Artigos, ensaios, pesquisas de interesse geral - política, cultura, sociedade, economia, filosofia, epistemologia - que merecem registro
quarta-feira, 30 de abril de 2025
HUMANIDADES GERAL
Por que a democracia precisa das humanidades?
Martha Nussbaum defende que a educação precisa resistir às tentativas de reduzir o ensino a uma ferramenta do Produto Interno Bruto.Por que a democracia precisa das humanidades?
https://www.fronteiras.com/leia/exibir/por-que-a-democracia-precisa-das-humanidades?
Na contMartha Nussbaum defende que a educação precisa resistir às tentativas de reduzir o ensino a uma ferramenta do Produto Interno Bruto.
https://www.fronteiras.com/leia/exibir/por-que-a-democracia-precisa-das-humanidades?fbclid=IwY2xjawJ_EJRleHRuA2FlbQIxMQBicmlkETE3UjZnZ01Xa0QxOHZmNk02AR6FRZXRsVh387DrpodugDx6qkFwZg56LDcYeEG527g9Kt06R_WsqGGqbpOwpg_aem_klWLiMSLUuaxH6oPY2gWvg
¿El fin de las ciencias sociales?
Tradición y modernidad del antiintelectualismo en Estados Unidos
https://nuso.org/articulo/316-el-fin-de-las-ciencias-sociales/
publicado em Nueva Sociedad Nueva Sociedad 316 / Marzo - Abril 2025 Romain Huret Nota: la versión de este artículo, en francés, se publicó en la revista Esprit 1-2/2025 con el título«La fin des sciences sociales? Tradition et modernité de l’anti-intellectualisme aux États-Unis», y está disponible aquí. Traducción: Gustavo Recalde.
emporaneidade, esse campo é visto por muitos como imerso em uma grave crise, seja ela de ordem epistemológica, seja de natureza profissional. Em parte esse quadro se explica pela hegemonia de uma cultura tecnocêntrica e focada nas necessidades do “mercado”, fazendo com que as reflexões sobre o humano em suas dimensões individuais e coletivas sejam consideradas supérfluas ou até mesmo desnecessárias. No entanto, não é a primeira vez que historicamente se assiste a esse sombrio quadro intelectual que tem relegado as Ciências Humanas a uma posição secundária. E, a cada um dos contextos em que são colocadas em xeque, as Humanidades se reinventam e se revigoram
VER http://educa.fcc.org.br/pdf/cp/v48n167/1980-5314-cp-48-167-192.pdf
sábado, 26 de abril de 2025
DILTHEY BBB
"o HOMEM PARTICULAR É UMA MERA QUIMERA (A essência da filosofia, Petrópolis Rj, Vozes, 2011)
contra gnosiologia de Kant
https://pt.wikipedia.org/wiki/Wilhelm_Dilthey
quarta-feira, 23 de abril de 2025
MARX SOBRE PROGRESSO ILUMINISTA BBB
[B] Marx selvagem
J Tible - 2018
Citar Citado por 94 Artigos relacionados Todas as 2 versões
[PDF] Marx e a crítica à noção iluminista de Progresso
DG Cursino
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[PDF] mouro.com.br
Marx e Nietzsche: Posições acerca do progresso
E de Genaro - Prometeus Filosofia, 2018
Citar Artigos relacionados Todas as 5 versões
[PDF] emnuvens.com.br
MARX O METODO BBB AUDIO
https://www.brasil247.com/blog/estagnacao-e-gastos-militares
GRUPO DO MÉXICO
https://www.youtube.com/watch?v=Qi7lNz0kdwk MARX DESDE EL SUL GLOBAL
terça-feira, 22 de abril de 2025
MARX sociabilidade x socialidade
O homem, este ser sui generis que nasce do próprio parto, para Marx não preexiste ao trabalho, mas emerge do mundo natural
formando-se em e por seu próprio trabalho. a tividade livre, consciente, constitui o caráter genérico do homem.”11
Com isso, já se pode perceber que a constituição do ser social, tal como concebido por Marx, não parte de nenhum imperativo da
razão - isto é, gnosiológico - mas, separando-se do mundo natural, põe ontologicamente suas próprias categorias. Isto é Marx mesmo
que o afirma: “(...) os sentimentos, as paixões etc., do homem não são simples características antropológicas no sentido restrito, mas verdadeiras afirmações ontológicas do ser (...).12
(..) SOCIALIDADE em Aristóteles, = substancialidade do modo de ser do homem. Marx: SOCIABILIDADE = os modos e
formas de relacionamento dos indivíduos nos diversos tipos de sociedade. Ideia presente em O Capital: "O homem é o suporte de relações sociais..." Sai-se do ontológico -universal, comum à espéce - para o existencial, o existente, contextual.
de Marx” Este giro ontológico na definição do homem, em franca ruptura com a tradição filosófica do iluminismo, pode-se observar também na seguinte passagem de A Ideologia Alemã: “pode-se distinguir os homens dos animais pela
consciência, pela religião ou por tudo que se queira. Mas eles próprios começam
a se diferenciar dos animais tão logo começam a produzir seus meios de vida,
passo este que é condicionado por sua organização corporal” “A Ideologia Alemã, p. 27. Ed. Hucitec, 9ª edição.
Observação minha: Não se hierarquizam ps valores humanos - logos - homo sapiens, homo faber, homo ludens.
MARX E A COMUNA RUSSA ZASULICH BBB
Open-access Marx e os outros
Marx and the others
https://www.scielo.br/j/ln/a/cvKfx7RrNSkwMCTfLdMKXRh/?lang=pt&format=html
Lua Nova (91) • Abr 2014 • https://doi.org/10.1590/S0102-64452014000100008
(,,,) Se existe uma ruptura entre as sociedades sem classes e as sociedades de classes, como pensá-la, assim como seus elos também existentes? Ao reconhecer essa diferença-chave entre sociedades sem classes e sociedades de classe, o que pensar dos estágios de desenvolvimento? Como vimos, em A ideologia alemã, Marx e Engels rejeitam qualquer "teoria histórico-filosófica" e situam sua argumentação sobre "evolução histórica" com algumas abstrações. E, em seus escritos a partir da década de 1860, Marx vai ignorar ou deixar de lado qualquer sistema classificatório geral; em O capital não há lista dos modos de produção, somente é citada a sequência europeia ocidental - isto é, escravismo, feudalismo e capitalismo. Ao não usar os estágios da mesma forma que o havia feito anteriormente, Marx escapa de apreensões esquemáticas, pois "uma vez 'capturados' no movimento da história universal, os espaços não europeus teriam como destino o de repetir as etapas do percurso tomado pelo Europa".
A compreensão de Marx aproxima-se de uma perspectiva de multiplicidade de tempos e de relações sociais que são, também, contemporâneas. Há certa sucessão no tempo, mas também curtos-circuitos. Isso torna possível pensar numa articulação outra que não uma linha linear e progressiva do tempo histórico. Permite, assim, compreender a questão da diferença entre sociedades de e sem classes por uma via diferente. Nesse sentido, o filósofo italiano Sandro Mezzadra critica o discurso hegeliano de expansão e mundialização do espírito e da racionalidade a partir da Europa, argumentando que este cria uma divisão temporal e espacial e uma dicotomia entre história e não história. Dessa forma, "a fronteira era precisamente construída como absoluta para ser ultrapassada. A expansão colonial encontrava-se assim inscrita nos pressupostos epistêmicos da modernidade europeia" (Mezzadra, 2006, pp. 76-77).
A narração linear, do centro em direção à periferia, é substituída por uma inter-relação permanente. Por via de uma mútua influência, as colônias constituem laboratórios da modernidade tanto quanto as metrópoles. Trata-se de um sistema mundial híbrido e, assim, não faz sentido opor "tradição" e "modernidade", pois as "civilizações pré-coloniais são em muitos casos muito avançadas, ricas, complexas e sofisticadas; e as contribuições dos colonizados à assim chamada civilização moderna são substancial e em grande medida não reconhecidas" (Hardt e Negri, 2009, p. 68). Além disso, com a expansão - quase ao limite do planeta - do modo de produção capitalista, todos estamos inseridos numa mesma contemporaneidade.
Tais contemporaneidade e simetria dos tempos estão presentes nos elos entre comunismo primitivo e comunismo por vir. Para Marx e Engels, o sistema capitalista "criou pela primeira vez a história mundial". Esta nem sempre existiu. Trata-se de um resultado e o comunismo é entendido nesse contexto, pois "pressupõe o desenvolvimento universal da força produtiva e o intercâmbio mundial associado a esse desenvolvimento" (Marx e Engels, 2007 [1845-1846], p. 60).
Marx conjuga, como o apontou Claude Lefort, uma história evolutiva - via o desenvolvimento das forças produtivas - e uma repetitiva - ligada à comunidade mediadora entre produtores e fatores de produção. Assim, "o pré-capitalismo é apreendido desde o capitalismo, como seu outro" (Lefort, 1978, p. 338; grifo do autor) e, numa revolução copernicana, o que deve ser explicado é a separação dos trabalhadores dos seus meios de produção. Esta - e não o contrário - é a exceção. Como vimos, a conclusão de Morgan é retomada por Marx e Engels, assim como as formas sociais igualitárias e sem classes constituem inspiração para futuras organizações. O mir deveria, dessa forma, romper seu isolamento e utilizar a modernidade e suas tecnologias.
A compreensão do "comunismo primitivo" relaciona-se com uma dimensão metodológica das Formen. Trata-se do método regressivo e não de uma perspectiva que busca demonstrar o progresso. Marx parte da fundamental separação dos trabalhadores dos seus meios de produção - a terra sobretudo - "para então investigar as formas de unidade que foram sendo negadas, dissolvidas, suprimidas, ao longo da evolução social" (Quartim de Moraes, 1995, p. 116). Mais do que o "comunismo primitivo" existiriam, assim, comunismos primitivos ou uma multiplicidade de formações sociais sem classes que a antropologia investiga. Marx toma um caminho não de buscar um esquema totalidade de progresso, mas algo no sentido de opor à apropriação privada diversas formas comunais. Não pensa numa sucessão linear de modos de produção e os processos inglês e europeu ocidental não são antecipação dos demais.
Retomando a questão das enclosures, condição do surgimento do capitalismo, a destruição que essas causam não se situa unicamente no meio de vida e subsistência dos camponeses pobres, mas principalmente numa "inteligência coletiva concreta, ligada a esse comum do qual todos dependiam" (Stengers, 2009, p. 108), num patrimônio comum de criações coletivas. A filósofa belga Isabelle Stengers propõe, assim, um deslocamento da famosa frase do Manifesto já citada sobre a história das lutas de classes, pensando que descendemos ou das bruxas - isto é das criações coletivas pré-capitalistas - ou de seus caçadores; do pensamento dominante e unificador (capitalista) ou dos múltiplos comuns. O que uniria essas relações sociais pré-capitalistas tão distintas? Ao menos o fato de a expansão capitalista buscar destruí-las todas. Em termos marxistas, trata-se da oposição dessas diferentes formas sociais e econômicas à apropriação privada.
Tal perspectiva não seria, pensa-se, estranha a Marx, pois este afirma que "a história do declínio das comunidades primitivas ainda deve ser escrita (seria incorreto colocar todas no mesmo plano, até agora temos só esboços)" (Marx, 1983, p. 107). O autor pensa, além disso, nos potenciais revolucionários dessas formas sociais outras. Ou seja, o sentido de "comunismo primitivo" refere-se mais a um antagonismo à apropriação privada que uma mesma forma de todos os povos numa etapa inicial. Para apreender tais relações sociais, necessita-se, como Marx colocou no caso russo, descer da teoria pura rumo à realidade. Nesse contexto, situa-se a força da antropologia, já que as diversas formas de "comunismo primitivo" - e inclusive a pertinência ou não deste conceito - não são pensáveis sem sua contribuição específica.
(...) Marx troca sistematicamente "propriedade" por "posse" nesses Cadernos, indicando a comunidade como proprietária e os indivíduos como possuidores da terra.
