sexta-feira, 23 de agosto de 2024

Jacob Burckhardt

Jacob Burckhardt no pensamento de Nietzsche file:///C:/Users/HOME/OneDrive/Documentos/Jacob%20Burkhardtd%20e%20Nietzsche.pdf O presente trabalho procura evidenciar a relação existente entre Nietzsche e o historiador Jacob Burckhardt acerca de suas considerações no que concerne a “utilidade e desvantagem da história para a vida”. Em Reflexões sobre a história, Burckhardt disserta sobre temas como o determinismo histórico, a relação entre história e arte, o progresso e a grandeza humana. Estes temas foram bastante apreciados por Nietzsche em sua Segunda Consideração Intempestiva e recorrente em toda sua obra posterior. ... Segundo Peter Burke, a concepção burckhardtiana de história era totalmente divergente da maioria dos seus contemporâneos. Burckhardt rejeitava tanto o hegelianismo quanto o positivismo que atribuía à história o caráter de ciência no sentido moderno. Sobre a filosofia da história hegeliana, ensinava aos seus alunos que suas aulas sobre o estudo da história estavam dissociadas de “qualquer filosofia da história”. Sendo para ele, tal filosofia um contra-senso, uma vez que a história era a-filosófica e a filosofia ahistórica (BURKE, 2009, p. 19-20). Ou seja, em filosofia não há historicidade, no sentido do pensamento ser sempre permanente, e em história não há filosofia no sentido de não existir nela uma filosofia da história aos moldes do hegelianismo. Quanto à ideia de uma história aos moldes da ciência moderna, Burckhardt discordava, pois para ele a história deveria ser vista como uma arte. A história era uma modalidade literária equivalente à poesia, pois era uma arte produzida para agradar o espírito. Por isso, procurava no passado aquilo que de mais interessante este pudesse lhe oferecer. Não gostava de acumular fatos, pois para ele, os fatos necessários ao homem são aqueles que traduzem uma ideia de grandeza ou que marcaram de forma extraordinária uma época (BURKE, 2009, p. 19-20). A história para Burckhardt, assim como para Nietzsche, deveria ser caracterizada por uma força magistral que estivesse a serviço da vida e que fosse capaz de gerar grandes homens. A análise da Segunda Consideração Intempestiva: da utilidade e desvantagem da história para a vida e das aulas proferida por Burckhardt em Basiléia, mais tarde editada com o título Reflexões sobre a história, permite-nos observar a influência de Burckhardt no pensamento de Nietzsche, sobretudo, no que concerne a pontos chaves como: a ideia de grandeza, a inexistência de grandes homens na modernidade, a influência da arte no processo de criação e as críticas ao historicismo e ao progresso da história. São os temas proferidos por Burckhardt em suas aulas que fizeram o jovem Nietzsche ruminá-las e comentá-las a sua maneira ao falar da utilidade e dos inconvenientes da história para a vida. A filosofia da história e o seu progresso Mesmo sendo de uma época em que a filosofia da história e o cientificismo histórico estavam em alta, Burckhardt esteve pouco a vontade com tais acontecimentos. Em sua obra póstuma Reflexões Sobre a História, editado a partir dos escritos para as suas aulas em Basiléia, Burckhardt descreve a filosofia da história com as seguintes palavras: No concernente às qualidades características da filosofia histórica vigente até agora, cumpre-nos observar que ela seguia a História e fornecia-nos visões longitudinais dos acontecimentos, em outras palavras: ela seguia um critério cronológico. Desta maneira tentava elaborar um programa geral da evolução mundial, na maioria das vezes sob um ponto de vista extremamente otimista (BURCKHARDT, 1961, p. 10-11). Segundo Burckhardt, Hegel afirmara a razão como o único pensamento acrescentado pela filosofia a comandar o mundo. Concluía-se deste pensamento que o resultado da história universal deveria ser o reconhecimento de um processo evolutivo do Espírito em todo o mundo. Hegel desenvolveu a ideia segundo a qual, a história universal seria formada a partir de um processo evolutivo do espírito que chega a consciência plena de sua própria significação. Dessa forma, seria possível perceber um progresso que tinha como finalidade, levar a história ao processo de liberdade através dos tempos; pois no Oriente, a liberdade pertencia a um só, o rei, na Grécia clássica, a poucos, os cidadãos, e, nos tempos modernos, a todos, pois todos se tornaram livres. (NÓBREGA, 2007, p. 70). Entretanto, a ironia de Burckhardt se faz presente ao afirmar que “não fomos iniciados nos desígnios da sabedoria eterna e, portanto não os conhecemos. Esta audaz antecipação de um plano mundial conduz a erros por partir de premissas errôneas” (BURCKHARDT, 1961, p. 11). Para Burckhardt, a ideia de um Espírito Absoluto determinando a história universal, não passa de premissas equivocadas que não são capazes de convencer por si só. Este era para ele, o perigo de toda e qualquer filosofia da história cuja estrutura estivesse posta cronologicamente: degenerar-se em uma visão universal da história desconsiderando suas particularidades, como se a história fosse sempre homogênea e limitada aos acontecimentos em torno do Estado. Assim como Nietzsche, Burckhardt acreditava que a história estava em constante reativação. Por isso, não existia retas que a conduzisse para um bem ou para um mal. Consequentemente, não havia um fim determinando a história, pois ela se auto-regula sem que haja a presença de leis externas que a determine. Para Lima: Burckhardt descrê que a história tenha leis ou esteja investida de um fim, mas, para ele, tampouco se confunde com uma arena em que se entredevoram lobos que falam. Em vez de ser isso ou aquilo, a História é a residência de um animal contraditório, capaz de atrocidades, de promover e de suportar dores incríveis e de criação (LIMA, 2003, p. 14.). Segundo Burckhardt, “ao passo que os filósofos da história estão presos à especulação em torno às origens e devem, portanto, falar também do futuro, nós podemos dispensar essa teoria das origens, desligando-nos também, consequentemente das teorias finais, da escatologia” (BURCKHARDT, 1961, p. 12). Por conseguinte, seu interesse parece não ter sido o da especulação relacionada a uma determinada filosofia da história. Sua motivação maior foi analisar o ser humano a partir de suas atribuições diárias, “tal como ele é, sempre foi e será”. Este aspecto do pensamento de Burckhardt foi de perto acompanhado pelo jovem Nietzsche que fez de sua Segunda Consideração Intempestiva um verdadeiro campo de batalha contra a cientificidade da história e o hegelianismo que com sua filosofia da

Judith Butler O genero em disputa resumo bbb

|aqui o resumo capitulo por capitulo https://www.bookey.app/es/book/el-g%C3%A9nero-en-disputa https://www.lauragonzalez.com/TC/El_genero_en_disputa_Buttler.pdf bbb

segunda-feira, 19 de agosto de 2024

Cultura greco-latina bbb perseguição pelos cristãos

La persecución de la cultura greco-latina en la Edad Media - Dra. Ana Minecan https://www.youtube.com/watch?v=m-RJZyraDn0&t=33s

sexta-feira, 16 de agosto de 2024

Aristóteles justiça polis bbb

https://www.academia.edu/4841178/ARISTOTLE_AND_AESCHYLUS_ON_THE_RISE_OF_THE_POLIS_THE_NECESSITY_OF_JUSTICE_IN_HUMAN_LIFE?email_work_card=title The issue of justice is central to political thought and of fundamental impor- tance to a complete understanding of politics. Both Aristotle and Aeschylus argue that politics or human political activity necessitates justice. 2 Aristotle says that without justice there can be no city and therefore no political life (Pol. 3.12.1283a19–22). Aeschylus dramatizes this point in his Oresteia. It is clear, at least in Aristotle, to be fully human, human beings need the political community to fulfil their natures (Pol. 1.2.1252a25–53a40). 3 he claim made by Aristotle that ‘human beings are political animals’ (Pol. 1.2.1253a2–6 and 3.6.1278b18–19) has, in the past several years, become controversial topic in Aristotle scholarship. 4 In many ways, the ‘political ani- mal argument’ was put forward to stress the natural sociability of humans, against the view held by Hobbes and other modern political theorists, who argue that human sociability is not per se natural. The rejection of human nat- ural sociability culminates in the rejection of Aristotle’s claim that the polis (city) or the political community is natural. 5 Also, a good portion of the schol- arship concerning the political animal question in Aristotle’s political thought, fails in at least four ways to address the issue of why the political community must be authoritative over all other human associations. The four failings are the following. 1) There is a tendency, among certain scholars, in their attempt to defend the natural sociability of human beings against the arguement of Hobbes et al., either to undermine or ignore the distinction between the political community and the household. 6 In doing so, these mod- ern scholars, who claim to be defending Aristotle’s understanding of political animals, seem to forget that Aristotle explicitly states that those who fail to distinguish between the household and the polis — as being different in kind and not merely different in terms of number or size — ‘do not argue rightly’ (Pol. 1.1.1252a7–15). 2) Another tendency, of another group of scholars, is to overstress the cultural and productive (or technological) aspect of human nature, which they believe really defines human beings as political animals. 7 This group believes that physical and linguistic social constructs are what define how humans are political. Yet this view ultimately denies any sort of naturalness to the political bond and therefore tends to turn Aristotle into Kant or another modern social thinker. 3) Then there are those scholars who claim controversy over Aristotle’s claim that ‘man is a political animal’. See Thomas Hobbes, Leviathan and Jean Jacques Rousseau, Second Discourse [Discours sur les origins de l’inégalité].political community is not natural. But the focus of this paper is the naturalness of the political community. hat Aristotle’s political animal teaching is a blunder, which forces an incon- sistency in Aristotle’s political thought, when otherwise he would really agree with Hobbes, that the political community is a human construct and is not really natural. 8 4) Finally, there is another group of scholars who in a way agrees with the view stated above, but argues that Aristotle does not make a blunder; instead the blunder about the naturalness of the city is an esoteric cover, one which points to the tension of the city and the best way of life — i.e., philosophy. 9 All four of the above groups of scholars seem to address how or how not human beings are political animals, usually in strictly biological or anthropo- logical terms. They tend not to address the question in political terms — i.e., that politics is the ruling or most central concern for human beings. Thus, against the aforementioned ways of looking at the political animal question, I will examine a question that was ignored by the above scholars — namely, why the city or the political community must be authoritative. Addressing this question is of utmost importance if one desires to understand why human beings are political animals. It is the logic of man’s political nature which requires that the polis or the political community be authoritative — i.e., to have the authority or the power to sanction, legitimize or empower — in mat- ters of human affairs. To do this, we must explore the origins of the polis and Aristotle’s claim that the polis is prior to both the individual and the house- hold (Pol. 1.2.1253a19). Although Aristotle gives us the conceptual frame- work to address this question, Aeschylus gives us a poetic example, which not only dramatizes but also clarifies and presents explicit reasons why the politi- cal community must be authoritative, that are implicit in Aristotle’s account. Aeschylus’ trilogy suggests that the city became authoritative when the forces of the household were made to submit to the laws of the city. Or as Fer- guson says, ‘the play cycle is about the blood feud coming under the rule of law, and the people caught up in the process’. 