segunda-feira, 26 de dezembro de 2011

Se dependesse da imprensa, Petrobras não teria sido criada

Se dependesse da imprensa, a Petrobras nem teria sido criada


Nos primeiros anos da década de 1950, o então presidente Getúlio Vargas tentava fundar a Petrobras. Porém, a pressão de multinacionais do petróleo e de agências de publicidade contra a estatal ganhava eco nos veículos de comunicação. O próprio governo dos Estados Unidos costurava contra a criação da empresa.

À época, cerca de bilhões em cruzeiros eram distribuídos em publicidade de companhias americanas a jornais e rádios brasileiros. Mas o pano de fundo da criação da Petrobras era muito mais denso: praticamente 100% da imprensa do eixo Rio-São Paulo queriam derrubar Getúlio. E derrubar a qualquer custo.



O 10º volume dos Cadernos da Comunicação traz detalhes desta guerra entre o presidente e a grande imprensa. Confira.

A imprensa na oposição*

Embora deposto pelos militares, que se esqueceram de cassar- lhe os direitos políticos, Vargas foi eleito senador por dois estados e deputado por sete. Até 1950, permaneceu mais no Rio Grande do Sul, no exílio voluntário, onde o visitaram raros amigos.

Retornou à presidência como candidato do PTB, resolvido a retomar o trabalhismo para diferenciar-se do ditador do Estado Novo. Em sua plataforma, entretanto, não ficaram esquecidas a exaltação da lei trabalhista, a defesa da soberania nacional, a participação dos trabalhadores com o poder público e o desenvolvimento econômico sob a direção do Estado (fazendo surgir empresas estatais como a Vale do Rio Doce e a Petrobras). Esse nacionalismo de caráter popular chegou a alarmar os adversários e seus aliados de centro (o Partido Social Democrata - PSD).

Última Hora - No dia 21 de junho de 1951, foi lançado o jornal Última Hora, de Samuel Wainer, que, no final do Estado Novo, criara e dirigira a revista Diretrizes. Seu encontro com Getúlio aconteceu alguns meses antes da campanha presidencial de 1950. O jornalista estava fazendo uma série de reportagens no interior do Rio Grande do Sul, sobre a cultura do trigo, para os Diários Associados. Aproveitando um pouso imprevisto do avião em que viajava em São Borja, procurou Getúlio e o convenceu a dar uma entrevista. As declarações do candidato resultaram em primeira página em todos os jornais de Chateaubriand, com o título: “Getúlio diz que voltará como líder de massas”!

Wainer voltou várias vezes a São Borja e cobriu a campanha eleitoral de Vargas. Com a eleição de Getúlio, decidiu fundar seu próprio jornal: um veículo numa linha popular, mas de qualidade. Era o único a apoiar abertamente o governo. Segundo o jornalista, a iniciativa foi do próprio presidente. Já Alzira Vargas, a filha de Getúlio. disse que Wainer é quem pedira a ajuda de seu pai.

Por coincidência, o prédio que seria a nova sede do Diário Carioca e o parque gráfico — um edifício de quatro andares na Avenida Presidente Vargas — estavam à venda. O Diário, dirigido então por Horácio de Carvalho Júnior e Eduardo de Macedo Soares, havia apoiado a candidatura de Cristiano Machado e encontrava-se em dificuldades financeiras.

“O fornecimento de papel para a Última Hora ficou assegurado depois que João Alberto [chefe do Departamento Econômico do ltamaraty, numa viagem oficial aos Estados Unidos e Canadá em 1951, entrou em acordos, atendendo a um pedido de Wainer. Em conseqüência, a Atlanta Corporation do Canadá ofereceu contratos de cinco anos para fornecimento de papel de jornal ao Brasil, sob a condição de que os pagamentos fossem efetuados ou garantidos pelo Banco do Brasil. (...)

O primeiro número da Última Hora, lançado no Rio a 12 de junho de 1951, destacava o fac-símile de uma carta elogiosa escrita por Vargas. O jornal contava com muito mais páginas do que a Tribuna da Imprensa e sua circulação subiu para mais de 100 mil exemplares (e mais de 150 mil às segundas-feiras, quando não havia jornais matutinos). (...) A Tribuna intensificou seus ataques contra Lutero Vargas (“um badameco”), chamou Wainer de “um brasileiro de última hora” e descreveu a Última Hora como um jornal “que o sr. Getúlio Vargas montou para os comunistas”. (DULLES, John Foster, biógrafo de Carlos Lacerda).

A campanha do jornalista Carlos Lacerda contra a Última Hora ampliou-se além das páginas do seu jornal, a Tribuna da Imprensa. Roberto Marinho franqueou-lhe a Rádio Globo (embora não lhe abrisse espaço no jornal O Globo. Em uma pequena nota, com o título “Imprensa em julgamento”, a revista americana Time noticiou que a Tribuna da Imprensa, de Carlos Lacerda, descobrira que a Última Hora tinha sido financiada quase que integralmente com dinheiro fornecido pelo Banco do Brasil, que ameaçava cobrar a dívida. O sucesso da Última Hora também começava a incomodar um adversário de maior peso, Assis Chateaubriand, que confiou ao repórter mais famoso dos Associados, David Nasser, uma campanha contra Samuel Wainer. Além disso, colocou a TV Tupi – o Canal 6, do Rio, e o Canal 3, de São Paulo, as únicas então em funcionamento no Brasil – à disposição de Lacerda.

