo soberano) em troca da proteção que passa a lhe dever o soberano. A soberania é a relação de suserania em seu sentido inverso.
A fragmentação, porém, permanece, malgrado a afirmação da soberania de não reconhecer poder superior nem interno nem externo. Ela vai mesmo se acentuar, na medida em que essa nova entidade – que passa a ter o domínio sobre a plenitude de um território, e a exercer o domínio sobre a totalidade de seus habitantes –, permanece ligada aos sujeitos que a criaram e fundaram sua nova ordem, dependente da relação estabelecida pelo pacto soberano.
No processo de institucionalização dessa ordem do Estado, seus constituintes vão tramar uma teia disciplinadora e controladora dos movimentos e da linguagem do soberano. Isso de modo a organizar ou administrar o uso da força que o caracterizaria. Essa disciplina se chamou legitimação ou legitimidade, ponto de partida, agora, para um novo percurso ou processo, que é o de construção específica daquilo que passaríamos a chamar de Estado.
Duas ideias fundamentam o Estado, no sentido de servirem como substrato para a sua composição: território e monopólio do uso da força, que se transmuda, por causa da legitimidade, em poder. Isso significa que o poder passa a ser força e o Estado, a ativar mecanismos cada vez mais frequentes de segurança (interna) e de defesa (externa).
É aqui que entra a grande subversão da ideia de política. Se essa estava vinculada, desde a Antiguidade, a um espaço-tempo de ocupação popular – política era sinônimo de presença do povo –, a modernidade fará deslocar esse espaço-tempo de cidadania ou de democracia, para, a partir desse desalojamento (desse paulatino desinteresse por essa atuação e interação pessoal coletiva), domesticar e territorializar o público e seu sentido. O público (Öffentlichkeit, public sphere, espace public.) passa a ser um espaço (concreto) ou órbita (abstrata) de normatização de um conjunto de estruturas e de operação de um feixe de funções, a existir independentemente das pessoas que nele habitam, por ele circulam, ali desempenham seus modos de existência. O povo torna-se mero sujeito – derivação de seu caráter inicial de súdito – contrapartida do soberano – e objeto da atividade pública (da soberania), que passa a ser chamada de política. Essa palavra é destituída de seu significado (qualidade da polis) e se torna um modo de agir de uma entidade abstrata, o Estado, cuja qualidade é a soberania. Os regimes da política passam a se referir ao Estado e não mais à cidadania: portanto, não mais importa a vinculação entre poder e presença.
Passa a ser possível exercer o poder em nome de outrem, sendo instituída a representação. Torna-se possível pensar (e mesmo intencionalmente formular a ideia, e reiterar a prática e o discurso de) uma cidade sem cidadania, assim como uma polis sem política. A questão está, para essa ordem, em, de maneira cada vez mais complexa e, sobretudo, oblíqua e dissimulada, exercer a força interna e externamente, acentuando a expropriação ou alienação das capacidades.
O Direito Constitucional, discurso e modo de estabilização (petrificação, estatização) do Constitucionalismo, subverterá a ideia, o discurso e a prática da Constituição (ATTIÉ, Alfredo. Direito Constitucional e Direitos Constitucionais Comparados. São Paulo: Tirant, 2023), vinda desde a Antiguidade, transmudando-a, cada vez mais, muito embora de maneira mais acentuada a partir do regime neoliberal, em Direito Administrativo (Para a diferença entre o constitucional e o administrativo, ver ATTIÉ, Alfredo. Brasil em Tempo Acelerado: Política e Direito. São Paulo: Tirant, 2021.).
Assim, o liberalismo de raiz europeia assegurará sua hegemonia discursiva, expandindo suas práticas – muito embora de forma invertida, estabelecendo cada vez mais e maiores desigualdades – para todo o Mundo, por meio sobretudo do processo colonizador. O comércio e suas técnicas, depois, sua ciência – da natureza e das causas da riqueza (e pobreza) das nações, a economia política – sucederão e substituirão outras práticas e discursos, no caminho da dominação da humanidade e da natureza. Talvez pela primeira vez, o percurso desigual de integração mundial, de universalização das consciências e culturas, terá um vetor unificador, justificando, na teoria e na prática, o desenvolvimento de relações comerciais e de instituições pretensamente públicas, mas voltadas à instituição dessas relações, como modelo de relações humanas e do humano com a natureza.