10 This article will attempt to show how Aeschylus’ trilogy helps us come to a fuller understanding of Aris- totle’s teaching about the authoritativeness of the polis. Although the authori- tativeness of the polis over the household is stated by Aristotle in the Politics, nowhere in that text is it shown how or why the polis became authoritative. On the other hand, Aeschylus’ Oresteia, especially the Eumenides, dramatizes both how and why the polis is authoritative. It shows how the old gods, repre- sented by the Furies, which symbolize the power of the household, are put under the control and rule of the polis. Thus the tension, between the new — Olympian — deities and the older deities, is an intentional reflection of the tension between the household and the political community. As Christian Meier contends, the discovery of the political occurs when political life through community — derived decisions override family/kinship — derived decision processes. This is the teaching of the Oresteia. At the end of the Oresteia, the realm of the household, oikos, is now to be under the authority of the polis or more correctly the political community. 11 In one sense the Oresteia represents not the rise of the polis per se, since the polis may be said to have existed before the end of the trilogy, but the rise of the authoritativeness of the polis or, as Meier says, the discovery of the political in Greek political thought. 12 Meier says that the Oresteia ‘gave expression to the political at the very moment when it first burst upon Athens, and did so, more- over, in a manner that was wholly adequate to the theme and is still relevant today’. 13 Although the Oresteia concerns itself with showing how the politi- cal became authoritative, let us not forget the particular regime that triumphs at the end of the trilogy — Athenian democracy — and Aeschylus’ role in giv- ing it a defence. Also, W.B. Stanford argues that Aeschylus’ portrayal of Athena’s founding of the Areopagus presents him as a ‘conservative demo- crat, conserves his origins by competing with them, evincing their potential for the future’. 14 I The plot of the Oresteia should be familiar to most readers. The Oresteia is in fact a trilogy — Agamemnon, The Libation Bearers, and The Eumenides. It begins with Agamemnon, the leader of the Greeks in their war against the Tro- jans, returning home from the war. He returns home the victor of a great, yet costly war. He brings back many great prizes. One of them is the Trojan prin- cess Cassandra. While expecting great acclaim and acknowledgment upon his triumphal return, he finds his wife Clytemnestra has taken up with Aegisthus, a political enemy. The reason for her action is that she desires revenge on Aga- memnon for the sacrifice of their daughter Iphigeneia. Clytemnestra plots Agamemnon’s death with her lover to revenge Iphigeneia’s sacrifice by Agamemnon, whom he sacrificed to win the war against Troy. Although Aegisthus does not actually take part in the killing — Clytemnestra alone murders Agamemnon — he goes along with the plot so he may take over the city. Agamemnon ends with Clytemnestra and her lover Aegisthus in charge of the city and the citizens waiting for Orestes to remove the newly imposed tyranny. 15 Although the citizens of Argos challenge what both Aegisthus and Clytemnestra did, they are powerless to right it. Although the citizens can easily rise up and kill both murders, 16 they lack the authority or sanction to take action against either Aegisthus or Clytemnestra. The citi- zens must wait for Orestes, who because he is Agamemnon’s son, has sanc- tion to take vengeance. The city of Argos is thus reduced to the household of Agamemnon, where only the head of the household has authority to pursue policy. Orestes, who is in exile, returns home to mourn over his father’s grave. There he meets his sister, Electra. Although he desires to revenge his father, he has some doubts. Electra demands that her father’s murderers be punished. This is the story of The Libation Bearers. To aid him in his decision, Orestes informs her that he sought counsel from Apollo’s oracle. He says the oracle told him to ‘kill them to match their kill- ings’ or the Furies of his father’s blood would drive him mad. Now resolved to do as Apollo’s oracle commands, he disguises himself as a stranger to enter his mother’s house. He then kills both his mother and Aegisthus. Apollo then requires Orestes to cleanse himself. Although he does what Apollo requires, his mother’s Furies nevertheless pursue him, attempting to drive him mad. This is how they seek vengeance for the murder of his mother. The Eumenides begins with Orestes fleeing from the Furies. He again appeals for Apollo’s protection. The god arrives but he cannot stop the Furies’ wrath. In an attempt to stop the Furies and aid Orestes, Apollo arranges with the Furies for a trial of Orestes with Athena presiding. In Athens, however, ARISTOTLE & AESCHYLUS ON THE RISE OF THE POLIS 51 15 Peter Euben rightly argues that Clytemnestra’s actions take her beyond the proper scope of human action, thus endangering the possibility of human association (The Road Not Taken: The Tragedy of Political Theory (Princeton, 1990), pp. 72–5). However Euben’s feminist sensitivity understates the differences between the injustices of Aga- memnon and Clytemnestra. In one sense, although Agamemnon’s actions are harmful to his own family, they could be justified in the context of faithfulness to one’s own oath. Remember, he is obligated by an oath to punish the Trojans for their injustice to his brother. On the other hand, Clytemnestra’s acts are far worse than her husband’s since they destroy the basis of marriage, which is the most fundamental basis of human associ- ation that does not rely upon force. 16 Nicholas Rudall says that the powerlessness or inaction of the free male citizens in Agamemnon should be contrasted to the slave women, who are prepared to take action, in the beginning of LB (Green and O’Flaherty, The Oresteia of Aeschylus, p. 21). Although the slave women are equally without authority to act, their thirst for vengeance — echo- ing the same thirst in the Furies against Orestes — has a plausible justification against tyr- anny. Clearly the rule of Aegisthus and Clytemnestra is tyrannical and since tyranny is an abrogation of the standards of all established authority and social norms, thus the slave women’s lack of authority to act can be practically ignored given the general lawlessness of the newly established political regime. Yet the slave women do not act. Rather, Orestes, who in the old system — as heir and head of the household — alone has authority to act, carries out what they themselves desire to do, revenge Agamemnon’s murde Athena says she cannot decide the case of murder alone, because the law requires a jury trial. In doing this, Athena establishes the Areopagus as the political institution in Athens which is concerned with justice and the rule of law. 17 A jury trial is agreed to. Apollo presents his defence of Orestes and his actions. As Meier says, in this play, ‘right is pitted against right: a worse dilemma cannot be imagined’. 18 Following Apollo’s defence, the Furies present their case against Orestes. Meier argues that the Furies ‘alone have assumed the task of avenging Clytemnestra, since no mortal avenger is left’. 19 Thus they see their role as defender of blood ties and are forced to take action against Orestes, since no one else shall. Athena, before the jury hands in its verdict, says her vote will be for Orestes, because she is wholly for the father, and if there is a tie Orestes is to go free. With Athena’s vote, the vote of the whole jury results in a tie — thus the verdict favours Orestes. Ferguson suggests that there is a relationship between the number of speeches made by both parties and the vote of the jury. He says ‘the Furies have spoken six times, Apollo five; there are six votes for condemnation, five for acquittal’. 20 The Furies are not satisfied with the out- come of the verdict. Although they will end their pursuit of Orestes, they now desire to seek vengeance on Athens. Athena is aware of this and being Athens’ protector she tries to persuade the Furies not to engage in that course of action. Instead, she attempts to persuade them to be the special guardians of the city. She is successful in her argument and the Furies are reconciled to the city. The play ends with Orestes restored as ruler of Argos, promising that Argos will never be an enemy of Athens, and the Furies, now to be known as the Eumenides, becoming the defender of the city. In the Eumenides, there is a clear tension between the old gods, the Furies, and the new gods, Apollo and Athena, fathered by Zeus. This tension echoes the tension that is found in the play between the household (and the pre-politi- cal) and the city (and the political). The old gods are aligned with the house- hold and the new gods are aligned with the city. This is important: At the time of the trial, the Furies are still unreconciled toward the city. The household bonds, expressed as kin loyalty, force one to a cycle of revenge, in order to right wrongs done to the family. There is no end to vengeance and no peace. The desire for peace, which is needed for the fulfilment of human happiness (eudaimonia), entails that one rise above one’s own — kin ties — to some other claim that is more authoritative. This other claim is that of the polis. In attempting to understand the tension between the household and the polis, we can turn to Aristotle on the political and the polis. 21 He says that human beings are political animals (Pol. 1.2.1252b30–53a5 and 3.6.1278b18–19). Yet Aristotle also says that the family, expressed in terms of the household, is natural (Pol. 1.2.1252b10–14 and 1.2.1253a15–18). In the Nicomachean Eth- ics, Aristotle is more explicit concerning the naturalness of the family. He says that, The friendship of man and woman also seems to be natural. For human beings naturally tend to form couples more than to form cities, to the extent that the household is prior to the city, and child bearing is shared more widely among the animals (NE 8.12.1262a17–19 [my emphasis]). The two ties are essential to our nature as human beings, yet in order to be fully human we need justice. In the last analysis, for Aristotle, justice (what reason informs us that nature or human nature suggests is the right and fitting course of action) — or at least one’s perception of justice — is what truly defines a city. He explicitly says that without justice there is no city (Pol. 3.12.1283a19–22). This only reinforces his argument concerning the political nature of human beings. But would not the passage from Aristotle, which seems to say man is a bonding animal, imply that the household is prior to the polis and being prior to the polis, is also more authoritative than it? This appears to be, in that being prior seems to imply being historically prior and thus having a more ancient origin than the polis. Being older tends to give more authority and if the family is prior, and thus older, it would appear to have more authority than the polis. But note that Aristotle says that the bond- ing between man and woman is more natural than the formation of cities because couples are more easily formed than are cities. Thus the forming of couples over cities is accidental and due to the relative simplicity of forming a couple, compared to the greater difficulty of creating a city. Yet the passage infers something more significant than the statement that couples arise more easily than cities. The passage seems to suggest that the association between the paired man and woman is akin to or similar to the political community. This would further suggest that the household is more dependent on the polis than one would originally think. But Aristotle does not develop either claim to any final extent. Rather, he merely argues that the polis is not only prior to the household (and the individual) in terms of existence (Pol. 1.2.1253a19), but it is also authoritative, which means the household is subordinated to it. On this point, the setting of the Oresteia is extremely informative, in that the two natural human ties — of family and of city — are not yet unified. Rather, it could be said that there is truly no polis — or at least it has not yet become authoritative over the claims of the oikos, the household. To repeat: the setting of the Oresteia is one in which the polis or the political community is not yet authoritative. Rather the household, oikos, is still the source where legitimate moral and social authority emanates. But as shown by the action of both Clytemnestra and Orestes, who only act out the blood heritage of their family, the household only has recourse to revenge and vengeance, which is shown to be unending. The example of the Furies, the defender of the oikos, compels us to examine how non or a-political forces are limited in their attempt to rectify wrongs done. It is clear in the trilogy that, for the household, revenge is the only ave- nue available to rectify injustices. Yet, vengeance is unending, in that those who are acted against will desire to right what they now perceive to be an unjust injury. In one sense vengeance only ensures further vengeance. Also, vengeance allows no purgation of crimes committed or evil deeds done to enact it. It allows no peace nor happiness. It is the cycle of unending retribu- tion. The cycle of violence is also reflected in the nature of the gods. Ferguson observes that, ‘Ouranos ruled the gods by violence and was overthrown by violence. Cronos ruled by violence and was overthrown by violence. Zeus now rules’. 