terça-feira, 15 de abril de 2025

ATENAS metecos BBB

METECOS CONTEMPORÂNEOS hospitalidade, política e subjetividade na Grécia antiga e no Mundo globalizado file:///C:/Users/Nivaldo/Downloads/Metecos+contempor%C3%A2neos....pdf A cidade diante dos metecos Os estrangeiros residentes na cidade de Atenas eram chamados de metecos, “aqueles que moram junto”2, formando um grupo social distinto juridicamente tanto dos cidadãos quanto dos escravos. Para se compreender as relações da cidade com os metecos (relações estas inseridas na questão da hospitalidade), é preciso retom ar alguns aspectos históricos da cidade de Atenas no período clássico (séculos VI-IV a. C.). Em primeiro lugar, Atenas era uma democracia. Dos objetos de reflexão no pensamento ocidental, a democracia ateniense tem sido um dos mais constantes e polêmicos: seja festejada como m odelo de liberdade a ser perseguido, ou temida como modelo de desordem a ser evitado; seja enaltecida como primeira experiência de liberdade na H istória da H um anidade, seja rebaixada como mais uma das formas de dominação dos homens sobre os homens, a democracia ateniense é frequentemente tomada como contraponto tanto das experiências políticas contemporâneas, quanto das teorias a respeito da política em si. De que se tratava, afinal, a dem ocracia em Atenas no período clássico? Em seus aspectos institucionais (talvez os m enos polêm icos na historiografia), a democracia de Atenas era formada pela Assembléia, pelo Conselho, pelas Magistraturas e pelos Tribunais; de todas elas, a Assembléia era a que tomava as principais decisões políticas da cidade, e era o espaço por excelência do exercício da soberania popular: estava aberta a todos os cidadãos, ou seja, os homens adultos, livres e atenienses (Mossé, 1979). Ainda que esta definição de quem era cidadão pareça hoje restrita, a extensão da cidadania àqueles que não tinham “berço” (ou seja, aos pobres, o demos) era motivo de escândalo no mundo grego (Ober, 2002). Nesta democracia direta, virtualmente todo cidadão tinha chances de ocupar qualquer cargo público, e o método do sorteio para escolha da maioria dos cargos era um exemplo disto (Finley, 1985). A política era exercida por meio da liberdade de expressão na Assembléia, sendo a palavra pública entendida, segundo alguns historiadores, como o m eio fundante de participação do cidadão na coletividade, e consequente vivência da liberdade (Vernant, 1970; M eier, 1995). A democracia também se definia pela oposição a outros dois regimes políticos: à tirania, na qual a cidade ficaria entregue aos impulsos e desmedidas de um único homem; e à oligarquia, na qual a liberdade era restrita a poucos homens (geralmente escolhidos segunda suas rendas), que poderíam seja oprimir a maioria dos pobres, ou destruir a cidade devido a suas desavenças pessoais (cf. Heródoto, Histórias, III.80-2; PseudoXenofonte, Constituição dos Atenienses, 1.8). Em segundo lugar, Atenas era um império. Com o fim das guerras médicas, na primeira metade do século V a. C, Atenas tornou-se a principal cidade daquela que seria a Liga de Delos; na metade do século, as cerca de duzentas cidades-membro da Liga contribuíam não apenas com barcos, mas também com tributos em dinheiro (Guarinello, 1994), fazendo com que Atenas se fortalecesse cada vez mais, constituindo a maior frota entre as cidades gregas, e ao mesmo tempo criando uma vasta rede comercial que ligava amplas regiões do Mediterrâneo (Horden & Purcell, 2000). Com o crescimento econômico ateniense, houve o aumento significativo das atividades comerciais e artesanais, além da ampliação do uso do trabalho escravo. (Austin&Vidal-Naquet, 1972) Seja por este crescimento econômico, seja pelo prestígio militar e cultural, a cidade de Atenas passou a ser um foco de migração populacional, fazendo com que Atenas fosse a cidade mais habitada do mundo grego, com mais de 300 mil habitantes - a média das cidades gregas era de 10 a 15 mil (Cohen, 2000). É nesta Atenas democrática e imperial que se desenvolvem os metecos como grupo juridicamente definido. O meteco é definido, do ponto de vista da cidade, antes de tudo, negativamente: não é nem cidadão, nem escravo - ainda que livre, não tem o direito de participar das reuniões da Assembléia, não pode se tornar m agistrado, não pode ser escolhido para o Conselho, não pode conduzir um processo jurídico sem um “tutor”, não pode ser proprietário de terra nem de residência própria, além de pagar o metoikion, um imposto especial aos metecos. O meteco poderia ter benefícios, devidos, especialmente, por serviços prestados à cidade, como a igualdade fiscal, o direito de propriedade sobre a residência etc, além de obter, o que raram ente acontecia, a plena cidadania ateniense. Mas mesmo sem estes benefícios, os metecos tinham algum as form as de integração reconhecidas pela cidade: prestavam serviço m ilitar, participavam das procissões, assim como poderíam fazer parte de clubes aristocráticos (Whitehead, 1977; Cohen, 2000). Em suma: meteco é aquele que não pode participar politicamente da cidade, e que, para usufruir dos beneficios económicos de morar na sede de um império, tem de respeitar uma série de restrições e obrigações, ainda que com algumas formas de integração social. Esta definição de “m eteco” , conforme ressaltado, é oriunda do ponto de vista da cidade, observada tanto em textos oficiais (decretos) quanto em textos literários. Parte de uma oposição básica entre público (koinos) e privado (idios), entre a cidade {polis) e a casa {oikos): aos cidadãos cabem a vida pública, o cuidado com a polis (a política), sendo a cidade o espaço no qual os cidadãos se relacionam enq