Ademais, o autor reforça sua visão de uma diversidade dos caminhos do desenvolvimento histórico dos povos, ironizando os feudalismos encontrados por Kovalevsky. Em muitas partes do mundo, não ocorreu transição entre duas formas de propriedade privada, da feudal para a capitalista, mas sim de uma forma comunal para uma privada. Não se trata de pensar uma sucessão progressiva, mas a existência de "formas sociais particulares que precederam indistintamente o surgimento do regime capitalista em distintas zonas geográficas do planeta", indicando uma "extraordinária diversidade das modalidades organizativas da sociedade humana e, em particular, sobre a existência de uma muito longa etapa da vida comunitária de todos os povos" (García Linera, 2009, p. 237). Caminhos a serem descobertos e enriquecidos.
A propriedade comunal deixa de ser localizada em um só lugar (Índia) ou em alguns (Índia e Europa) para se generalizar, sendo assim o início da trajetória de todos os povos. A propriedade comunal da terra como instituição primeira para Engels. Nos anos 1880, a Índia é considerada somente uma das extremidades de um arco de sociedades de propriedade coletiva; "a partir desse momento para Engels a forma típica do comunismo primitivo é a forma social das tribos americanas analisadas por Morgan, e não mais a forma das sociedades asiáticas". Desse modo, na tradução inglesa de Ocapital (na publicação de 1887), Engels tira o termo "oriental" da expressão "propriedade comum oriental" (Thorner, 1969, p. 363). Nesse contexto, a discussão sobre a comuna russa e sobre Morgan liga-se diretamente ao pensar em Marx num contexto latino-americano.
Se existe uma ruptura entre as sociedades sem classes e as sociedades de classes, como pensá-la, assim como seus elos também existentes? Ao reconhecer essa diferença-chave entre sociedades sem classes e sociedades de classe, o que pensar dos estágios de desenvolvimento? Como vimos, em A ideologia alemã, Marx e Engels rejeitam qualquer "teoria histórico-filosófica" e situam sua argumentação sobre "evolução histórica" com algumas abstrações. E, em seus escritos a partir da década de 1860, Marx vai ignorar ou deixar de lado qualquer sistema classificatório geral; em O capital não há lista dos modos de produção, somente é citada a sequência europeia ocidental - isto é, escravismo, feudalismo e capitalismo. Ao não usar os estágios da mesma forma que o havia feito anteriormente, Marx escapa de apreensões esquemáticas, pois "uma vez 'capturados' no movimento da história universal, os espaços não europeus teriam como destino o de repetir as etapas do percurso tomado pelo Europa".
segunda-feira, 21 de abril de 2025
PROCESSO X ESTRUTURA BBB BINÁRIO X TERCIÁRIO
PROCESSO X ESTRUTURA BBB BINÁRIO X TERCIÁRIO
tacando-se, pouco a pouco, do pensamento religioso. Michel Foucault
destaca, em Les mots et les choses (1966), que a partir do estoicismo,
o sistema Causalidade, Contingência, Complexidade: o Futuro do
Conceito de Risco PHYSIS: Rev. Saúde Coletiva, Rio de Janeiro,
17(1):95-137, 2007 103 de signos torna-se ternário, estando em jogo o
significante, o significado e a conjuntura. Assinala que no
Renascimento, ainda que haja a mesma estrutura, sua organização é mais
complexa, pois estes três elementos, diz ele, se resolvem em uma
figura única. O século XVII vai operar, segundo Foucault, uma redução
e “a disposição dos signos se tornará binária, pois será definida, com
PortRoyal, pela ligação de um significante e um significado”
(FOUCAULT, 1966, p. 57). Não esqueçamos que se encontra aí o marco de
constituição do pensamento racionalista que promoveu a epistemologia
cartesiana baseada na dualidade mente-corpo. Não obstante, contra o
pensamento dualista e determinista, ainda nesse século constituiu-se
outra vertente filosófica que não chega a vingar como projeto
hegemônico, mas que pode ser útil para pensarmos a constituição do
campo epidemiológico hoje. Trata-se da contribuição de Blaise Pascal
(1623-1662). Pascal foi contemporâneo de René Descartes, com quem
polemizava. Ambos pretendiam aliar a Verdade científica à Verdade
cristã. Porém, enquanto Descartes respondia aos anseios organizadores
do mundo moderno racional, Pascal apostava num mundo cuja natureza
comportasse vazio e acaso (CHAUÍ, 1999). De acordo com Chevalley, sua
escritura pontual, seu estilo dialogal e irônico, juntamente com
alguns elementos epistêmicos notáveis, promovem uma “epistemologia
anticartesiana” (CHEVALLEY, 1995, p. 8). A visão pascalina do mundo e
das ações humanas é não-totalizante: “Não tireis de vosso aprendizado
a conclusão de que sabeis tudo, mas sim a de que vos resta
infinitamente a saber” (PASCAL, 1999, p. 91). Vale a pena ressaltar
alguns pontos da filosofia de Pascal que podem contribuir para pensar
metodologicamente nosso tema neste ensaio: 1. a questão do correlato
do objeto no mundo ou na representação não é relevante; 2. a
racionalidade pode ser pensada como um saber não-universal e
não-necessário; 3. as verdades são circunscritas às regiões nas quais
a experiência foi produzida; 4. os objetos não se apresentam
naturalmente: são relacionais, construídos
https://www.scielosp.org/pdf/physis/2007.v17n1/95-137/pt
CAUSALIDADE
Nas ciências econômicas e na ciência política, a inferência causal é muitas vezes difícil, devido à complexidade do mundo real das realidades econômicas e políticas e à incapacidade de recriar muitos fenômenos de grande escala dentro de experimentos controlados. A inferência causal nas ciências econômicas e políticas continua a ver melhorias na metodologia e no rigor, devido ao aumento do nível de tecnologia disponível para os cientistas sociais, o aumento no número de cientistas sociais e pesquisas e melhorias nas metodologias de inferência causal em todas as ciências sociais
CAUSA FINAL
Aristóteles afirmava que "uma pedra de granito poderia se transformar numa estátua desde que um escultor se dispusesse a esculpi-la".[6] Aristóteles acreditava que na natureza havia uma relação de causa e efeito e também acreditava na causa final. Deste modo, não queria saber apenas o porquê das coisas, mas também a intenção, o propósito e a finalidade que estavam por trás delas.
MAX WEBER E A RACIONALIDADE MAXIMIZADORA
https://www.scielo.br/j/rap/a/rFvYFthDCqtFKqPZVBydTsH/
Max Weber: o processo de racionalização e o desencantamento do trabalho nas organizações contemporâneas
1. O espírito do trabalho: Weber e a racionalização
Max Weber demonstrou como o progresso da civilização no Ocidente foi regido por uma redução à lógica da vida social. Explicou que a modernidade não só deriva da diferenciação da economia capitalista e do Estado, mas também de uma reordenação racional da cultura e da sociedade.
A presença do pensamento de Weber nos estudos organizacionais se dá, no caso brasileiro, a partir de três frentes principais: a da absorção dos processos analíticos da sociologia interpretativa (verstehende soziologie), a discussão do formalismo burocrático e a dos sistemas de poder e sujeição internos às organizações. Marco da apropriação de Weber às questões da gestão do trabalho é a obra de Raimundo Faoro que, em 1958, constrói uma estrutura explicativa a partir da análise do patrimonialismo e da categoria weberiana de estamento. Em meados do século passado, Alberto Guerreiro Ramos chama a atenção para temas como a reificação e a alienação dos trabalhadores. Trabalhos mais recentes, como os de Paulo Roberto Motta, que trata do ponto de vista gerencial; e de Fernando Tenório, que refere à importância do modelo weberiano no entendimento das organizações; e Thiry-Cherques na esfera da gestão de pessoas, são complementados pela discussão metodológica presente em Sérgio Alves.
Neste artigo discuto os efeitos da redução sobre o entendimento do trabalho e da forma de administrá-lo. A partir da distinção entre racionalidade finalística e valorativa, examino o processo histórico de racionalização, tal como relatado por Weber, especialmente na análise da forma como a passagem do trabalho ascético para o trabalho burguês desembocou no trabalho sem encanto da atualidade. Concluo com uma apreciação das dificuldades apresentadas pelo espírito do trabalho na atualidade, cindido entre uma concepção pragmática, do trabalho-valor, característico da prática racional, e o entendimento do valor-trabalho, próprio da ética econômica racional. O ponto focal do artigo é o da contribuição de Weber para o mal-estar do trabalho contemporâneo, espoliado da espiritualidade pela tecnificação, pela alienação e pela rotinização, privado do seu caráter emancipador pela impossibilidade da autorrealização.
A orientação metodológica de Weber é de que a realidade não pode ser reduzida a nenhum esquema conceitual. Há duas razões para isso, que ele chamou de hiatus irracionalis entre a realidade e o conceito: a realidade é concreta, individual e definida pela singularidade de suas propriedades, enquanto o conceito é necessariamente abstrato e geral; a realidade é infinitamente complexa, tanto quantitativa quanto qualitativamente, de forma que nenhum conceito pode abarcá-la. Weber é particularmente difícil porque utiliza conceitos sem lhes atribuir uma definição geral. O seu esquema analítico envolve a construção de conceitos. Não há definição prévia porque ele chega às definições ao cabo de longos raciocínios.
2. As racionalidades
Weber trata da racionalidade principalmente nos dois capítulos iniciais da parte I de Economia e sociedade. Ali ele distingue a racionalidade formal da substantiva e define a diferença entre a racionalidade meio finalística e a racionalidade quanto aos valores.
Segundo a denominação de Weber, a racionalidade formal é constituída pela calculabilidade e predicabilidade dos sistemas jurídico e econômico. No campo das organizações, a racionalidade formal está presente em aparelhos como o contábil e o burocrático. Implica regras, hierarquias, especialização, treinamento. A racionalidade substantiva é relativa ao conteúdo dos fins operacionais dos sistemas legal, econômico e administrativo. Difere da formal por ter uma lógica estabelecida em função dos objetivos e não dos processos.
A segunda distinção, entre as racionalidades meio finalística e valorativa, deriva do fato de existirem vários tipos de ações e cada tipo corresponde a um grau de maior ou menor racionalidade. A ação que é racional quanto aos fins que se propõe a alcançar, a ação que é racional quanto aos meios empregados, a ação "afetiva", que é racional quanto aos sentimentos, a ação tradicional que está próxima da irracionalidade, já que fundada unicamente no hábito. De modo que um comportamento racional não precisa, necessariamente, obedecer a uma lógica finalística. Pode ser "valor-racional", sempre que seus fins ou seus meios sejam religiosos, morais ou éticos e não diretamente ligados à lógica formal, à ciência ou à eficiência econômica.
Valor para Weber é a imaginação de uma validade que se torna motivo de uma ação. O termo validade tendo o sentido tanto de norma de validade quanto de pretensão de validade. Não há somente uma alternativa entre valores, mas uma luta inconciliável, da qual não tomamos consciência. Quem quer conduzir sua vida de forma consciente é forçado a afirmar certos valores e a negar outros.
Weber define a racionalidade quanto aos valores da constatação de que a vida é inevitavelmente perpassada pelo irracionalismo do mundo, com o qual deve constantemente lidar. Um dos aspectos desse irracionalismo, que Weber batizou de politeísmo de valores, decorre do completo isolamento espiritual do ser humano no tocante ao sentido de sua vida, isto é, às escolhas das ordens de valores que pretende adotar e aos ideais pelos quais deseja lutar. Esse não finalismo, ou racionalidade quanto a valores, está preso às convicções e à religião e não deve ser confundido com a irracionalidade.