22 This seems to indicate that up until the end of the Oresteia, there seems to be no end to the cycle of violence. But Ferguson notes that Zeus’ rule is unlike the rule of the other divine ruler, in that he does not merely rule by force but through wisdom as well. 23 Zeus’ rule is a break in the cycle of vio- lence and thus is an attempt to establish the permanence of his rule over the gods. Zeus’ actions — or directions — reflect the necessity to end the cycle of violence within the human community, in that Apollo claims he is acting on Zeus’ orders. To end it will allow the establishment of a form of human rule that will lead to human happiness (eudaimonia) or, as Martha Nussbaum would say, lead to the flourishing of human beings. 24 The ending and purging of this cycle of violence is something required if human beings are going to be able to live together in a fine and noble fashion. In one sense, the Oresteia is all about the need to establish some source of authority that will judge on matters of perceived injuries and evils. The 54 C.A. BATES 22 Ferguson, A Companion to Greek Tragedy, p. 78. 23 Ibid., p. 79. 24 Martha C. Nussbaum, The Fragility of Goodness: Luck and Ethics in Greek Trag- edy and Philosophy (Cambridge, 1986); ‘Nature, Function and Capability’, Oxford Studies in Ancient Philosophy, 6 [suppl.] (1988) pp. 145–84; ‘Human Functioning and Social Justice: In Defense of Aristotelian Essentialism’, Political Theory, 20 (1992), pp. 202–authoritativeness of the political community allows the submission of griev- ances to a non-participant judge who binds all parties to the decided outcome. This is what law attempts to do. Law is, thus, the particular embodiment of justice in the given political framework of a given political system. The estab- lishment of authority of law in the city is an attempt to redress wrongs and pre- vent further injustices. However, the Furies also claim to redress wrongs and the Furies’ wrath caused both fear and terror in the minds of human beings that restrained them in their acts against their own. This is not enough, because human beings must associate with more than merely their kin in order to live finely. However, the Furies seem not to care about injustices done to strangers or people one is intimate, rather they merely defend the ties of blood kin. Also, the Furies are unending and single minded in their pursuit of viola- tors of kin ties. Thus they bring about the cycle of violence that the city desires to escape from. III The wrath of the Furies, by perpetuating the cycle of unending and relentless violence, does not allow the possibility of human community. Although it does allow for the perpetuation of the family, via the preservation of the ties of blood, it ignores the ties of oaths or of words spoken. Recall that the Furies are deaf to the violation of Clytemnestra’s marriage vows (Eum. 209–225). In fact they reject their duty to revenge Agamemnon’s murder because Clytemnestra was not blood kin to her husband. From the point of view of the Furies there is only one really important association, that of blood ties. Aristotle argues that there are two natural human associations: 1) family, and 2) political community. 25 The first is expressed in the household, oikos, and the second is expressed in the city, polis. The Furies only protect the ties of blood and this is essentially the realm of the oikos, the household. In regard to the city, the Furies are originally its enemies. This is made explicit, when the Furies awaiting the jury’s verdict, say to Apollo, I wait to hear the settlement. I have two minds still about my hate for the city (Eum. 731–32) This implies up to this point, the Furies clearly perceived themselves to be an enemy of the city, but now they appear to be undecided how to direct their hatred. Their hostility towards the city goes along with their ignoring the importance of speech or words. Not only do they ignore the marriage vow of Clytemnestra as unimportant, they will not let words have power over them. This is shown when the Furies refuse to let Apollo stop their prosecution of Orestes by the power of his words (Eum. 228). The Furies in the beginning will not let mere words stop them in their demand for vengeance and Apollo and the other gods appear either not to desire to use force or cannot use force to stop the Furies. However, when Athena does end the Furies’ hostility to both Orestes and the city, she does so not with force but through speech. She accomplishes this feat because the Furies are worn down by the power of Athena’s words. Note that she tries to subdue them by persuasion at least three times before the Furies surrender to her argument. Why is Athena’s speech more powerful than Apollo’s? Clearly it rests within the greater persuasive- ness of her speech over Apollo’s. This is so because, unlike Apollo’s, Athena’s speech does not exclude, reject or spurns the Furies. Instead, her speech offers them a new and more important a role to play in the new dispen- sation. She offers them beauty and role in defending the political community, whereas Apollo merely desire their downfall. The Furies ignore the claim of the marriage bed, and hence of the oath that makes possible the marriage bed. But is not the relationship between husband and wife, properly speaking, the realm of the household? The Furies say No! In this sense their view of the oikos agrees with Kevin Cosner’s Wyatt Earp that wives (or husbands) come and go and live and die. The Furies would wholeheartedly agree with Earp’s father who says ‘that blood kin is all that matters, all the others are strangers’. Clearly the Furies hold to this same phi- losophy — blood kin over all, there is no other significant obligation. The view presented by the Furies, that blood ties are the only ties that mat- ter, very emphatically states that the most significant bond for the household is the bond of parent and child. In one sense this view is not incorrect, in that the bond between parent and child is the preservation, hence survival, of the household. Without the next generation the household dies. Because of this fact, the next generation owes a debt to the previous one for both giving them life and giving them a particular heritage. It is this debt that the next genera- tion has to the previous one and it is the source of the Furies’ authority, in that it is wrong for a debt to be dishonoured. The breaking of this bond is seen as a sacrilege that demands retribution. This is why Orestes is hounded. His act of killing his mother is seen as ignoring the debt of one generation to its prede- cessor. Also, this is why Clytemnestra is not haunted by them. She is no blood relation to her husband and hence owes no debt to him. Aristotle suggests that the relationship between husband and wife, properly speaking, belongs not to the household but to the polis, in that the relationship between man and wife is not one based upon either master-slave or the rule of the foresighted over one lacking in foresight. Rather, the relationship between man and wife is akin to the relationship of citizens in the political community. Therefore the limited protection of the oikos by the Furies opens the door to the fuller protection by the polis. Thus Aristotle allies the marriage relation to the political relation, rather than either economic-household rule or despotic rul Please recall that at Politics 1.2.1252a25–b1, the two reasons for social association are: 1. reproductive bonding and 2. the rule of the foresighted over those who lack it. Clearly the household involves both these associations — the pairing of man and woman and also both the rule of parents over children and masters over slaves. Yet in one sense it overlooks something about the first association. The process of sexual reproduction involves two stages: 1. the union of male and female, and 2. the birth of offspring from that union. Although birth of offspring necessitated the union, the union does not neces- sarily produce the offspring. In other words, you can have the pairing (or bonding) of man and woman without necessarily bearing young. Therefore the pairing has a character to it that is more than merely the desire to reproduce another like one’s self. The claim of the Furies, and hence the household in the Oresteia, is the claim of blood ties and thus they concern themselves with the second aspect of the bonding of man and women — the production of offspring. Here is the tie of blood from one generation to another. Here is how the household is perpet- uated. But the Oresteia seems to indicate that the guardians of the household, the Furies, have no concern for that which necessarily is prior and necessary for the generation of offspring — the paring of husband and wife. The Furies are not concerned with the killing of a husband (or even a wife), but merely of a mother (or a father or a son, daughter, brother or sister). 26 This supports Aristotle’s claim that the relationship between husband and wife is not similar to the household/economic rule or despotic rule, but to political rule. This is why the polis must be both prior to the household in nature and more authoritative than the household. The relationship between husband and wife is the political bond — oaths are sworn to be loyal — like the oaths citi- zens make. One has some choice in marriage, one has no such choice in blood ties. Thus marriage is like politics in that one deals with choice or different possible courses of action, hence praxis The Oresteia is set against two different cities, with two different regimes (politeiai): Argos and Athens. It is through these two cities and their differ- ences that the question of how justice arises from the political first becomes clear. Argos is an elected kingship, whereas Athens is some form of limited democracy. First let us examine Argos and its regime and then Athens. Argos’ regime, elected kingship, is one of the five forms of kingship men- tioned at Politics 3.14. The succession of the title of king is to be passed on from father to son. This is the law of Argos. Clytemnestra and Aegisthus’ murder of Agamemnon, along with the forced exile of Orestes, enact a revolu- tion of regimes in Argos, from kingship to tyranny. Thus an act of vengeance becomes a revolution in regimes. Clytemnestra and Aegisthus’ reign in Argos is clearly tyrannical. It is tyrannical in that it both violates the law, nomos, of succession of the title of king from father to son and is rule over unwilling sub- jects. The latter point is clear in what is said by the citizens in the ending of Agamemnon. After hearing the death moans of Agamemnon, the chorus of cit- izens say, It is the king crying out; I think all is over. But let us plan safety for ourselves — if we can. My vote is to cry, Help! to the citizens to come to the palace. Yes, and at once, I think, to catch them red-handed with dripping sword. I think you’re right; at least we should do something. It certainly isn’t the moment for hesitation. But we can see. This is a kind of first act; it looks like the beginning of a tyranny. Yes, it does — because we’re wasting time. Their hands don’t sleep, and they trample underfoot the good reputation of delay (Agm. 1343–1357). Yet this passage points out another and more important problem with the regime of Argos. With kingship, the regime of Argos, it is too easy to confuse the household of the king with the city. Thus the distinction of the household and the city is blurred under such a regime. Clearly the problem of the blurring of the city and the household is seen in the reaction of the citizens of Argos to the tyranny imposed by the two mur- derers. The citizens say, Are we then, in order to stretch our own lives, to yield to a government that shames our royal house? No, that is awful. Death is better than that. Death is better than subjection to a tyranny (Agm. 1362–5). Note that tyranny is said to be imposed on the household, not the city (see Aristotle’s Pol. 2, 3, and 5). But clearly Aegisthus and Clytemnestra’s reign is not merely over the house of Agamemnon but over the city of Argos. The citizens are not alone in their confusion over the difference of the household and the polis. Aegisthus and Clytemnestra also blur the city and household. Clytemnestra says at the end of Agamemnon, Do not pay heed to their vain yappings. I and you together will make all things well, for we are masters of this house (Agm. 1672–3). And the inaction of the citizens of Argos and their awaiting for Orestes to set things right shows that in Argos there is no distinction between household and city. On this point Peter Euben says that Clytemnestra, in murdering her husband, ‘moves out of the household to assume her husband’s place’. 