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sexta-feira, 23 de agosto de 2024
Jacob Burckhardt
Jacob Burckhardt no pensamento de Nietzsche
file:///C:/Users/HOME/OneDrive/Documentos/Jacob%20Burkhardtd%20e%20Nietzsche.pdf
O presente trabalho procura evidenciar a relação existente
entre Nietzsche e o historiador Jacob Burckhardt acerca de suas
considerações no que concerne a “utilidade e desvantagem da história
para a vida”. Em Reflexões sobre a história, Burckhardt disserta sobre
temas como o determinismo histórico, a relação entre história e arte, o
progresso e a grandeza humana. Estes temas foram bastante
apreciados por Nietzsche em sua Segunda Consideração Intempestiva
e recorrente em toda sua obra posterior.
...
Segundo Peter Burke, a concepção burckhardtiana de
história era totalmente divergente da maioria dos seus
contemporâneos. Burckhardt rejeitava tanto o hegelianismo quanto o
positivismo que atribuía à história o caráter de ciência no sentido
moderno. Sobre a filosofia da história hegeliana, ensinava aos seus
alunos que suas aulas sobre o estudo da história estavam dissociadas
de “qualquer filosofia da história”. Sendo para ele, tal filosofia um
contra-senso, uma vez que a história era a-filosófica e a filosofia ahistórica (BURKE, 2009, p. 19-20). Ou seja, em filosofia não há
historicidade, no sentido do pensamento ser sempre permanente, e em
história não há filosofia no sentido de não existir nela uma filosofia da
história aos moldes do hegelianismo.
Quanto à ideia de uma história aos moldes da ciência
moderna, Burckhardt discordava, pois para ele a história deveria ser
vista como uma arte. A história era uma modalidade literária
equivalente à poesia, pois era uma arte produzida para agradar o
espírito. Por isso, procurava no passado aquilo que de mais
interessante este pudesse lhe oferecer. Não gostava de acumular fatos,
pois para ele, os fatos necessários ao homem são aqueles que
traduzem uma ideia de grandeza ou que marcaram de forma
extraordinária uma época (BURKE, 2009, p. 19-20). A história para
Burckhardt, assim como para Nietzsche, deveria ser caracterizada por
uma força magistral que estivesse a serviço da vida e que fosse capaz
de gerar grandes homens.
A análise da Segunda Consideração Intempestiva: da
utilidade e desvantagem da história para a vida e das aulas proferida
por Burckhardt em Basiléia, mais tarde editada com o título Reflexões
sobre a história, permite-nos observar a influência de Burckhardt no
pensamento de Nietzsche, sobretudo, no que concerne a pontos chaves
como: a ideia de grandeza, a inexistência de grandes homens na
modernidade, a influência da arte no processo de criação e as críticas
ao historicismo e ao progresso da história. São os temas proferidos por
Burckhardt em suas aulas que fizeram o jovem Nietzsche ruminá-las e
comentá-las a sua maneira ao falar da utilidade e dos inconvenientes
da história para a vida.
A filosofia da história e o seu progresso
Mesmo sendo de uma época em que a filosofia da história e
o cientificismo histórico estavam em alta, Burckhardt esteve pouco a
vontade com tais acontecimentos. Em sua obra póstuma Reflexões
Sobre a História, editado a partir dos escritos para as suas aulas em
Basiléia, Burckhardt descreve a filosofia da história com as seguintes
palavras:
No concernente às qualidades características da
filosofia histórica vigente até agora, cumpre-nos
observar que ela seguia a História e fornecia-nos
visões longitudinais dos acontecimentos, em outras
palavras: ela seguia um critério cronológico. Desta
maneira tentava elaborar um programa geral da
evolução mundial, na maioria das vezes sob um
ponto de vista extremamente otimista
(BURCKHARDT, 1961, p. 10-11).
Segundo Burckhardt, Hegel afirmara a razão como o único
pensamento acrescentado pela filosofia a comandar o mundo.
Concluía-se deste pensamento que o resultado da história universal
deveria ser o reconhecimento de um processo evolutivo do Espírito
em todo o mundo. Hegel desenvolveu a ideia segundo a qual, a
história universal seria formada a partir de um processo evolutivo do
espírito que chega a consciência plena de sua própria significação.
Dessa forma, seria possível perceber um progresso que tinha como
finalidade, levar a história ao processo de liberdade através dos
tempos; pois no Oriente, a liberdade pertencia a um só, o rei, na
Grécia clássica, a poucos, os cidadãos, e, nos tempos modernos, a
todos, pois todos se tornaram livres. (NÓBREGA, 2007, p. 70).
Entretanto, a ironia de Burckhardt se faz presente ao
afirmar que “não fomos iniciados nos desígnios da sabedoria eterna e,
portanto não os conhecemos. Esta audaz antecipação de um plano
mundial conduz a erros por partir de premissas errôneas”
(BURCKHARDT, 1961, p. 11). Para Burckhardt, a ideia de um
Espírito Absoluto determinando a história universal, não passa de
premissas equivocadas que não são capazes de convencer por si só.
Este era para ele, o perigo de toda e qualquer filosofia da história cuja
estrutura estivesse posta cronologicamente: degenerar-se em uma
visão universal da história desconsiderando suas particularidades,
como se a história fosse sempre homogênea e limitada aos
acontecimentos em torno do Estado.
Assim como Nietzsche, Burckhardt acreditava que a
história estava em constante reativação. Por isso, não existia retas que
a conduzisse para um bem ou para um mal. Consequentemente, não
havia um fim determinando a história, pois ela se auto-regula sem que
haja a presença de leis externas que a determine. Para Lima:
Burckhardt descrê que a história tenha leis ou esteja
investida de um fim, mas, para ele, tampouco se
confunde com uma arena em que se entredevoram
lobos que falam. Em vez de ser isso ou aquilo, a
História é a residência de um animal contraditório,
capaz de atrocidades, de promover e de suportar
dores incríveis e de criação (LIMA, 2003, p. 14.).
Segundo Burckhardt, “ao passo que os filósofos da história
estão presos à especulação em torno às origens e devem, portanto,
falar também do futuro, nós podemos dispensar essa teoria das
origens, desligando-nos também, consequentemente das teorias finais,
da escatologia” (BURCKHARDT, 1961, p. 12). Por conseguinte, seu
interesse parece não ter sido o da especulação relacionada a uma
determinada filosofia da história. Sua motivação maior foi analisar o
ser humano a partir de suas atribuições diárias, “tal como ele é,
sempre foi e será”. Este aspecto do pensamento de Burckhardt foi de
perto acompanhado pelo jovem Nietzsche que fez de sua Segunda
Consideração Intempestiva um verdadeiro campo de batalha contra a
cientificidade da história e o hegelianismo que com sua filosofia da
Judith Butler O genero em disputa resumo bbb
|aqui o resumo capitulo por capitulo
https://www.bookey.app/es/book/el-g%C3%A9nero-en-disputa
https://www.lauragonzalez.com/TC/El_genero_en_disputa_Buttler.pdf bbb
segunda-feira, 19 de agosto de 2024
Cultura greco-latina bbb perseguição pelos cristãos
La persecución de la cultura greco-latina en la Edad Media - Dra. Ana Minecan
https://www.youtube.com/watch?v=m-RJZyraDn0&t=33s
sexta-feira, 16 de agosto de 2024
Aristóteles justiça polis bbb
https://www.academia.edu/4841178/ARISTOTLE_AND_AESCHYLUS_ON_THE_RISE_OF_THE_POLIS_THE_NECESSITY_OF_JUSTICE_IN_HUMAN_LIFE?email_work_card=title
The issue of justice is central to political thought and of fundamental impor-
tance to a complete understanding of politics. Both Aristotle and Aeschylus
argue that politics or human political activity necessitates justice.
2
Aristotle
says that without justice there can be no city and therefore no political life
(Pol. 3.12.1283a19–22). Aeschylus dramatizes this point in his Oresteia. It is
clear, at least in Aristotle, to be fully human, human beings need the political
community to fulfil their natures (Pol. 1.2.1252a25–53a40).
3
he claim made by Aristotle that ‘human beings are political animals’ (Pol.
1.2.1253a2–6 and 3.6.1278b18–19) has, in the past several years, become controversial topic in Aristotle scholarship.
4
In many ways, the ‘political ani-
mal argument’ was put forward to stress the natural sociability of humans,
against the view held by Hobbes and other modern political theorists, who
argue that human sociability is not per se natural. The rejection of human nat-
ural sociability culminates in the rejection of Aristotle’s claim that the polis
(city) or the political community is natural.
5
Also, a good portion of the schol-
arship concerning the political animal question in Aristotle’s political
thought, fails in at least four ways to address the issue of why the political
community must be authoritative over all other human associations. The four
failings are the following. 1) There is a tendency, among certain scholars, in
their attempt to defend the natural sociability of human beings against the
arguement of Hobbes et al., either to undermine or ignore the distinction
between the political community and the household.
6
In doing so, these mod-
ern scholars, who claim to be defending Aristotle’s understanding of political
animals, seem to forget that Aristotle explicitly states that those who fail to
distinguish between the household and the polis — as being different in kind
and not merely different in terms of number or size — ‘do not argue rightly’
(Pol. 1.1.1252a7–15). 2) Another tendency, of another group of scholars, is to
overstress the cultural and productive (or technological) aspect of human
nature, which they believe really defines human beings as political animals.
7
This group believes that physical and linguistic social constructs are what
define how humans are political. Yet this view ultimately denies any sort of naturalness to the political bond and therefore tends to turn Aristotle into Kant or another modern social thinker. 3) Then there are those scholars who claim
controversy over Aristotle’s claim that ‘man is a political animal’. See Thomas Hobbes, Leviathan and Jean Jacques Rousseau, Second Discourse [Discours sur les origins de l’inégalité].political community is not natural. But the focus of this paper is the naturalness of the political community.
hat Aristotle’s political animal teaching is a blunder, which forces an incon-
sistency in Aristotle’s political thought, when otherwise he would really agree
with Hobbes, that the political community is a human construct and is not
really natural.
8
4) Finally, there is another group of scholars who in a way
agrees with the view stated above, but argues that Aristotle does not make a
blunder; instead the blunder about the naturalness of the city is an esoteric
cover, one which points to the tension of the city and the best way of life —
i.e., philosophy.
9
All four of the above groups of scholars seem to address how or how not
human beings are political animals, usually in strictly biological or anthropo-
logical terms. They tend not to address the question in political terms — i.e.,
that politics is the ruling or most central concern for human beings. Thus,
against the aforementioned ways of looking at the political animal question, I
will examine a question that was ignored by the above scholars — namely,
why the city or the political community must be authoritative. Addressing this
question is of utmost importance if one desires to understand why human
beings are political animals. It is the logic of man’s political nature which
requires that the polis or the political community be authoritative — i.e., to
have the authority or the power to sanction, legitimize or empower — in mat-
ters of human affairs. To do this, we must explore the origins of the polis and
Aristotle’s claim that the polis is prior to both the individual and the house-
hold (Pol. 1.2.1253a19). Although Aristotle gives us the conceptual frame-
work to address this question, Aeschylus gives us a poetic example, which not
only dramatizes but also clarifies and presents explicit reasons why the politi-
cal community must be authoritative, that are implicit in Aristotle’s account.
Aeschylus’ trilogy suggests that the city became authoritative when the
forces of the household were made to submit to the laws of the city. Or as Fer-
guson says, ‘the play cycle is about the blood feud coming under the rule of
law, and the people caught up in the process’.
10
This article will attempt to
show how Aeschylus’ trilogy helps us come to a fuller understanding of Aris-
totle’s teaching about the authoritativeness of the polis. Although the authori-
tativeness of the polis over the household is stated by Aristotle in the Politics,
nowhere in that text is it shown how or why the polis became authoritative. On
the other hand, Aeschylus’ Oresteia, especially the Eumenides, dramatizes
both how and why the polis is authoritative. It shows how the old gods, repre-
sented by the Furies, which symbolize the power of the household, are put
under the control and rule of the polis. Thus the tension, between the new —
Olympian — deities and the older deities, is an intentional reflection of the tension between the household and the political community. As Christian
Meier contends, the discovery of the political occurs when political life
through community — derived decisions override family/kinship — derived
decision processes. This is the teaching of the Oresteia.
At the end of the Oresteia, the realm of the household, oikos, is now to be
under the authority of the polis or more correctly the political community.
11
In
one sense the Oresteia represents not the rise of the polis per se, since the polis
may be said to have existed before the end of the trilogy, but the rise of the
authoritativeness of the polis or, as Meier says, the discovery of the political in
Greek political thought.
12
Meier says that the Oresteia ‘gave expression to the
political at the very moment when it first burst upon Athens, and did so, more-
over, in a manner that was wholly adequate to the theme and is still relevant
today’.
13
Although the Oresteia concerns itself with showing how the politi-
cal became authoritative, let us not forget the particular regime that triumphs
at the end of the trilogy — Athenian democracy — and Aeschylus’ role in giv-
ing it a defence. Also, W.B. Stanford argues that Aeschylus’ portrayal of
Athena’s founding of the Areopagus presents him as a ‘conservative demo-
crat, conserves his origins by competing with them, evincing their potential
for the future’.
14
I
The plot of the Oresteia should be familiar to most readers. The Oresteia is in
fact a trilogy — Agamemnon, The Libation Bearers, and The Eumenides. It
begins with Agamemnon, the leader of the Greeks in their war against the Tro-
jans, returning home from the war. He returns home the victor of a great, yet
costly war. He brings back many great prizes. One of them is the Trojan prin-
cess Cassandra. While expecting great acclaim and acknowledgment upon his
triumphal return, he finds his wife Clytemnestra has taken up with Aegisthus,
a political enemy. The reason for her action is that she desires revenge on Aga-
memnon for the sacrifice of their daughter Iphigeneia.