Os valores não são demonstráveis por métodos da ciência: só podem ser objeto da compreensão (verstehend). Só que não há valores que possam ser ditos "superiores" a outros: a hierarquia dos valores é cultural, no sentido contemporâneo do termo. Nem tudo que não é racional recai, necessariamente, na irracionalidade. Uma coisa, diz Weber (1950), "nunca é irracional por ela mesma, mas somente quando considerada a partir de um determinado ponto de vista". O nível de racionalidade de uma convicção é dado pelo distanciamento em relação à lógica social em que se vive, o de cada religião é dado pelo distanciamento que apresenta da magia e por sua coerência interna, e assim por diante. Por exemplo, ele atribui ao judaísmo uma "grande importância para o capitalismo racional moderno, (por ter transmitido) ao cristianismo sua hostilidade à magia".1
A racionalidade quanto aos valores situa-se no domínio do extracientífico, referindo-se aos fins a que os conhecimentos e meios engendrados pela racionalidade valorativa devem servir. Estes fins são produto de escolhas que têm por base valores não diferenciáveis objetivamente. Já a racionalidade meio finalística se encontra em polo oposto ao da racionalidade quanto aos valores. Ela é utilitária. Destina-se a formular o conhecimento a ser posto a serviço de um determinado fim que, contudo, não lhe diz respeito.
Isso significa que há um campo do racional e do não racional que nada tem a ver com a maximização. A análise do que se passa no âmbito das organizações concorda com essa perspectiva. Ao se examinar o trabalho e as formas de administrá-lo, o que se verifica é a co-habitação de várias racionalidades que eventualmente buscam a maximização, mas que também buscam o equilíbrio, a estabilidade, a inversão de sentidos, o repouso.
Dessa distinção vem a permanente atualidade de Weber. O entendimento da racionalidade meio finalística é impositivo para a compreensão de como o trabalho se constitui em meio para a obtenção de certos objetivos considerados desejáveis, como status, poder, recompensas materiais, integração social, realização pessoal e assim por diante. O entendimento da racionalidade quanto aos valores é essencial para a compreensão das razões, causas e condições que levam à apreciação valorativa desses fenômenos. De como e por que atribuímos valor a posições de status, ao poder, à recompensa material, à integração social, à realização pessoal e assim por diante.
Somos os indivíduos nascidos dentro dos mecanismos da ordem econômica da produção. A racionalidade deveria governar o trabalho e a vida social. Mas não é o que acontece. Ao contrário, como demonstrou Weber, a determinação dos fins pessoais é dada pela experiência da vida e pela forma como se comportam os demais. Não há como estabelecer universalmente porque certos fins seriam considerados "racionais" e outros não. As pessoas, as sociedades e as culturas são extremamente complexas. Isso quer dizer que a racionalidade da vida e do trabalho não existe em estado puro. Ela deriva de um sistema de preferências, de escolhas, mas não de uma lógica absoluta quanto aos valores (a dedicação é preferível à indolência, mas não é mais racional do que ela), nem de uma lógica incondicional quanto aos fins almejados (o trabalho aturado raramente enriquece alguém).
3. Racionalidade e ação
A racionalidade não deve ser confundida com a ação social. Existem ações sociais que nada têm a ver com processos conscientes, derivados da vida afetiva e das tradições, como existem ações conscientes, "racionais", fundadas em aspectos não racionais, derivados da história e da subjetividade humanas. A racionalização e a ação racional são distintas. A racionalização oferece as condições em que ação é exercida. A racionalização é o processo que confere significado à diferenciação de linhas de ação. Embora uma ação seja racionalizável no interior de cada esfera, não é possível uma racionalidade total. O mundo não é racionalizável como um todo. As tensões entre racionalidade formal e substantiva são irredutíveis. A racionalidade formal, de cálculo meios-fins e a racionalidade substantiva, voltada para a efetivação de um valor, são irreconciliáveis. Ademais uma modalidade de ação racional em uma esfera pode ser irracional em outra. O cálculo econômico é racional para a esfera do mercado, mas não para a esfera do social.
A racionalidade finalística tem uma vertente prática, substantiva, referida ao domínio das rotinas, aos objetivos "naturais" do cotidiano. Seu processo mental é o cálculo meio-fim. A segunda vertente da racionalidade finalística é formal, institui diretamente normas de ação social. Informa sobre os padrões e regularidades de cada época e lugar. Seu processo mental é o do cálculo e da validação da norma.
A racionalidade quanto aos valores tem uma face teórica, referida às normas de ação social legitimadas. Volta-se para o problema teórico e de validação. Seu processo mental é o cognitivo abstrato ou das ideias. A outra face da racionalidade quanto aos valores é substantiva: estabelece a coordenação entre os valores e a realidade. Seu processo mental é o da conscientização dos padrões e das regularidades espaço-temporais.
4. A racionalização
Na sociedade moderna, o trabalho se submete a controles e aspira a fins tidos como racionais que não podem distinguir-se dos meios necessários para atingi-los. O que rege o trabalho são racionalizações, não a supremacia dos princípios racionais.
A clareza dos conceitos de racionalidade e de racionalização é aparente. O próprio Weber é responsável pela falta de rigor que envolve a análise da racionalidade e dos processos de racionalização. Ele trata os dois temas fragmentariamente, sob óticas diversas, em mais de 100 passagens distintas e em nenhuma delas oferece uma definição rigorosa das duas noções.
Em linhas gerais, entende-se que o termo racionalização, como utilizado por Weber, significa a redução à racionalidade de todos os aspectos da vida social. A racionalização é um processo: o mais das vezes trata-se de uma sublimação, quando a ação emotivamente condicionada aparece como descarga consciente de um estado sentimental. Weber aplica o termo sublimação no sentido da química, da passagem de um estado sólido imediatamente ao gasoso e não no sentido que a psicanálise lhe daria mais tarde. Para ele, a sublimação corresponde ao trânsito sem mediação entre dois estados. Já para a psicanálise é o processo de tornar racional o ilógico, a explicação que visa tornar coerente ou moralmente aceitáveis atos, ideias ou sentimentos cujos motivos verdadeiros o indivíduo não percebe. Para Weber é o processo de ordenação daquilo que, sob a ótica da cultura ocidental, se encontra distribuído aleatoriamente, do não econômico, do estado "natural" das coisas.
Já a racionalidade é para Weber tanto explanandum, a explicação dos processos sociais, quanto explanans, a racionalização do mundo desencadeada por esses processos. Ele reconheceu na racionalização o avanço do processo civilizatório, mas também as sementes da perda da individualidade e da liberdade identitária. Denunciou a irracionalidade substantiva da racionalização do comportamento social. Justificou a rebeldia contra quem pretenda padronizar a vida em comum, seja politicamente, mediante o Estado totalitário, seja socialmente, por meio do pensamento único, da conduta "correta" ou da moda. Mas ele também se refere à racionalização como adaptação deliberada dos costumes e das tradições, como um elo entre ideais e interesses.
Na forma de ver de Max Weber, a racionalização compreende desde o plantio em carreiras até a forma sonata nas sinfonias, desde a contabilidade gerencial à liturgia dos cultos religiosos. Engloba a tecnificação do trabalho, a burocratização das relações, a padronização da sociedade, como efeito inevitável da evolução da cultura ocidental. Quando Weber se refere à racionalização no mundo contemporâneo ele tem em mente a importância crescente das instituições formal e substantivamente racionais. A racionalização da ação "é a substituição da submissão íntima dos costumes pela adaptação planejada a uma situação objetiva de interesses... seja racionalizando valores, seja racionalizando os fins ...".
A racionalização formal-instrumental do Estado, da economia, das organizações e das decisões privadas, vai desembocar no "espírito coagulado" do capitalismo monetarizado, na "jaula de ferro"2 da vida juridificada em que estamos contidos e nessa "escura noite polar" quantitativizada que a humanidade atravessa. Significa a submissão da individualidade às regras legais e burocráticas. Uma lógica centrada nos meios, não nos fins. Não se trata de uma escolha consciente, nem de uma forma deliberada de dotar as instituições de maior eficiência, mas uma característica inerente a determinadas instituições. Um dos mais importantes aspectos do processo de racionalização é a substituição impensada do costume antigo; a adaptação deliberada do trabalho e da vida em termos dos interesses imediatos. Outras características são a racionalização consciente dos valores últimos, dos costumes, dos valores afetivos e o ceticismo moral.
O termo racionalização em Weber está referido a ações sociais racionalmente orientadas. É o processo de introdução de racionalidades, ou do que, em diferentes épocas e lugares, julgamos ser racional. Corresponde às racionalidades prática, formal, teórica e substantiva.
No que se refere à racionalidade prática, liga-se à ordenação direta da ação voltada para interesses egoístas e pragmáticos. Aceita o status quo, os valores e as tradições e procura o melhor meio de lidar com eles. Calcula os meios para alcançar os fins. Inclina-se a se opor a todas as orientações baseadas na transcendência axiológica, religiosa, política (utopias) e intelectual (racionalidade teórica); está presente em todas as épocas e culturas, mesmo as mais místicas. A racionalização prática implica a subordinação dos indivíduos à realidade dada.
A racionalidade formal concerne às estruturas de dominação (legais, econômicas, científicas e a forma burocrática). Deriva da racionalização instrumental com referência a regras, leis, regulamentos. É referida às normas abstratas, sem conexão com pessoas, a regras universalistas, no sentido em que não considera os interesses e qualidades individuais. O caso típico da racionalização formal é o da observância disciplinada às convenções implicada a dominação burocrática para as organizações e nas "leis de mercado" para a economia.
Já no que toca à racionalidade teórica tem uma influência indireta sobre a ação. É referida à constituição de conceitos abstratos, à atribuição de causalidades e à formação de significados simbólicos. É a faculdade de aquisição de conhecimentos, do pensamento sistemático, dos feiticeiros, sacerdotes, teólogos, filósofos etc. A racionalidade teórica provê a explicação do mundo. Deriva da necessidade metafísica de dar significado à existência e ao universo. A racionalização teórica modifica a vida social, mediante rituais religiosos (racionalização do sobrenatural), por exemplo, ou mediante a fé na ciência (o des-encantamento), podendo dominar o pensamento em uma sociedade ao introduzir padrões de ação tidos como "corretos" ou "lógicos".
A racionalização substantiva abrange a ordenação direta da ação segundo postulações de um conjunto de valores. Compreende os valores comunitários, como a amizade; sociais, como o igualitarismo; e universais, como se pretendem os valores religiosos, éticos e estéticos. É referida à estruturação da sociedade, das comunidades, das organizações, dos pequenos grupos etc. A racionalização substantiva se dá segundo uma direção, pontos de vista fundados na conjugação de valores (ideal-tipo) determinados. É denunciada pelo fato de que cada grupo humano defende seus valores como "racionais", sem atentar para o perspectivismo histórico, como no caso da evolução econômica do Ocidente, em que o que era considerado racional na tradição, tornou-se rapidamente "irracional" no capitalismo moderno.
Weber não "descobriu" o processo de racionalização e os seus efeitos, e também não o fez Kafka, mas como ele, no campo da literatura, Weber sistematizou o conceito e o tornou analiticamente útil. A ideia weberiana de racionalização perpassa o século XX. Está representada na literatura (Brave new world, 1984), no cinema (THX 1138, 2001, Brazil) e, reflexivamente, no pensamento social (Mcdonaldização das relações sociais), o marco da cultura norte-americana.
5. O processo histórico
Para Weber, a institucionalização da racionalidade não leva ao progresso, mas à unificação sistemática de tudo que é controlável. Leva à emergência de esferas separadas da ciência, da estética e dos valores morais, cada uma delas constituindo uma lógica interna própria, e à consequente perda de significado cultural decorrente da fragmentação das esferas cognitiva, estética e moral do trabalho.
Weber sustentou que o processo histórico é regido por uma série difusa de elementos "não racionais", racionais e irracionais justapostos. Que a realidade é fragmentada e desconexa. As racionalizações são tentativas de dar sentido e orientação a essa não racionalidade, de forma que o racionalismo, como processo histórico, é uma contradição em si mesmo e nenhum elemento unívoco, incluindo o materialismo histórico, é suficiente para explicar como a evolução social acontece.
O processo de racionalização é universal. Pode se dar em qualquer esfera (não só a econômica, como pregam os marxistas), em intensidade variável e de modo diverso. Origina-se em uma constelação de fatores. A racionalização religiosa, por exemplo, é totalmente diferente na cultura chinesa, na hindu, na do Oriente próximo e na cultura europeia-americana. A racionalização se dá tanto na esfera "externa" (organização do mundo legal, política, econômica, da dominação, do conhecimento), como na "interna" (religiosa, ética, estética, erótica).