27 Euben goes on to argue that like her husband, Clytemnestra assaults both the household and the city. But unlike her husband, she destroys ‘the balance of nature’ between the two. 28 In one sense Euben over-personalizes the action of the play, in that the wrongs Agamemnon commits are inherent in the political nature of his regime — kingship, in which the distinction between the city and his own house is unclear. However, Clytemnestra’s actions are a wilful destruction of the difference of the household and the city. The weak balance between the city and the household that kingship creates is wholly destroyed by her alliance with Aegisthus. She needs him to keep Argos, not her house- hold, controlled. Also, her act of murder of her husband is not only a strike at the household but also the basis of all non-violent human association. Her murder not only destroys the existing social order and replaces it with her arbitrary and wilful rule, but undercuts all human associations and therefore the possibility of human flourishing — happiness. Thus, Euben overstates the balance between household and city, because he ignores Argos’ regime and the role it plays in structuring the action of the characters. The inability to easily distinguish between the city and the household found in the regime of kingship renders the citizens of Argos powerless or without authority to act against Aegisthus and Clytemnestra. Tyranny is a political concept. It cannot be applied to the rule of the household in a fitting manner. The only similarity in the household to tyranny is the despotic rule of masters over slaves — thus the members of the household are all treated as slaves. But despotism and tyranny are not the same. Tyranny is the negation of the laws of the city (or ruling without law or any rules restraining the ruler or ruling body), in favour of the personal rule of the tyrant. Whereas despotism is the rule over slaves or treating persons as though they are merely slaves. Thus Aeschylus’ use of tyranny is said to be inappropriate in that it is anachronis- tic. 29 But I believe that Aeschylus did this intentionally, to force the viewer or the reader to ponder the political consequences of blurring the household and the city. 30 Clearly the citizens of Argos are correct in saying that the new regime is a tyranny, but to say this is to imply a political reality that is not present in the context of Argos. Thus there is no city — or more correctly — no political community of Argos, there is only the household of Agamemnon Therefore there are no citizens, only subjects. 31 Again this is why the chorus awaits Orestes — the son who is in authority after the father. He must lead in the household. If Argos were truly a city, the citizens themselves could have set affairs right and avoided the fate of Orestes. But Argos is not a city and the member of the chorus are not citizens, rather they are subjects of the house- hold and are totally without authority in this matter. This is why after Orestes takes vengeance on the murderers, the dramatic action must leave Argos and go to Athens. V This leads us to Athens and why the last part of the trilogy is set there. Athens is either a form of democratic rule guided by law or some form of rule by a political multitude (see Pol. 4.4.1291b29–92a38 and 4.6.1292b22–93a10). The exact nature of Athens’ regime is not clear, but it does incline to some form of popular rule. Where Argos had a king, Athens in the play has no king presently. Athens on the other hand does have Athena — a goddess. Yet although she is there, she is not sovereign, rather the city and its regime restrain her. This is shown when Athena says that she cannot decide Orestes’ case by herself. Although Athena may have the authority by divine sanction, she defers to the city. Why does she defer her authority to the city? Because, as she argues, the outcome of the case is too great a matter for her to judge, since the poison of the Furies if thought wronged could bring ill to Athens. But another reason is more likely: If Apollo could not stop the Furies from haunting Orestes, could Athena really have more power? One doubts it. So instead of deciding the case herself, which the Furies agreed to originally, the case will be decided by a jury of the citizens of Athens. Now in originally agreeing to having Athena hear the case, the Furies submitted their case to be judged by a deity who was a third party, not directly involved in the case. However, by deferring the authority of the case to the city, Athena defers divine sanction to political sanction. Or she establishes the legitimacy of decisions by the political body concerning such matters, whereas before these matters where dealt with within the moral realm of the household, oikos. As said before, the jury sides with Orestes — only barely because of Athena’s vote. 32 Athena’s vote siding with Orestes may forgive the murder of 60 C.A. BATES 31 See Pol. 3.3–4 about the distinction between being a citizen and being a mere sub- ject. Also see Pol. 1.3–13 concerning the character of the household and the relations of the various members — i.e., husband/wives, parents/children, and master/slaves — within it. 32 The closeness of the vote is interesting in that the ugliness and horrible nature of the Furies versus the beauty, rationality, and nobility of Apollo is almost overlooked by the male citizens of Athens. Far from being the male sexists which most feminist interpreta- tions assert they are, the juror’s outcome is too close to justify such a view. Rather, the cit- izens take seriously the argument of the Furies and are not convinced by Apollo’s argua mother by a son, but it also says that the murder of a husband by a wife (or vice versa) is worse and more dangerous to the life of a political community in that marriage is clearly a political creation. Stanford points out that Athena’s siding with Orestes can be seen as lending support to ‘the ties of marriage, a civic institution, rather than the ties of blood’. 33 The Furies are not happy and wish to punish Athens for acquitting Orestes. However this does not occur. Because Athena is determined to have them become part of the new social order — the city. Athena’s point in bringing the Furies into the political is, as Stanford argues: ‘Think what men might gain . . . if Athens lets the Furies choose for good instead of for evil. Why together they might turn the tragic choice into a victory, nothing less than the birth of law itself, the Furies’ evolution from their origins to the ministers of justice.’ 34 In fact, although Orestes is acquitted, he is not welcomed in the city or at least he is not persuaded to become a citizen of Athens. On the other hand, the Furies are welcomed to become a part of Athens. 35 Thus the Furies are persuaded by Athena to be reconciled to the city and thus to play a very important role in the new order as the city’s special protector. The embracing of the Furies by Athens at the end of the Eumenides symbol- izes the new role that the household and its primary defender will play in the polis. Thus, Euben is insightful on the importance of the Furies. He says that they are ‘as much sustainers of civilization, pious dread of authority, and pun- ishers of pride and violent outrages by men against their own, as they are uncivilized, outrageous violators’. 36 Athena’s actions indicate a fundamental awareness that the polis or the political community as such needs the power of the Furies so that the city is able to defend itself. Thus like the alliance Orestes gives to Athens at the end of the trilogy, the alliance of the Furies to the city is intended to strengthen the city as the source of human fulfilment. Clearly the goods that the household brings are essential to any notion of human happiness or flourishing (see Pol. 2.2.1261a10–b15). However, the problem of the household was its inability to get beyond both the loyalty merely to one’s own and the endless violence that occurred, because of its inability to adjudicate acts of injustice without recourse to personal acts of vengeance. The city provides an attachment that, while it does not implicitly reject the love of one’s own, places restraint on it so the public and common good of all who live in that association will be preserved. In doing this, peace is maintained and peace provides the possibility for the attainment of human happiness.

quinta-feira, 15 de agosto de 2024

Aristóteles e Marx bbb

https://philarchive.org/archive/LIMEPE Aristóteles e Marx bbb RESUMO Considerando as peculiaridades da formação sócio-econômica antiga, verifica-se uma germinal e coerente economia política em Aristóteles que, devido o esforço analítico e a coerência contextual, tornou-se importante marco teórico para as escolas econômicas modernas, especialmente para Marx o qual, sem pretender reviver Aristóteles para adotá-lo sob condições modernas, apreende os preceitos aristotélicos assumindo-os como ponto de partida fundamental de sua teoria econômico-filosófica. Apesar de na Grécia antiga a economia não estar separada da política, Aristóteles trata-a de modo objetivo e coerente, conforme a importância e os limites epistêmicos da economia naquele contexto. Na Ética a Nicômacos a análise econômica encontra-se associada ao tema da justiça devido a necessária distribuição equitativa dos bens, e para que coisas diferentes sejam trocadas é preciso algo que possa igualá-las a fim de se manter a comunidade. Aristóteles contempla como possibilidades o trabalho, o dinheiro e a necessidade para ser o padrão de comensurabilidade, não obstante, aceita a necessidade mas apenas de um modo “suficientemente admissível”, resposta ambígua que desperta polêmica quanto às possíveis implicações metafísicas. Na Política, preocupado com a influência sobre a ética e política, Aristóteles busca delimitar o escopo da economia apresentando suas diferenças com a crematística natural (voltada à aquisição) e a crematística não-natural (voltada ao ganho), de acordo com suas diferentes finalidades. Apóia-se também na distinção entre uso próprio (valor de uso) e uso não-próprio (valor de troca) de cada coisa, e entre práxis (ação) e poiésis (produção) - baseada na noção de limite e imanência do fim na ação – para estabelecer os limites entre política, economia e crematística. O desenvolvimento da troca comercial, com a prática do monopólio e da usura, promove alterações no comportamento dos indivíduos, mas a causa principal da confusão quanto à finalidade da economia é moral: a ganância. Depois de considerar os fatores econômicos Aristóteles elabora uma constituição com leis e educação fundamentadas na virtude e, ao mesmo tempo, capaz de conceder, com restrições, cidadania àqueles envolvidos diretamente no comércio. As aproximações entre Marx e Aristóteles são verificadas em diferentes âmbitos e muitos filósofos encontram semelhanças entre os dois filósofos a partir da ética, antropologia e política, destacando inclusive a apropriação marxiana dos conceitos aristotélicos de ato e potência. Realmente Marx apresenta o trabalho sob duas perspectivas que juntam o que em Aristóteles estavam separados: o trabalho como atividade que dá conta das necessidades básicas do homem, semelhante à poiésis; e o trabalho que realiza as potencialidades para a emancipação da classe produtora assalariada, característica da práxis, considerando sempre que o trabalho é categoria central na economia