Clytemnestra plots Agamemnon’s death with her lover to revenge
Iphigeneia’s sacrifice by Agamemnon, whom he sacrificed to win the war
against Troy. Although Aegisthus does not actually take part in the killing —
Clytemnestra alone murders Agamemnon — he goes along with the plot so he
may take over the city. Agamemnon ends with Clytemnestra and her lover Aegisthus in charge of the city and the citizens waiting for Orestes to remove
the newly imposed tyranny.
15
Although the citizens of Argos challenge what
both Aegisthus and Clytemnestra did, they are powerless to right it. Although
the citizens can easily rise up and kill both murders,
16
they lack the authority
or sanction to take action against either Aegisthus or Clytemnestra. The citi-
zens must wait for Orestes, who because he is Agamemnon’s son, has sanc-
tion to take vengeance. The city of Argos is thus reduced to the household of
Agamemnon, where only the head of the household has authority to pursue
policy.
Orestes, who is in exile, returns home to mourn over his father’s grave.
There he meets his sister, Electra. Although he desires to revenge his father,
he has some doubts. Electra demands that her father’s murderers be punished.
This is the story of The Libation Bearers.
To aid him in his decision, Orestes informs her that he sought counsel from
Apollo’s oracle. He says the oracle told him to ‘kill them to match their kill-
ings’ or the Furies of his father’s blood would drive him mad. Now resolved to
do as Apollo’s oracle commands, he disguises himself as a stranger to enter
his mother’s house. He then kills both his mother and Aegisthus. Apollo then
requires Orestes to cleanse himself. Although he does what Apollo requires,
his mother’s Furies nevertheless pursue him, attempting to drive him mad.
This is how they seek vengeance for the murder of his mother.
The Eumenides begins with Orestes fleeing from the Furies. He again
appeals for Apollo’s protection. The god arrives but he cannot stop the Furies’
wrath. In an attempt to stop the Furies and aid Orestes, Apollo arranges with
the Furies for a trial of Orestes with Athena presiding. In Athens, however,
ARISTOTLE & AESCHYLUS ON THE RISE OF THE POLIS 51
15
Peter Euben rightly argues that Clytemnestra’s actions take her beyond the proper
scope of human action, thus endangering the possibility of human association (The Road
Not Taken: The Tragedy of Political Theory (Princeton, 1990), pp. 72–5). However
Euben’s feminist sensitivity understates the differences between the injustices of Aga-
memnon and Clytemnestra. In one sense, although Agamemnon’s actions are harmful to
his own family, they could be justified in the context of faithfulness to one’s own oath.
Remember, he is obligated by an oath to punish the Trojans for their injustice to his
brother. On the other hand, Clytemnestra’s acts are far worse than her husband’s since
they destroy the basis of marriage, which is the most fundamental basis of human associ-
ation that does not rely upon force.
16
Nicholas Rudall says that the powerlessness or inaction of the free male citizens in
Agamemnon should be contrasted to the slave women, who are prepared to take action, in
the beginning of LB (Green and O’Flaherty, The Oresteia of Aeschylus, p. 21). Although
the slave women are equally without authority to act, their thirst for vengeance — echo-
ing the same thirst in the Furies against Orestes — has a plausible justification against tyr-
anny. Clearly the rule of Aegisthus and Clytemnestra is tyrannical and since tyranny is an
abrogation of the standards of all established authority and social norms, thus the slave
women’s lack of authority to act can be practically ignored given the general lawlessness
of the newly established political regime. Yet the slave women do not act. Rather,
Orestes, who in the old system — as heir and head of the household — alone has authority
to act, carries out what they themselves desire to do, revenge Agamemnon’s murde Athena says she cannot decide the case of murder alone, because the law
requires a jury trial. In doing this, Athena establishes the Areopagus as the
political institution in Athens which is concerned with justice and the rule of
law.
17
A jury trial is agreed to. Apollo presents his defence of Orestes and his
actions. As Meier says, in this play, ‘right is pitted against right: a worse
dilemma cannot be imagined’.
18
Following Apollo’s defence, the Furies present their case against Orestes.
Meier argues that the Furies ‘alone have assumed the task of avenging
Clytemnestra, since no mortal avenger is left’.
19
Thus they see their role as
defender of blood ties and are forced to take action against Orestes, since no
one else shall. Athena, before the jury hands in its verdict, says her vote will
be for Orestes, because she is wholly for the father, and if there is a tie Orestes
is to go free. With Athena’s vote, the vote of the whole jury results in a tie —
thus the verdict favours Orestes. Ferguson suggests that there is a relationship
between the number of speeches made by both parties and the vote of the jury.
He says ‘the Furies have spoken six times, Apollo five; there are six votes for
condemnation, five for acquittal’.
20
The Furies are not satisfied with the out-
come of the verdict. Although they will end their pursuit of Orestes, they now
desire to seek vengeance on Athens. Athena is aware of this and being Athens’
protector she tries to persuade the Furies not to engage in that course of action.
Instead, she attempts to persuade them to be the special guardians of the city.
She is successful in her argument and the Furies are reconciled to the city. The
play ends with Orestes restored as ruler of Argos, promising that Argos will
never be an enemy of Athens, and the Furies, now to be known as the
Eumenides, becoming the defender of the city.
In the Eumenides, there is a clear tension between the old gods, the Furies,
and the new gods, Apollo and Athena, fathered by Zeus. This tension echoes
the tension that is found in the play between the household (and the pre-politi-
cal) and the city (and the political). The old gods are aligned with the house-
hold and the new gods are aligned with the city. This is important: At the time
of the trial, the Furies are still unreconciled toward the city. The household
bonds, expressed as kin loyalty, force one to a cycle of revenge, in order to
right wrongs done to the family. There is no end to vengeance and no peace.
The desire for peace, which is needed for the fulfilment of human happiness
(eudaimonia), entails that one rise above one’s own — kin ties — to some
other claim that is more authoritative. This other claim is that of the polis. In attempting to understand the tension between the household and the polis,
we can turn to Aristotle on the political and the polis.
21
He says that human
beings are political animals (Pol. 1.2.1252b30–53a5 and 3.6.1278b18–19).
Yet Aristotle also says that the family, expressed in terms of the household, is
natural (Pol. 1.2.1252b10–14 and 1.2.1253a15–18). In the Nicomachean Eth-
ics, Aristotle is more explicit concerning the naturalness of the family. He
says that,
The friendship of man and woman also seems to be natural. For human
beings naturally tend to form couples more than to form cities, to the extent
that the household is prior to the city, and child bearing is shared more
widely among the animals (NE 8.12.1262a17–19 [my emphasis]).
The two ties are essential to our nature as human beings, yet in order to be
fully human we need justice. In the last analysis, for Aristotle, justice (what
reason informs us that nature or human nature suggests is the right and fitting
course of action) — or at least one’s perception of justice — is what truly
defines a city. He explicitly says that without justice there is no city (Pol.
3.12.1283a19–22). This only reinforces his argument concerning the political
nature of human beings. But would not the passage from Aristotle, which
seems to say man is a bonding animal, imply that the household is prior to the
polis and being prior to the polis, is also more authoritative than it? This
appears to be, in that being prior seems to imply being historically prior and
thus having a more ancient origin than the polis. Being older tends to give
more authority and if the family is prior, and thus older, it would appear to
have more authority than the polis. But note that Aristotle says that the bond-
ing between man and woman is more natural than the formation of cities
because couples are more easily formed than are cities. Thus the forming of
couples over cities is accidental and due to the relative simplicity of forming a
couple, compared to the greater difficulty of creating a city. Yet the passage
infers something more significant than the statement that couples arise more
easily than cities. The passage seems to suggest that the association between
the paired man and woman is akin to or similar to the political community.
This would further suggest that the household is more dependent on the polis
than one would originally think. But Aristotle does not develop either claim to
any final extent. Rather, he merely argues that the polis is not only prior to the household (and the individual) in terms of existence (Pol. 1.2.1253a19), but it
is also authoritative, which means the household is subordinated to it.
On this point, the setting of the Oresteia is extremely informative, in that
the two natural human ties — of family and of city — are not yet unified.
Rather, it could be said that there is truly no polis — or at least it has not yet
become authoritative over the claims of the oikos, the household. To repeat:
the setting of the Oresteia is one in which the polis or the political community
is not yet authoritative. Rather the household, oikos, is still the source where
legitimate moral and social authority emanates. But as shown by the action of
both Clytemnestra and Orestes, who only act out the blood heritage of their
family, the household only has recourse to revenge and vengeance, which is
shown to be unending.
The example of the Furies, the defender of the oikos, compels us to examine
how non or a-political forces are limited in their attempt to rectify wrongs
done. It is clear in the trilogy that, for the household, revenge is the only ave-
nue available to rectify injustices. Yet, vengeance is unending, in that those
who are acted against will desire to right what they now perceive to be an
unjust injury. In one sense vengeance only ensures further vengeance. Also,
vengeance allows no purgation of crimes committed or evil deeds done to
enact it. It allows no peace nor happiness. It is the cycle of unending retribu-
tion. The cycle of violence is also reflected in the nature of the gods. Ferguson
observes that, ‘Ouranos ruled the gods by violence and was overthrown by
violence. Cronos ruled by violence and was overthrown by violence. Zeus
now rules’.
22
This seems to indicate that up until the end of the Oresteia, there
seems to be no end to the cycle of violence. But Ferguson notes that Zeus’ rule
is unlike the rule of the other divine ruler, in that he does not merely rule by
force but through wisdom as well.
23
Zeus’ rule is a break in the cycle of vio-
lence and thus is an attempt to establish the permanence of his rule over the
gods. Zeus’ actions — or directions — reflect the necessity to end the cycle of
violence within the human community, in that Apollo claims he is acting on
Zeus’ orders. To end it will allow the establishment of a form of human rule
that will lead to human happiness (eudaimonia) or, as Martha Nussbaum
would say, lead to the flourishing of human beings.
24
The ending and purging of this cycle of violence is something required if
human beings are going to be able to live together in a fine and noble fashion.
In one sense, the Oresteia is all about the need to establish some source of
authority that will judge on matters of perceived injuries and evils. The
54 C.A. BATES
22
Ferguson, A Companion to Greek Tragedy, p. 78.
23
Ibid., p. 79.
24
Martha C. Nussbaum, The Fragility of Goodness: Luck and Ethics in Greek Trag-
edy and Philosophy (Cambridge, 1986); ‘Nature, Function and Capability’, Oxford
Studies in Ancient Philosophy, 6 [suppl.] (1988) pp. 145–84; ‘Human Functioning and
Social Justice: In Defense of Aristotelian Essentialism’, Political Theory, 20 (1992),
pp. 202–authoritativeness of the political community allows the submission of griev-
ances to a non-participant judge who binds all parties to the decided outcome.
This is what law attempts to do. Law is, thus, the particular embodiment of
justice in the given political framework of a given political system. The estab-
lishment of authority of law in the city is an attempt to redress wrongs and pre-
vent further injustices. However, the Furies also claim to redress wrongs and
the Furies’ wrath caused both fear and terror in the minds of human beings
that restrained them in their acts against their own. This is not enough,
because human beings must associate with more than merely their kin in order
to live finely. However, the Furies seem not to care about injustices done to
strangers or people one is intimate, rather they merely defend the ties of blood
kin. Also, the Furies are unending and single minded in their pursuit of viola-
tors of kin ties. Thus they bring about the cycle of violence that the city desires
to escape from.
III
The wrath of the Furies, by perpetuating the cycle of unending and relentless
violence, does not allow the possibility of human community. Although it
does allow for the perpetuation of the family, via the preservation of the ties of
blood, it ignores the ties of oaths or of words spoken. Recall that the Furies are
deaf to the violation of Clytemnestra’s marriage vows (Eum. 209–225). In fact
they reject their duty to revenge Agamemnon’s murder because Clytemnestra
was not blood kin to her husband. From the point of view of the Furies there is
only one really important association, that of blood ties.
Aristotle argues that there are two natural human associations: 1) family,
and 2) political community.
25
The first is expressed in the household, oikos,
and the second is expressed in the city, polis. The Furies only protect the ties
of blood and this is essentially the realm of the oikos, the household. In regard
to the city, the Furies are originally its enemies. This is made explicit, when
the Furies awaiting the jury’s verdict, say to Apollo,
I wait to hear the settlement.
I have two minds still about my hate for the city (Eum. 731–32)
This implies up to this point, the Furies clearly perceived themselves to be an
enemy of the city, but now they appear to be undecided how to direct their
hatred. Their hostility towards the city goes along with their ignoring the
importance of speech or words. Not only do they ignore the marriage vow of
Clytemnestra as unimportant, they will not let words have power over them.
This is shown when the Furies refuse to let Apollo stop their prosecution of
Orestes by the power of his words (Eum. 228). The Furies in the beginning will not let mere words stop them in their demand for vengeance and Apollo
and the other gods appear either not to desire to use force or cannot use force
to stop the Furies. However, when Athena does end the Furies’ hostility to
both Orestes and the city, she does so not with force but through speech. She
accomplishes this feat because the Furies are worn down by the power of
Athena’s words. Note that she tries to subdue them by persuasion at least three
times before the Furies surrender to her argument. Why is Athena’s speech
more powerful than Apollo’s? Clearly it rests within the greater persuasive-
ness of her speech over Apollo’s. This is so because, unlike Apollo’s,
Athena’s speech does not exclude, reject or spurns the Furies. Instead, her
speech offers them a new and more important a role to play in the new dispen-
sation. She offers them beauty and role in defending the political community,
whereas Apollo merely desire their downfall.
The Furies ignore the claim of the marriage bed, and hence of the oath that
makes possible the marriage bed. But is not the relationship between husband
and wife, properly speaking, the realm of the household? The Furies say No!
In this sense their view of the oikos agrees with Kevin Cosner’s Wyatt Earp
that wives (or husbands) come and go and live and die. The Furies would
wholeheartedly agree with Earp’s father who says ‘that blood kin is all that
matters, all the others are strangers’. Clearly the Furies hold to this same phi-
losophy — blood kin over all, there is no other significant obligation.