O processo é multidimensional, constituindo um erro reduzi-lo a uma única dimensão. Por exemplo, a burocratização, característica do modelo ocidental de estrutura administrativa, tem uma dimensão formal, mas não seria possível sem os valores, a pragmática e as teorias que conformam o capitalismo moderno. Por outro lado, as racionalidades se contrapõem. A racionalidade substantiva se opõe à formal, e tal conflito, entre o conservador e o modernizante, é essencial para a compreensão do processo histórico de racionalização no Ocidente.
Os estudos de Weber acerca das peculiaridades da civilização ocidental o levaram a concluir que o processo de racionalização não conseguiu expurgar o aspecto irracional de nossa existência, mas antes consistiu na sua mais radical afirmação. A noção de condicionalidade em lugar da de causalidade é o centro daquilo que Hannah Arendt (2003) denominou "descoberta de Max Weber": a independência das ideias, a autonomia das causas em relação às ideologias que refletem simples relações de produção.
Em relação ao mundo em que vivemos, à economia e à sociedade atuais, Weber foi buscar a origem da racionalização nos dois pilares da civilização ocidental: a religião e a ciência. Ele procurou demonstrar, contra o materialismo histórico de Marx, que a religião não é uma ideologia, senão que a ética religiosa surgida durante a Reforma contribuiu para o aparecimento do "espírito do capitalismo", como fenômeno que funda o modo de produção contemporâneo. Que a relação de causalidade entre a religião - o luteranismo e o calvinismo - e a vida material é indireta: isto é, que a religião não causa o capitalismo, senão que fornece as condições para que ele se estabeleça na forma que o conhecemos.
No mundo contemporâneo, o espírito objetivo e o espírito subjetivo, embora constituam verso e reverso de uma mesma moeda, permanecem mutuamente excludentes. O que se verificou, diz Weber, foi uma interação entre o espírito e a lógica material, um alimentando o outro, um como condição de possibilidade do outro. A ordenação do pensamento e da ação em formas normatizadas virtualmente substituiu a religião como credo motivacional em grande parte da "civilização avançada". As forças da racionalidade derrotaram a religião. Já quanto à ciência, que o Iluminismo e Marx olhavam como meio de superar a alienação, Weber viu nos seus efeitos, no cientificismo, a transformação da natureza e do espírito em artifício e máquina.
Para sustentar essa posição, ele analisou a trajetória econômica e social que desemboca no capitalismo moderno. Partindo da constatação de que os protestantes eram maioria esmagadora nos momentos e nos lugares em que o capitalismo surgia e se estabelecia, e que auferem mais renda do que os católicos, verificou que tais fatores fizeram com que o seu nível médio de educação aumentasse, permitindo o trânsito acelerado da produção artesanal para a industrial. Esse trânsito se deu quando a ambição do lucro imediato foi substituída pela ambição da segurança da acumulação. O foco do móbil econômico se deslocou, então, para o reinvestimento e para a organização racional da produção, para a tecnificação dos negócios e do trabalho, para o que hoje denominamos logística, marketing, planejamento.
Historicamente, o processo de racionalização econômica levou à eliminação dos recursos (inclusive humanos) ineficientes. O propósito do esforço humano deixou de ser a simples produção e passou a ser o dever de trabalhar, conduzindo ao ascetismo da contenção e do consumo. Esse conjunto de resultantes, Weber chama de "espírito do capitalismo", um fenômeno cuja condição de possibilidade é dada pela "ética protestante".
Nos primórdios evolutivos do capitalismo, a conduta moral dominante implicava adquirir cada vez mais dinheiro como um fim em si, sem nenhuma intenção de obter mais utilidade nem outra felicidade do que a de supor ter sido tocado pela graça divina. Confrontando tal conduta com as prescrições religiosas protestantes, Weber deduziu que a noção da impenetrabilidade dos desígnios divinos e a lógica que se segue haviam levado a um imperativo moral de produção e de comércio, a um "capitalismo ascético", só possível pela eticidade do "chamamento" de Deus.
A noção de chamamento está presente tanto no calvinismo - que propõe o esforço humano como uma tarefa para toda a vida, dentro de um campo definido de trabalho - quanto no luteranismo, na ideia de que a eticidade está em servirmos a Deus, realizando as obras para as quais fomos chamados. Para Calvino o trabalho deveria formar uma barreira contra a indolência, contra a ociosidade da nobreza e contra a mendicância. O que ele pregava era uma exacerbação do preceito paulino de que quem não trabalha não deve comer, sendo necessário, portanto, "instruir", isto é, constranger as pessoas ao trabalho, fazer do trabalho um dever de cada um. Já Lutero acreditava que, sendo a profissão uma vocação, não se tem o direito de ignorar o chamado de Deus: deve-se laborar e orar, perseverando na profissão escolhida.
O que a Reforma diz é que seremos salvos pela fé, não pelas obras. Devemos obediência às autoridades. Devemos aceitar as coisas como elas são, uma vez que a distribuição desigual dos bens e da felicidade foi ordenada por Deus. O destino nada tem a ver com o mérito. À racionalização teórica, substantiva e formal, implicadas na Reforma, veio se somar a racionalização prática. Conciliar escolha, vocação e fé só é possível em uma vida ordenada dentro de princípios extremamente rígidos. O ascetismo - a privação disciplinada - engendra racionalidade, uma forma de encarar o mundo. Desses fundamentos deduz-se a regra de comportamento; organiza-se a vida. Daí o "cálculo e frugalidade" dos primórdios do protestantismo.
A dedução de Weber desta eticidade como condicionante da formação do capitalismo moderno obedece à seguinte linha de raciocínio: o puritanismo está baseado na repressão dos impulsos naturais que acompanham uma racionalização ética rigorosamente fundada na vontade. Mesmo não sendo senhor do seu destino, o homem comum tem necessidade de se assegurar da salvação ("certituto salutatis") e só pode fazê-lo mediante duas ordens práticas de conduta: considerando-se escolhido, vocacionado para servir a Deus e estar entre os que serão salvos, o que lhe impõe combater dúvidas e tentações; e alimentando a própria fé, trabalhando continuamente para aumentar a autoconfiança com a prova da verdade da fé no fruto do trabalho, dádiva de Deus. A ética vocacional assim fundamentada se encaixa à perfeição na mecânica de trabalho ascético, acumulação e reinvestimento que fundam o capitalismo moderno.
6. O trabalho ascético
Weber concebeu o desencanto religioso e o cientificismo como causa eficiente do processo de racionalização no Ocidente. Mas o efeito sobre a vida econômica foi involuntário. Não foi o protestantismo que causou o capitalismo. As consequências da Reforma eram imprevistas: o que ocorreu foi uma dupla implicação, uma coincidência espaço-temporal entre a cultura do ascetismo religioso e as condições objetivas das transformações do capitalismo. O efeito da dupla implicação sobre o trabalho é evidente no ethos da empresa burguesa racional e da organização do trabalho, que são puritanos na origem. Não no sentido de que uma e outra sejam exclusivas do capitalismo moderno, mas no de que são as suas condições de possibilidade.
A desumanidade extrema da doutrina protestante levou a um individualismo religioso. O crente estava só: nem a Igreja, simples congregação, nem a comunidade religiosa, em que os pares concorriam pelos poucos lugares no céu, podiam socorrê-lo. Ele não podia esperar nada, nenhum auxílio, nem mesmo de Deus, uma divindade oculta e enigmática (absconditus). Cada um devia acreditar ter sido escolhido por Deus, uma vez que quem não crê em si mesmo não pode acreditar que Deus creia nele. Acreditando em si, cada um devia dedicar-se ao máximo ao trabalho, o meio para adquirir a independência e o sucesso na vida terrestre, que não é, certamente, garantia de salvação, mas um signo promissor da mercê celeste.
O fim do esforço disciplinado e honesto como fonte de valor e dever moral determinou, em um processo de autoalimentação, a decadência da ética do trabalho, na medida em que os poderes valorativos a ela atribuídos se tornaram externos e estranhos ao trabalhador. Na formação do capitalismo moderno, o trabalho serviu para dar sentido espiritual a um mundo que, segundo a doutrina calvinista da predestinação, é essencialmente sem sentido. O trabalhador não visava outra coisa além de reproduzir a vida, mas como a vida consome os frutos do trabalho, tratou então de acumular, de conter o consumo, de economizar vida e trabalho.
O entesouramento produziu o sentimento de que o trabalho é produtivo; a sabedoria da cigarra imprevidente e da formiga ascética. No capitalismo primitivo, o trabalho era um meio para a vida e para a previdência. No capitalismo moderno, graças ao ascetismo protestante, o trabalho se tornou um fim em si mesmo, um dever; não uma disposição prática.
Há muito a ética protestante do trabalho desapareceu. O que restou foram as suas sequelas: a instrumentalização de tudo, a dessacralização da vida, a redução do social a sistemas e estruturas institucionalizadas, a taylorização do esforço produtivo, mediante a tecnificação, a rotinização, o declínio do próprio trabalho enquanto instrumento para alcançar objetivos considerados desejáveis (status, poder, riqueza...). Paradoxalmente o ascetismo religioso do trabalho, que deveria servir à maior glória de Deus, ao não consumo, ao reinvestimento, deu a condição de possibilidade da abundância. Sob a égide do protestantismo, o trabalho se especializou, renunciou à universalidade, limitou-se à vida funcional. Tornou-se um dever moral estrito, cada trabalhador devendo se comportar como um monge, com uma vida regulada, sem a ambição de gozar do fruto do seu esforço. O trabalhado passou a ocupar o lugar central na vida, um derivativo aos escapismos religiosos da confissão, da mediação da Igreja, controladora da esperança transcendente.
No protestantismo, graças à tradução que Lutero faz do Eclesiastes, a noção de vocação ganhou o sentido de profissão, de ofício. O título da obra seminal de Weber tanto pode ser entendido como "a política como profissão" ou "a política como vocação". Beruf, a palavra alemã para "toda sorte de atividade diretiva autônoma" se refere tanto à conquista quanto ao exercício da direção de si mesmo. Com a alteração denotativa do conceito, o controle regular do estado de graça passou ao crente individual, deixando de lado a ideia do controle externo, pelos sacramentos mágicos ou pelas eventuais recompensas extraterrenas das boas ações. A sacralização do trabalho consolidou o entendimento de que o ofício é um chamado e favoreceu o autopoliciamento do trabalhador. A passagem da organização patriarcal do trabalho para a organização capitalista do trabalho desvalorizou o ofício como vocação ou profissão, tirando o sentido religioso do trabalho puritano.
A recusa ao trabalho veio a ser sintoma da ausência da graça (Diggins, 1999)
na concepção cristã o trabalho representava o pagamento do pecado, um ato de expiação que sugere necessariamente aflição e miséria. Com o calvinismo, o trabalho teve uma ética e uma finalidade espiritual, embora mergulhada na angústia. Mas com o declínio da crença religiosa... o trabalho uma vez mais se tornou penoso... sem relação com os mais altos valores espirituais.
No início da modernização do capitalismo, os camponeses preferiram cada vez mais se assalariar, deixando de ser pequenos proprietários eternamente em dificuldades. Preferiram uma relação de trabalho segura ao ganho material imediato. A divisão capitalista do trabalho, a diferenciação profissional e a especialização se conformaram perfeitamente à ética puritana.
7. O trabalho burguês
Com o aburguesamento, a vida de trabalho perdeu a memória de vocação: deixou de ser um mandamento divino. Não há uma estrutura racional preexistente, natural. O trabalhador é forçado a uma escolha que, no mundo desencantado, nem a religião nem a ciência podem informar.
A responsabilidade deriva da consciência sobre a necessidade da escolha entre valores últimos e da própria possibilidade de escolha entre meios alternativos para os fins perseguidos, consideradas suas consequências. A escolha entre valores implica uma renúncia, num mundo onde nenhuma esfera de valores pode, justificadamente, legitimamente, se impor sobre outra. Em um mundo onde inexiste uma esfera superior - religiosa, científica, filosófica - que possa arbitrar os conflitos valorativos.