política de Marx. Independentemente das semelhanças ou diferenças éticas, antropológicas e políticas, defendemos que Aristóteles é a pedra fundamental na filosofia da economia de Marx, é o elemento teórico que ressalta aquelas diferenças nos modos de produção que confirmariam a dialética marxiana. Antes de se apropriar de alguns princípios filosóficoeconômicos de Aristóteles, Marx ressalta - por meio de avaliação histórica descrita tanto em Para a crítica da Economia política, como nos Grundrisse e em O capital – as singularidades econômicas da sociedade antiga. Somente depois disso é que Marx analisa os êxitos e hesitações de Aristóteles na busca do padrão de comensurabilidade, na distinção entre valor de uso e valor de troca, na delimitação da economia e em todos os outros conceitos que servem para Marx fundamentar sua crítica da economia política. INTRODUÇÃO É uma prática comum na história da filosofia requerer a guarda de um grande filósofo. Efetua-se a revisão de seus principais postulados teóricos com o propósito de apresentar uma alternativa teórica aos atuais rumos da vida sócio-política a partir da reformulação da ética, da política e da economia entre outros. Aristóteles está no topo das preferências e a lista de teóricos modernos e contemporâneos que sofrem sua influência é bastante extensa e diversificada conforme a inclinação ideológica do apadrinhado.1 Também Marx continua sendo um dos grandes inspiradores das inúmeras propostas modernas e contemporâneas, principalmente aquelas que têm a pretensão de restabelecer as funções da política a fim de controlar o crescente domínio da economia sobre os outros âmbitos da vida que se verificou a partir da Revolução Industrial.2 Na impossibilidade de se adotar integralmente qualquer teoria filosófica passada, a prática comum na filosofia tem sido um prudente e ponderado ecletismo, aproveitando de cada filósofo o que há de mais facilmente assimilável e adaptável às condições atuais. Com isso se pode “salvar” uma doutrina ou torná-la tão atual quanto imprescindível. Não foi exatamente isso que Aristóteles e Marx fizeram com seus predecessores, mas a época dos grandes filósofos há muito tempo foi esquecida e com razão, pois o grau de autonomia alcançado pela economia a partir de meados do século XX tornou a atividade filosófica quase obsoleta. Contudo, a Grécia Antiga continua sendo parâmetro para a filosofia, especialmente para política, onde os gregos parecem ser um celeiro infindável. No que diz respeito à economia política antiga, sua escassez de dados torna Aristóteles um anteparo privilegiado, tanto para objetivos historiográficos referentes ao desenvolvimento das relações humanas do ponto de vista econômico, quanto por questões ideológicas, que também despertaram especial interesse na modernidade especialmente a partir dos comentários de Marx. Em meio à crescente preocupação de alguns filósofos e economistas contemporâneos em estabelecer uma fundamentação ética para a economia a fim de voltar a subordiná-la à política, têm surgido inúmeras e variadas propostas alegadamente originadas a partir de Aristóteles, inclusive apregoando forte aproximação com a teoria da práxis marxiana. Para verificar a plausibilidade destas propostas teóricas seria preciso analisar antes em que sentido os fundamentos das concepções econômicas e políticas, e a inter-relação desses âmbitos nos respectivos filósofos poderiam balizar propostas teóricas com pretensões de mudanças estruturais, ou mesmo conjunturais, na contemporaneidade. O que está em jogo é um pretenso restabelecimento das funções próprias da política a fim de controlar o crescente domínio, ocorrido especialmente a partir da Revolução Industrial, da economia sobre vários outros âmbitos da vida. É por isso que Aristóteles é constantemente requisitado, afinal, é difícil imaginar algum filósofo que não tenha sofrido sua influência ou que não tenha se esforçado em negá-lo. Este trabalho, entretanto, limita-se a investigar primeiro a existência de uma germinal e coerente economia política em Aristóteles que, devido seu esforço analítico e a coerência contextual, tornou-se importante marco teórico para as escolas econômicas modernas. Segundo - e vinculado propósito - é mostrar que a economia política aristotélica é o ponto de partida da teoria econômico-filosófica de Marx e que as influências mais relevantes de Aristóteles sobre Marx são evidenciadas no âmbito da economia política, ou mais propriamente em sua crítica à economia política moderna visto que o próprio Marx não se autodenominava economista, mas um crítico da economia política. Para se compreender a caracterização de uma economia política em Aristóteles é preciso não apenas avaliar os elementos estritamente econômicos (análise de valor, preço, dinheiro, juros e troca comercial) em seus escritos, como também a relação da economia com a política (elaboração de uma constituição, leis e educação) e suas preocupações éticas (a prática da usura e o vício da ganância). A questão da relação entre Aristóteles e Marx passa pela identificação de quais elementos da economia política aristotélica são incorporados por Marx e de que modo isso ocorre. A resposta inclui a avaliação e interpretação de Marx tanto da economia política antiga (grau de desenvolvimento econômico, relações de produção, forças produtivas) quanto, obviamente, daquela dispersamente apresentada por Aristóteles (coerência entre a avaliação aristotélica e a realidade econômica antiga). As principais influências de Marx são inegavelmente a dialética de Hegel, o materialismo e humanismo de Feuerbach, o socialismo utópico de Owen, Fourier e Saint-Simon, e a economia política anglo-saxônica, especialmente William Petty, David Ricardo e Adam Smith. Inicialmente a influência de Aristóteles parece ocorrer de maneira indireta, servindo geralmente nos momentos em que Marx pretende ressaltar as diferenças entre os modos de produção antigo e moderno, fundamentando, assim, a historicidade conceitual da economia política, especialmente da sua parte central, a teoria do valor. Porém, à medida que se faz uma revisão mais cuidadosa das passagens dos textos aristotélicos referentes à temática e os confronta com as obras maduras de Marx, verifica-se que sua admiração por Aristóteles parece ir muito além de um simples encantamento com a capacidade intelectual deste filósofo da Antiguidade que foi capaz, sobretudo, de categorizar de modo tão peculiar aquele momento histórico importantíssimo para a história da filosofia e da economia política. A investigação aristotélica sobre o fenômeno econômico passa a ser um ponto de partida fundamental na economia política de Marx. As escassas passagens da obra de Aristóteles referentes à economia política nunca receberam muita atenção por parte dos grandes especialistas, na verdade, receberam notoriedade principalmente a partir de alguns comentários de Marx que, ao mesmo tempo, raramente demonstra algum interesse naquelas partes propriamente éticas ou políticas. Em toda sua obra há poucas referências diretas a Aristóteles. Mesmo sem destaque especial é o filósofo antigo mais citado por Marx, geralmente para iniciar, ilustrar e fundamentar historicamente algumas discussões; também para ironizar alguns economistas quando estes defendem ideias ainda baseadas em situações sociais e econômicas já superadas sugerindo que, sob vários aspectos, Aristóteles é mais coerente do que muitos economistas e filósofos modernos. Embora seja possível verificar vários pontos em comum entre filósofos pertencentes a correntes teóricas completamente díspares ou mesmo a momentos históricos muito distantes, não se trata aqui de elaborar uma mera comparação entre dois modelos econômicofilosóficos para então indicar os pontos positivos ou negativos de cada um deles. O ponto central do nosso estudo é: primeiro apresentar a economia política em Aristóteles e em seguida mostrar como Marx, incorpora as questões elaboradas por Aristóteles acerca do que na modernidade passou a se denominar economia política, a partir de sua singular interpretação. Tal incorporação marxiana dos elementos aristotélicos poderá ser constatada principalmente nas tentativas de Aristóteles em delimitar o âmbito da economia política a partir da busca do padrão de comensurabilidade na troca, das distinções entre valor de uso e valor de troca, entre oi)konomikh/ - arte de administrar as coisas da casa - e xrhmatistikh/ - arte da aquisição ou de enriquecer,3 e entre ação e produção. Aristóteles se tornou um ícone da análise filosófica ao insistir sempre no estabelecimento de critérios para a delimitação das várias áreas do conhecimento humano, porém o fenômeno da economia, especialmente as ambiguidades presentes nas relações de troca, parecem tê-lo deixado sem respostas definitivas. Um bom exemplo é sua dificuldade para estabelecer os limites entre economia, crematística e política a partir dos conceitos de pra=cij (ação) e poi/hsij (produção), dificuldade que Marx parece não ter deixado passar despercebido quando tenta sintetizá-los no conceito de trabalho, não no que se refere a questões antropológicas ou éticas, mas na medida em que trabalho é categoria central na economia política marxiana. Ao longo do nosso trabalho veremos então como Marx se aproveita destas dificuldades conceituais do Estagirita para iniciar sua longa e tortuosa trajetória em busca de fundamentação para sua economia política fortemente sustentada sobre a teoria do valor-trabalho. Em outros termos, o ponto de partida para a fundamentação da economia política marxiana são as investigações e as respectivas oscilações conceituais de Aristóteles sobre o fenômeno da economia política. Diferentemente do que muitos filósofos da moral defendem, veremos que não são as questões antropológicas, morais ou mesmo políticas que permitem verificar os principais elementos conceituais na aproximação entre Marx e Aristóteles. Os possíveis princípios morais, políticos ou antropológicos coincidentes são muito genéricos e quase sempre pouco relevantes quando isolados dos aspectos econômicos. Sobre isso é preciso considerar ao menos dois fatores: Primeiro, se foi na economia política que Marx acreditou ter encontrado o instrumental conceitual necessário para fundamentar sua crítica ao modo de produção capitalista, não teria sentido buscar a aproximação com Aristóteles a partir da moral, da ética ou mesmo das respectivas antropologias, pois se estes últimos exercem influência significativa devem ocupar lugar secundário, ao menos nas obras de maturidade como Para a crítica de economia política, os Grundrisse e O capital. Se isto não for levado em conta, Marx se torna apenas mais um moralista com preceitos e princípios humanistas muito gerais e passiveis de aplicação em qualquer formação sócio-econômica. O segundo fator fortalece o primeiro. Na principal obra de Marx, O capital, as menções a Aristóteles são sempre em momentos muito relevantes, mas remetem ao que, na modernidade, chamaríamos de economia política aristotélica; é isto que interessa a Marx. Certamente os elementos morais, por exemplo, não estão ausentes, afinal estão presentes, de um modo ou de outro, na maioria dos filósofos, mas como para Marx o principal é a constatação das contradições imanentes ao capitalismo verificadas a partir da análise de causas econômicas, os elementos éticos ou mesmo políticos de Aristóteles estão presentes somente na medida em que servem de apoio aos fundamentos de economia política, especialmente na formulação de um senso crítico baseado no desenvolvimento histórico das diferentes formações sócioeconômicas. É nesse sentido que as soluções aristotélicas, apesar de serem morais, em princípio, também têm sua importância enquanto ilustram a coerência teórica e prática de Aristóteles ao tratar do contexto social e econômico circundante. É incontestável a importância da ética, política, lógica e metafísica aristotélicas para a história da filosofia, porém a economia parece não ter ocupado muito as reflexões do Estagirita. Inclusive, uma leitura apressada e isolada das passagens específicas sobre economia poderia apenas fortalecer a ideia de que estas não são mais do que um apanhado de recomendações práticas para a melhor gerência do patrimônio da família ou do Estado, ou ainda, de se tratar de um conjunto de preconceitos morais acerca das influências “maléficas” do comércio, do dinheiro ou da ganância. Veremos que na Ética a Nicômacos, por exemplo, Aristóteles não faz apenas descrição das condições econômicas em sua época ou recomendações práticas e morais acerca