Muito antes do atentado da Rua Tonelero, talvez já nos dias da CPI da Última Hora, em 1953, amigos e colaboradores do presidente, como Oswaldo Aranha e Tancredo Neves, esforçavam-se para, pelo menos, atenuar a fúria dos ataques dos Diários Associados, de Assis Chateaubriand, ao governo e à pessoa do presidente.

Sem a televisão de Chateaubriand (e sem a Rádio Globo), Carlos Lacerda não levaria tão longe e tão a fundo sua campanha contra o presidente. Esses esforços, segundo Tancredo Neves, resultaram inúteis.

O chamado escândalo do Banco do Brasil, sobre casos de favorecimento ilícito, desvios de dinheiro e outras negociatas, apuradas numa sindicância interna da instituição, criou grandes embaraços ao governo e forneceu munição para duros ataques ao presidente. Mas foi o caso da Última Hora que realmente desencadeou a crise. Uma denúncia publicada na Tribuna da Imprensa, sobre a origem da verba que financiou a fundação da Última Hora, desencadeou uma verdadeira guerra entre os dois jornais. Em suas Memória s, o brigadeiro Nero Moura, então ministro da Aeronáutica, conta que ouviu de Lourival Fontes, chefe da Casa Civil de Getúlio, o seguinte comentário:

“Quando se iniciou a campanha do Lacerda contra o presidente Vargas, contra a Última Hora, o Lourival Fontes, numa conversa que tivemos, disse: “Veja como são as coisas, Nero. Lacerda pediu 5 milhões emprestados ao Banco do Brasil — era uma quantia considerável — porque está enforcado com o jornal, perdendo muito dinheiro. Falei com o presidente, sugerindo que concordasse com o empréstimo, porque assim manteríamos o homem preso ao governo. Se nos atacasse, o Banco do Brasil executaria a dívida. Com o dinheiro no bolso, Lacerda não poderia atacar o presidente. O presidente concordou com a minha proposta, mas os inimigos e desafetos que o Carlos Lacerda tinha no palácio fizeram uma onda tão grande que, afinal, perdi a parada, fui vencido, Agora, por causa de 5 milhões, estamos sendo atacados e acuados dessa maneira.” (MORA, Neto apud RIBEIRO, José Augusto. A era Vargas)

Guerra de jornais - A campanha da Tribuna da Imprensa contra a Última Hora ganhou a adesão de outros veículos como o jornal O Globo e a Rádio Globo, de Roberto Marinho, os Diários e Emissoras Associados, de Assis Chateaubriand, e o Estado de São Paulo, da família Mesquita. No Congresso, contavam com o apoio dos deputados udenistas.

A tramitação do projeto da Petrobras no Congresso foi penosa para o presidente. A pressão das multinacionais do petróleo, do governo americano e das agências de publicidade contra a solução estatal era grande.

“Em 1953, quando as emendas nacionalistas da Petrobras eram votadas, sob regime de urgência, na Câmara, o total da publicidade paga e distribuída por companhias americanas nos jornais, no rádio e em outros veículos de propaganda oposicionista, foi de 3 bilhões e 506 milhões de cruzeiros. Desse total, um bilhão e 197 milhões foram dados aos jornais e 869 milhões às empresas radiofônicas.” (SODRÉ, Nelson Werneck. História da Imprensa no Brasil.)

A partir de fevereiro de 1954, quando o chamado Manifesto dos Coronéis, contrário ao aumento de 100 por cento do salário mínimo, provocou a demissão dos ministros do Trabalho e da Guerra, João Goulart e Giro do Espírito Santo Cardoso, aumentaram as pressões sobre Getúlio. Na madrugada de 11 de maio, um repórter do jornal A Noite, Nestor Moreira, foi preso por não ter pago a conta numa boate. Na delegacia, foi brutalmente espancado e acabou morrendo. Apesar de não se tratar de um caso político (o jornal era do governo), o caso serviu de bandeira à oposição, que o transformou num problema nacional. Na imprensa, as críticas mais duras vinham de Carlos Lacerda, da Tribuna da Imprensa, que exigia a renúncia do presidente e pedia que as Forças Armadas “restabelecessem a democracia no Brasil”. Mas não apenas dele. O jornal era a linha de frente de urna imprensa quase que totalmente oposicionista, pedindo a queda de Getúlio.