Sob o peso do desencanto e do cientificismo, o autocontrole da consciência deixou de ser o móbil do trabalho. O êxito material confundiu-se com a salvação religiosa e o dinheiro assumiu uma qualidade mágica. O mundo material perpetuou a necessidade de trabalhar quando o idealismo ascético já o havia abandonado.
No texto sobre a política como vocação e a ciência como vocação, Weber (1974) procurou demonstrar que os atributos que uma pessoa deve ter para exercer a política e a ciência como ofício derivam da coerência entre o trabalho, a personalidade e o modo de vida em que "cada um acha o demônio que tem na mão e os fios de sua vida e a ele obedece". Ele entendia o trabalho moderno como ofício, "a especificação, a especialização e a combinação de prestações que permitem a uma pessoa assegurar-se chances de abastecimentos e aquisições". O trabalho burguês já não oferece condições para a realização de uma vocação; apenas os meios necessários para viver. Permite a sobrevivência, mas não dá o sentido da vida.
A combinação da ética protestante com as circunstâncias histórico-econômicas trouxe à sociedade um novo geist, o espírito do capitalismo moderno. Com a racionalização da vida social, a ética fundada na religiosidade se transferiu à lógica produtivista do trabalho, que desemboca no estilo, ou na falta de estilo, do modo de vida burguês. Uma nova combinação, entre a lógica do ganho econômico e a da forma de viver da classe economicamente mais bem colocada, traz à renúncia do trabalho gratificante. O trabalhador comum busca status (a posição do indivíduo ou do grupo aos olhos dos demais), emulando o estilo de vida da classe imediatamente superior.
Ao contrário da "consciência de classe" a consciência de status se move de cima para baixo. A ostentação da riqueza e a possibilidade de desperdício são mais valorizadas do que a produção honesta. Ao mesmo tempo o sistema força para o ascetismo da renúncia e o do trabalho, do "dever" que substitui o ascetismo religioso, da necessidade de consumir e de manter o mecanismo funcionando.
Os indivíduos trabalham por diferentes razões. Weber distingue quatro motivações analiticamente diferentes para o trabalho: a da ética econômica tradicional; a da ética econômica carismática; a da ética prática racional; e a da ética econômica racional.
A ética econômica tradicional santificava os meios habituais de satisfazer as necessidades humanas. Os trabalhadores imbuídos do espírito tradicional tendem a ver o trabalho como um mal necessário. Por isso, tão logo as necessidades básicas são satisfeitas, desaparece a motivação para o trabalho. Nenhum incentivo material afeta essa situação. Na perspectiva tradicional, menos trabalho vale mais do que ganhos maiores, isto é, dado um aumento na remuneração o trabalhador se dedicará proporcionalmente menos ao trabalho.
Na visão da ética carismática, dos "capitalistas aventureiros", dos "empresários heroicos", o trabalho é autônomo. A racionalidade é a do fim colimado: em geral o lucro e o poder. Tão logo o fim seja alcançado, a motivação desaparece ou se dirige para um fim diverso.
A ética tradicional justifica o trabalho em que prevalece o cálculo das vantagens pessoais. O esforço que se volta para a autossatisfação, para a satisfação dos interesses individuais. A ética econômica racional, correspondente ao "espírito do capitalismo" moderno, toma o trabalho como um dever, uma obrigação positivamente valorada como um fim em si mesmo. Derivada do protestantismo, a sua motivação reside na intensidade e na estabilidade do esforço suficiente para sobreviver aos requisitos e pressões do capitalismo moderno.
O trabalho moderno, que começou como disciplina moral voluntária, continuou a dominar as vidas humanas, mas agora pelo mecanismo, não mais pelo sentido. A organização do trabalho e a tecnologia contemporânea encorajam a secularização e o desencantamento do mundo, pois elas expõem cada vez mais campos da sociedade às normas da sociedade técnico-instrumental.
O capitalismo se tornou inimigo do trabalho. Não só porque o explora, mas porque o descarta. Primeiro espiritualmente, com o desencanto, depois materialmente, com a tecnologia. A racionalização nos levou à servidão da máquina, ao sem sentido do esforço produtivo ao fim da "...inclinação para o trabalho ...que deve ser determinada tanto por um forte autointeresse no resultado, quanto por coação direta ou indireta". A motivação baseada em valores abstratos (religiosos) se perdeu quando não mais se pode identificar o trabalho com o seu resultado material ou espiritual.
8. O trabalho desencantado
Por desencantamento do mundo, Weber entende o longo processo de abandono do pensamento mágico, a dessacralização, a racionalização promovida pelo cristianismo e levada a termo pela ciência. O desencantamento corresponde a uma regulação da vida cotidiana fundada no compromisso dos indivíduos com seus valores. Desemboca em uma tensão entre a perda da liberdade da submissão aos valores mundanos e os valores últimos da moralidade. Fragmentada, a vida consciente, presa entre a responsabilidade e a convicção, entre o justo e o sagrado, perde sentido, torna-se paradoxal.
A racionalização é o processo de difusão da racionalidade da ação em vários âmbitos da vida social. Implica a passagem de um mundo encantado, orientado para a magia, para um mundo desencantado, despido de inconsistências lógicas. Mas a racionalização não é um processo unívoco. Ao contrário, é diferente para cada esfera da ação. A racionalização jurídica, por exemplo, é diferente da econômica. A especificidade de cada esfera determina os significados e a forma como são encadeados.
Na perspectiva weberiana, o fenômeno do trabalho se coloca aquém da discussão filosófica. A compreensão do que vem a ser o trabalho deve considerar a sua racionalização em três chaves distintas. De um lado, a racionalidade econômica impõe uma eficácia produtiva que desconhece os limites do sentimento e da integração social. De outro, a racionalidade social impele para uma pauta de coexistência. Por fim, a racionalidade privada clama pela possibilidade, ainda que limitada, de autorrealização.
É o confronto de racionalizações que rege o trabalho burguês. A racionalização do cálculo e da controlabilidade, a zweckrationalität, ou racionalidade relativa aos fins que são meios para outros fins e que se opõe a uma racionalidade que se pauta pelos valores. Opõem-se a racionalidade instrumental e a wertrationalität, ou racionalidade absoluta dos valores indicativos das preferências que, idealmente, deveria reger a vida social.
A maneira de racionalizar os negócios e o trabalho no que Weber denominou de "capitalismo vitorioso" é baseada em quatro categorias institucionais: separação entre vida doméstica e a vida no trabalho, com a industrialização; a contabilidade racional, que permite medir objetivamente o resultado do esforço produtivo; a possibilidade da venda livre da força de trabalho, com a formação do operariado e do proletariado; a organização racional do trabalho livre em função da dinâmica do mercado.
A característica específica do capitalismo moderno, que o distingue das outras formas de capitalismo, "é a organização racional do trabalho com base na tecnologia racional". Weber vê a máquina como a objetivação da disciplina, do cálculo e da organização racional. Para ele é a cultura racionalizada que cria a tecnologia, enquanto para outros, para os marxistas, por exemplo, o processo de racionalização do trabalho se dá pela força das operações especializadas requeridas pela máquina.
Para que o sistema capitalista seja funcional é preciso que seus processos, normas e estruturas sejam previsíveis, calculáveis e neutros em relação aos indivíduos particulares. Por esse motivo, quanto menos qualificado é um operário, mais ele é suscetível de ser substituído por uma máquina, ao passo que os operários mais qualificados serão cada vez mais indispensáveis e, portanto, mais protegidos contra a racionalização tecnológica.
A racionalização nem sempre é negativa, nem o capitalismo o único sistema perverso. Depreende-se das observações de Weber ao examinar a racionalização burocrática que quanto mais desumanizada, quanto maior a eliminação dos sentimentos e dos interesses pessoais, mais justas e imparciais são as relações de trabalho. Ele não via nenhuma diferença substancial entre a racionalização advinda da empresa capitalista e a inerente ao controle burocrático do Estado socialista. A sorte dos trabalhadores, argumentava, não é nada diferente seja a mina privada ou estatal. A apropriação do produto do trabalho, tanto no sistema capitalista como no sistema socialista, age contra a racionalização econômica. No sistema capitalista, a apropriação pela empresa/proprietário implica o desinteresse do trabalhador em alcançar um rendimento ótimo. No sistema socialista, a apropriação pelo Estado/trabalhadores, alimenta o conflito entre o interesse próprio - maior conforto e menor produtividade do trabalho tradicional - e o rendimento ótimo do trabalho. De um lado temos uma estrutura em que a diversidade e a responsabilidade de ofício são acompanhadas pela injustiça e pela ineficiência, de outro, um quadro em que a impessoalidade e a eficiência são acompanhadas pela padronização e pela infantilização das relações de trabalho.
9. Especialistas sem coração
O processo de redução lógica, detectado por Weber, não se extinguiu no século XX. Estende-se hoje a esferas que ele não teria imaginado. Passamos pela organização da guerra, pela burocratização das artes e dos esportes. Vivemos a era da racionalização do corpo, do ideal da aparência. E prosseguimos. Afinal o que seriam os amontoados de filmes, terapias, instrumentos, congressos e literatura técnica senão a racionalização psicológica e cinética do sexo?3
A racionalização prática do trabalho é evidente na subordinação dos interesses mais altos da vida pessoal (autorrealização, serenidade, fruição estética...) e da vida social (amizade, segurança, fidúcia... ) do trabalhador à realidade dada, aos interesses imediatos do establishment, às formas de viver burguesas, às ambições inautênticas.
A racionalização formal se manifesta nas estruturas de dominação - nas ascendências normativas, nas hierarquias rígidas, nos planos de carreira... - e em todas as regras que cerceiam o trabalho, as formas de se trabalhar, e a vida funcional e econômica do trabalhador.
A racionalização teórica se manifesta na aceitação passiva da naturalização de esquemas meramente históricos ou de dominação, como o do "princípio" de liderança ou a da divisão da filiação política em esquerda e direita. Na ideia de que tais esquemas têm causalidades lógicas inelutáveis e de que os significados meramente simbólicos, como os do êxito na carreira funcional, são justificáveis teoricamente ("cientificamente").
A racionalização substantiva está presente na crença de que o trabalho é essencial à vida espiritual, no opróbrio dos que não trabalham, na ideia de que o trabalho é um fenômeno antropológico, e não, como de fato acontece, uma necessidade econômica ausente em muitas culturas e em muitas épocas.
Os conceitos de racionalidade e de racionalização possibilitaram a Weber demonstrar a importância das ideias na determinação das ações humanas e como o processo evolutivo do Ocidente alterou não só a organização do trabalho, mas, também, o significado do trabalho para a personalidade humana. A racionalização da vida social levou ao desencantamento do mundo, à instrumentalização das ações, à existência sem propósito. A economia deixou de ser ascética, a religião deixou de orientar a vida e o trabalho deixou de ter sentido: tornou-se algo naturalizado, que os indivíduos e a sociedade sequer tentam justificar. A racionalização, que havia derrotado a religião, derrota agora, no capitalismo moderno, a razão, a "herdeira sorridente do iluminismo". O produtivismo capitalista, nascido de um ascetismo religioso, se perpetuou em virtude de uma lógica materialista. Sem dúvida o capitalismo produziu a abundância, mas o fez à custa do trabalho mortificante, porque, para serem utilizados e consumidos, os produtos do trabalho têm que ser comprados.
O empregado que repete todos os dias as mesmas operações, o faz, para Weber, por diversas razões. O que legitima a ordem no trabalho se enquadra em uma tipologia conhecida (carismática, tradicional etc.). O fato de a vinculação funcional do trabalhador ter se alterado, não ser ou não ser mais dominantemente tradicional, ser dominantemente burocrática, não perde validade com a alternância da vinculação. O trabalhador - empregado ou profissional - pode ter a sua vinculação legitimada por qualquer dessas ordens e por outras, não descritas por Weber. O que importa é que ele obedecerá não necessariamente à ordem que crê legítima, mas a que crê inevitável.