Neoliberalismo e Estado - Apesar do esquecimento, intencional ou não, dos discursos e práticas de resistência a esse processo, é evidente que ele não se fez prevalecer sem que houvesse outros discursos e práticas, no sentido inverso à constituição de sua aparente hegemonia. Um desses modos de contraposição deu-se mesmo na ordem internacional, que a comercialização das relações ajudou a construir.
Na órbita internacional passou-se a constituir uma trama de direitos, deveres e garantias, por meio do direito internacional instituído a partir do fim dos conflitos mundiais do Século XX, por meio das declarações de direitos internacionais e regionais e a criação de instâncias de julgamento e de implementação de obrigações.
Isso não se deu, contudo, apenas e exclusivamente no âmbito internacional. A trama de relações, textos e instituições jurídico-políticas de proteção foi sendo estabelecida em processo de integração constante entre aquele âmbito externo e o interno dos vários Estados, que se puseram como sujeitos do direito internacional, com pretensão de exclusividade – imposta, diga-se com ênfase, pela concepção de dominação europeia em expansão.
Quer dizer que as Constituições dos vários Estados passaram a se comunicar com a ordem internacional, tornando interno o que era declarado como externo ou internacional.
A Constituição brasileira de 1988 é um exemplo típico, vívido e extremamente relevante dessa integração. Ela estatuiu, desde o início, que a ordem internacional dos tratados e convenções sobre direitos humanos faria parte integrante do próprio texto constitucional. Uma Constituição dotada, como considero, de plasticidade, em sua capacidade de modificar-se e enriquecer-se a cada declaração de direitos internacional. De tal sorte que a Constituição posta nos sites oficiais de governo ou editada para aquisição em livrarias e bancas não corresponde ao verdadeiro texto desse documento essencial para a vida cidadã. E os manuais de Direito Constitucional, em sua pobreza doutrinária, não conseguem compreender e transmitir o alcance e a relevância dessa plasticidade (Veja-se, à guise de exemplo, o artigo ATTIÉ, Alfredo. “Revolução Constitucional Ignorada”, em Brasil 247, publicado em 13 de Agosto de 2023, disponível em https://www.brasil247.com/blog/revolucao-constitucional-ignorada. Pretendo, em breve, aprofundar essa análise, em livro que fará a crítica do Direito Constitucional, propondo e buscando realizar uma abordagem diferente e plástica das Constituições.).
Entretanto, essa ordem jurídico-política, contraposta aos impulsos determinados pela chamada modernidade, terá como obstáculo a realidade do mundo contemporâneo, que negou, constantemente a eficácia dos direitos, seja na perpetuação do colonialismo, seja na configuração d(e um)a “guerra fria,” isto é, a competição por hegemonia por meio da extensão da competição entre as potências europeias, a um dualismo de potestades. Essa contraposição dual permitiu que os países hegemônicos estimulassem e impulsionassem a instauração de regimes ditatoriais, em suas órbitas de influência ou dominação, pondo em risco democracia e direitos.
O fim aparente desse estado dual abriria espaço para instituição da ordem neoliberal. Nessa ordem estarão presentes as ideias, os discursos e as práticas do estado de sítio e dos corpos intermediários, que passo a explorar, e que são o objeto primordial deste artigo, porque explicam os atuais riscos à democracia e aos valores que representa, bem como constituem a maneira como os novos autoritarismos se vêm inscrevendo nos vários Países.
Economia, Mestra do Mundo: Comercialização e Domesticação - O Neoliberalismo não significa apenas uma mudança fundamental na concepção liberal de existência. A ordem liberal, malgrado as questões que acabo de evidenciar, não deixou se ser permeável a contribuições pensadas, inicialmente, como antiliberais, ou, mais corretamente, iliberais, termo que se torna corrente, na literatura internacional. Quer dizer, o liberalismo soube conjugar-se a ideias de origem e cunho socialista, advindas dos movimentos de trabalhadores e trabalhadoras e do engajamento de intelectuais, que redigiram textos seminais para compreender as deficiências de fundamento e de prática, e os problemas originais da institucionalização da imaginação liberal.
Em sua versão mais afeita à democracia, o liberalismo acabou por fazer inserir nos documentos jurídico-políticos e nas instituições estatais e, em alguma medida, privadas, assim como em sua própria teoria – modificando-a substancialmente – temas, conceitos, sugestões, institutos e mecanismos, transformando-as em New Deals socias, econômicos, culturais e políticos, que, ao serem postos em prática, foram decisivos não apenas para a organização da classe trabalhadora, para o acesso a, e a efetivação de direitos e garantias, como para a expressão cultural da diversidade, com a abertura de brechas nos processos de dominação econômica, política, cultural e social.