“Sobretudo é preciso alijar Getúlio. Em primeiro lugar é preciso alijar Getúlio. Erradicá-lo, extirpá-lo da vida pública nacional, como se faz, pela cirurgia, com as infecções e com os cancros. Ele pesteia, deteriora tudo cm que toca. Ele é o fim (...). Ele é um viciado do crime político. Só como criminoso sabe agir. Realista, materialista como os animais e como os primários, (...) tudo se acaba em torno dele. Caem as forças morais, decai o espírito público, deturpa-se o patriotismo, transmudam-se os valores (...). E tudo vai poluindo pelo exemplo. A imoralidade já recebe, no seio das famílias, epinícios e elogios, pelo seu exemplo. A honestidade pessoal muda o seu conceito, já não sendo roubo a apropriação dos dinheiros públicos pelo seu exemplo. O seu exemplo é o pior dos exemplos que á teve o Brasil. Contemporizando com os ladrões públicos, deixando-os imunes à sua sombra, ele investe, pelo exemplo, contra a moral brasileira, do homem brasileiro que sempre preferiu passar fome a tocar no dinheiro alheio. O exemplo de Getúlio é contra este tradicional padrão de honestidade.

Getúlio é o fim, como uma grande peste (...). Getúlio é o fim. Mas o Brasil não quer parar, não quer chegar ao fim. É preciso, portanto, erradicar Getúlio.” (Trecho de um artigo de João Duarte Filho, publicado na Tribuna da Imprensa, 5/8/1954)

O atentado da Rua Tonelero - Nos círculos getulistas, começou a tomar força a ideia de que era preciso “dar um jeito em Lacerda”. Na madrugada de 5 de agosto de 1954, Carlos Lacerda sofreu um atentado ao chegar em sua casa, na Rua Tonelero, em Copacabana. Ficou ferido no pé, mas um amigo que se oferecera para acompanhá-lo e lhe dar segurança, o major da Aeronáutica Rubens Vaz, foi mortalmente ferido.

“Esse tiro é uma punhalada em minhas costas”, disse Getúlio, ao saber do ocorrido. A Aeronáutica resolveu investigar o atentado por conta própria, instaurou um inquérito e rapidamente conseguiu prender os culpados. Na madrugada do dia 13 de agosto, Alcino João do Nascimento foi preso, levado para a base aérea do Galeão e confessou ter sido o autor dos disparos. Era o início do período que ficou conhecido como “República do Galeão”.

Em seu primeiro depoimento, Alcino incriminou o filho de Getúlio, Lutero Vargas, de ter participado do planejamento do atentado. Chamado a prestar depoimento, soube então que teria sido acusado ainda pelo chefe da guarda presidencial, o negro Gregório Fortunato, fiel servidor de Vargas por mais de 30 anos. Esta acusação, entretanto, foi contestada e não consta do relatório final do IPM aberto pela Aeronáutica. O próprio Gregório acabou sendo acusado de mentor do crime. O atentado da Tonelero, entretanto, teve várias interpretações e até hoje persistem pontos nebulosos que ainda não tiveram uma resposta definitiva, como o número exato de pistoleiros.

Quase toda a imprensa do Rio e São Paulo pedia a renúncia do presidente. A campanha extravasava das manchetes dos jornais, dos discursos diários de Lacerda no rádio e das tribunas da Câmara e do Senado para as ruas. Houve manifestações antiVargas na Cinelândia e mesmo em frente ao Palácio do Catete. O discurso pronunciado no dia 13, na Câmara, pelo líder da UDN, Afonso Arinos, pedindo a renúncia de Getúlio, foi qualificado pelo Diário de Notícias como “um documento da história republicana do Brasil”. No mesmo jornal, o marechal Dutra, ex-presidente da República, afirmou que a saída do presidente viria tranquilizar a nação, “agitada, naquela hora, por graves e perigosos acontecimentos”.

No fim da tarde do dia 8 de agosto, o presidente recebeu o ministro da Aeronáutica, que lhe deu conta da gravidade da situação política em todo o país. Na semana seguinte, a revista O Cruzeiro publicou uma noticia sobre esse encontro, informando que a Aeronáutica estava praticamente sublevada, os majores já não obedeciam às ordens, os aviões estavam nas pistas, municiados, e o ministro da Guerra censurara o colega da Aeronáutica, dizendo que, no lugar dele, botaria majores e brigadeiros na cadeia.

No dia 16 de agosto, o general Juarez Távora, comandante da Escola Superior de Guerra e vice-presidente do Clube Militar, recebeu urna carta dos advogados Adauto Lucio Cardoso e Heráclito Fontoura Sobral Pinto, que representavam a viúva do major Rubens Vaz. Nela, os advogados diziam não acreditar que os inquéritos em andamento viessem a apurar as responsabilidades pelo crime da Rua Tonelero e que a crise desencadeada só poderia ter solução “através de caminhos e métodos insubstituíveis, e cujo emprego é imposto pelo problema criado, não pela nação, mas pelo próprio governo”.

(*) TEXTO EXTRAÍDO do volume 10 da série Cadernos da Comunicação, lançado pela Prefeitura do Rio em 2004.

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