The view presented by the Furies, that blood ties are the only ties that mat-
ter, very emphatically states that the most significant bond for the household
is the bond of parent and child. In one sense this view is not incorrect, in that
the bond between parent and child is the preservation, hence survival, of the
household. Without the next generation the household dies. Because of this
fact, the next generation owes a debt to the previous one for both giving them
life and giving them a particular heritage. It is this debt that the next genera-
tion has to the previous one and it is the source of the Furies’ authority, in that
it is wrong for a debt to be dishonoured. The breaking of this bond is seen as a
sacrilege that demands retribution. This is why Orestes is hounded. His act of
killing his mother is seen as ignoring the debt of one generation to its prede-
cessor. Also, this is why Clytemnestra is not haunted by them. She is no blood
relation to her husband and hence owes no debt to him.
Aristotle suggests that the relationship between husband and wife, properly
speaking, belongs not to the household but to the polis, in that the relationship
between man and wife is not one based upon either master-slave or the rule of
the foresighted over one lacking in foresight. Rather, the relationship between
man and wife is akin to the relationship of citizens in the political community.
Therefore the limited protection of the oikos by the Furies opens the door to
the fuller protection by the polis. Thus Aristotle allies the marriage relation to
the political relation, rather than either economic-household rule or despotic
rul Please recall that at Politics 1.2.1252a25–b1, the two reasons for social
association are: 1. reproductive bonding and 2. the rule of the foresighted over
those who lack it. Clearly the household involves both these associations —
the pairing of man and woman and also both the rule of parents over children
and masters over slaves. Yet in one sense it overlooks something about the
first association. The process of sexual reproduction involves two stages:
1. the union of male and female, and 2. the birth of offspring from that union.
Although birth of offspring necessitated the union, the union does not neces-
sarily produce the offspring. In other words, you can have the pairing (or
bonding) of man and woman without necessarily bearing young. Therefore
the pairing has a character to it that is more than merely the desire to reproduce
another like one’s self.
The claim of the Furies, and hence the household in the Oresteia, is the
claim of blood ties and thus they concern themselves with the second aspect of
the bonding of man and women — the production of offspring. Here is the tie
of blood from one generation to another. Here is how the household is perpet-
uated. But the Oresteia seems to indicate that the guardians of the household,
the Furies, have no concern for that which necessarily is prior and necessary
for the generation of offspring — the paring of husband and wife.
The Furies are not concerned with the killing of a husband (or even a wife),
but merely of a mother (or a father or a son, daughter, brother or sister).
26
This
supports Aristotle’s claim that the relationship between husband and wife is
not similar to the household/economic rule or despotic rule, but to political
rule. This is why the polis must be both prior to the household in nature and
more authoritative than the household. The relationship between husband and
wife is the political bond — oaths are sworn to be loyal — like the oaths citi-
zens make. One has some choice in marriage, one has no such choice in blood
ties. Thus marriage is like politics in that one deals with choice or different
possible courses of action, hence praxis The Oresteia is set against two different cities, with two different regimes
(politeiai): Argos and Athens. It is through these two cities and their differ-
ences that the question of how justice arises from the political first becomes
clear. Argos is an elected kingship, whereas Athens is some form of limited
democracy. First let us examine Argos and its regime and then Athens.
Argos’ regime, elected kingship, is one of the five forms of kingship men-
tioned at Politics 3.14. The succession of the title of king is to be passed on
from father to son. This is the law of Argos. Clytemnestra and Aegisthus’
murder of Agamemnon, along with the forced exile of Orestes, enact a revolu-
tion of regimes in Argos, from kingship to tyranny. Thus an act of vengeance becomes a revolution in regimes. Clytemnestra and Aegisthus’ reign in Argos
is clearly tyrannical. It is tyrannical in that it both violates the law, nomos, of
succession of the title of king from father to son and is rule over unwilling sub-
jects. The latter point is clear in what is said by the citizens in the ending of
Agamemnon. After hearing the death moans of Agamemnon, the chorus of cit-
izens say,
It is the king crying out; I think all is over.
But let us plan safety for ourselves — if we can.
My vote is to cry, Help! to the citizens
to come to the palace.
Yes, and at once, I think,
to catch them red-handed with dripping sword.
I think you’re right; at least we should do something.
It certainly isn’t the moment for hesitation.
But we can see. This is a kind of first act;
it looks like the beginning of a tyranny.
Yes, it does — because we’re wasting time.
Their hands don’t sleep, and they trample underfoot
the good reputation of delay (Agm. 1343–1357).
Yet this passage points out another and more important problem with the
regime of Argos. With kingship, the regime of Argos, it is too easy to confuse
the household of the king with the city. Thus the distinction of the household
and the city is blurred under such a regime.
Clearly the problem of the blurring of the city and the household is seen in
the reaction of the citizens of Argos to the tyranny imposed by the two mur-
derers. The citizens say,
Are we then, in order to stretch our own lives,
to yield to a government that shames our royal house?
No, that is awful. Death is better than that.
Death is better than subjection to a tyranny (Agm. 1362–5).
Note that tyranny is said to be imposed on the household, not the city (see
Aristotle’s Pol. 2, 3, and 5). But clearly Aegisthus and Clytemnestra’s reign is
not merely over the house of Agamemnon but over the city of Argos.
The citizens are not alone in their confusion over the difference of the
household and the polis. Aegisthus and Clytemnestra also blur the city and
household. Clytemnestra says at the end of Agamemnon,
Do not pay heed to their vain yappings. I
and you together will make all things well,
for we are masters of this house (Agm. 1672–3).
And the inaction of the citizens of Argos and their awaiting for Orestes to set
things right shows that in Argos there is no distinction between household and
city. On this point Peter Euben says that Clytemnestra, in murdering her husband, ‘moves out of the household to assume her husband’s place’.
27
Euben goes on to argue that like her husband, Clytemnestra assaults both the
household and the city. But unlike her husband, she destroys ‘the balance of
nature’ between the two.
28
In one sense Euben over-personalizes the action of
the play, in that the wrongs Agamemnon commits are inherent in the political
nature of his regime — kingship, in which the distinction between the city and
his own house is unclear. However, Clytemnestra’s actions are a wilful
destruction of the difference of the household and the city. The weak balance
between the city and the household that kingship creates is wholly destroyed
by her alliance with Aegisthus. She needs him to keep Argos, not her house-
hold, controlled. Also, her act of murder of her husband is not only a strike at
the household but also the basis of all non-violent human association. Her
murder not only destroys the existing social order and replaces it with her
arbitrary and wilful rule, but undercuts all human associations and therefore
the possibility of human flourishing — happiness. Thus, Euben overstates the
balance between household and city, because he ignores Argos’ regime and
the role it plays in structuring the action of the characters.
The inability to easily distinguish between the city and the household found
in the regime of kingship renders the citizens of Argos powerless or without
authority to act against Aegisthus and Clytemnestra. Tyranny is a political
concept. It cannot be applied to the rule of the household in a fitting manner.
The only similarity in the household to tyranny is the despotic rule of masters
over slaves — thus the members of the household are all treated as slaves. But
despotism and tyranny are not the same. Tyranny is the negation of the laws of
the city (or ruling without law or any rules restraining the ruler or ruling
body), in favour of the personal rule of the tyrant. Whereas despotism is the
rule over slaves or treating persons as though they are merely slaves. Thus
Aeschylus’ use of tyranny is said to be inappropriate in that it is anachronis-
tic.
29
But I believe that Aeschylus did this intentionally, to force the viewer or
the reader to ponder the political consequences of blurring the household and
the city.
30
Clearly the citizens of Argos are correct in saying that the new regime is a tyranny, but to say this is to imply a political reality that is not present in the context of Argos. Thus there is no city — or more correctly — no
political community of Argos, there is only the household of Agamemnon Therefore there are no citizens, only subjects.
31
Again this is why the chorus
awaits Orestes — the son who is in authority after the father. He must lead in
the household. If Argos were truly a city, the citizens themselves could have
set affairs right and avoided the fate of Orestes. But Argos is not a city and the
member of the chorus are not citizens, rather they are subjects of the house-
hold and are totally without authority in this matter. This is why after Orestes
takes vengeance on the murderers, the dramatic action must leave Argos and
go to Athens.
V
This leads us to Athens and why the last part of the trilogy is set there. Athens
is either a form of democratic rule guided by law or some form of rule by a
political multitude (see Pol. 4.4.1291b29–92a38 and 4.6.1292b22–93a10).
The exact nature of Athens’ regime is not clear, but it does incline to some
form of popular rule. Where Argos had a king, Athens in the play has no king
presently. Athens on the other hand does have Athena — a goddess. Yet
although she is there, she is not sovereign, rather the city and its regime
restrain her. This is shown when Athena says that she cannot decide Orestes’
case by herself.
Although Athena may have the authority by divine sanction, she defers to
the city. Why does she defer her authority to the city? Because, as she argues,
the outcome of the case is too great a matter for her to judge, since the poison
of the Furies if thought wronged could bring ill to Athens. But another reason
is more likely: If Apollo could not stop the Furies from haunting Orestes,
could Athena really have more power? One doubts it. So instead of deciding
the case herself, which the Furies agreed to originally, the case will be decided
by a jury of the citizens of Athens. Now in originally agreeing to having
Athena hear the case, the Furies submitted their case to be judged by a deity
who was a third party, not directly involved in the case. However, by deferring
the authority of the case to the city, Athena defers divine sanction to political
sanction. Or she establishes the legitimacy of decisions by the political body
concerning such matters, whereas before these matters where dealt with
within the moral realm of the household, oikos.
As said before, the jury sides with Orestes — only barely because of
Athena’s vote.
32
Athena’s vote siding with Orestes may forgive the murder of
60 C.A. BATES
31
See Pol. 3.3–4 about the distinction between being a citizen and being a mere sub-
ject. Also see Pol. 1.3–13 concerning the character of the household and the relations of
the various members — i.e., husband/wives, parents/children, and master/slaves —
within it.
32
The closeness of the vote is interesting in that the ugliness and horrible nature of the
Furies versus the beauty, rationality, and nobility of Apollo is almost overlooked by the
male citizens of Athens. Far from being the male sexists which most feminist interpreta-
tions assert they are, the juror’s outcome is too close to justify such a view. Rather, the cit-
izens take seriously the argument of the Furies and are not convinced by Apollo’s argua mother by a son, but it also says that the murder of a husband by a wife (or
vice versa) is worse and more dangerous to the life of a political community in
that marriage is clearly a political creation. Stanford points out that Athena’s
siding with Orestes can be seen as lending support to ‘the ties of marriage, a
civic institution, rather than the ties of blood’.
33
The Furies are not happy and wish to punish Athens for acquitting Orestes.
However this does not occur. Because Athena is determined to have them
become part of the new social order — the city. Athena’s point in bringing the
Furies into the political is, as Stanford argues: ‘Think what men might gain . . .
if Athens lets the Furies choose for good instead of for evil. Why together they
might turn the tragic choice into a victory, nothing less than the birth of law
itself, the Furies’ evolution from their origins to the ministers of justice.’
34
In
fact, although Orestes is acquitted, he is not welcomed in the city or at least he
is not persuaded to become a citizen of Athens. On the other hand, the Furies
are welcomed to become a part of Athens.
35
Thus the Furies are persuaded by
Athena to be reconciled to the city and thus to play a very important role in the
new order as the city’s special protector.
The embracing of the Furies by Athens at the end of the Eumenides symbol-
izes the new role that the household and its primary defender will play in the
polis. Thus, Euben is insightful on the importance of the Furies. He says that
they are ‘as much sustainers of civilization, pious dread of authority, and pun-
ishers of pride and violent outrages by men against their own, as they are
uncivilized, outrageous violators’.
36
Athena’s actions indicate a fundamental
awareness that the polis or the political community as such needs the power of
the Furies so that the city is able to defend itself. Thus like the alliance Orestes
gives to Athens at the end of the trilogy, the alliance of the Furies to the city is
intended to strengthen the city as the source of human fulfilment.
Clearly the goods that the household brings are essential to any notion of
human happiness or flourishing (see Pol. 2.2.1261a10–b15). However, the
problem of the household was its inability to get beyond both the loyalty
merely to one’s own and the endless violence that occurred, because of its inability to adjudicate acts of injustice without recourse to personal acts of vengeance. The city provides an attachment that, while it does not implicitly
reject the love of one’s own, places restraint on it so the public and common good of all who live in that association will be preserved. In doing this, peace
is maintained and peace provides the possibility for the attainment of human happiness.
quinta-feira, 15 de agosto de 2024
Aristóteles e Marx bbb
https://philarchive.org/archive/LIMEPE
Aristóteles e Marx bbb
RESUMO
Considerando as peculiaridades da formação sócio-econômica antiga,
verifica-se uma germinal e coerente economia política em Aristóteles
que, devido o esforço analítico e a coerência contextual, tornou-se
importante marco teórico para as escolas econômicas modernas,
especialmente para Marx o qual, sem pretender reviver Aristóteles para
adotá-lo sob condições modernas, apreende os preceitos aristotélicos
assumindo-os como ponto de partida fundamental de sua teoria
econômico-filosófica. Apesar de na Grécia antiga a economia não estar
separada da política, Aristóteles trata-a de modo objetivo e coerente,
conforme a importância e os limites epistêmicos da economia naquele
contexto. Na Ética a Nicômacos a análise econômica encontra-se
associada ao tema da justiça devido a necessária distribuição equitativa
dos bens, e para que coisas diferentes sejam trocadas é preciso algo que
possa igualá-las a fim de se manter a comunidade. Aristóteles contempla
como possibilidades o trabalho, o dinheiro e a necessidade para ser o
padrão de comensurabilidade, não obstante, aceita a necessidade mas
apenas de um modo “suficientemente admissível”, resposta ambígua que
desperta polêmica quanto às possíveis implicações metafísicas. Na
Política, preocupado com a influência sobre a ética e política,
Aristóteles busca delimitar o escopo da economia apresentando suas
diferenças com a crematística natural (voltada à aquisição) e a
crematística não-natural (voltada ao ganho), de acordo com suas
diferentes finalidades. Apóia-se também na distinção entre uso próprio
(valor de uso) e uso não-próprio (valor de troca) de cada coisa, e entre
práxis (ação) e poiésis (produção) - baseada na noção de limite e
imanência do fim na ação – para estabelecer os limites entre política,
economia e crematística. O desenvolvimento da troca comercial, com a
prática do monopólio e da usura, promove alterações no comportamento
dos indivíduos, mas a causa principal da confusão quanto à finalidade da
economia é moral: a ganância. Depois de considerar os fatores
econômicos Aristóteles elabora uma constituição com leis e educação
fundamentadas na virtude e, ao mesmo tempo, capaz de conceder, com
restrições, cidadania àqueles envolvidos diretamente no comércio. As
aproximações entre Marx e Aristóteles são verificadas em diferentes
âmbitos e muitos filósofos encontram semelhanças entre os dois
filósofos a partir da ética, antropologia e política, destacando inclusive a
apropriação marxiana dos conceitos aristotélicos de ato e potência.