O Neoliberalismo, ao contrário, será impermeável a qualquer tipo de influência de teorias e práticas diferentes, que considera, por definição, rivais e inimigas. Ele se funda em duas concepções que radicaliza, levando-as às últimas consequências, na medida da agressividade com que trata tudo o que seja diverso de utilidade e interesse individual, tudo o que não seja econômico por definição. Essas duas concepções são o nominalismo e o utilitarismo.
Ele exacerbará o processo de comercialização e economialização-domesticação (οἶκος-domus) do Mundo. Tudo passa a ser privado, econômico, doméstico; todas as coisas, mercadorias; toda relação, negócio, no sentido meramente mercantil (business), e competição; toda paixão, todo interesse, toda razão são privados e individuais. A razão observa a sociedade e a descaracteriza como social. Há apenas indivíduos em permanente confronto, que competem por interesses sempre legítimos, não importando se mesquinhos ou não.
Não há, nessa perspectiva, classes nem qualquer grupo social, instituição política, agremiação cultural, universidade. Tudo o que foi construído como coletivo é um equivoco que deve ser destruído, em nome da verdadeira realidade que o Neoliberalismo prega, o individualismo. Toda coletividade é um mal e, desnecessário. Em razão de sua nocividade, tem de ser removido. Não há propriamente direitos, apenas interesses. Não há deveres públicos, mas obrigações negociais. Não há trabalho como relação de dependência, que demanda proteção, mas empreendedorismo. A empresa não é senão um processo temporário, um projeto de atuação para a obtenção de lucro, jamais uma instituição econômica. Não há plurilateralidade, sequer contratos plurilaterais, constitutivos de sociedades, mesmo comerciais, apenas relações bilaterais, em que a troca tende a ser sempre desigual, porque cada parte almeja ganhar, à custa de uma perda unilateral.
Nessa ordem, o Estado, nocivo à configuração de uma concepção de mundo nominalista – na qual desaparece qualquer vínculo dos seres humanos entre si e entre eles e o ambiente, seja natural ou cultural, e se nega a existência da sociedade político-jurídica – sua presença ou a simples menção a ele, passam a ser apenas uma barreira ideológica para a consecução das relações econômicas: cada ente tem sua existência, seu lugar perante os outros entes e seu contexto, estabelecidos como algo fugaz, fútil e frágil, tão-somente marcado por um interesse econômico utilitário, ou uma paixão de ordem material. Aqui, a cosmovisão utilitarista joga um papel decisivo.
Em decorrência disso, o Estado deve, antes de tudo, ser isolado do povo. Povo que, segundo a velha teoria liberal, o Estado representaria. Estabelecidas barreiras em torno dele, cordas para sufoca-lo. Todo benefício que esteja associado a um pretenso papel do Estado deve ser extinto, para afastar qualquer conexão, e afeição do povo por ele. O prejuízo que o Estado possa causar, ou se afirme que possa causar, deve ser ressaltado, ao ponto de o Estado ser posto como inimigo do social – com a extinção plena das estruturas postas pelo Estado-Providência (Welfare State).
Por outro lado, aparentemente de modo paradoxal, esse Estado – pensado como termo retórico e não como instituição, instrumento de satisfação de formas de expressão mesquinhas – remanesce como amigo de uma parcela da sociedade – que não se reconhece como classe nem como agrupamento estável ou permanente –, que se divide (segundo afinidades de interesses provisórios, que mudam ao sabor da previsão de ganhos econômicos) em oligarquias, clubes (espaços privados, de exclusividade) dos ricos e famosos. Para atender a interesses dessas oligarquias e seus clubes de interesses, faz-se ruir qualquer expressão distributiva, diminuindo impostos, desfazendo programas sociais e políticas públicas, extinguindo benefícios e garantias de toda ordem, sobretudo do trabalho, e combatendo símbolos de engajamento e cooperação social, como os vínculos culturais (artísticos, científicos, enfim, po(i)éticos, modos de fazer mundos comuns, compartilhados e passíveis de provocar novos desejos e desenhos).
Assim que dele tomam posse – por meio de eleições pretensamente legítimas, mas maculadas por inúmeros vícios, entre os quais, por definição, o abuso típico do modo de ser oligárquico – as novas oligarquias (que estão sempre em competição, embora façam aparentar consensos), passam a fingir ser Estado, e a adotar um linguajar e um vocabulário forjados para incentivar a iniciativa privada, o empreendedorismo. Põem-se como gerentes, gestoras, administradoras de um espólio. Substituem suas instituições por agências que, entretanto, não atuam, não agem, mas concedem agência às oligarquias, aos agentes econômicos privilegiados.