dos riscos do comércio e da riqueza. Ele não faz análise das regras e dos mecanismos próprios das práticas comerciais, mas faz análise no sentido de decompor o objeto até encontrar elemento mais simples que o fundamenta, até encontrar seu nexo causal que sustenta esse tipo específico de relação humana, conforme os limites epistêmicos desse objeto, nesse caso, a economia política. Aristóteles inicia com uma investigação objetiva sobre qual o padrão de comensurabilidade que permite às pessoas trocarem seus produtos, ou qual o fundamento da troca em geral. Isto envolverá a famosa distinção entre valor de uso e valor de troca, ou nas palavras do Estagirita, uso próprio e uso nãopróprio de cada coisa que, juntamente com as distinções entre práxis (ação) e poiésis (produção), entre economia, crematística natural e não natural ou a delimitação da propriedade dos meios para produção e aquisição dos produtos necessários à manutenção da vida – estudados mais detalhadamente na Política -, formarão aquele ponto de partida fundamental para se delimitar o âmbito da economia a fim de que ela contribua para a boa vida na polis. Somente depois disso é que Aristóteles se permite fazer recomendações éticas e políticas que estejam de acordo com os elementos constitutivos da economia, tais como a troca justa, a igualdade, satisfação de necessidades individuais, sociais, naturais, políticas, entre outras. Apesar das dificuldades que envolvem a adoção de termos e conceitos cronologicamente tão distantes, o termo Economia política pode ser entendido aqui como algo que transcende o âmbito do patrimônio doméstico constituído pela família e por seus dependentes, por exemplo, escravos, por isso seu estudo também foi objeto de interesse do Estagirita. É claro que a formulação e aceitação desse termo somente seria plausível a partir do momento em que se verifica o crescimento significativo da economia, ultrapassando o âmbito doméstico, algo que na Antiguidade não era plenamente imaginável, inclusive porque a economia não tinha adquirido a autonomia necessária para estabelecer a distinção entre o que é assunto político – referente a quem e como governa - e o que é social – referente a quem é governado – algo que só na modernidade se tornou possível. Assim mesmo o termo é aceitável na medida em que se pode constatar que Aristóteles já fazia fortes críticas àqueles que tratavam o Estado como responsável por facilitar as relações sociais, especialmente as comerciais – que certamente era um dos focos de problemas de justiça entre os indivíduos exigindo, por sua vez, a investigação da relação entre economia e justiça. Veremos como é possível justificar a limitada dedicação de Aristóteles à temática econômica não exclusivamente devido ao desenvolvimento econômico da antiguidade, mas também porque, apesar de estar atento ao novo panorama social e econômico dos séculos V e IV a.C. na Grécia, ele acredita que os distúrbios que a economia promove na organização política podem ser controlados por meio de uma constituição mista democrático-oligárquica pautada no cultivo das virtudes, capaz de corrigir o caráter dos indivíduos. A solução de Aristóteles parece não ser definitiva, mostra como a crematística não apenas apresenta o ambiente propício aos desvios morais como também o próprio desenvolvimento da troca, que se torna predominantemente comercial, assume contornos de um fenômeno com certo grau de autonomia, acentuando ainda mais o vício da ganância. Depois de estudarmos os passos de Aristóteles para conhecer o fenômeno econômico e as medidas para controlar suas influências, veremos que Marx realmente busca e encontra em Aristóteles as questões de economia política - teoria do valor, distinção entre uso e aquisição, preocupação com a distribuição da riqueza, delimitação dos propósitos da economia, entre outros. Não excluindo as influências de outros teóricos – Hegel, Smith, Ricardo entre outros – facilmente reconhecíveis, poderemos constatar que Aristóteles é incorporado como um dos elementos fundantes, marco histórico-filosófico da economia política de Marx. Para estudar a insurgente economia política em Aristóteles e sua complexa relação com Marx estruturamos nosso trabalho do seguinte modo: o primeiro e segundo capítulos são inteiramente dedicados ao estudo da economia política em Aristóteles. Inicia com um breve resumo das condições econômicas na Grécia do século IV a.C. e da discussão acerca de sua qualificação, se é uma formação social e econômica completamente distinta ou apenas um capitalismo menos desenvolvido. Trata da análise econômica efetuada por Aristóteles principalmente nos livros IV e V da Ética a Nicômacos - para identificar o padrão de comensurabilidade, valor de uso e valor de troca, e justiça na troca -; nos livros I e II da Política e livro I dos Econômicos - para a distinção entre economia e crematística, e a importância dos fatores econômicos para a elaboração do modelo aristotélico de constituição; no livro VI da Ética a Nicômacos e livro IX da Metafísica para a distinção entre ação e produção. Além disso, a Ética a Nicômacos, os Econômicos e a Política serão estudados em conjunto para entender a ideia geral de economia política e sua intrínseca relação com temas especialmente políticos, tais como propriedade, produção, cidadania e constituição. O terceiro e quarto capítulos também formam um pequeno conjunto onde é apresentada a distinção feita por Aristóteles entre pra=cij (ação) e poi/hsij (produção) para, em seguida, apresentar o conceito de trabalho em Marx e verificar sua relação com os conceitos aristotélicos. O trabalho é uma categoria central na economia política, conforme a exposição, respectivamente, nos Manuscritos econômicofilosóficos – onde é enfatizado o conceito de alienação e sua intrínseca relação com a propriedade -, nos Grundrisse – que se ocupa da alienação numa forma específica de sociedade - e em O capital – onde a distinção entre trabalho e força de trabalho permite revelar o duplo caráter da mercadoria e seu fetichismo. O quarto capítulo apresenta algumas críticas às tentativas teóricas de aproximação entre os do filósofos a partir das respectivas abordagens éticas, antropológicas e políticas. Mostra ainda a síntese marxiana entre ação e produção no conceito de trabalho e como a distinção entre trabalho e força de trabalho pode ser relacionada com o par conceitual ato e potência, formulado por Aristóteles, na medida em que esclarece as potencialidades da política e da economia, moderna e antiga. Finalmente, no quinto e sexto capítulo é retomada a avaliação da economia antiga e da respectiva análise aristotélica, porém agora sob a perspectiva de Marx. No quinto capítulo são ordenados os esparsos comentários de Marx, efetuados principalmente nos Grundrisse, sobre a formação sócio-econômica antiga para compreender as condições históricas vividas por Aristóteles em meio ao desenvolvimento daquelas forças produtivas potencialmente dissolvedoras das formações sócioeconômicas. O sexto capítulo reúne as várias menções de Marx nas obras de maturidade - Para a crítica da Economia política, Grundrisse e O capital - que buscam fundamentar filosófica e historicamente sua economia política a partir das inserções de Aristóteles nesta área. Aristóteles é inserido na explicação da forma equivalente da mercadoria que passa pelas funções do dinheiro, sua diferença com capital, o conceito de fetichismo germinal e desemboca na polêmica origem do conceito de valor. As causas dos êxitos e hesitações de Aristóteles na distinção entre valor de uso e valor de troca, e na identificação do critério do valor servem a Marx para fundamentar sua longa jornada histórico-filosófica da economia política. Para a tradução da Ética a Nicômacos, da Política e dos Econômicos o texto utilizado foi o de Jean Tricot. As exceções serão indicadas. O texto grego foi extraído do Thesaurus Linguage Graecae, University of Califórnia, 2001. A tradução dos textos de língua estrangeira – espanhol, francês e inglês – é de nossa autoria. 1 VALOR DE USO E VALOR DE TROCA EM ARISTÓTELES 1.1 A ECONOMIA NA GRÉCIA DE ARISTÓTELES Como quase tudo que há de importante na filosofia já foi discutido por Platão, em suas investigações não poderiam faltar investidas também sobre a economia. Ele descreve a origem da polis com base na ausência de autossuficiência dos seus integrantes que se reúnem a fim de sanarem suas diferentes necessidades, tais como alimentação, habitação, vestuário, entre outras. Platão reconhece que a junção das diferentes habilidades naturais e a respectiva especialização de cada um em sua tarefa são os grandes responsáveis pela eficiência e maior produtividade, auxiliando na manutenção da comunidade4 . Também não deixou de lado a questão da divisão da propriedade e da distribuição dos bens, entretanto não estabeleceu relações diretas entre, por exemplo, a organização das atividades produtivas – o que chamaríamos de divisão do trabalho - e a extensão do mercado de trocas. Na verdade, assim como boa parte de seus predecessores e também de seus discípulos, Platão não considerou os aspectos sociais e econômicos específicos que estariam implicados na ideia de que a troca nasce da divisão e especialização do trabalho. Além disso, ele não promoveu uma investigação objetiva dos fatores econômicos, não se propôs a tratar a economia separada da ética e da política e por isso não extraiu uma análise objetiva do valor de troca. Xenofonte também foi um dos poucos gregos que desprendeu esforços para tratar de questões econômicas, mas apesar de Marx ter ironizado o “instinto caracteristicamente burguês”5 deste general e historiador grego que explica as vantagens da divisão do trabalho na oficina, a verdade é que seus escritos eram estritamente sobre ética, acentuando as virtudes necessárias para o proprietário gerenciar bem sua casa (oi)=koj).6 4 O livro II de A República apresenta a gênese da polis e de todos os elementos necessários para sua manutenção. É nesta parte da obra de Platão que se pode encontrar boa parte das reflexões dele sobre economia política. Cf. PLATÃO. A República. Trad. Maria Helena da Rocha Pereira. 8. ed. Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian, 1996, 369b-374e. 5 MARX, K. O Capital: crítica da economia política. Livro I. Trad. Regis Barbosa e Flávio R. Kothe. 2. ed. São Paulo: Nova Cultural, 1985. (Os economistas), p. 287. 6 XENOFONTE. Econômico. Trad. Anna L.A. Prado. São Paulo: Martins Fontes, 1999, VI, 4 É por isso que, de acordo com vários tratados e manuais de história da economia política,7 Aristóteles é considerado o primeiro filósofo a investigar os fatores econômicos de modo objetivo, mesmo que em seus textos também não seja tão simples separar o conteúdo ético-político do estritamente econômico, se isso for realmente possível! Aristóteles foi o primeiro a ressaltar o duplo aspecto da mercadoria, melhor dizendo, as duas maneiras possíveis de usar um produto: para o uso propriamente dito, direto, imediato; ou para a permuta por outro produto. É a partir desta distinção e das várias consequências daí advindas que tem início uma análise com propósitos econômicos. Entretanto, para estabelecer a cronologia da ciência econômica seria preciso enfrentar a dificuldade em se desvincular os fatores econômicos dos fatores sociais, éticos e políticos, o que, como nos alerta Karl Polanyi, era algo impensável nas sociedades pré-capitalistas em que a economia era intrinsecamente integrada às relações sociais, ao contrário da economia de mercado onde são as relações sociais que estão embutidas no sistema econômico. Os fatores econômicos não eram considerados autonomamente, estavam sempre subordinados à considerações políticas.8 A fim de compreendermos o lugar da economia na filosofia de Aristóteles a partir de algumas características centrais da economia antiga, vamos apresentar um breve resumo daquelas condições econômicas da Grécia, especialmente nos séculos V e IV a.C., analisadas por alguns estudiosos que se dedicaram, em maior ou menor grau, às questões das formações sócio-econômicas précapitalistas.9 Desse modo poderemos avaliar melhor a importância que a economia tem para Aristóteles, bem como, a coerência de sua análise econômica e de suas propostas político-econômicas para um tipo determinado de sociedade. Esta breve contextualização servirá ainda como ponto de partida para compreendermos como Marx interpreta e 7 Dentre eles podemos destacar: MANDEL, Ernest. Tratado de economia marxista. Tomos I, II e III. 3. ed. México, Ediciones Era, 1989.; SCHUMPETER, Joseph A. História da análise econômica. Trad. Alfredo Moutinho dos Reis, José Luis Silveira Miranda, Renato Rocha. Portugal: Editora Fundo Cultura, 1964.; ROLL, Eric. História das doutrinas econômicas. Trad. Cid Silveira, Richard Paul Neto e Constatino Ianni. 