Realmente Marx apresenta o trabalho sob duas perspectivas que juntam
o que em Aristóteles estavam separados: o trabalho como atividade que dá conta das necessidades básicas do homem, semelhante à poiésis; e o
trabalho que realiza as potencialidades para a emancipação da classe
produtora assalariada, característica da práxis, considerando sempre que
o trabalho é categoria central na economia política de Marx.
Independentemente das semelhanças ou diferenças éticas,
antropológicas e políticas, defendemos que Aristóteles é a pedra
fundamental na filosofia da economia de Marx, é o elemento teórico que
ressalta aquelas diferenças nos modos de produção que confirmariam a
dialética marxiana. Antes de se apropriar de alguns princípios filosóficoeconômicos de Aristóteles, Marx ressalta - por meio de avaliação
histórica descrita tanto em Para a crítica da Economia política, como
nos Grundrisse e em O capital – as singularidades econômicas da
sociedade antiga. Somente depois disso é que Marx analisa os êxitos e
hesitações de Aristóteles na busca do padrão de comensurabilidade, na
distinção entre valor de uso e valor de troca, na delimitação da economia
e em todos os outros conceitos que servem para Marx fundamentar sua
crítica da economia política.
INTRODUÇÃO
É uma prática comum na história da filosofia requerer a guarda
de um grande filósofo. Efetua-se a revisão de seus principais postulados
teóricos com o propósito de apresentar uma alternativa teórica aos atuais
rumos da vida sócio-política a partir da reformulação da ética, da
política e da economia entre outros. Aristóteles está no topo das
preferências e a lista de teóricos modernos e contemporâneos que
sofrem sua influência é bastante extensa e diversificada conforme a
inclinação ideológica do apadrinhado.1
Também Marx continua sendo
um dos grandes inspiradores das inúmeras propostas modernas e
contemporâneas, principalmente aquelas que têm a pretensão de
restabelecer as funções da política a fim de controlar o crescente
domínio da economia sobre os outros âmbitos da vida que se verificou a
partir da Revolução Industrial.2
Na impossibilidade de se adotar integralmente qualquer teoria
filosófica passada, a prática comum na filosofia tem sido um prudente e
ponderado ecletismo, aproveitando de cada filósofo o que há de mais
facilmente assimilável e adaptável às condições atuais. Com isso se
pode “salvar” uma doutrina ou torná-la tão atual quanto imprescindível.
Não foi exatamente isso que Aristóteles e Marx fizeram com seus
predecessores, mas a época dos grandes filósofos há muito tempo foi
esquecida e com razão, pois o grau de autonomia alcançado pela
economia a partir de meados do século XX tornou a atividade filosófica
quase obsoleta.
Contudo, a Grécia Antiga continua sendo parâmetro para a
filosofia, especialmente para política, onde os gregos parecem ser um
celeiro infindável. No que diz respeito à economia política antiga, sua
escassez de dados torna Aristóteles um anteparo privilegiado, tanto para
objetivos historiográficos referentes ao desenvolvimento das relações
humanas do ponto de vista econômico, quanto por questões ideológicas,
que também despertaram especial interesse na modernidade
especialmente a partir dos comentários de Marx. Em meio à crescente
preocupação de alguns filósofos e economistas contemporâneos em
estabelecer uma fundamentação ética para a economia a fim de voltar a subordiná-la à política, têm surgido inúmeras e variadas propostas
alegadamente originadas a partir de Aristóteles, inclusive apregoando
forte aproximação com a teoria da práxis marxiana. Para verificar a
plausibilidade destas propostas teóricas seria preciso analisar antes em
que sentido os fundamentos das concepções econômicas e políticas, e a
inter-relação desses âmbitos nos respectivos filósofos poderiam balizar
propostas teóricas com pretensões de mudanças estruturais, ou mesmo
conjunturais, na contemporaneidade. O que está em jogo é um pretenso
restabelecimento das funções próprias da política a fim de controlar o
crescente domínio, ocorrido especialmente a partir da Revolução
Industrial, da economia sobre vários outros âmbitos da vida. É por isso
que Aristóteles é constantemente requisitado, afinal, é difícil imaginar
algum filósofo que não tenha sofrido sua influência ou que não tenha se
esforçado em negá-lo.
Este trabalho, entretanto, limita-se a investigar primeiro a
existência de uma germinal e coerente economia política em Aristóteles
que, devido seu esforço analítico e a coerência contextual, tornou-se
importante marco teórico para as escolas econômicas modernas.
Segundo - e vinculado propósito - é mostrar que a economia política
aristotélica é o ponto de partida da teoria econômico-filosófica de Marx
e que as influências mais relevantes de Aristóteles sobre Marx são
evidenciadas no âmbito da economia política, ou mais propriamente em
sua crítica à economia política moderna visto que o próprio Marx não se
autodenominava economista, mas um crítico da economia política.
Para se compreender a caracterização de uma economia política
em Aristóteles é preciso não apenas avaliar os elementos estritamente
econômicos (análise de valor, preço, dinheiro, juros e troca comercial)
em seus escritos, como também a relação da economia com a política
(elaboração de uma constituição, leis e educação) e suas preocupações
éticas (a prática da usura e o vício da ganância).
A questão da relação entre Aristóteles e Marx passa pela
identificação de quais elementos da economia política aristotélica são
incorporados por Marx e de que modo isso ocorre. A resposta inclui a
avaliação e interpretação de Marx tanto da economia política antiga
(grau de desenvolvimento econômico, relações de produção, forças
produtivas) quanto, obviamente, daquela dispersamente apresentada por
Aristóteles (coerência entre a avaliação aristotélica e a realidade
econômica antiga).
As principais influências de Marx são inegavelmente a dialética
de Hegel, o materialismo e humanismo de Feuerbach, o socialismo
utópico de Owen, Fourier e Saint-Simon, e a economia política anglo-saxônica, especialmente William Petty, David Ricardo e Adam Smith.
Inicialmente a influência de Aristóteles parece ocorrer de maneira
indireta, servindo geralmente nos momentos em que Marx pretende
ressaltar as diferenças entre os modos de produção antigo e moderno,
fundamentando, assim, a historicidade conceitual da economia política,
especialmente da sua parte central, a teoria do valor. Porém, à medida
que se faz uma revisão mais cuidadosa das passagens dos textos
aristotélicos referentes à temática e os confronta com as obras maduras
de Marx, verifica-se que sua admiração por Aristóteles parece ir muito
além de um simples encantamento com a capacidade intelectual deste
filósofo da Antiguidade que foi capaz, sobretudo, de categorizar de
modo tão peculiar aquele momento histórico importantíssimo para a
história da filosofia e da economia política. A investigação aristotélica
sobre o fenômeno econômico passa a ser um ponto de partida
fundamental na economia política de Marx.
As escassas passagens da obra de Aristóteles referentes à
economia política nunca receberam muita atenção por parte dos grandes
especialistas, na verdade, receberam notoriedade principalmente a partir
de alguns comentários de Marx que, ao mesmo tempo, raramente
demonstra algum interesse naquelas partes propriamente éticas ou
políticas. Em toda sua obra há poucas referências diretas a Aristóteles.
Mesmo sem destaque especial é o filósofo antigo mais citado por Marx,
geralmente para iniciar, ilustrar e fundamentar historicamente algumas
discussões; também para ironizar alguns economistas quando estes
defendem ideias ainda baseadas em situações sociais e econômicas já
superadas sugerindo que, sob vários aspectos, Aristóteles é mais
coerente do que muitos economistas e filósofos modernos.
Embora seja possível verificar vários pontos em comum entre
filósofos pertencentes a correntes teóricas completamente díspares ou
mesmo a momentos históricos muito distantes, não se trata aqui de
elaborar uma mera comparação entre dois modelos econômicofilosóficos para então indicar os pontos positivos ou negativos de cada
um deles. O ponto central do nosso estudo é: primeiro apresentar a
economia política em Aristóteles e em seguida mostrar como Marx,
incorpora as questões elaboradas por Aristóteles acerca do que na
modernidade passou a se denominar economia política, a partir de sua
singular interpretação. Tal incorporação marxiana dos elementos
aristotélicos poderá ser constatada principalmente nas tentativas de
Aristóteles em delimitar o âmbito da economia política a partir da busca
do padrão de comensurabilidade na troca, das distinções entre valor de uso e valor de troca, entre oi)konomikh/ - arte de administrar as coisas
da casa - e xrhmatistikh/ - arte da aquisição ou de enriquecer,3
e
entre ação e produção.
Aristóteles se tornou um ícone da análise filosófica ao insistir
sempre no estabelecimento de critérios para a delimitação das várias
áreas do conhecimento humano, porém o fenômeno da economia,
especialmente as ambiguidades presentes nas relações de troca, parecem
tê-lo deixado sem respostas definitivas. Um bom exemplo é sua
dificuldade para estabelecer os limites entre economia, crematística e
política a partir dos conceitos de pra=cij (ação) e poi/hsij (produção),
dificuldade que Marx parece não ter deixado passar despercebido
quando tenta sintetizá-los no conceito de trabalho, não no que se refere a
questões antropológicas ou éticas, mas na medida em que trabalho é
categoria central na economia política marxiana. Ao longo do nosso
trabalho veremos então como Marx se aproveita destas dificuldades
conceituais do Estagirita para iniciar sua longa e tortuosa trajetória em
busca de fundamentação para sua economia política fortemente
sustentada sobre a teoria do valor-trabalho. Em outros termos, o ponto
de partida para a fundamentação da economia política marxiana são as
investigações e as respectivas oscilações conceituais de Aristóteles
sobre o fenômeno da economia política.
Diferentemente do que muitos filósofos da moral defendem,
veremos que não são as questões antropológicas, morais ou mesmo
políticas que permitem verificar os principais elementos conceituais na
aproximação entre Marx e Aristóteles. Os possíveis princípios morais,
políticos ou antropológicos coincidentes são muito genéricos e quase
sempre pouco relevantes quando isolados dos aspectos econômicos.
Sobre isso é preciso considerar ao menos dois fatores: Primeiro, se foi
na economia política que Marx acreditou ter encontrado o instrumental
conceitual necessário para fundamentar sua crítica ao modo de produção
capitalista, não teria sentido buscar a aproximação com Aristóteles a
partir da moral, da ética ou mesmo das respectivas antropologias, pois se
estes últimos exercem influência significativa devem ocupar lugar
secundário, ao menos nas obras de maturidade como Para a crítica de
economia política, os Grundrisse e O capital. Se isto não for levado em
conta, Marx se torna apenas mais um moralista com preceitos e princípios humanistas muito gerais e passiveis de aplicação em qualquer
formação sócio-econômica.
O segundo fator fortalece o primeiro. Na principal obra de Marx,
O capital, as menções a Aristóteles são sempre em momentos muito
relevantes, mas remetem ao que, na modernidade, chamaríamos de
economia política aristotélica; é isto que interessa a Marx. Certamente
os elementos morais, por exemplo, não estão ausentes, afinal estão
presentes, de um modo ou de outro, na maioria dos filósofos, mas como
para Marx o principal é a constatação das contradições imanentes ao
capitalismo verificadas a partir da análise de causas econômicas, os
elementos éticos ou mesmo políticos de Aristóteles estão presentes
somente na medida em que servem de apoio aos fundamentos de
economia política, especialmente na formulação de um senso crítico
baseado no desenvolvimento histórico das diferentes formações sócioeconômicas. É nesse sentido que as soluções aristotélicas, apesar de
serem morais, em princípio, também têm sua importância enquanto
ilustram a coerência teórica e prática de Aristóteles ao tratar do contexto
social e econômico circundante.
É incontestável a importância da ética, política, lógica e
metafísica aristotélicas para a história da filosofia, porém a economia
parece não ter ocupado muito as reflexões do Estagirita. Inclusive, uma
leitura apressada e isolada das passagens específicas sobre economia
poderia apenas fortalecer a ideia de que estas não são mais do que um
apanhado de recomendações práticas para a melhor gerência do
patrimônio da família ou do Estado, ou ainda, de se tratar de um
conjunto de preconceitos morais acerca das influências “maléficas” do
comércio, do dinheiro ou da ganância. Veremos que na Ética a
Nicômacos, por exemplo, Aristóteles não faz apenas descrição das
condições econômicas em sua época ou recomendações práticas e
morais acerca dos riscos do comércio e da riqueza. Ele não faz análise
das regras e dos mecanismos próprios das práticas comerciais, mas faz
análise no sentido de decompor o objeto até encontrar elemento mais
simples que o fundamenta, até encontrar seu nexo causal que sustenta
esse tipo específico de relação humana, conforme os limites epistêmicos
desse objeto, nesse caso, a economia política. Aristóteles inicia com
uma investigação objetiva sobre qual o padrão de comensurabilidade
que permite às pessoas trocarem seus produtos, ou qual o fundamento da
troca em geral. Isto envolverá a famosa distinção entre valor de uso e
valor de troca, ou nas palavras do Estagirita, uso próprio e uso nãopróprio de cada coisa que, juntamente com as distinções entre práxis
(ação) e poiésis (produção), entre economia, crematística natural e não natural ou a delimitação da propriedade dos meios para produção e
aquisição dos produtos necessários à manutenção da vida – estudados
mais detalhadamente na Política -, formarão aquele ponto de partida
fundamental para se delimitar o âmbito da economia a fim de que ela
contribua para a boa vida na polis. Somente depois disso é que
Aristóteles se permite fazer recomendações éticas e políticas que
estejam de acordo com os elementos constitutivos da economia, tais
como a troca justa, a igualdade, satisfação de necessidades individuais,
sociais, naturais, políticas, entre outras.