iguais; aos não-cidadãos, cabem a vida privada e a casa, onde impera o cidadão. Assim, o meteco deve se reduzir ao homo oeconomicus, sem mais ambições do que prestígio e/ou riqueza, mas de modo algum a política, dentro da cidade dos cidadãos: em outras palavras, o meteco como objeto da política, não como sujeito (cf. Platão, República, /; Xenofonte, Revenus, 2; Aristóteles, Ética a Eudemo, 1233a28-3(P). É justamente contra a “cidade dos cidadãos” que alguns historiadores têm procurado, recentemente, alternativas para o estudo de Atenas como um todo e especialmente na sua relação com os nãocidadãos, a saber, mulheres, estrangeiros e escravos (Ober, 1996; Hansen, 1998; Cohen, 2000; Andrade, 2000). A visão dos cidadãos sobre os não-cidadãos, e específicamente sobre as mulheres, é vista pela historiadora Marta M. de Andrade como uma ideologia, uma tentativa de ordenam ento social; oposição público/privado é tomada como ideologia, pois “essa experiência só poderia se referir a uma vivência do espaço social do ponto de vista do cidadão e das relações mútuas entre cidadãos” , únicos que “tinham o privilégio de ‘circular’ entre a casa e a cidade” (Andrade, 2000: 103). No entanto, segundo a autora, esta cidade dos cidadãos repousava sobre a cidade habitada, por cidadãos e não-cidadãos, que travavam relações não somente político-institucionais, mas também econômicas, religiosas, e, de acordo com a tese central da autora, cotidianas: a partir da análise, principalmente, de textos de A ristófanes, Platão e A ristóteles, a autora propõe uma categoria de vida cotidiana na Atenas clássica: a “vida comum” ou “vida doméstica” (kat’oikían), vida cotidiana da cidade dos habitantes, abarcando relações de amizade, formas específicas de uso do espaço urbano, hábitos, interações entre cidadãos e não-cidadãos, entre os homens e mulheres, políticas e não-políticas - ou seja, relações sociais que ultrapassam as dimensões do público e do privado; neste contexto, a ideologia do público/privado acaba por deixar um vazio conceituai para as atividades da vida cotidiana (a confusão entre vida cotidiana e vida doméstica é um indício), que, por sua vez, aparecem como resistência a exclusão política - constituise, pois, uma “política do cotidiano”, espaço de participação de mulheres (como ressalta a autora), estrangeiros e escravos (Andrade, 2000:246-258). O fundamental da noção de “política do cotidiano” é que torna possível a emergência dos grupos não-cidadãos como sujeitos políticos. Mas como se daria esta subjetivação política dos metecos atenienses? É possível falar em participação política dos metecos, ou somente na sua existência econômica? Os metecos diante da cidade Um episódio particular da história da democracia ateniense pode contribuir para a discussão da questão da hospitalidade ao estrangeiro e sua relação com a subjetividade dos metecos na democracia ateniense: a restauração democrática de 403 a. C. Segue, em linhas gerais, a narrativa4: A cidade de Atenas, após a derrota na batalha de Aigos-Potamos, em 405 a. C. - batalha que marcaria a vitória definitiva de Esparta na Guerra do Peloponeso - assiste a suspensão de sua democracia sob o governo dos Trinta Tiranos, que, apoiados pelos espartanos e por setores do corpo da cidadania, instituíram um regime autoritário que matou “não menos de mil e quinhentas pessoas”, segundo A ristóteles em Constituição de Atenas (xxxv, 4). Os exilados pelo regime encontraram asilo em Tebas e em Mégara, onde chefes democratas como Trasíbulo, contando com o apoio dos metecos do Pireu, organizavam a guerra para o restabelecimento da democracia. Em 403 a. C., diante do avanço do exército dem ocrata no Pireu, os Trinta são depostos pelos cidadãos, e, com a mediação do rei espartano Pausânias, ocorre a conciliação entre os ocupantes do Pireu e aqueles que haviam apoiado o regime dos Trinta, resultando na “restauração dem ocrática” . Com a dem ocracia restabelecida, alguns metecos que lutaram a favor do exército democrata recebem, por decreto proposto por Trasíbulo e aprovado pela Assembléia, o direito de cidadania plena; no entanto, tal decreto tem curta duração, pois Arquino, democrata moderado, moveu processo de ilegalidade contra o decreto, o que resultou em sua anulação. Depois disso, a democracia não seria ameaçada até o tempo da hegemonia macedónica, passados mais de setenta anos: os metecos continuariam sem direito de voto ou expressão na Assembléia. Logo após a restauração, um meteco que havia participado ativamente escreve um discurso (que segundo a tradição foi pronunciado por ele mesmo em tribunal) contra um dos Trinta, responsável pelo assassinato de seu irmão: o discurso Contra Eratóstenes. Este meteco, Lisias, logògrafo (ou seja, escritor de discursos para outrem) e professor de oratória, era filho do renomado fabricante de armas C èfalo, que segundo este mesmo discurso fora convidado pelo próprio Péricles a se fixar em Atenas. Segundo Lisias, antes da restauração democrática, seu irmão Polemarco foi assassinado pelos Trinta pois estes precisavam de dinheiro, e decidiram prender, executar e confiscar os bens de alguns dos ricos metecos de Atenas (Lisias e Polemarco, particularmente, tinham mais de cem escravos); o próprio Lisias conseguiu escapar pois conhecia a casa onde ficou preso, e atravessando o mar, uniu-se ao exército de Trasíbulo que acabaria por restaurar a democracia. Este relato traz diversas questões, como a relação dos estrangeiros residentes com a política, com os cidadãos, com o espaço urbano, com a democracia etc. Mas, o que aqui parece merecer maior destaque é a emergênci

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