4. ed. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1977. 8 Esta emancipação do elemento econômico das regras culturais e sociais é denominada por Polanyi de a grande transformação. POLANYI, Karl. A grande transformação: as origens da nossa época. Trad. Fanny Wrobel. 2. ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2000. 9 Dentre vários estudiosos que se dedicaram à economia pré-capitalista, destacamos aqui: Karl Polanyi, Moses Finley, Michel Austin, Fustel de Coulanges, Jean-Pierre Vernant, Pierre VidalNaquet, Ciro Flamarion Cardoso, Max Weber, Michael Rostovtzeff, Maurice Godelier e Edward E. Cohe incorpora a economia política aristotélica a partir de sua própria análise e qualificação da formação sócio-econômica antiga. Há um histórico debate iniciado entre o final do século XIX e início do XX acerca da qualificação da economia antiga Greco-romana, centrado em dois grupos, os primitivistas – que defendiam a ideia de que o tipo de desenvolvimento econômico do mundo antigo era extremamente diferente daquele vigente no mundo moderno – e os modernistas – defendem a ideia de um capitalismo insurgente, tanto na Grécia quanto em Roma.10 Conforme o critério adotado, cada grupo destaca ou uma estrutura social ainda fortemente baseada na economia agrícola e na produção artesanal circunscritos à satisfação de poucas necessidades; ou o crescimento das cidades por meio do comércio exterior ultrapassando e alterando sua rigidez social e política. De modo geral, aqueles que procuram destacar as diferenças estruturais entre antiguidade e modernidade afirmam que, apesar da economia grega do século IV a.C. não se restringir a um modelo de relações de escambo e também não ter um uso tão restrito da moeda, certamente o âmbito do aspecto especulativo da troca, tal como o conhecemos hoje, ainda é muito restrito. As relações de produção (propriedade dos meios de produção e da força de trabalho) na antiguidade não aparecem nitidamente separadas das relações sociais, religiosas ou de parentesco, diferentemente do que ocorre no capitalismo em que as relações entre capitalistas e trabalhadores aparecem amplamente independentes de qualquer laço religioso, político ou familiar. Isso, em parte, se deve à modesta escala da economia baseada ainda na troca de excedentes daqueles produtos não consumidos na comunidade, raros eram os produtos visados especialmente para exportação. A acumulação de riqueza ainda obedece ao grau de desenvolvimento das necessidades humanas que durante milênios praticamente não ultrapassaram o nível dado de desenvolvimento da capacidade de produção da época11, limitado ao uso imediato ou de curto prazo. Não significa que as necessidades humanas fossem menores 10 O artigo de Édouard Will é um dos melhores resumos sobre toda a querela entre primitivistas e modernistas, desde Karl Bucher até Ed. Meyer. WILL, Édouard. Trois quarts de siècle de recherches sur l'économie grecque antique. In: Annales. Économies, Sociétés, Civilisations. 9 ed. année, n. 1, 1954. 11 A superação do desenvolvimento atrelado às necessidades é produto da economia mercantil generalizada, o capitalismo. MANDEL, Ernest. A formação do pensamento econômico de Karl Marx: de 1843 até a redação de O capital. Trad. Carlos Henrique de Escobar. 2. ed. Rio de Janeiro: Zahar, 1980, p. 167. do que as de hoje e sim que as forças produtivas eram outras, eram mais restritas porque não havia concorrência entre trabalhadores e capitalistas, ou entre os próprios capitalistas, não despertando a ideia de produtividade progressiva do gênero humano. Os trabalhos eram limitados pelas necessidades que por sua vez se mantinham dentro do nível de desenvolvimento das forças produtivas. A principal fonte de riqueza era a terra que, por não ser considerada mercadoria inclusive, havia grandes restrições quanto à venda de propriedades porque a terra era o fator de distinção, estava vinculada à cidadania.12 Moses Finley defende que boa parte da população do mundo antigo “vivia da agricultura, de uma forma ou de outra, e que ela própria reconhecia ser a terra a fonte principal de todo o bem, material e moral.13” A posse e cultivo da terra estavam atrelados a valores morais. Para os grandes proprietários representava a ausência de ocupação, portanto, a liberdade; para os pequenos agricultores significava trabalho constante para dar conta da subsistência e, ao mesmo tempo, concebido como dever moral, o meio eficaz para a virtude e a coragem tão ressaltadas por Hesíodo no poema Os trabalhos e os dias. Na Grécia Antiga, de acordo com Michel Austin e Pierre VidalNaquet, o mundo do dinheiro sempre manteve certa distância do mundo da terra, eles coexistem mas não se fundem.14 É verdade que o uso do dinheiro já é bem difundido, porém ele funciona principalmente como moeda: “O dinheiro era moeda e nada mais, e a falta de moeda era crônica, tanto em números totais como na disponibilidade dos tipos ou denominações preferidas.”15 Os diversos artifícios utilizados pelos governantes para a aquisição de moedas e assim garantir fundos financeiros para suas cidades, descritos pelo Pseudo-Aristóteles16 , no livro II dos Econômicos, parecem confirmar a crônica escassez de 12 AUSTIN, Michel; VIDAL-NAQUET, Pierre. Economia e sociedade na Grécia Antiga. Trad. António Gonçalves e António Nabarrete. Lisboa: Edições 70, 1986, p. 100. 13 FINLEY, Moses I. A economia antiga. Trad. Luísa Feijó e Carlos Leite. 2. ed. Porto: Edições Afrontamento, 1986, p. 134. 14 Ibidem, p. 103. 15 Ibidem, p. 227. 16 Os Econômicos é dividido em três livros e existe uma grande polêmica sobre sua autenticidade. O livro I, por seu conteúdo e vocabulário, é admitido por muitos estudiosos como sendo de Aristóteles tendo, inclusive, várias ideias e passagens repetidas quase literalmente na Política. O livro II é quase unanimemente rejeitado como sendo de Aristóteles e o texto em grego do livro III nunca foi encontrado, só há traduções latinas medievais. Considerando estas ressalvas, adotamos o livro I na medida em que ele complemente e enriqueça as análises de Aristóteles sobre economia, e o livro II, por ser um conjunto de relatos, será usado mais para ilustrar a situação sócio-econômica da Grécia nos séculos V e moeda cuja circulação ainda não predomina no comércio e menos ainda no comércio interno. Vejamos uma dessas passagens: No tempo de Sosípolis a cidade de Antissa precisava de moeda. Como seus cidadãos tinham o costume de celebrar brilhantemente as Dionisíacas, cuja preparação durava o ano todo e se faziam grandes gastos e suntuosos sacrifícios, um ano, pouco antes da festa, Sosípolis os persuadiu a prometerem a Dionísio duplicarem suas oferendas no ano seguinte e a venderem o que haviam recolhido. Assim se juntou a soma para as necessidades do momento. (Oec. 2, 1347a25-31). Além da escassez de moeda, as práticas governamentais utilizadas para suprirem esta carência mostram mecanismos políticos totalmente estranhos às práticas modernas. Enquanto as políticas econômicas modernas são pautadas na racionalidade, no cálculo financeiro necessário para fomentar o mercado e garantir os fundos estatais, os políticos da antiguidade constantemente recorriam aos sentimentos religiosos para convencer os cidadãos a contribuírem para as finanças da cidade, motivo completamente inconcebível hoje. Um dos principais problemas do uso limitado da moeda é que não permitia a expansão de crédito - um dos fatores principais (junto com a expansão permanente do mercado) para a redução do tempo de circulação17 e, portanto, para a sustentação do capital18 - restringindo muito as inovações direcionadas para a produção. Scott Meikle explica que o desenvolvimento do crédito visando a produção é um longo processo que pressupõe uma formação prévia de várias outras instituições e condições: Uma condição necessária é o desenvolvimento do dinheiro como meio para liquidação das operações 17 Segundo Marx, a circulação não cria valor, apenas proporciona a forma ao valor que é criado pela força de trabalho. MARX, Karl. Elementos fundamentales para la crítica de la economia política (Grundrisse) 1857-1858. v. I, II, III. Trad. José Aricó, Miguel Murmis e Pedro Scaron. 10. ed. México: Siglo Veintiuno Editores, 1997, p. 624. 18 Capital entendido aqui vulgarmente como uma soma de dinheiro a ser investida para assegurar um retorno, um lucro, não como uma relação de produção específica, típica do modo de produção capitalista, de acordo com a definição de Marx em: MARX, Karl. O Capital: crítica da economia política. Livro III. O Processo global da produção capitalista. Trad. Reginaldo Santana. São Paulo: DIFEL, 1985, p. 936 de crédito, e os gregos não tinham algo semelhante. Não havia qualquer tipo de instrumentos de crédito e cada transação individual era estabelecida sempre por meio de transferências físicas com a pessoa estando presente.19 O sistema monetário proporcionava um meio de circulação, não havia a ideia de liquidez para operações de crédito; a moeda, o ouro ou a prata serviam apenas como garantia de trocas futuras. Além disso, os empréstimos eram de curto prazo e geralmente não serviam para fins produtivos, sim tomados para dar conta do consumo individual, um pequeno adiantamento para sanar problemas de colheita, catástrofes naturais, etc.20 Os impostos de modo geral não eram alavancas econômicas e os impostos diretos incidiam somente sobre os não cidadãos.21 Não havia barreiras alfandegárias ou proteção à produção doméstica, a política comercial era restrita às importações essenciais à cidade. As vantagens comerciais de Atenas, por exemplo, eram tiradas por meios não econômicos e não por manipulação de preços. Somente os preços dos alimentos eram regulados devido ao medo da fome. Raramente os lucros eram reinvestidos nas empresas existentes22 , geralmente eram gastos em artigos de luxo, em equipamento militar, nas festas religiosas ou entesourados, por isso o crescimento na produção era muito lento. O mercado já estava presente, mas sua função era muito limitada, apenas incidental, era o lugar das trocas de artigos de sobrevivência em pequenas quantidades e a preços controlados. Inclusive Aristóteles, para sua polis ideal, defendia a rígida separação da praça pública, a Ágora, em duas partes: uma para a reunião dos cidadãos 19 MEIKLE, Scott. Aritotle’s economic thought. Oxford University Press, USA, 2002, p. 160. 20 Veremos adiante o posicionamento de Aristóteles perante aos juros cobrados por esses e outros empréstimos. 21 Avaliando os problemas enfrentados por Atenas para barrar os avanços de Filipe da Macedônia no século IV a.C. Claude Mossé explica que as reformas financeiras realizadas pelos governantes no começo do século não conseguiam resolver os problemas das finanças públicas: “E isto porque o imposto não era ainda uma noção plenamente aceita, o que traduz o caráter, ainda primitivo, do Estado ateniense.” (MOSSÉ, Claude. Atenas: a história de uma democracia. Trad. João Batista da Costa, 3. ed. Brasília: UNB, 1997, p. 104). O equilíbrio orçamentário dependia mesmo era da boa vontade dos proprietários. 22 Sobre barreiras alfandegárias e política comercial, Cf. AUSTIN; VIDAL-NAQUET, op. cit. p. 119. Sobre os tipos de crédito, empréstimos, bancos e juros, Cf. FINLEY, 1986, op. cit., p para discussão política e a outra para a troca comercial23, ideia que já predominava entre os antigos, segundo Polanyi: A ágora ateniense pode muito bem ter sido o primeiro mercado no Ocidente que poderia ser chamado de um ‘mercado da cidade’. No entanto, essa utilização do termo é um pouco anacrônica, pois historicamente a ágora não foi originariamente um mercado local, mas um local para reuniões.24 Os mercados não eram mais do que um aspecto acessório de uma estrutura institucional controlada e regulada pela autoridade social. Se o desempenho da economia seguia tal ritmo, então não havia mesmo muitos motivos para convencer Aristóteles a se ocupar desse tema. Porém, talvez o panorama social fosse mais complexo. Algumas pesquisas parecem mostrar a existência de um avançado grau de desenvolvimento econômico, especialmente na Atenas do século IV a.C. e por quase toda a Grécia no período helenístico, o que levou alguns estudiosos a se valerem de categorias tipicamente modernas – como burguesia, proletariado, capitalismo, produtividade, etc. – para expressarem estas sociedades. O caso de Rostovtzeff é paradigmático. Mesmo reconhecendo a escassez de dados referentes àqueles critérios necessários para que se possa compreender a vida econômica de uma sociedade - densidade demográfica e o capital acumulado resultante da exploração dos recursos naturais25 - este autor não sente o menor receio em afirmar que: o desenvolvimento moderno difere do antigo apenas em quantidade, não em qualidade. O mundo antigo presenciou a criação de um comércio mundial e o crescimento de uma indústria em grande escala; viveu durante um 23 Pol. 1331a30-b3. 