Apesar das dificuldades que envolvem a adoção de termos e
conceitos cronologicamente tão distantes, o termo Economia política
pode ser entendido aqui como algo que transcende o âmbito do
patrimônio doméstico constituído pela família e por seus dependentes,
por exemplo, escravos, por isso seu estudo também foi objeto de
interesse do Estagirita. É claro que a formulação e aceitação desse termo
somente seria plausível a partir do momento em que se verifica o
crescimento significativo da economia, ultrapassando o âmbito
doméstico, algo que na Antiguidade não era plenamente imaginável,
inclusive porque a economia não tinha adquirido a autonomia necessária
para estabelecer a distinção entre o que é assunto político – referente a
quem e como governa - e o que é social – referente a quem é governado
– algo que só na modernidade se tornou possível. Assim mesmo o termo
é aceitável na medida em que se pode constatar que Aristóteles já fazia
fortes críticas àqueles que tratavam o Estado como responsável por
facilitar as relações sociais, especialmente as comerciais – que
certamente era um dos focos de problemas de justiça entre os indivíduos
exigindo, por sua vez, a investigação da relação entre economia e
justiça.
Veremos como é possível justificar a limitada dedicação de
Aristóteles à temática econômica não exclusivamente devido ao
desenvolvimento econômico da antiguidade, mas também porque,
apesar de estar atento ao novo panorama social e econômico dos séculos
V e IV a.C. na Grécia, ele acredita que os distúrbios que a economia
promove na organização política podem ser controlados por meio de
uma constituição mista democrático-oligárquica pautada no cultivo das
virtudes, capaz de corrigir o caráter dos indivíduos. A solução de
Aristóteles parece não ser definitiva, mostra como a crematística não
apenas apresenta o ambiente propício aos desvios morais como também
o próprio desenvolvimento da troca, que se torna predominantemente
comercial, assume contornos de um fenômeno com certo grau de
autonomia, acentuando ainda mais o vício da ganância. Depois de estudarmos os passos de Aristóteles para conhecer o
fenômeno econômico e as medidas para controlar suas influências,
veremos que Marx realmente busca e encontra em Aristóteles as
questões de economia política - teoria do valor, distinção entre uso e
aquisição, preocupação com a distribuição da riqueza, delimitação dos
propósitos da economia, entre outros. Não excluindo as influências de
outros teóricos – Hegel, Smith, Ricardo entre outros – facilmente
reconhecíveis, poderemos constatar que Aristóteles é incorporado como
um dos elementos fundantes, marco histórico-filosófico da economia
política de Marx.
Para estudar a insurgente economia política em Aristóteles e sua
complexa relação com Marx estruturamos nosso trabalho do seguinte
modo: o primeiro e segundo capítulos são inteiramente dedicados ao
estudo da economia política em Aristóteles. Inicia com um breve
resumo das condições econômicas na Grécia do século IV a.C. e da
discussão acerca de sua qualificação, se é uma formação social e
econômica completamente distinta ou apenas um capitalismo menos
desenvolvido. Trata da análise econômica efetuada por Aristóteles
principalmente nos livros IV e V da Ética a Nicômacos - para identificar
o padrão de comensurabilidade, valor de uso e valor de troca, e justiça
na troca -; nos livros I e II da Política e livro I dos Econômicos - para a
distinção entre economia e crematística, e a importância dos fatores
econômicos para a elaboração do modelo aristotélico de constituição; no
livro VI da Ética a Nicômacos e livro IX da Metafísica para a distinção
entre ação e produção. Além disso, a Ética a Nicômacos, os Econômicos
e a Política serão estudados em conjunto para entender a ideia geral de
economia política e sua intrínseca relação com temas especialmente
políticos, tais como propriedade, produção, cidadania e constituição.
O terceiro e quarto capítulos também formam um pequeno
conjunto onde é apresentada a distinção feita por Aristóteles entre
pra=cij (ação) e poi/hsij (produção) para, em seguida, apresentar o
conceito de trabalho em Marx e verificar sua relação com os conceitos
aristotélicos. O trabalho é uma categoria central na economia política,
conforme a exposição, respectivamente, nos Manuscritos econômicofilosóficos – onde é enfatizado o conceito de alienação e sua intrínseca
relação com a propriedade -, nos Grundrisse – que se ocupa da
alienação numa forma específica de sociedade - e em O capital – onde a
distinção entre trabalho e força de trabalho permite revelar o duplo
caráter da mercadoria e seu fetichismo. O quarto capítulo apresenta
algumas críticas às tentativas teóricas de aproximação entre os do filósofos a partir das respectivas abordagens éticas, antropológicas e
políticas. Mostra ainda a síntese marxiana entre ação e produção no
conceito de trabalho e como a distinção entre trabalho e força de
trabalho pode ser relacionada com o par conceitual ato e potência,
formulado por Aristóteles, na medida em que esclarece as
potencialidades da política e da economia, moderna e antiga.
Finalmente, no quinto e sexto capítulo é retomada a avaliação da
economia antiga e da respectiva análise aristotélica, porém agora sob a
perspectiva de Marx. No quinto capítulo são ordenados os esparsos
comentários de Marx, efetuados principalmente nos Grundrisse, sobre a
formação sócio-econômica antiga para compreender as condições
históricas vividas por Aristóteles em meio ao desenvolvimento daquelas
forças produtivas potencialmente dissolvedoras das formações sócioeconômicas. O sexto capítulo reúne as várias menções de Marx nas
obras de maturidade - Para a crítica da Economia política, Grundrisse e
O capital - que buscam fundamentar filosófica e historicamente sua
economia política a partir das inserções de Aristóteles nesta área.
Aristóteles é inserido na explicação da forma equivalente da mercadoria
que passa pelas funções do dinheiro, sua diferença com capital, o
conceito de fetichismo germinal e desemboca na polêmica origem do
conceito de valor. As causas dos êxitos e hesitações de Aristóteles na
distinção entre valor de uso e valor de troca, e na identificação do
critério do valor servem a Marx para fundamentar sua longa jornada
histórico-filosófica da economia política.
Para a tradução da Ética a Nicômacos, da Política e dos
Econômicos o texto utilizado foi o de Jean Tricot. As exceções serão
indicadas. O texto grego foi extraído do Thesaurus Linguage Graecae,
University of Califórnia, 2001. A tradução dos textos de língua
estrangeira – espanhol, francês e inglês – é de nossa autoria.
1 VALOR DE USO E VALOR DE TROCA EM ARISTÓTELES
1.1 A ECONOMIA NA GRÉCIA DE ARISTÓTELES
Como quase tudo que há de importante na filosofia já foi
discutido por Platão, em suas investigações não poderiam faltar
investidas também sobre a economia. Ele descreve a origem da polis
com base na ausência de autossuficiência dos seus integrantes que se
reúnem a fim de sanarem suas diferentes necessidades, tais como
alimentação, habitação, vestuário, entre outras. Platão reconhece que a
junção das diferentes habilidades naturais e a respectiva especialização
de cada um em sua tarefa são os grandes responsáveis pela eficiência e
maior produtividade, auxiliando na manutenção da comunidade4
.
Também não deixou de lado a questão da divisão da propriedade e da
distribuição dos bens, entretanto não estabeleceu relações diretas entre,
por exemplo, a organização das atividades produtivas – o que
chamaríamos de divisão do trabalho - e a extensão do mercado de
trocas. Na verdade, assim como boa parte de seus predecessores e
também de seus discípulos, Platão não considerou os aspectos sociais e
econômicos específicos que estariam implicados na ideia de que a troca
nasce da divisão e especialização do trabalho. Além disso, ele não
promoveu uma investigação objetiva dos fatores econômicos, não se
propôs a tratar a economia separada da ética e da política e por isso não
extraiu uma análise objetiva do valor de troca.
Xenofonte também foi um dos poucos gregos que desprendeu
esforços para tratar de questões econômicas, mas apesar de Marx ter
ironizado o “instinto caracteristicamente burguês”5
deste general e
historiador grego que explica as vantagens da divisão do trabalho na
oficina, a verdade é que seus escritos eram estritamente sobre ética,
acentuando as virtudes necessárias para o proprietário gerenciar bem sua
casa (oi)=koj).6
4
O livro II de A República apresenta a gênese da polis e de todos os elementos necessários
para sua manutenção. É nesta parte da obra de Platão que se pode encontrar boa parte das
reflexões dele sobre economia política. Cf. PLATÃO. A República. Trad. Maria Helena da
Rocha Pereira. 8. ed. Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian, 1996, 369b-374e.
5
MARX, K. O Capital: crítica da economia política. Livro I. Trad. Regis Barbosa e Flávio R.
Kothe. 2. ed. São Paulo: Nova Cultural, 1985. (Os economistas), p. 287.
6
XENOFONTE. Econômico. Trad. Anna L.A. Prado. São Paulo: Martins Fontes, 1999, VI, 4
É por isso que, de acordo com vários tratados e manuais de
história da economia política,7
Aristóteles é considerado o primeiro
filósofo a investigar os fatores econômicos de modo objetivo, mesmo
que em seus textos também não seja tão simples separar o conteúdo
ético-político do estritamente econômico, se isso for realmente possível!
Aristóteles foi o primeiro a ressaltar o duplo aspecto da mercadoria,
melhor dizendo, as duas maneiras possíveis de usar um produto: para o
uso propriamente dito, direto, imediato; ou para a permuta por outro
produto. É a partir desta distinção e das várias consequências daí
advindas que tem início uma análise com propósitos econômicos.
Entretanto, para estabelecer a cronologia da ciência econômica seria
preciso enfrentar a dificuldade em se desvincular os fatores econômicos
dos fatores sociais, éticos e políticos, o que, como nos alerta Karl
Polanyi, era algo impensável nas sociedades pré-capitalistas em que a
economia era intrinsecamente integrada às relações sociais, ao contrário
da economia de mercado onde são as relações sociais que estão
embutidas no sistema econômico. Os fatores econômicos não eram
considerados autonomamente, estavam sempre subordinados à
considerações políticas.8
A fim de compreendermos o lugar da
economia na filosofia de Aristóteles a partir de algumas características
centrais da economia antiga, vamos apresentar um breve resumo
daquelas condições econômicas da Grécia, especialmente nos séculos V
e IV a.C., analisadas por alguns estudiosos que se dedicaram, em maior
ou menor grau, às questões das formações sócio-econômicas précapitalistas.9
Desse modo poderemos avaliar melhor a importância que a
economia tem para Aristóteles, bem como, a coerência de sua análise
econômica e de suas propostas político-econômicas para um tipo
determinado de sociedade. Esta breve contextualização servirá ainda
como ponto de partida para compreendermos como Marx interpreta e
7
Dentre eles podemos destacar: MANDEL, Ernest. Tratado de economia marxista. Tomos
I, II e III. 3. ed. México, Ediciones Era, 1989.; SCHUMPETER, Joseph A. História da análise
econômica. Trad. Alfredo Moutinho dos Reis, José Luis Silveira Miranda, Renato Rocha.
Portugal: Editora Fundo Cultura, 1964.; ROLL, Eric. História das doutrinas econômicas.
Trad. Cid Silveira, Richard Paul Neto e Constatino Ianni. 4. ed. São Paulo: Companhia Editora
Nacional, 1977.
8
Esta emancipação do elemento econômico das regras culturais e sociais é denominada por
Polanyi de a grande transformação. POLANYI, Karl. A grande transformação: as origens da
nossa época. Trad. Fanny Wrobel. 2. ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2000.
9
Dentre vários estudiosos que se dedicaram à economia pré-capitalista, destacamos aqui: Karl
Polanyi, Moses Finley, Michel Austin, Fustel de Coulanges, Jean-Pierre Vernant, Pierre VidalNaquet, Ciro Flamarion Cardoso, Max Weber, Michael Rostovtzeff, Maurice Godelier e
Edward E. Cohe
incorpora a economia política aristotélica a partir de sua própria análise
e qualificação da formação sócio-econômica antiga.
Há um histórico debate iniciado entre o final do século XIX e
início do XX acerca da qualificação da economia antiga Greco-romana,
centrado em dois grupos, os primitivistas – que defendiam a ideia de que
o tipo de desenvolvimento econômico do mundo antigo era
extremamente diferente daquele vigente no mundo moderno – e os
modernistas – defendem a ideia de um capitalismo insurgente, tanto na
Grécia quanto em Roma.10 Conforme o critério adotado, cada grupo
destaca ou uma estrutura social ainda fortemente baseada na economia
agrícola e na produção artesanal circunscritos à satisfação de poucas
necessidades; ou o crescimento das cidades por meio do comércio
exterior ultrapassando e alterando sua rigidez social e política.
De modo geral, aqueles que procuram destacar as diferenças
estruturais entre antiguidade e modernidade afirmam que, apesar da
economia grega do século IV a.C. não se restringir a um modelo de
relações de escambo e também não ter um uso tão restrito da moeda,
certamente o âmbito do aspecto especulativo da troca, tal como o
conhecemos hoje, ainda é muito restrito. As relações de produção
(propriedade dos meios de produção e da força de trabalho) na
antiguidade não aparecem nitidamente separadas das relações sociais,
religiosas ou de parentesco, diferentemente do que ocorre no
capitalismo em que as relações entre capitalistas e trabalhadores
aparecem amplamente independentes de qualquer laço religioso, político
ou familiar. Isso, em parte, se deve à modesta escala da economia
baseada ainda na troca de excedentes daqueles produtos não consumidos
na comunidade, raros eram os produtos visados especialmente para
exportação.