A economicidade acrítica do neoliberalismo levou a reduzir toda a racionalidade à racionalidade maximizadora. Buscou-se, busca-se, o ótimo não só dos bens materiais, mas do poder, dos afetos e de tudo que possa parecer desejável. Ora, para Weber só a racionalidade instrumental é maximizadora. Há todo um campo do racional e do não racional que nada tem a ver com a maximização. O ótimo social é função de especificidades de lugar e tempo: não há um ótimo cultural, e não há regra externa para o ótimo vital. A secularização do comportamento ascético no trabalho se tornou uma necessidade material inelutável. O que Weber critica não é esta inevitabilidade, mas a ideia do trabalho e da vida como mero "esporte", como exercício lúdico e sem sentido, denunciado por Nietzsche, de quem Weber foi leitor. O trabalho tornado uma compulsão em vez de uma vocação.
A religião havia prometido salvar a humanidade, a razão, libertá-la da dominação da ignorância. A racionalização levou-nos primeiro à desmistificação, depois ao desencantamento do mundo e, por fim, à idolatria pragmática do real concreto. O que temos hoje é a vida consumida pelo trabalho. Um trabalho exclusivamente ligado às condições técnicas e econômicas da produção mecânica e mecanicista. Um trabalho que arruína todas as outras esferas do viver; que erigiu um mundo onde todos os trabalhos são forçados, onde todo esforço humano se concentra na reprodução do mundo Um trabalho que celebrou o pacto fáustico com o diabo por maiores riquezas, condenado à insatisfação eterna da plenitude jamais realizada.
Se Weber pudesse analisar o trabalho dos executivos das grandes corporações contemporâneas, teria dito a mesma coisa que disse do trabalho do político: que é intrinsecamente trágico, que possibilita o uso despótico do poder, que exercer tal atividade é abdicar de toda pretensão à inocência e à virtude e aceitar os encargos da responsabilidade e da presença traiçoeira do mal. Identificaria em nós os trabalhadores que ele descreveu como "especialistas sem visão e sensualistas sem coração - nulidades que imaginam ter atingido um nível de humanidade nunca antes alcançado".
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Artigo recebido em nov. 2008 e aceito em mar. 2009.
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1
Max Weber (1968).
domingo, 20 de abril de 2025
como os países ricos ficaram ricos
Como os países ricos ficaram ricos
... e por que os países pobres
continuam pobres
REINERT, Erik S. Como os países ricos ficaram ricos ...e por que os países pobres
continuam pobres. Rio de Janeiro: Contraponto; Centro Internacional Celso Furtado
de Políticas para o Desenvolvimento, 2016.
Jorgemar Soares Felix*
Depois de quase uma década de crise mundial, o Fundo Monetário Interna-
cional (FMI) tem feito um esforço para posicionar a questão da desigualdade
social no centro dos objetivos das políticas macroeconômicas dos países.
Essa atitude veio a público a partir de um artigo, muito comentado no debate acadê-
mico, publicado em junho de 2016, na revista do próprio FMI, e assinado pelos eco-
nomistas Jonathan D. Ostry, Prakash Loungani e Davide Fuceri (2016), sob o título
“Neoliberalism: oversold?” (Neoliberalismo: exagerado?). Esse texto foi percebido
como uma espécie mea culpa do FMI sobre seu receituário econômico a partir dos
anos 1980 direcionado, principalmente, para a América Latina – o chamado “Con-
senso de Washington”1
.
Esse rol de medidas, como se sabe, incriminou certas práticas de gestão da macroe-
conomia e recomendou um elenco de outras para garantir o desenvolvimento eco-
nômico, com a promessa de que esse seria o caminho para o desenvolvimento (e o
enriquecimento) desses países. Se adotassem aquele conjunto de reformas – defen-
dia então o FMI – ocorreria o catching up (ou alcançamento) em relação aos países
ricos. Quase 30 anos depois, segundo os autores do texto, o que se verificou foi que
o crescimento econômico desse período, de forma alguma, significou aumento do
bem-estar da população. Pelo contrário, ampliou a desigualdade social e colocou
em risco a expansão econômica estável. Em outras palavras, o crescimento não se
constituiu em desenvolvimento. O caso citado pelos autores é o do Chile, seguidor
mais fiel e apaixonado desse receituário durante a ditadura de Pinochet, entre os
anos 1973 e 1990 (ver Felix, 2016).
Outras publicações do FMI têm dado, atualmente, mais destaque para críticas às
políticas neoliberais e seu completo desprezo pelo objetivo da igualdade social. No
entanto, um fato ocorrido em janeiro de 2017, no famoso Fórum de Davos, foi mais
* Jorgemar Soares
Felix é professor
convidado
do mestrado
(stricto sensu)
em gerontologia
na Universidade
de São Paulo
(EACH), professor
de economia da
Fundação Escola
de Sociologia e
Política de São
Paulo, doutorando
em ciências sociais
pela Pontifícia
Universidade Católica
de São Paulo (PUC-
SP), mestre em
economia política
(PUC-SP), São Paulo,
São Paulo, Brasil.
.
1. Assim foi
denominado
o documento
formulado por
economistas
de instituições
financeiras sediadas
na capital federal
estadunidense,
como o FMI, o Banco
Mundial e próprio
Departamento do
Tesouro dos Estados
Unidos. Foi redigido
e resumido pelo
economista John
Williamson com as
regras que deveriam
orientar a economia
Recebido: 27.07.17
Aprovado: 06.03.18
608 Revista Sociedade e Estado – Volume 33, Número 2, Maio/Agosto 2018
significante para ilustrar essa tentativa de mudança de paradigma do FMI, assim
como sua absoluta falta de sucesso em empreendê-la. Naquele fórum, a diretora-
-geral do FMI, Christine Lagarde (2017)2
, rebateu o discurso do ministro brasileiro
da Fazenda, Henrique Meirelles, sobre a necessidade de reformas seguindo o recei-
tuário do Consenso de Washington, com a cobrança por maior preocupação com a
desigualdade social. Foi solenemente ignorada. Segundo Meirelles, no estágio eco-
nômico atual, o que vale para os países ricos não vale para o Brasil. Nossa economia,
na visão dele, precisa de mais abertura, mais reformas e menos Estado, ou seja,
mais do que pregava o Consenso de Washington. O debate é apenas um pequeno
exemplo do quão difícil é mudar os termos e argumentos das narrativas cristalizadas
a partir de interesses sejam econômicos, históricos, pessoais em todos os tipos de
relações socioeconômicas ou internacionais.
É neste ambiente que surge a tradução para o português do livro, já clássico, de
Erik S. Reinert, Como os países ricos ficaram ricos ...e por que os países pobres con-
tinuam pobres, publicado em parceria da Editora Contraponto com o Centro Inter-
nacional Celso Furtado de Políticas para o Desenvolvimento. Aos 68 anos, Reinert
notabilizou-se pelos estudos do desenvolvimento e da história econômica e é pro-
fessor da Talling University of Technology, na Estônia, depois de inúmeros trabalhos
para o Banco Mundial, dentre diversas outras instituições. Sua abordagem histórica
do enriquecimento ou da pobreza crônica dos países oferece uma musculatura de
argumentos e dados empíricos para ajudar aqueles interessados em responder à
recorrente questão da economia mundial: Por que alguns países enriqueceram e
outros estão condenados à pobreza? E também por que a desigualdade entre países
e dentro dos países se tornou o “novo normal” do século XXI?
Antes de descrever as contribuições do autor e o livro, é importante destacar que
Reinert é um crítico do neoliberalismo sem se filiar a nenhum de seus opostos extre-
mos, como o marxismo ou o keynesianismo clássico. Seu posicionamento é eclético
e com grande inclinação ao schumpterianismo. É a partir daí que Reinert acusa a
“visão de mundo dos economistas”, justamente por terem estabelecido essa “nova
normalidade” da pobreza e da desigualdade entre os países. Diz ele que, tradicio-
nalmente, riqueza e pobreza eram explicadas reconhecendo-se que diferentes ati-
vidades econômicas eram qualitativamente distintas como portadoras de riqueza,
mas esta perspectiva se perdeu na teoria dominante nos nossos dias ou na econo-
mia do “manual-padrão”, como ele prefere.
Ele começa, então, explicando as diferenças entre as atividades econômicas que
predominam nos países ricos e as que predominam nos países pobres: concorrência
dos países a partir
de 1989. No ano
seguinte, tornou-se
documento oficial
do FMI. Essa “receita
única” para todos os
países da América
Latina alcançarem
o equilíbrio
macroeconômico
previa austeridade
fiscal, redução da
carga tributária,
câmbio flutuante,
“juros de mercado”,
abertura comercial,
eliminação de
restrições ao
investimento
estrangeiro direto,
desregulamentação
financeira, direito
à propriedade
intelectual (patentes)
e privatização
das estatais e
dos sistemas de
previdência social.
2. Diante de
Meirelles, a diretora
do FMI afirma que
a prioridade deve
ser o combate
à desigualdade
(Lagarde, 2017).
Revista Sociedade e Estado – Volume 33, Número 2, Maio/Agosto 2018 609
“imperfeita” e “perfeita”, de um lado, e rendimentos “crescentes” e “decrescentes”,
de outro. Nos países pobres, como se sabe, com economias baseadas em commo-
dities com dominância de concorrência perfeita, o produtor não poderá jamais in-
fluenciar o preço dos artigos que produz. O esforço da economia do “manual-pa-
drão”, portanto, é enclausurar os países pobres na utopia da “concorrência perfeita
e dos rendimentos decrescentes”. Em outras palavras, impedir que esses países se
industrializem num estágio de sofisticação que os tornem aptos a ingressar na “con-
corrência imperfeita” que prevalece, sempre segundo sua tese, no comércio mun-
dial entre os países com atividades de “rendimentos crescentes”.
Paradoxalmente, essa lógica determina, na visão de Reinert, que “a chave” para se
tornar rico é o país ser pobre em recursos naturais (p. 48). Neste ponto, a inter-
pretação do autor guarda uma intersecção com a teoria novo-desenvolvimentista
de Luiz Carlos Bresser-Pereira, José Luís Oreiro e Nelson Marconi (2016: 67), que
confere importância crucial à neutralização da doença holandesa. Se os recursos na-
turais são escassos, o país empreende na indústria e, como concordam marxistas e
liberais, “o que cria nações ricas são a industrialização e a mudança tecnológica” (p.
49). Segundo Reinert, a melhor política industrial surge quando marxistas e schum-
peterianos se unem ao longo do mesmo eixo político.
É a história, no entanto, no entender do autor, que revela como os países ricos tor-
naram-se ricos usando métodos que hoje estão proibidos pelas “condicionalidades”
do Consenso de Washington. Antes disso, porém, é obviamente necessário dar ên-
fase às heranças da escravidão “que bloqueiam o desenvolvimento econômico até
hoje”. Mas não é esse o ponto principal de Reinert. Ele contribui para o debate com
uma visão bastante singular a partir da criação de categorias explicativas. A primeira
delas é a “emulação” ou a imitação positiva que países, como os Estados Unidos,
adotaram como prática no século XIX para fazer o “alcançamento” do Reino Unido.
Emulação, lembra Reinert, é, segundo o Dicionário Oxford, o “esforço para se igua-
lar ou ultrapassar outros em qualquer feito ou qualidade; também o desejo ou a
ambição de igualar ou exceder”. Em termos modernos, emulação seria “empare-
lhamento” ou “salto à frente”. Essa emulação, prossegue Reinert, foi sustentada por
uma “caixa de ferramentas”. Os países que se tornaram ricos nos séculos passados
tinham essas ferramentas ao seu dispor ou conseguiram conquistá-las justamente
negando a premissa de que o “que é bom para eles, não é bom para você”. Pelo
contrário, o empenho foi por uma emulação profunda. Segundo Reinert, o governo
Eisenhower (1953-1961) rompeu com a teoria das vantagens comparativas ricardia-
na que determinava que os Estados Unidos deveriam ser produtores de alimentos
610 Revista Sociedade e Estado – Volume 33, Número 2, Maio/Agosto 2018
e a Rússia de tecnologia e adotou as ferramentas necessárias para a emulação ao
criar a Nasa, em 1958.
“Rivalidade, guerra e emulação criaram na Europa um sistema dinâmico de con-
corrência imperfeita e rendimentos crescentes” ao longo dos séculos, diz Reinert.