Dentro do Estado, no processo de corrosão institucional que sofre, os agentes econômicos se instalam. E agem na extensão de comprimento da corda que vai sufoca-lo. Simulando ocupar esse lugar no interior do Estado, em verdade, estabelecem a ocupação do território em torno dele, sitiam-no, para impedir que laços de comunicação verdadeiramente política se façam entre ele e o povo que pretenderia representar.
O povo é mais uma concepção coletiva imaginária e nociva. Figura uma pretensa realidade, uma categoria negada por essa concepção de mundo. Constantemente ameaçado, atacado, observa, passivo, atônito e temeroso, esse processo. Teme, cada vez mais, expor-se e se aproximar das estruturas ou instituições que antes reconhecia. Essas instituições podem preservar nomes antigos, a velha roupagem, mas são outras. Tornam-se agressivas e repudiam qualquer achegamento que não seja dos agentes econômicos e seus serviçais.
Ocorre, contudo que esse cerco, figurando o que denomino de estado de sítio, e essas oligarquias, que se constituem em novos corpos intermediários, por meio de estruturas que criam, em torno do Estado, passam a ativar uma configuração diferente da sociedade, muito embora pretendam desfazer-se dela. É uma configuração econômica e social, de certo, mas é antipolítica, por natureza.
O Regime das Oligarquias - Não gostaria, porém, que esses processos que aponto fossem vistos como tendências inafastáveis, destinos de uma história tida como destino. Na verdade, são expressões pretendidas e postas em ação por uma parcela da sociedade: suas oligarquias e os grupos que, dentro e fora do Estado, das instituições públicas e privadas, acreditam poder impor uma nova ordem ao sabor de seus próprios interesses ou daquelas pessoas e dos grupos a que servem.
Há visões de mundo diversas e plurais, assim como propostas de encaminhamento de mudanças em sentido diferente e contrário ao que compõem o conjunto de relações que denominamos de neoliberais.
Talvez seja para fundamentar as críticas que essas concepções possam fazer ao Neoliberalismo, e as propostas que venham a apresentar, a partir de uma perspectiva interna e externa ao funcionamento propriamente dito de Estados, que escrevo a presente contribuição.
Muito bem, é essa realidade que pretendo delinear no presente texto, empregando aquelas duas categorias, a do estado de sítio e a dos corpos intermediários. São categorias, acredito, que, de meu ponto de vista, explicam esse fenômeno e outros que se delineiam no entorno da transmutação da cosmovisão sobretudo política que vivenciamos.
Como sempre, todavia, não vou me contentar em fazer um diagnóstico, mas tentarei visualizar prognósticos, sim, mas sobretudo meios de resistência a esse avanço do antipolítico, do anti-humano, demonstrando como o povo se metamorfoseia e busca impor sua condição de existência, presença e pensamento, puxando a corda em outras direções e em outros sentidos, num conflito para dar concreção a desejos e constituir sentidos à experiência que se faz, na maior parte da história, de sofrimento. Esse sofrimento constitui um conjunto de paixões que, empregadas a partir de uma reflexão conjunta, que se desencadeia no curso da observação de expressões culturais originais e dinâmicas, dão margem à criação de novos desenhos de mundo.
Para mim, trata-se, mais do que um embate entre direita e esquerda (expressões forjadas a partir de uma experiência bem circunscrita no tempo e no espaço), do antigo embate entre oligarquia (e os regimes antijurídico-políticos que lhe são correlatos) e a democracia, o regime jurídico-político, constituinte e constitucional por excelência.
Há várias maneiras de dizer esse embate, cuja consciência se inicia na própria Antiguidade de que é oriundo. Vai-se encontrar, contudo, em múltiplas sociedades, que vivem o drama de uma minoria querer dominar a maioria, concentrar bens materiais e imateriais em torno de si e exigir a submissão. Encontra-se, também, nas estruturas e mecanismos criados para preservar o poder das oligarquias, por um lado, e para controlar esse poder ou mesmo evitar que se instaure, por outro (Ver ATTIÉ, Alfredo. Direito Constitucional e Direitos Constitucionais Comparados. São Paulo: Tirant, 2023; ATTIÉ, Alfredo. Brasil em Tempo Acelerado: Política e Direito. São Paulo: Tirant, 2021; ATTIÉ, Alfredo. Towards International Law of Democracy. Valencia: Tirant, 2022; ATTIÉ Jr, Alfredo. A Reconstrução do Direito: Existência, Liberdade, Diversidade. Porto Alegre: Fabris, 2003.).