A acumulação de riqueza ainda obedece ao grau de
desenvolvimento das necessidades humanas que durante milênios
praticamente não ultrapassaram o nível dado de desenvolvimento da
capacidade de produção da época11, limitado ao uso imediato ou de
curto prazo. Não significa que as necessidades humanas fossem menores
10 O artigo de Édouard Will é um dos melhores resumos sobre toda a querela entre primitivistas
e modernistas, desde Karl Bucher até Ed. Meyer. WILL, Édouard. Trois quarts de siècle de
recherches sur l'économie grecque antique. In: Annales. Économies, Sociétés, Civilisations. 9
ed. année, n. 1, 1954.
11 A superação do desenvolvimento atrelado às necessidades é produto da economia mercantil
generalizada, o capitalismo. MANDEL, Ernest. A formação do pensamento econômico de
Karl Marx: de 1843 até a redação de O capital. Trad. Carlos Henrique de Escobar. 2. ed. Rio
de Janeiro: Zahar, 1980, p. 167.
do que as de hoje e sim que as forças produtivas eram outras, eram mais
restritas porque não havia concorrência entre trabalhadores e
capitalistas, ou entre os próprios capitalistas, não despertando a ideia de
produtividade progressiva do gênero humano. Os trabalhos eram
limitados pelas necessidades que por sua vez se mantinham dentro do
nível de desenvolvimento das forças produtivas. A principal fonte de
riqueza era a terra que, por não ser considerada mercadoria inclusive,
havia grandes restrições quanto à venda de propriedades porque a terra
era o fator de distinção, estava vinculada à cidadania.12 Moses Finley
defende que boa parte da população do mundo antigo “vivia da
agricultura, de uma forma ou de outra, e que ela própria reconhecia ser a
terra a fonte principal de todo o bem, material e moral.13” A posse e
cultivo da terra estavam atrelados a valores morais. Para os grandes
proprietários representava a ausência de ocupação, portanto, a liberdade;
para os pequenos agricultores significava trabalho constante para dar
conta da subsistência e, ao mesmo tempo, concebido como dever moral,
o meio eficaz para a virtude e a coragem tão ressaltadas por Hesíodo no
poema Os trabalhos e os dias.
Na Grécia Antiga, de acordo com Michel Austin e Pierre VidalNaquet, o mundo do dinheiro sempre manteve certa distância do mundo
da terra, eles coexistem mas não se fundem.14 É verdade que o uso do
dinheiro já é bem difundido, porém ele funciona principalmente como
moeda: “O dinheiro era moeda e nada mais, e a falta de moeda era
crônica, tanto em números totais como na disponibilidade dos tipos ou
denominações preferidas.”15 Os diversos artifícios utilizados pelos
governantes para a aquisição de moedas e assim garantir fundos
financeiros para suas cidades, descritos pelo Pseudo-Aristóteles16
, no
livro II dos Econômicos, parecem confirmar a crônica escassez de
12 AUSTIN, Michel; VIDAL-NAQUET, Pierre. Economia e sociedade na Grécia Antiga.
Trad. António Gonçalves e António Nabarrete. Lisboa: Edições 70, 1986, p. 100.
13 FINLEY, Moses I. A economia antiga. Trad. Luísa Feijó e Carlos Leite. 2. ed. Porto:
Edições Afrontamento, 1986, p. 134.
14 Ibidem, p. 103.
15 Ibidem, p. 227.
16 Os Econômicos é dividido em três livros e existe uma grande polêmica sobre sua
autenticidade. O livro I, por seu conteúdo e vocabulário, é admitido por muitos estudiosos
como sendo de Aristóteles tendo, inclusive, várias ideias e passagens repetidas quase
literalmente na Política. O livro II é quase unanimemente rejeitado como sendo de Aristóteles
e o texto em grego do livro III nunca foi encontrado, só há traduções latinas medievais.
Considerando estas ressalvas, adotamos o livro I na medida em que ele complemente e
enriqueça as análises de Aristóteles sobre economia, e o livro II, por ser um conjunto de
relatos, será usado mais para ilustrar a situação sócio-econômica da Grécia nos séculos V e
moeda cuja circulação ainda não predomina no comércio e menos ainda
no comércio interno. Vejamos uma dessas passagens:
No tempo de Sosípolis a cidade de Antissa
precisava de moeda. Como seus cidadãos tinham
o costume de celebrar brilhantemente as
Dionisíacas, cuja preparação durava o ano todo e
se faziam grandes gastos e suntuosos sacrifícios,
um ano, pouco antes da festa, Sosípolis os
persuadiu a prometerem a Dionísio duplicarem
suas oferendas no ano seguinte e a venderem o
que haviam recolhido. Assim se juntou a soma
para as necessidades do momento. (Oec. 2,
1347a25-31).
Além da escassez de moeda, as práticas governamentais
utilizadas para suprirem esta carência mostram mecanismos políticos
totalmente estranhos às práticas modernas. Enquanto as políticas
econômicas modernas são pautadas na racionalidade, no cálculo
financeiro necessário para fomentar o mercado e garantir os fundos
estatais, os políticos da antiguidade constantemente recorriam aos
sentimentos religiosos para convencer os cidadãos a contribuírem para
as finanças da cidade, motivo completamente inconcebível hoje.
Um dos principais problemas do uso limitado da moeda é que não
permitia a expansão de crédito - um dos fatores principais (junto com a
expansão permanente do mercado) para a redução do tempo de
circulação17 e, portanto, para a sustentação do capital18 - restringindo
muito as inovações direcionadas para a produção. Scott Meikle explica
que o desenvolvimento do crédito visando a produção é um longo
processo que pressupõe uma formação prévia de várias outras
instituições e condições:
Uma condição necessária é o desenvolvimento do
dinheiro como meio para liquidação das operações
17 Segundo Marx, a circulação não cria valor, apenas proporciona a forma ao valor que é criado
pela força de trabalho. MARX, Karl. Elementos fundamentales para la crítica de la
economia política (Grundrisse) 1857-1858. v. I, II, III. Trad. José Aricó, Miguel Murmis e
Pedro Scaron. 10. ed. México: Siglo Veintiuno Editores, 1997, p. 624.
18 Capital entendido aqui vulgarmente como uma soma de dinheiro a ser investida para
assegurar um retorno, um lucro, não como uma relação de produção específica, típica do modo
de produção capitalista, de acordo com a definição de Marx em: MARX, Karl. O Capital:
crítica da economia política. Livro III. O Processo global da produção capitalista. Trad.
Reginaldo Santana. São Paulo: DIFEL, 1985, p. 936
de crédito, e os gregos não tinham algo
semelhante. Não havia qualquer tipo de
instrumentos de crédito e cada transação
individual era estabelecida sempre por meio de
transferências físicas com a pessoa estando
presente.19
O sistema monetário proporcionava um meio de circulação, não
havia a ideia de liquidez para operações de crédito; a moeda, o ouro ou a
prata serviam apenas como garantia de trocas futuras. Além disso, os
empréstimos eram de curto prazo e geralmente não serviam para fins
produtivos, sim tomados para dar conta do consumo individual, um
pequeno adiantamento para sanar problemas de colheita, catástrofes
naturais, etc.20 Os impostos de modo geral não eram alavancas
econômicas e os impostos diretos incidiam somente sobre os não
cidadãos.21 Não havia barreiras alfandegárias ou proteção à produção
doméstica, a política comercial era restrita às importações essenciais à
cidade. As vantagens comerciais de Atenas, por exemplo, eram tiradas
por meios não econômicos e não por manipulação de preços. Somente
os preços dos alimentos eram regulados devido ao medo da fome.
Raramente os lucros eram reinvestidos nas empresas existentes22
,
geralmente eram gastos em artigos de luxo, em equipamento militar, nas
festas religiosas ou entesourados, por isso o crescimento na produção
era muito lento. O mercado já estava presente, mas sua função era muito
limitada, apenas incidental, era o lugar das trocas de artigos de
sobrevivência em pequenas quantidades e a preços controlados.
Inclusive Aristóteles, para sua polis ideal, defendia a rígida separação da
praça pública, a Ágora, em duas partes: uma para a reunião dos cidadãos
19 MEIKLE, Scott. Aritotle’s economic thought. Oxford University Press, USA, 2002, p. 160.
20 Veremos adiante o posicionamento de Aristóteles perante aos juros cobrados por esses e
outros empréstimos.
21 Avaliando os problemas enfrentados por Atenas para barrar os avanços de Filipe da
Macedônia no século IV a.C. Claude Mossé explica que as reformas financeiras realizadas
pelos governantes no começo do século não conseguiam resolver os problemas das finanças
públicas: “E isto porque o imposto não era ainda uma noção plenamente aceita, o que traduz o
caráter, ainda primitivo, do Estado ateniense.” (MOSSÉ, Claude. Atenas: a história de uma
democracia. Trad. João Batista da Costa, 3. ed. Brasília: UNB, 1997, p. 104). O equilíbrio
orçamentário dependia mesmo era da boa vontade dos proprietários.
22 Sobre barreiras alfandegárias e política comercial, Cf. AUSTIN; VIDAL-NAQUET, op. cit.
p. 119. Sobre os tipos de crédito, empréstimos, bancos e juros, Cf. FINLEY, 1986, op. cit., p
para discussão política e a outra para a troca comercial23, ideia que já
predominava entre os antigos, segundo Polanyi:
A ágora ateniense pode muito bem ter sido o
primeiro mercado no Ocidente que poderia ser
chamado de um ‘mercado da cidade’. No entanto,
essa utilização do termo é um pouco anacrônica,
pois historicamente a ágora não foi
originariamente um mercado local, mas um local
para reuniões.24
Os mercados não eram mais do que um aspecto acessório de uma
estrutura institucional controlada e regulada pela autoridade social.
Se o desempenho da economia seguia tal ritmo, então não havia
mesmo muitos motivos para convencer Aristóteles a se ocupar desse
tema. Porém, talvez o panorama social fosse mais complexo. Algumas
pesquisas parecem mostrar a existência de um avançado grau de
desenvolvimento econômico, especialmente na Atenas do século IV a.C.
e por quase toda a Grécia no período helenístico, o que levou alguns
estudiosos a se valerem de categorias tipicamente modernas – como
burguesia, proletariado, capitalismo, produtividade, etc. – para
expressarem estas sociedades. O caso de Rostovtzeff é paradigmático.
Mesmo reconhecendo a escassez de dados referentes àqueles critérios
necessários para que se possa compreender a vida econômica de uma
sociedade - densidade demográfica e o capital acumulado resultante da
exploração dos recursos naturais25 - este autor não sente o menor receio
em afirmar que:
o desenvolvimento moderno difere do antigo
apenas em quantidade, não em qualidade. O
mundo antigo presenciou a criação de um
comércio mundial e o crescimento de uma
indústria em grande escala; viveu durante um
23 Pol. 1331a30-b3.
24 POLANYI, Karl. Aristotle discovers the economy. In: DALTON, G. (Ed.), Primitive,
Archaic and Modern economies. Garden City. New York: Doubleday & Company, 1968, p.
312.
25 “Entre os pré-requisitos essenciais para se entender a vida econômica de alguma região do
mundo em qualquer período, está o conhecimento, mais ou menos exato, de: por um lado, a
densidade populacional de uma região e de seu incremento ou decréscimo; por outro lado, a
quantidade de capital acumulado por sua população por meio da exploração de suas fontes
naturais de riqueza.” Cf. ROSTOVTZEFF, Michael. A Social and Economic History of the
Hellenistic World. v. I, II. Oxford University Press, USA, 1998, p. 1135.
período de agricultura científica e do
desenvolvimento da luta entre as diferentes
classes da população, entre capital e trabalho.26
Para sustentar sua tese, Rostovtzeff relata vários casos desse
período: no reinado de Alexandre Magno teve cidade que recorreu a um
grupo de capitalistas para drenagem de lagos27; na era Ptolomaica, para
incremento da produtividade das terras, houve um grande projeto de
irrigação no delta do rio Nilo; em várias partes da Grécia houve a
introdução de novas plantas e de novas espécies de animais em menor
ou maior escala, devidamente planejada em conformidade com sua
melhor adaptação28; também houve exploração sistemática de fontes
naturais de riqueza29 (minas e florestas para extração de madeira); havia
ainda importante indústria pesqueira que requeria capital e planejamento
fornecidos pelas próprias cidades e por capitalistas individuais.30 Claro
que tudo isso exigia grande inovação tecnológica que foi implementada
simultaneamente em vários setores da economia (agricultura, pesca,
indústria, etc.).
Interessante notar que, ao mesmo tempo em que defende o
ímpeto capitalista da antiguidade, Rostovtzeff admite que as
informações tanto sobre a agricultura quanto sobre a indústria na era
helenística – período que se tem, segundo o próprio autor, mais
informações sobre sua situação social e econômica do que os períodos
anteriores - são muito escassas, comprometendo assim qualquer
conclusão definitiva sobre qual o papel desempenhado por estes setores
na economia.31 Sua indecisão também se verifica na avaliação dos tipos
de bancos – bancos-templos, das cidades e bancos privados - e do
sistema monetário em geral, tanto de Atenas do século IV a.C. quanto
do período helenístico em seu todo:
26 ROSTOVTZEFF, Michael. História da Grécia. Trad. Edmond Jorge. 3. ed. Rio de Janeiro:
Guanabara, 1986, p. 32.