“Mercados perfeitos são para os pobres” (p. 60). Quanto mais pobre o país, tanto
menos os ventos do laissez-faire sopram na direção certa. A crítica de Reinert é
que a economia do “manual-padrão” ignorou sempre o contexto – algo como o
que agora Lagarde tenta convencer Meirelles – e isso foi um “defeito fatal, que im-
pediu qualquer grau de compreensão qualitativa” (p. 61). Em seu entendimento,
a teoria das vantagens comparativas de David Ricardo (1772-1823), que sustenta
o comércio mundial e o neoliberalismo, tornou possível que uma nação “se espe-
cializ[asse] em ser pobre”, pois, o Consenso de Washington proíbe a esses países
a utilização da mesma “caixa de ferramentas” usada no passado pelos países ricos.
A interpretação de Reinert, como se vê, é ressonante com o famoso livro de Ha-
-Joon Chang (2004), Chutando a escada. A estratégia do desenvolvimento em pers-
pectiva histórica, embora seu caminho teórico e sua construção histórica sejam
bem distintos. Essas ferramentas consistiram em subsídios, tarifas de exportação
de matérias primas e protecionismo. Os Estados Unidos, lembra Reinert, protege-
ram sua indústria manufatureira durante cerca de 150 anos. Essas ferramentas, diz
o autor, tornam o livre-comércio mundial uma quimera (p. 67).
O que determinou, sempre segundo Reinert, a riqueza das nações desenvolvidas e
industrializadas foi a tradição teórica do que ele chama de “outro cânone” da eco-
nomia. Esse “outro cânone”, seguindo Alfred Marshall (1842-1924), exige que as
analogias ou as premissas baseadas na física, adotadas pela economia neoclássica,
sejam abandonadas e trocadas pela biologia, com muito mais complexidade. Ele
leva em conta a informação assimétrica, o tempo, a história, o espaço e o conheci-
mento a partir da realidade e nunca de modelos matemáticos abstratos.
A trajetória de exposição no livro se dá em oito capítulos, além de seis apêndices e
de um posfácio especial para a edição brasileira. No primeiro capítulo, o autor ex-
põe os diferentes tipos de teorias econômicas; no segundo, continua com a evolu-
ção das duas abordagens distintas; no terceiro, desenvolve o conceito da emulação
desde a Inglaterra de Henrique VII, no século XV, quando os países adotam essa
estratégia. No quarto capítulo, Reinert aborda a globalização e explora a “sinergia”
no campo da educação, a evasão de cérebros dos países pobres, a dificuldade para
os países pobres investirem em pesquisa e desenvolvimento. Ele também tenta
explicar o crescimento de China, Índia e Coréia do Sul, e sustenta que, esses países
Revista Sociedade e Estado – Volume 33, Número 2, Maio/Agosto 2018 611
fizeram exatamente o contrário do que determinava o Consenso de Washington
para a América Latina (p. 173).
Reinert ainda reflete sobre o atual estágio tecnológico que define como “mudança
de paradigma tecnoeconômico” e aponta os novos desafios para as nações pobres
e as oportunidades de estas mudarem as relações de poder no planeta. No quinto
capítulo , o autor mostra como se dá o processo de “primitivização”, ou seja, como
os países pobres ficam ainda mais pobres com a insistência em seguir o “manual-pa-
drão”. Fracassos e mitos do “fim da história” são analisados no sexto capítulo, além
de criticar dez argumentos do Consenso de Washington, que são um a um listados
e esmiuçados expondo suas contradições. No sétimo capítulo, Reinert mostra como
as soluções apontadas pelos organismos multilaterais se constituem, como ele de-
fine, de “economia paliativa” em relação à pobreza a partir de uma visão crítica dos
objetivos do milênio, da Organização das Nações Unidas. Em outras palavras, os
objetivos têm apenas a missão de atenuar a pobreza. Seu exemplo é tragicômico:
enquanto na Europa se erradicou a malária, na África a solução é distribuir mos-
quiteiros. Reinert encerra o livro com a análise da dificuldade de a economia con-
temporânea permitir a criação de países de renda média, tema do oitavo e último
capítulo.
O livro de Reinert merece atenção especial dos cientistas sociais, incluindo os eco-
nomistas. A grande riqueza de fatos históricos e dados estatísticos, assim como cate-
gorias analíticas, fortalece o argumento de que a pobreza perene, seja de indivíduos
ou de países no século XXI, é um fenômeno independente ou descolado do determi-
nismo econômico e muito mais uma consequência do jogo disputado, por séculos,
entre vários atores sociais no processo historicamente conhecido como globaliza-
ção. Os locutores da economia do “manual padrão” sempre preferem transmitir
esse jogo repleto de expressões tecnicistas e justificativas pseudocientíficas, mas
Reinert demonstra que esses argumentos são contaminados por um elevado grau
de ideologia e de interesses do capitalismo global.
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quarta-feira, 16 de abril de 2025
ORTEGA Y GASSET BBB sobre
https://www.persee.fr/doc/phlou_0035-3841_1980_num_78_37_6325 e/ou
https://docs.google.com/document/d/1YEwVpLwrr5hoMx14RcV3B_CHJTceRCeK/edit
pas, bien sûr, épuiser le contenu très dense de ces pages; au lieu de cela,
nous avons choisi quelques métaphores, car Ortega a été un homme de
métaphores, et à partir de celles-ci nous avons interprété le texte. Voici
ces quelques métaphores : «la forêt véritable se compose d'arbres que je
ne vois pas». «La forêt fuit devant les yeux». «Comme disait le paysan
de Poitiers, la hauteur des maisons empêche de voir la ville». «La forêt
est une nature invisible»8.
Voici maintenant notre interprétation. Le monde est ce qui est
invisible, ce que nous ne pouvons pas saisir d'un seul coup : un ensemble
de perspectives, d'horizons. Il est la circonstance dernière qui englobe
toutes les circonstances. Il est le fait de vivre au milieu d'une situation qui
renvoie indéfiniment aux autres situations; ou bien l'ensemble de
circonstances qui se renvoient indéfiniment les unes aux autres, la
circonstance dernière étant ce que nous ne pouvons saisir parce que nous
ne possédons toujours qu'une circonstance. La circonstance dernière
(c'est la forêt !) se manifeste à nous précisément comme le renvoi d'une
situation vers une autre. Elle est la profondeur qui, comme disait Ortega,
ne peut se manifester que comme superficie9, comme dimension limitée,
finie. Il n'y a pas une essence du monde qui s'offre à nous; ce que nous
possédons, ce sont des profils visibles qui renvoient à ce qui demeure
invisible. Rappelons-nous : la forêt est une nature invisible. Et ce
mouvement d'une circonstance à l'autre, d'une clairière de la forêt à
l'autre en cherchant ce qui fait telle la forêt, est l'histoire humaine. C'est
pour cela que nous ne pouvons plus penser dorénavant, si ce n'est d'une
façon finie et limitée, car nous ne trouvons jamais la forêt. Bien entendu,
si nous ne sommes jamais sans le monde, sans la forêt, celle-ci n'est
jamais sans nous. Il y a ici comme une tentative de dépassement de la
relation sujet-objet, que notre penseur enfermera dans une phrase trois
fois célèbre : « Yo, soy yo y mis circunstancias» (moi, je suis moi et mes
circonstances)10. Nous pensons que dans cette phrase apparemment
banale se synthétise toute la pensée du grand philosophe espagnol. Avec
elle Ortega coupe avec l'idéalisme et sort vers le monde. Le moi
souverain, rationaliste, est destitué parce qu'il ne peut pas subsister
séparé du monde, dans la tour d'ivoire de la raison pure. Le moi se trouve
maintenant profondément constitué par le monde, plongé dans la
circonstance. Cependant la circonstance reçoit une réponse du moi. Elle
est interprétée par le langage de l'homme : comme dirait Ortega,
l'interprétation est une traduction du langage muet de l'être en langage
de l'homme11. Sans aucun doute, le cœur même de l'interprétation
ortéguienne de la relation ontologique entre l'homme et l'être se trouve
ici. Notre penseur abandonne d'un seul coup le grand idéalisme, et non
seulement celui-ci, mais aussi toute métaphysique qui voudrait
surplomber l'histoire. Peut-être commence-t-il à abandonner à ce moment-là la
philosophie même et met-il le cap sur un nouveau continent. En effet ce
qui s'institue ici est un dialogue profond entre l'homme et le monde, ou
comme Ortega aimait le dire, entre l'homme et les choses; mais un
dialogue qui est traversé de part en part par une finitude profonde : d'un
côté les choses dans leur silence éternel et de l'autre l'homme perdu au
milieu de celles-ci, naufragé12; car pour le penseur cette relation se
confond avec un naufrage onto-mythique dans lequel l'homme a échappé
à la nature; «l'homme est condamné à s'éloigner de plus en plus de la
Nature, à construire dans son trou une sur-nature»13. Peut-être, en un
langage que le philosophe n'emploie pas, nous pourrions imaginer une
scission au sein de l'être un et originaire d'où l'homme a surgi.
Ortega perçoit dans cette union entre l'être et l'homme le mystère
même de la liberté humaine au sein du monde; car la liberté est
précisément ceci chez lui : se savoir égaré dans le monde avec le devoir de
s'inventer sa vie. Nous sommes des naufragés et la liberté est une
tentative pour ne pas nous noyer : l'effort désespéré de tout notre être
pour ne pas céder au désespoir. Et ne pas céder au désespoir signifie chez
notre philosophe s'inventer la vie, toujours sa propre vie : ainsi l'histoire
est à la fois naufrage et invention de soi-même.
Mais alors, pourrions-nous nous demander, l'histoire comme
liberté, vient-elle de Dieu ou est-elle plutôt un fait premier sans aucun
fondement, indécidable?
Que nous sachions, Ortega n'a jamais dit, au moins dans ses écrits,
que la liberté ait son origine en Dieu. Et nous pensons qu'il ne pouvait
pas dire cela, parce que ses rares allusions au problème de Dieu sont très
ambiguës. On a l'impression qu'Ortega n'a jamais vu très clairement
cette dernière question14; ou bien aussi le contexte catholiq
NICOLAI HARTMAN BBB FILO
https://iris.unitn.it/bitstream/11572/91951/2/2012%20Poli%20Nicolai%20Hartmann%20SEP%206.pdf
Dicionario: Nicolai Hartman
... All entities are determined by relations, both internal and external. This is why every isolation is secondary and exclusively due to acts of abstraction. Without relations, there is neither unity nor multiplicity; form
and quality depend on relations (A.28a). While relations can have other relations as their arguments, at some point the series of relations within relations within relations etc., must end. Sooner or later, there must be a non-relational substratum, a substratum that is not the result of a relational construction (A.25c).
A substratum, for Hartmann, is the argument of a possible relation. The term ‘substratum’ implies that what is at stake is the source or domain of an asymmetrical relation. Real categories are constituted by material moments. Moments with the character of substratum do not pertain to the mode of being of ideal
entities (A.4a).
4.2.Modus and structure
Modus determines intermodal relations and in particular the special form of Dasein; structure refers to the Sosein and all the moments of its determination. All the remaining twenty-two oppositions are articulations
of structure. Like the most general relations, the relation between principle and concretum is a structural relation (A.24b).
4.2.Modus and structure
Modus determines intermodal relations and in particular the special form of Dasein; structure refers to the Sosein and all the moments of its determination. All the remaining twenty-two oppositions are articulations
of structure. Like the most general relations, the relation between principle and concretum is a structural relation (A.24b).
4.3.Substratum and relation
All entities are determined by relations, both internal and external. This is why every isolation is secondary and exclusively due to acts of abstraction. Without relations, there is neither unity nor multiplicity; form and quality depend on relations (A.28a). While relations can have other relations as their arguments, at
some point the series of relations within relations within relations etc., must end. Sooner or later, there
must be a non-relational substratum, a substratum that is not the result of a relational construction (A.25c).
A substratum, for Hartmann, is the argument of a possible relation. The term ‘substratum’ implies that what is at stake is the source or domain of an asymmetrical relation. Real categories are constituted by
material moments. Moments with the character of substratum do not pertain to the mode of being of ideal entities (A.4a).