No regime neoliberal, ele se apresenta nu e dotado de uma crueldade mais aguda, uma vez que o uso da linguagem, que, no regime ideológico criticado na teoria marxiana, por exemplo, ou nos discursos de registro religioso, mesmo jurídico-positivista, no vocabulário das sociologias e das várias doutrinas econômicas, vinha dissimulado, envolvido em vários modos de dizer circunloquiais. Dobras e desdobras, voltas e reviravoltas, cujo objetivo é invisibilizar o encontro dos diferentes e criar empecilho para que se perceba a desigualdade que guardam entre si.
Mas o Neoliberalismo é direto, não deseja mais estruturas de intermediação linguística, das quais, aliás, desdenha. Ele propõe um discurso verdadeiro, uma absoluta veracidade, que é a sua própria versão do mundo, isto é, a versão que é tida pelas oligarquias como seu abrigo para conhecer, enfrentar e derrotar a massa do povo. As oligarquias moldam formas e fórmulas extremamente simplificadoras da complexidade do mundo, estipulam arbitrariamente dicotomias, tomam partido do que seria a única verdade, a sua versão.
Para salvaguardar tais estruturas de comunicação simplistas é necessário, claro, um mecanismo de criação e difusão de mentiras, que serve para impedir que se analise e questione a versão imposta como verdadeira. Essas mentiras, então, voltam-se para desconstituir outras versões, certamente mais verossímeis, porque dotadas de capacidade de dúvida, de autoquestionamento, enfim, de conhecimento dos vários graus de incerteza de qualquer afirmação sobre o mundo; com certeza mais prováveis, uma vez que conscientes da necessidade de fazer acompanhar toda afirmação sobre o mundo de uma demonstração convincente.
Em torno daquela pretensão de veracidade das versões oligárquicas, da falsidade dessa pretensão e das mentiras que as salvaguardam, formam-se agrupamentos, que se interpõem entre o mundo e o olhar das pessoas e das sociedades. Esses são os grupos que vão assumir o papel que cabia, no Antigo Regime, aos corpos intermediários. Obstáculos, marcas, linhas de demarcação de territórios reais e imaginários que se fixam na realidade do mundo, armadilhas para o percurso do olhar, simulações de realidades, simulacros, lugares proibidos, esotéricos, falsamente acessíveis apenas a iniciados, atribuídos a privilegiados detentores do saber transparente de todos os dados. São salvaguardas que criam ignorância e medo em torno das verdades postuladas, que dizem ocultar.
O Neoliberalismo, enfim, é uma doutrina e uma prática econômica, que pretende tomar conta do discurso social e da sociedade, do discurso jurídico e das instituições e normas, do discurso público e do espaço/tempo da política.
Por isso, fingindo adaptar ou modernizar a doutrina liberal, ele a subverte, ao falar em supressão (ou redução) da intervenção do Estado, retirada de regras das relações econômicas, “fim do Estado”, por meio da privatização dos serviços e dos bens públicos, por meio do “equilíbrio” das contas públicas, isto é, diminuição da capacidade de o Estado realizar políticas públicas e investir na diminuição das desigualdades, cerceamento da capacidade de decisão do Estado, por meio da criação de agências de gestão e “regulação” de mercados. O Estado deixa de ter poder para passar a exercer uma atividade meramente administrativa das decisões e dos recursos que permanecem na esfera privada, concentrados nas mãos de grandes empresas, grandes redes corporativas. O Estado passa a ser apenas o “legitimador” dos investimentos privados, em verdade o fiador dos vícios privados, travestidos de benefícios públicos.
Essa aliança das oligarquias e a postulação de passarem, por suas empresas, a tomar conta dos espaços, dos serviços e dos bens públicos, mesmo aqueles considerados essenciais pela antiga visão liberal, abandonando a sociedade ao deus-dará, retirando proteções sociais, mesmo aquelas que importavam ao liberalismo, como as regras e garantias dos contratos de trabalho, além daquelas trazidas pelo Estado de Bem-Estar, como as vinculadas a direitos sociais, culturais e ambientais, vão tornando o Estado desnecessário, desfazendo os liames de sua representação política legítima.
(continua)
Assinar:
Postagens (Atom)