27 ROSTOVTZEFF, 1998, op. cit., p. 1161.
28 Ibidem, p. 1162.
29 Ibidem, p. 1170.
30 Ibidem, p. 1179-1180.
31 “Seria interessante saber o papel desempenhado pela indústria na vida econômica do período
helenístico, quais inovações tecnológicas foram introduzidas naqueles métodos previamente
conhecidos e aplicados na Grécia e nas monarquias orientais; em que extensão a produção
industrial foi intensificada pelas novas condições de vida e pelas inovações tecnológicas; se
alguma vez chegou a se assemelhar à moderna produção de massa voltada a um mercado
indefinido [...] Temo que nenhuma resposta conclusiva possa ser dada a qualquer uma destas
questões. A evidência literária sobre o desenvolvimento da indústria é mais escassa que aquela
referente à agricultura.” (Ibidem, p. 1200
Encontramos os negócios bancários, em todas
essas linhas, muito desenvolvidos em muitas
cidades gregas do século IV a.C. O maior centro
bancário era naturalmente Atenas, e temos boa
literatura e evidências epigráficas referentes a
alguns de seus bancos privados.32
Porém, ainda que não queira se contradizer, ele se satisfaz em
dizer que: “Não há dúvida que existiam bancos privados em todas as
grandes cidades helenísticas, embora não sejam frequentemente
mencionados”.33
Sobre a cunhagem de moedas e o mercado monetário,
Rostovtzeff se obriga a admitir que a unidade perseguida por Alexandre
era mantida apenas nas efêmeras ligas comerciais, na verdade em cada
cidade predominava a tendência ao isolamento e a busca da autosuficiência34, enfim: “O pouco que sabemos sugere que o mercado
monetário era desorganizado e instável”.35 Justamente um dos aspectos
que melhor caracterizaria os necessários rudimentos para um
capitalismo grego parece ser muito pouco elucidativo, comprometendo
aqueles fatores essenciais para a estabilidade financeira e o crescimento
ilimitado do mercado.
Tentando evitar as contradições e os exageros ideológicos dos
modernistas da primeira geração36, Edward Cohen, analisando o período
de aproximadamente oito décadas – entre a derrota de Atenas para
Esparta na Guerra do Peloponeso (431-404 a.C.) e a morte de Alexandre
Magno (323 a.C.) – também busca demonstrar o grande impulso
econômico e a crescente importância dos bancos na economia ateniense
do século IV, que teriam causado um impacto significativo sobre as
32 Ibidem, p. 1279.
33 Ibidem, p. 1279.
34 Ibidem, p. 1293.
35 Ibidem, p. 1290.
36 De modo análogo a vários modernistas - que na busca alucinada para demonstrar que a
humanidade percorre um ciclo que se encerra no capitalismo, o estágio superior, aplicaram
tendenciosamente as relações de produção capitalistas às outras formações sociais – alguns
marxistas também passam por cima das diferenças qualitativas entre as diversas formações
sócio-econômicas no ímpeto de aplicarem o princípio da luta de classes como motor da história
que atuaria, inexoravelmente, de modo similar em toda e qualquer sociedade. A coletânea de
textos Modos de produção na antiguidade, organizada por Jaime Pinsky, reúne bons exemplos
da ostentação ideológica de ambos os lados. Para maiores detalhes, confira: PINSKY, J.,
Modos de produção na antiguidade. 2. ed. São Paulo: Global, 1984.
finanças e sobre as relações sociais da época. O comércio, ao menos na
Atenas do século IV, era tão desenvolvido que:
Os atenienses exerciam suas funções através de
um processo de mercado entre indivíduos que não
tinham relações de parentesco algum, que
frequentemente estavam somente de passagem na
cidade, às vezes operando a partir do estrangeiro,
buscando lucro monetário por meio da troca
comercial.37
Segundo Cohen, há uma clara mudança da economia de
autossuficiência ainda predominante no século V, para uma economia
de grande escala no século IV, próspera o suficiente para identificar
fortes semelhanças com a economia moderna, ao menos no setor
bancário. Na Atenas do século IV a.C., a economia não era - como
defendem, por exemplo, Finley e Polanyi – uma atividade “embutida”,
intrinsecamente incorporada nas relações familiares e sociais, pelo
contrário, já tinha alcançado certa autonomia a ponto de ser considerada
uma ameaça aos métodos tradicionais de produção e consumo, eram
essas alterações que preocupavam Aristóteles.38
Em Atenas, os bancos não eram raros e não eram apenas casas de
penhores ou de câmbio, eles cumpriam as duas principais atribuições de
um verdadeiro banco, ou seja, aceitar depósitos e fazer empréstimos
comerciais, algo que, apesar das indiscutíveis diferenças consideradas
por Cohen – tecnologia, situação legal e abrangência das operações -,
são compartilhadas pelos bancos modernos.39 O banqueiro
(trapez/i/thj) não era apenas um mero livre-cambista, não exercia
uma atividade marginal que pouco afetasse a sociedade, mas fazia parte
de um novo sistema econômico.40 Além do câmbio, os banqueiros
proporcionavam empréstimos, aceitavam depósitos, aumentaram a
oferta de dinheiro e, ao servirem de intermediários, facilitavam o
comércio, ou seja, exerciam funções que não se originaram nas relações
familiares ou políticas, mas em transações isoladas típicas de um
ambiente de negócios: “Essas atividades, por sua vez, criaram novas
37 COHEN, Edward E. Athenian economy and society: a banking perspective. Princeton
University Press, USA, 1997, p. 4.
38 Ibidem, p. 4.
39 Ibidem, p. 9.
40 Ibidem, p
relações pessoais e familiares transformando ainda mais a sociedade e a
economia.”41
Isto facilmente nos leva a crer que o dinheiro ocupava naquele
momento, na sociedade ateniense e talvez em boa parte da Grécia, lugar
de destaque e que as queixas dos grandes pensadores gregos não
expressavam apenas um conjunto de preocupações morais ou mero
saudosismo de uma classe aristocrática que não se conformava com a
possível perda de privilégios sociais. Daqui para frente a estrutura social
seria outra, com o avanço do comércio o caminho ganha traçado
irreversível. Entretanto, é preciso observar que, mesmo não deixando de
abordar as ocorrências de escravos que se tornaram comerciantes e
grandes banqueiros,42 ou de banqueiros que adquiriram o direito de
propriedade43, Cohen - assim como os defensores de uma economia
antiga nos moldes do capitalismo moderno – não consegue explicar os
motivos para a economia ateniense simplesmente não ter conseguido
alcançar ou manter o grau de desenvolvimento do moderno capitalismo,
apesar de as duas sociedades, segundo sua avaliação, compartilharem
instituições muito semelhantes. Em parte, a resposta pode estar na
displicência crônica que afeta muitos modernistas, impossibilitando-os
de perceber o principal fator limitador da economia antiga: a evidente
ausência de mão de obra assalariada suficiente para criar um mercado de
trabalho livre, capaz de sustentar uma demanda flexível por um tipo
específico de atividade, ao contrário do que ocorre na modernidade.44
A identificação do tipo de mão de obra e de sua distribuição nas
sociedades antigas sempre foi um tema controverso. Finley afirma que
não é possível saber o número de escravos na Grécia numa dada época,
apenas que a escravidão era predominante, principalmente nas grandes
propriedades agrícolas, no artesanato, nas minas e no comércio, mas
também nessa última havia muitos homens livres.45 De modo geral, o
mundo antigo não imaginava um mundo sem escravos e a escravidão é
indicada como um dos principais fatores de retardamento da expansão
do mercado. O trabalho livre e o escravo coexistiam, mas o assalariado
livre era figura rara, pouco importante, era casual e sazonal: “Não se
41 Ibidem, p. 7.
42 Ibidem, p. 63.
43 Ibidem, p. 68.
44 Veremos mais a frente como as distinções entre trabalho escravo e assalariado, e entre
trabalho e força de trabalho auxiliam no entendimento, não apenas das diferentes formações
econômicas (antiga e moderna) como também na percepção que Aristóteles tem do trabalho
como fator econômico e de suas consequências teóricas.
45 FINLEY, 1986, op. cit., p. 107-108.
encontram, pura e simplesmente, empresas que empreguem homens
livres, mesmo numa base semi-permanente.”46 O trabalho não era em
base salarial, sim por contrato, e a divisão do trabalho, ainda que já
tivesse certo grau de desenvolvimento, não visava o aumento da
produção, pois:
O progresso técnico, o desenvolvimento
econômico, a produtividade e mesmo a eficiência
não foram objetivos significativos desde o
princípio dos tempos. Enquanto se podia manter
um estilo de vida aceitável, qualquer que fosse a
sua definição, a cena era dominada por outros
valores.47
Entre as principais características da produção moderna estão a
especialização e a divisão do trabalho, mas no caso da antiguidade
clássica é preciso estar atento para diferenças cruciais. Vernant e VidalNaquet explicam a diferença entre divisão do trabalho e divisão de
tarefas no exercício de um ofício:
A divisão das tarefas não é, portanto, sentida
como uma instituição cujo objetivo seria dar ao
trabalho em geral seu máximo de eficácia
produtiva. É uma necessidade inscrita na natureza
do homem que faz ainda melhor uma coisa porque
faz exclusivamente aquilo.48
O mérito da especialização e divisão de tarefas está na
possibilidade de exercer uma atividade que esteja de acordo com os
talentos individuais para criar obras melhores, não é um meio de
organizar a produção para se obter mais produtos com a mesma
quantidade de trabalho. E nem poderia ser diferente, porque na
Antiguidade o trabalho não tinha valor em si, não havia uma concepção
de força de trabalho impossibilitando, desse modo, uma ideologia do
46 Ibidem, p. 100.
47 Faltam dados sobre a eficácia e rentabilidade da escravidão, mas, segundo Finley, é certo que
se obtinham lucros satisfatórios, embora não houvesse outra realidade para se comparar.
Ibidem, p. 116.
48 VERNANT, Jean-Pierre; VIDAL-NAQUET, Pierre. Trabalho e escravidão na Grécia
antiga. Trad. Marina Appenzeller. Campinas: Papirus, 1989, p. 25.
trabalho ou um programa trabalhista.49 Inclusive a aquisição de riqueza
não era pelo trabalho, se dava principalmente por meios políticos. A
ausência de mercado de trabalho não permitia uma racionalidade
econômica atuando por trás das escolhas profissionais.
Enfim, a produção era de baixa escala e a produtividade também,
pois a mentalidade dominante era aquisitiva, não produtiva, afinal a
força de trabalho não era uma categoria produtiva central. Na linguagem
de Marx prevalecia ainda o valor de uso sobre o valor de troca, assim,
mesmo considerando todos os avanços técnicos nos vários setores e a
razoável difusão do dinheiro, a produção não visava
preponderantemente a troca, mas o consumo interno.
1.2 JUSTIÇA NA TROCA
Mesmo que a economia antiga esteja muito longe da estrutura
mercadológica do capitalismo, veremos que ela surpreendeu e
extrapolou os limites recomendados pelo Estagirita, por isso mereceu
cuidado analítico correspondente à sua importância no quadro social e
político vigente. Mesmo ocupando escasso espaço na obra de
Aristóteles, sua análise econômica nos ajuda a revelar os tipos
predominantes de relações sociais e produtivas especificamente nos
séculos V e IV da Grécia Antiga cujas transformações econômicas e
políticas - marcadas principalmente pela Guerra do Peloponeso (431 a
404 a.C.) e pelo império de Alexandre (336 a 323 a.C.) que deram início
à derrocada da cidade-estado grega (por volta de 146 a.C.) – estão
também refletidas em seus textos proporcionalmente à importância
desse tema no contexto histórico específico. Aristóteles está ciente do
espaço que o fenômeno da economia começa a ocupar no mundo grego,
influenciando alguns valores morais, religiosos e culturais em geral,
constatando, inclusive, que a grande causa dos transtornos políticos é a
distribuição de riqueza e de honrarias entre os cidadãos.
49 Para a concepção de trabalho na antiguidade ver: AUSTIN; VIDAL-NAQUET, op. cit., p.
28-29. Também nesta mesma linha de pensamento, Cf. CARDOSO, Ciro Flamarion. O
trabalho compulsório na antiguidade: ensaio introdutório e coletânea de fontes primárias. 3.
ed. Rio de Janeiro: Edições Graal, 2003, p. 61. Rostovtzeff prefere ignorar estas distinções
sobre o trabalho e afirma categoricamente que “O progresso econômico foi poderosamente
auxiliado pela ciência grega que voltou sua atenção para melhoramentos técnicos.” Estes
melhoramentos, juntamente com o trabalho altamente especializado, se refletiram tanto na
agricultura quanto na atividade industrial, embora: “Na verdade, o sistema de fábrica nunca foi
adotado; já observei como era difícil o desenvolvimento de um sistema capitalista sólido nas
cidades gregas.” (ROSTOVTZEFF, 1986, op. cit., p. 221)
Tendo já uma ideia do contexto sócio-econômico em que
Aristóteles está envolvido, vamos a partir de agora entrar diretamente
em sua investigação sobre o que afinal é a economia, seu escopo e sua
relação com a política. Vamos tentar decifrar as preocupações que
levam o Estagirita a se ocupar da reciprocidade proporcional, da
igualização na troca de bens e serviços, das funções do dinheiro, da
equivalência quantitativa e qualitativa, dos possíveis usos de um produto
e, principalmente, da diferenciação entre economia e crematística tão
necessária para se estabelecer os limites da riqueza.
O que poderíamos denominar de economia política em
Aristóteles tem início, textualmente, no livro V da Ética a Nicômacos,
dedicado especificamente à justiça, lugar em que são listados os
diferentes tipos de justiça conforme a motivação. Um dos motivos que
leva o Estagirita a se ocupar da economia é sua relação com a
distribuição equitativa dos bens (produtos, instrumentos de produção,
propriedade, etc.) o que remete, necessariamente, à discussão sobre a
justiça. Por outro lado, justiça e virtude caminham juntas em sua
filosofia. Aristóteles define a virtude como:
uma disposição da alma relacionada com a
escolha de ações e emoções, disposição esta
consistente num meio termo (o meio termo
relativo a nós) determinado pela razão (a razão
graças à qual um homem provido de
discernimento o determinaria). (EN, 2, 1105b11-
14).
A virtude é a disposição que torna o homem bom, que o leva a
desempenhar bem sua função que é o agir racionalmente visando a
melhor finalidade, o melhor bem possível. A virtude, apesar de ser
posterior às coisas que são por natureza, pode e deve imitar a natureza,
porque nesta impera a ordem. Virtude é sempre um meio termo, a
mediania entre uma paixão, sua finalidade é o bem. As virtudes são
meios para um fim: a felicidade. O fim é o que desejamos e o meio é o
que deliberamos e escolhemos, por isso as ações referentes ao meio
devem estar de acordo com a escolha e a voluntariedade.