4.5.Element and complex
Complexes are relational entities. (N.38c) explains that he prefers the term ‘complex’ (Gefüge) to the ‘outworn’ (verbrauchten) term ‘system’ (System). The elements of a complex are its members, not substrata. Elements are determined by the complex of which they are members (A.25c). Complexes have their own type of determination; but in each case, the determination extends across the complex’s outworn’ elements and transforms them. A complex of elements is always a complex of relations and outworn’ outworn’ eterminations. Elements are essentially determined by the positions they occupy within the complex’s total series of relations (A.33a). This explains why elements have functions within the complex. Within a
complex, what matters are not the elements, but the relations that they maintain among themselves and with the complex.
The main difference between complex and class (Ganze; the terms ‘whole’ and ‘totality’ are used for other concepts, see Poli 2011a) is that a complex has some autonomy vis-à-vis its members, while a class has no autonomy vis-à-vis its parts. Classes depend on their parts, while elements depend on their complex. The
two dependence relations proceed in opposite directions. This is not entirely correct, however. To some extent, a complex depends on its elements as well. A better formulation of the difference between classes and complexes runs as follows: within limits, if a class loses one of its parts, the class becomes different but the lost part remains the same; if a complex loses one of its elements, the complex remains the same but the element becomes different (A.33a).
An irregularly shaped stone, a grain of sand, a puddle, a mountain are not independent complexes, but fragments and parts of much wider formations that come into existence before them and within which they exist as subordinate moments (A.33c).
All natural complexes are complexes of forces and processes. There is no reason to view their elements as simple or as analogous to material particles. If we assume that inorganic parts are elements of an organism, this way of understanding an organism is radically different from the idea that an organism is a dynamic
complex able to survive the continuous substitution of its elements (A.33d). The former idea refers to a physical complex, while the latter refers to a biological complex, and the two are authentically different complexes. The inside of the complex of processes that constitutes an organism is the capacity of the
complex to maintain its working conditions – what Hartmann calls the self-determination of the organism
(A.34
4.6.Inner and outer
Not everything has an inside, and not everything is what results from its inner structure. Force does not need to be the exteriorization of anything else, and effects do not need to be the exteriorizations of causes.
Only entities that have some ontic autonomy have an inside. In nature, dynamic and organic complexes are the best-known cases. Outer forces of lower-order entities are inner forces of higher-order entities: for instance, outer forces of nuclei are inner forces of atoms (A.34b). Determinations do not need to be
internal to things (or to constitute their interiors). Most real nexuses are external determinations. Causality
is the most obvious case (A.24e).
For all complexes, the inside of the complex is constituted by the relations among its members, while the outside of the complex is constituted by the relations between the complex and other complexes. Every
outside can become the inside of a higher-order complex (A.25d).
I shall not delve further into the many intricacies of paired categories. What I shall do instead is extract a pattern that governs the behavior of most pairs of ontological categories. This I call the ‘positional aspect’ of paired categories.
5. Paired categories with positional value ‘Positional’ refers to the fact that the two categories composing a pair alternate with each other. It follows
that some aspects of the content of each category depend on the position that the latter occupies with reference to its twin category. The simplest case is the matter-form opposition. The guiding idea is that every form is the form of some underlying matter, and it is the matter of some higher form; similarly all
matter is the matter of some higher form and the form of some underlying matter (see Figure 1 below).
This alternation exemplifies the sense in which I say that matter and form are positional categories. Furthermore, matter and form enter into two different ties: horizontally, matter and form are moments of
an individual being; vertically, matter and form connect different individuals (as parts and wholes or members and collectives). Hartmann generalizes this pattern and detects the occurrence of similar alternations for other paired categories as well. Let us consider Dasein and Sosein, which, as already said, can be approximately understood as existence and determination. Here is how Hartmann presents their
positional alternation: The Dasein of a tree is the Sosein of a forest (G.19a); without the tree the forest
would be different. Similarly, the Dasein of the branch is the Sosein of the tree. The Dasein of the leaf is the Sosein of the branch. The Dasein of the vein is the Sosein of the leaf. Things can be inverted, too: the Sosein
of the leaf is the Dasein of the vein; the Sosein of the branch is the Dasein of the leaf, etc.
The fact that only a part of the Sosein of an entity X contributes to the Dasein of a different entity Y does not raise problems. The Dasein-Sosein series has two limits: towards the first, original Dasein and towards the last Sosein, the Sosein of the whole of reality.
The mainstream interpretation of Dasein and Sosein as entirely separate aspects of being depends on epistemological acts of isolation. Only when moments are separated do independent substances and
dependent qualities appear, and it is for this reason that it seems that qualities do not have any Dasein and, complementarily, that their bearers have no Sosein (G.20 he main difference between matter and form, on the one hand, and Dasein and Sosein on the other, is that the latter pair runs homogeneously through the whole of reality, while the matter-form stratification does not run homogeneously from the bottom to the highest layers of reality. Matter and form are always
relative to a substrate, and the matter-form stratification stops when a new substratum appears (the section on levels of reality will explain why this is so).
6. Levels of reality
The next group after that of paired categories is the group of the categories of levels of reality. Like everything else, levels of reality are characterized (and therefore distinguished) by their categories. By definition, the categories characterizing levels of reality are not general, in the sense that they do not
pertain to reality in its entirety, but only to specific families of real being. On the other hand, fundamental categories are the most general and simple categories, and for this reason they are contained in the special categories of levels of reality (A.21b). Levels are the true constructive framework of the real world. Whilst the latter has unity, its unity is the unity of neither a principle nor a center. The unity of the real world is instead provided by the order of the levels of reality (A.52a).
Four main levels of reality are distinguished by Hartmann: the inanimate, the biological, the psychological and the spiritual. This last includes all historical realities (history, language, customs, law, art, etc.). The underlying intuition is as follows: whilst the structure and the laws of history and other spiritual processes are different from the structure and laws of, say, inanimate beings, the former are not in any way less real than the latter (A.20a). The same intuition applies to the other levels as well: biological and psychological processes are as real as any other process, and they have their own specific groups of categories.
One of the most intriguing aspects of Hartmann’s theory of levels of reality is the question of what kinds of relation connect the levels to each other. From a categorial point of view, however, the problem of what relations connect levels can be easily solved. Leaving general categories aside, two main categorial
situations can be distinguished: (a) Being A and B are categorially different because the categories upon which the former is founded are partially different from the categories upon which the latter is founded, in the sense that the latter is founded on new categories (which implies that the latter includes at least a
novum, a new category not present in the former); (b) Being A and B are categorially different because the categories upon which the former is founded and those upon which the latter is founded form two entirely different (disjoint) groups of categories. Following Hartmann, the two relations can be termed respectively relations of super-formation (Überformung) and super-position (Überbauung) (A.51f).
Super-formation (the type (a) form of dependence) is weaker than super-position because it is partly grounded on already actualized categories, those of the level below. Suffice it to consider the superformation between molecules and cells, i.e., between the physical and the biological levels of reality. In this
regard, one can mention that even if organisms are unquestionably more complex than mechanisms, the behavior of organisms is in conformity with laws of mechanics (A.51b).On the other hand, the psychological and spiritual levels are different, because they are characterized by an different (disjoint) groups of categories. Following Hartmann, the two relations can be termed respectively
relations of super-formation (Überformung) and super-position (Überbauung) (A.51f).
Super-formation (the type (a) form of dependence) is weaker than super-position because it is partly grounded on already actualized categories, those of the level below. Suffice it to consider the superformation between molecules and cells, i.e., between the physical and the biological levels of reality. In this
regard, one can mention that even if organisms are unquestionably more complex than mechanisms, the behavior of organisms is in conformity with laws of mechanics (A.51b).
On the other hand, the psychological and spiritual levels are different, because they are characterized by an interruption in the categorial series and by the onset of new categorial series (relative respectively to the
psychological and spiritual levels). The relations between the biological level and the psychological level, on the one hand, and the relation between the psychological level and the spiritual one, on the other, are both relations of super-position. By way of example, the group of categories embedded in psychological entities is different from the group of categories embedded in biological entities. Similarly, the group of categories
embedded in spiritual entities is different from the group of categories embedded in psychological entities.
The category of the spirit is divided into personal, objective and objectivated spirit. Personal spirit is the spirit of the individual; objective spirit is the living spirit of communities; and objectivated spirit
characterizes the products of spirit. The categorial moments of personal spirit are consciousness, will, foresight and teleological activity, liberty. None of them pass to objective spirit. There is no consciousness apart from individual consciousness, and the same applies to the other moments.
There are laws that are valid for all the levels: higher levels rest on lower ones; the lower level is the conditioning one; the higher level is independent from the lower one as to its conformation and its laws.
When the connecting relation is a relation of super-formation, some categories of the lower level return in the higher one. Returning categories interact with the categories of the higher level and are, so to speak, contaminated by them; some of their moments become different. Higher levels are never characterized by
returning categories.
Each level has its novum, the category or group of categories that distinguish the level from the lower ones. The novum does not derive either from the elements of the level or from their synthesis (A.53c). Each of the four levels of the world contains other levels, organized according to a variety of patterns. The
sublevels of the main levels may present their own types of gradation and may work one next to the otheror one above the other as the case may be. As soon as we pass from the four levels to their internal divisions, things become more complex. The nexuses of determination working within the intermediate
sub-levels are even less well known than those working for the levels. From a categorial point of view, the differences among them may not be as rigorous and clear as the difference distinguishing the four main
levels of real being (A.20e).
Two aspects characterize super-position relations: firstly, the categories embedded in the entities of the connected levels are entirely different; secondly, a relation of existential dependence links the higher level to the lower one. This latter aspect organizes the order of the levels, so that the spiritual level is founded on the psychological level, which in its turn is founded on the biological one. Conversely, the biological level is the bearer of the psychological level and the latter is the bearer of the spiritual level.
Not all the levels are equally well-known. Indeed, for most of the levels we know only some of their elements, possibly not the most important ones. In fact, we do not know the central categories of the interruption in the categorial series and by the onset of new categorial series (relative respectively to the psychological and spiritual levels). The relations between the biological level and the psychological level, on the one hand, and the relation between the psychological level and the spiritual one, on the other, are both relations of super-position. By way of example, the group of categories embedded in psychological entities is different from the group of categories embedded in biological entities. Similarly, the group of categories embedded in spiritual entities is different from the group of categories embedded in psychological entities.
The category of the spirit is divided into personal, objective and objectivated spirit. Personal spirit is the spirit of the individual; objective spirit is the living spirit of communities; and objectivated spirit characterizes the products of spirit. The categorial moments of personal spirit are consciousness, will,
foresight and teleological activity, liberty. None of them pass to objective spirit. There is no consciousness apart from individual consciousness, and the same applies to the other moments.
There are laws that are valid for all the levels: higher levels rest on lower ones; the lower level is the conditioning one; the higher level is independent from the lower one as to its conformation and its laws. When the connecting relation is a relation of super-formation, some categories of the lower level return in
the higher one. Returning categories interact with the categories of the higher level and are, so to speak, contaminated by them; some of their moments become different. Higher levels are never characterized by returning categories.
Each level has its novum, the category or group of categories that distinguish the level from the lower ones.
The novum does not derive either from the elements of the level or from their synthesis (A.53c). Each of the four levels of the world contains other levels, organized according to a variety of patterns. The sublevels of the main levels may present their own types of gradation and may work one next to the other
or one above the other as the case may be. As soon as we pass from the four levels to their internal divisions, things become more complex. The nexuses of determination working within the intermediate sub-levels are even less well known than those working for the levels. From a categorial point of view, the
differences among them may not be as rigorous and clear as the difference distinguishing the four main
levels of real being (A.20e).
Two aspects characterize super-position relations: firstly, the categories embedded in the entities of the connected levels are entirely different; secondly, a relation of existential dependence links the higher level to the lower one. This latter aspect organizes the order of the levels, so that the spiritual level is founded on the psychological level, which in its turn is founded on the biological one. Conversely, the biological level is the bearer of the psychological level and the latter is the bearer of the spiritual level.
Not all the levels are equally well-known. Indeed, for most of the levels we know only some of their elements, possibly not the most important ones. In fact, we do not know the central categories of the
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