Quanto à justiça, Aristóteles a define como a forma mais elevada
da virtude “porque ela é a prática da virtude perfeita. Ela é perfeita
porque o homem que a possui é capaz de praticá-la em relação aos
outros e não somente a si mesmo.” (EN, 5, 1129b30-32). Justiça não é
apenas uma disposição irrestrita da alma para a prática de boas ações,
mas é a própria prática destas ações, de ações específicas relacionadas
aos outros.
Em Aristóteles a justiça/injustiça tem dois sentidos. O primeiro é
a justiça universal, tem um sentido amplo, trata de todas as coisas que
envolvem as ações humanas, remete sempre à relação com o outro.
Como explica Máynez, a justiça nesse sentido “não é a harmonia das
partes da alma e suas virtudes correspondentes, como afirmava Platão,
mas é a excelência do guardião da lei, o cumpridor da lei”50, é o
exercício da própria virtude. O segundo sentido é a justiça particular, faz
parte da justiça universal, mas tem um sentido estrito, trata das situações
específicas, remete à prática de uma ação virtuosa específica (coragem
na guerra) ou de um vício, como a ganância (pleoneci/a), que
proporciona determinado prazer oriundo do ganho material. Fred Miller
esclarece ainda que do mesmo modo que a injustiça universal e
particular são ações que resultam em prejuízos à comunidade, a justiça
universal e particular promovem o bem dos outros indivíduos: “Tanto a
justiça universal como a particular se preocupam com as coisas comuns
aos homens ou com o que forma uma comunidade.”51
A justiça particular se divide ainda em Distributiva e Corretiva.
A distributiva trata da distribuição de cargos, de dinheiro e dos
benefícios públicos entre os cidadãos, considerando suas desigualdades
naturais, ou seja, pessoas desiguais receberão partes desiguais conforme
o mérito dos indivíduos e se efetua o cálculo em uma fórmula com base
na proporção geométrica. Máynez explica que a justiça distributiva
pressupõe:
A existência de algo a ser repartido entre os
membros da comunidade. De uma instância
encarregada de fazer a repartição. De um critério
que, ao ser observado, determinará a retidão do
ato distributivo.52
A justiça corretiva retifica as partes envolvidas numa relação
voluntária (compra, venda, aluguel, contrato) ou involuntária (roubo,
assalto, assassinato), abstraindo as desigualdades e méritos pessoais,
50 MÁYNEZ, Eduardo García. Doctrina aristotélica de la justicia. Estudio, selección y
traducción de textos. Universidad Nacional Autónoma de México, Instituto de investigaciones
filosóficas, 1973, p. 64-65.
51 MILLER JUNIOR, Fred D. Nature, Justice, and Rights in Aristotle's Politics. Oxford
University Press, USA, 1995, p. 69.
52 MÁYNEZ, op. cit., p. 75.
buscando um meio termo aritmético entre comprador e vendedor na
relação voluntária; entre quem prejudicou e foi prejudicado numa
relação involuntária. (EN, 5, 1131a2-8).
Depois desta distinção Aristóteles, estranhamente, esboça um
caso específico de justiça, a da Reciprocidade Proporcional, que se
refere também à troca, mas não se incluiria na corretiva de modo
irrestrito:
pois em muitos casos a reciprocidade e a justiça
corretiva divergem [...] mas nas relações de troca
é esta espécie de justiça que mantêm os homens
unidos, a reciprocidade conforme a
proporcionalidade e não na base de igualdade.
Pois é a reciprocidade proporcional que mantém a
cidade unida. (EN, 5, 1132b26-34).53
Aqui estão em jogo questões de natureza contratual que, entre
outras coisas, envolveriam a equivalência econômica entre prestação e
pagamento por um serviço. A inclusão repentina de situações que,
segundo Aristóteles, não poderiam ser resolvidas pela justiça
distributiva – que adota o princípio geométrico - nem pela corretiva –
que adota o princípio aritmético -, suscitou grande debate em torno da
existência ou não de um terceiro tipo de justiça que recebeu várias
denominações: justiça recíproca, retributiva, comutativa ou da troca
justa. Eduardo Máynez explica que para tratar de problemas de relações
interpessoais voluntárias em que se exija equivalência econômica entre
prestações de serviços, é preciso, antes de tudo, considerar o princípio
geral em que se baseia a doutrina aristotélica sobre a justiça particular:
os iguais devem receber coisas iguais e os desiguais coisas desiguais,
proporcionalmente a sua desigualdade. Este é o princípio que permeia
toda questão da justiça:
Por isso, mais do que três tipos de justiça –
distributiva, corretiva e retributiva – deve-se falar
em três formas de aplicação daquele princípio ou,
de outro modo, de três diferentes funções d
Desse modo, a justiça distributiva deve ser aplicada ao que é
distribuível entre os membros da comunidade de acordo com seu mérito
ou demérito; a corretiva nas relações em que uma das partes causa e a
outra sofre um prejuízo indevido. A justiça retributiva ou da
reciprocidade seria aplicada nas questões de prestações de serviços que
são objeto de intercâmbio voluntário ou de prejuízo resultante de um
fato delituoso.55
A diferença entre a justiça corretiva e a da reciprocidade pode
ficar mais clara no seguinte exemplo: se um comprador afirma ter sido
lesado ao pagar por um produto mais do que ele pensa que deveria,
então um juiz intervém e determina uma nova quantia capaz de
restabelecer a igualdade entre comprador e vendedor. O juiz toma
daquele que estava com um excedente porque, na verdade, recebeu
injustamente de outro indivíduo. Houve ganho do indivíduo A devido a
perda involuntária por parte do indivíduo B e nesse caso a justiça
corretiva deve repor a perda de alguém no momento da troca para
corrigir a distribuição.
Na justiça da reciprocidade (a)ntipoie/w) proporcional a
situação é bem mais complicada. Neste caso os dois indivíduos devem
chegar a um acordo para que a troca seja justa, mas sem a intermediação
de um juiz formal, um terceiro elemento para intervir e restabelecer as
condições entre os lados da relação, como é requisitado na justiça
corretiva. A troca deve respeitar a proporcionalidade (a)nalogi/a), uma
medida proporcional a algo e esse algo é um padrão de justeza
fundamental para que a polis se mantenha unida. Por um lado a justiça
corretiva estrita, baseada no modelo aritmético, é quantitativamente
formal, serve apenas em situações em que há um contrato, mas não dá
conta de julgar e igualar indivíduos e seus produtos totalmente diversos
e desiguais respectivamente. Por outro lado, o princípio da
proporcionalidade geométrica que sustenta a justiça distributiva também
é constitutivo da reciprocidade. Ou seja, a justiça da reciprocidade
guarda elementos dos dois outros tipos de justiça, mas não se identifica
plenamente com nenhuma delas porque não adota o princípio
geométrico nem o aritmético, sim o da reciprocidade proporcional.
Com relação ao objeto central de nosso trabalho esta discussão é
relevante na medida em que a justiça envolve fatores econômicos em
pelo menos três sentidos inter-relacionados. Primeiro, o vício da
ganância é citado como uma das possíveis causas dos desvios
55 Enquanto a justiça corretiva corrige uma troca que foi injusta de antemão, a justiça da
reciprocidade é o que torna uma troca justa (MILLER JUNIOR, op. cit., p. 73).
econômicos e, portanto, de várias querelas que interferem na
manutenção da vida boa na polis o que envolve, naturalmente, a virtude
da justiça. A ganância claramente viola a justiça porque representa o
ganho de alguém a partir do prejuízo de outro. Aristóteles não defende a
justiça como sinônimo de igualdade estrita, sem qualificação. Como
explica Richard Kraut, certamente é um tipo de igualdade e de
desigualdade, afinal: “A pessoa injusta é, num sentido, ilegal; em outro,
é desigual. Correspondentemente, a pessoa justa é, num sentido, legal;
em outro, igual.” Porém Aristóteles se preocupa em demarcar as
diferenças e a simultânea interconexão entre justiça e igualdade:
A pessoa injusta é aquela que não está satisfeita
com a parcela da igualdade que lhe cabe, ela
deseja mais e sua vontade deixa os outros com
menos. Isto mostra que a pessoa justa é aquela que
se satisfaz com a partilha equânime, escolhe algo
entre aquilo que a pessoa injusta reserva para si (o
excesso) e o que deixa para os outros (o pouco).56
A justiça consiste na igualdade e é o meio entre dois extremos
indesejáveis, o excesso e a carência. O injusto contraria a fórmula da
mediania, o princípio da justiça aristotélica. Assim é compreensível a
associação entre o injusto e o ambicioso, entre justiça e economia. O
injusto viola não somente as leis escritas, mas um conjunto de costumes
e normas sociais aceitos e que proporcionam a existência da
comunidade57, uma existência estável. A ganância, a ambição, não é
apenas um desejo excessivo por ganho monetário, também é por
honrarias, por reconhecimento social, por maior segurança ou por outros
bens. (EN, 5, 1130b10-14). É violação do princípio da mediania porque
para obter mais o ambicioso não se detém ao saber que o outro obterá
menos, pelo contrário, acredita que ele merece muito mais que os
outros. Richard Kraut é muito perspicaz ao observar que:
quando alguém exerce o vício da pleoneci/a,
não está violando uma lei ou regra que é
56 KRAUT, Richard. Aristotle Political Philosophy: Founders of Modern Political and Social
Thought. Oxford University Press, USA, 2002, p. 102.
57 Justiça não são somente os códigos escritos pelos legisladores de uma comunidade, é um
amplo conjunto de normas que governam os membros dessa comunidade. Por isso: “a pessoa
injusta é caracterizada não somente pela violação dos códigos escritos, mas de modo mais
amplo, pela transgressão daquelas regras aceitas pela sociedade em que ela vive.” (Ibidem, p
geralmente respeitada em sua comunidade. Ele
considera tais regras como restrições ilegítimas ao
seu comportamento. Ele não admira aqueles
cidadãos que seguem as leis, pelo contrário,
considera-os tolos e fracos.58
A injustiça do ganancioso é a expressão de seu pretenso senso de
superioridade e seu prazer não é derivado apenas do ganho excessivo,
mas da satisfação de ganhar o que o outro perdeu por esse último ser
inferior, ser um tolo e fraco. Voltaremos ao problema da ganância para
decifrar a causa da confusão quanto ao objeto da economia, no momento
basta perceber que a busca pelo ganho material, pela riqueza, estabelece
uma relação direta entre as atividades econômicas e a observância da
justiça na comunidade, na polis.
Num segundo sentido, a justiça envolve fatores econômicos na
medida em que a manutenção da justiça é essencial para a formulação
de uma constituição capaz de estabelecer critérios para a troca
(comercial ou não) e para a distribuição dos bens e das funções dos
cidadãos na comunidade. Fred Miller esclarece que a constituição além
de incorporar a justiça em seus vários sentidos (universal e particular),
também exemplifica suas formas particulares (corretiva, distributiva e
da reciprocidade):
A justiça distributiva guiará legisladores e outros
políticos preocupados com a distribuição de
cargos e propriedades entre cidadãos, e ainda as
atribuições de encargos (impostos, obrigações
militares e serviços públicos). A justiça corretiva
será exercida pelos jurados e pelos magistrados
encarregados de retificarem as injustiças já
cometidas. A justiça da reciprocidade é para
orientar os magistrados na regulação do mercado
de trocas e também os cidadãos à medida que
ocupam cargos públicos.59
Um dos problemas centrais de qualquer constituição é definir não
apenas o que distribuir, corrigir ou retribuir conforme a igualdade e a
justiça, mas qual o critério para o cumprimento da justiça equânime para
que se promova o bem tanto dos ricos quanto dos pobres. A formulação
58 Ibidem, p. 138.
59 MILLER JUNIOR, op. cit., p. 80
do tipo de constituição envolve problemas como distribuição da
propriedade, dos encargos financeiros, dos cargos públicos, dos tipos de
leis e de educação conforme o propósito da própria constituição – se
será mais voltada à aquisição de bens e de honrarias ou ao cultivo das
virtudes.60
Finalmente, a justiça envolve fatores econômicos no sentido em
que na justiça da reciprocidade proporcional não há um terceiro
elemento para resolver questões de intercâmbio, os próprios sujeitos
encontram um critério para efetuarem a troca e é a partir daí que tem
início a investigação sobre o padrão de troca, um dos problemas centrais
na história do pensamento econômico. Desse modo, veremos que, se por
um lado Aristóteles condena os vícios, altamente permissíveis ao bem
comum, por outro, ele está profundamente preocupado em encontrar um
ponto equidistante para que a relação de troca seja efetuada conforme os
princípios da justiça.
1.2.1 Significado da troca
Visto que na antiguidade a economia não alcançou a autonomia
típica da economia na modernidade, sua análise está sempre permeada
por outros fatores éticos, religiosos e jurídicos, entre outros. De qualquer
modo, é a partir da classificação dos tipos de justiça e de injustiça,
elaborada por Aristóteles, que surgem os principais problemas que
historicamente suscitaram os primeiros passos da análise econômica,
afinal, qual é o padrão que servirá para o julgamento conforme a justiça
de reciprocidade proporcional? Ao buscar um padrão a pesquisa
aristotélica parece guardar fortes conotações de análise econômica,
suscitando em algumas correntes teóricas modernas um grande
interesse, pois tudo indica que o instrumento metodológico utilizado
para medir a troca de equivalentes é matemático. Essa discussão é muito
complexa e abrangente, é sobre um padrão para a troca que, de alguma
forma, envolve todas as outras trocas anteriores. Se o padrão for, por
exemplo, a virtude (a)reth/), então a justiça de reciprocidade seria
apenas uma derivação da justiça distributiva e a questão seria sobre o
critério do mérito conforme a riqueza, a virtude, a liberdade, etc. Assim,
talvez os problemas pudessem ser resolvidos politicamente a partir da
intervenção direta do Estado, porém apesar da sua incontestável
importância, nesse momento o Estado não é requisitado, ao menos não
antes de encontrar tal padrão.
60 No próximo capítulo trataremos com mais detalhes a relação entre economia e constituiç
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