24 POLANYI, Karl. Aristotle discovers the economy. In: DALTON, G. (Ed.), Primitive, Archaic and Modern economies. Garden City. New York: Doubleday & Company, 1968, p. 312. 25 “Entre os pré-requisitos essenciais para se entender a vida econômica de alguma região do mundo em qualquer período, está o conhecimento, mais ou menos exato, de: por um lado, a densidade populacional de uma região e de seu incremento ou decréscimo; por outro lado, a quantidade de capital acumulado por sua população por meio da exploração de suas fontes naturais de riqueza.” Cf. ROSTOVTZEFF, Michael. A Social and Economic History of the Hellenistic World. v. I, II. Oxford University Press, USA, 1998, p. 1135. período de agricultura científica e do desenvolvimento da luta entre as diferentes classes da população, entre capital e trabalho.26 Para sustentar sua tese, Rostovtzeff relata vários casos desse período: no reinado de Alexandre Magno teve cidade que recorreu a um grupo de capitalistas para drenagem de lagos27; na era Ptolomaica, para incremento da produtividade das terras, houve um grande projeto de irrigação no delta do rio Nilo; em várias partes da Grécia houve a introdução de novas plantas e de novas espécies de animais em menor ou maior escala, devidamente planejada em conformidade com sua melhor adaptação28; também houve exploração sistemática de fontes naturais de riqueza29 (minas e florestas para extração de madeira); havia ainda importante indústria pesqueira que requeria capital e planejamento fornecidos pelas próprias cidades e por capitalistas individuais.30 Claro que tudo isso exigia grande inovação tecnológica que foi implementada simultaneamente em vários setores da economia (agricultura, pesca, indústria, etc.). Interessante notar que, ao mesmo tempo em que defende o ímpeto capitalista da antiguidade, Rostovtzeff admite que as informações tanto sobre a agricultura quanto sobre a indústria na era helenística – período que se tem, segundo o próprio autor, mais informações sobre sua situação social e econômica do que os períodos anteriores - são muito escassas, comprometendo assim qualquer conclusão definitiva sobre qual o papel desempenhado por estes setores na economia.31 Sua indecisão também se verifica na avaliação dos tipos de bancos – bancos-templos, das cidades e bancos privados - e do sistema monetário em geral, tanto de Atenas do século IV a.C. quanto do período helenístico em seu todo: 26 ROSTOVTZEFF, Michael. História da Grécia. Trad. Edmond Jorge. 3. ed. Rio de Janeiro: Guanabara, 1986, p. 32. 27 ROSTOVTZEFF, 1998, op. cit., p. 1161. 28 Ibidem, p. 1162. 29 Ibidem, p. 1170. 30 Ibidem, p. 1179-1180. 31 “Seria interessante saber o papel desempenhado pela indústria na vida econômica do período helenístico, quais inovações tecnológicas foram introduzidas naqueles métodos previamente conhecidos e aplicados na Grécia e nas monarquias orientais; em que extensão a produção industrial foi intensificada pelas novas condições de vida e pelas inovações tecnológicas; se alguma vez chegou a se assemelhar à moderna produção de massa voltada a um mercado indefinido [...] Temo que nenhuma resposta conclusiva possa ser dada a qualquer uma destas questões. A evidência literária sobre o desenvolvimento da indústria é mais escassa que aquela referente à agricultura.” (Ibidem, p. 1200 Encontramos os negócios bancários, em todas essas linhas, muito desenvolvidos em muitas cidades gregas do século IV a.C. O maior centro bancário era naturalmente Atenas, e temos boa literatura e evidências epigráficas referentes a alguns de seus bancos privados.32 Porém, ainda que não queira se contradizer, ele se satisfaz em dizer que: “Não há dúvida que existiam bancos privados em todas as grandes cidades helenísticas, embora não sejam frequentemente mencionados”.33 Sobre a cunhagem de moedas e o mercado monetário, Rostovtzeff se obriga a admitir que a unidade perseguida por Alexandre era mantida apenas nas efêmeras ligas comerciais, na verdade em cada cidade predominava a tendência ao isolamento e a busca da autosuficiência34, enfim: “O pouco que sabemos sugere que o mercado monetário era desorganizado e instável”.35 Justamente um dos aspectos que melhor caracterizaria os necessários rudimentos para um capitalismo grego parece ser muito pouco elucidativo, comprometendo aqueles fatores essenciais para a estabilidade financeira e o crescimento ilimitado do mercado. Tentando evitar as contradições e os exageros ideológicos dos modernistas da primeira geração36, Edward Cohen, analisando o período de aproximadamente oito décadas – entre a derrota de Atenas para Esparta na Guerra do Peloponeso (431-404 a.C.) e a morte de Alexandre Magno (323 a.C.) – também busca demonstrar o grande impulso econômico e a crescente importância dos bancos na economia ateniense do século IV, que teriam causado um impacto significativo sobre as 32 Ibidem, p. 1279. 33 Ibidem, p. 1279. 34 Ibidem, p. 1293. 35 Ibidem, p. 1290. 36 De modo análogo a vários modernistas - que na busca alucinada para demonstrar que a humanidade percorre um ciclo que se encerra no capitalismo, o estágio superior, aplicaram tendenciosamente as relações de produção capitalistas às outras formações sociais – alguns marxistas também passam por cima das diferenças qualitativas entre as diversas formações sócio-econômicas no ímpeto de aplicarem o princípio da luta de classes como motor da história que atuaria, inexoravelmente, de modo similar em toda e qualquer sociedade. A coletânea de textos Modos de produção na antiguidade, organizada por Jaime Pinsky, reúne bons exemplos da ostentação ideológica de ambos os lados. Para maiores detalhes, confira: PINSKY, J., Modos de produção na antiguidade. 2. ed. São Paulo: Global, 1984. finanças e sobre as relações sociais da época. O comércio, ao menos na Atenas do século IV, era tão desenvolvido que: Os atenienses exerciam suas funções através de um processo de mercado entre indivíduos que não tinham relações de parentesco algum, que frequentemente estavam somente de passagem na cidade, às vezes operando a partir do estrangeiro, buscando lucro monetário por meio da troca comercial.37 Segundo Cohen, há uma clara mudança da economia de autossuficiência ainda predominante no século V, para uma economia de grande escala no século IV, próspera o suficiente para identificar fortes semelhanças com a economia moderna, ao menos no setor bancário. Na Atenas do século IV a.C., a economia não era - como defendem, por exemplo, Finley e Polanyi – uma atividade “embutida”, intrinsecamente incorporada nas relações familiares e sociais, pelo contrário, já tinha alcançado certa autonomia a ponto de ser considerada uma ameaça aos métodos tradicionais de produção e consumo, eram essas alterações que preocupavam Aristóteles.38 Em Atenas, os bancos não eram raros e não eram apenas casas de penhores ou de câmbio, eles cumpriam as duas principais atribuições de um verdadeiro banco, ou seja, aceitar depósitos e fazer empréstimos comerciais, algo que, apesar das indiscutíveis diferenças consideradas por Cohen – tecnologia, situação legal e abrangência das operações -, são compartilhadas pelos bancos modernos.39 O banqueiro (trapez/i/thj) não era apenas um mero livre-cambista, não exercia uma atividade marginal que pouco afetasse a sociedade, mas fazia parte de um novo sistema econômico.40 Além do câmbio, os banqueiros proporcionavam empréstimos, aceitavam depósitos, aumentaram a oferta de dinheiro e, ao servirem de intermediários, facilitavam o comércio, ou seja, exerciam funções que não se originaram nas relações familiares ou políticas, mas em transações isoladas típicas de um ambiente de negócios: “Essas atividades, por sua vez, criaram novas 37 COHEN, Edward E. Athenian economy and society: a banking perspective. Princeton University Press, USA, 1997, p. 4. 38 Ibidem, p. 4. 39 Ibidem, p. 9. 40 Ibidem, p relações pessoais e familiares transformando ainda mais a sociedade e a economia.”41 Isto facilmente nos leva a crer que o dinheiro ocupava naquele momento, na sociedade ateniense e talvez em boa parte da Grécia, lugar de destaque e que as queixas dos grandes pensadores gregos não expressavam apenas um conjunto de preocupações morais ou mero saudosismo de uma classe aristocrática que não se conformava com a possível perda de privilégios sociais. Daqui para frente a estrutura social seria outra, com o avanço do comércio o caminho ganha traçado irreversível. Entretanto, é preciso observar que, mesmo não deixando de abordar as ocorrências de escravos que se tornaram comerciantes e grandes banqueiros,42 ou de banqueiros que adquiriram o direito de propriedade43, Cohen - assim como os defensores de uma economia antiga nos moldes do capitalismo moderno – não consegue explicar os motivos para a economia ateniense simplesmente não ter conseguido alcançar ou manter o grau de desenvolvimento do moderno capitalismo, apesar de as duas sociedades, segundo sua avaliação, compartilharem instituições muito semelhantes. Em parte, a resposta pode estar na displicência crônica que afeta muitos modernistas, impossibilitando-os de perceber o principal fator limitador da economia antiga: a evidente ausência de mão de obra assalariada suficiente para criar um mercado de trabalho livre, capaz de sustentar uma demanda flexível por um tipo específico de atividade, ao contrário do que ocorre na modernidade.44 A identificação do tipo de mão de obra e de sua distribuição nas sociedades antigas sempre foi um tema controverso. Finley afirma que não é possível saber o número de escravos na Grécia numa dada época, apenas que a escravidão era predominante, principalmente nas grandes propriedades agrícolas, no artesanato, nas minas e no comércio, mas também nessa última havia muitos homens livres.45 De modo geral, o mundo antigo não imaginava um mundo sem escravos e a escravidão é indicada como um dos principais fatores de retardamento da expansão do mercado. O trabalho livre e o escravo coexistiam, mas o assalariado livre era figura rara, pouco importante, era casual e sazonal: “Não se 41 Ibidem, p. 7. 42 Ibidem, p. 63. 43 Ibidem, p. 68. 44 Veremos mais a frente como as distinções entre trabalho escravo e assalariado, e entre trabalho e força de trabalho auxiliam no entendimento, não apenas das diferentes formações econômicas (antiga e moderna) como também na percepção que Aristóteles tem do trabalho como fator econômico e de suas consequências teóricas. 45 FINLEY, 1986, op. cit., p. 107-108. encontram, pura e simplesmente, empresas que empreguem homens livres, mesmo numa base semi-permanente.”46 O trabalho não era em base salarial, sim por contrato, e a divisão do trabalho, ainda que já tivesse certo grau de desenvolvimento, não visava o aumento da produção, pois: O progresso técnico, o desenvolvimento econômico, a produtividade e mesmo a eficiência não foram objetivos significativos desde o princípio dos tempos. Enquanto se podia manter um estilo de vida aceitável, qualquer que fosse a sua definição, a cena era dominada por outros valores.47 Entre as principais características da produção moderna estão a especialização e a divisão do trabalho, mas no caso da antiguidade clássica é preciso estar atento para diferenças cruciais. Vernant e VidalNaquet explicam a diferença entre divisão do trabalho e divisão de tarefas no exercício de um ofício: A divisão das tarefas não é, portanto, sentida como uma instituição cujo objetivo seria dar ao trabalho em geral seu máximo de eficácia produtiva. É uma necessidade inscrita na natureza do homem que faz ainda melhor uma coisa porque faz exclusivamente aquilo.48 O mérito da especialização e divisão de tarefas está na possibilidade de exercer uma atividade que esteja de acordo com os talentos individuais para criar obras melhores, não é um meio de organizar a produção para se obter mais produtos com a mesma quantidade de trabalho. E nem poderia ser diferente, porque na Antiguidade o trabalho não tinha valor em si, não havia uma concepção de força de trabalho impossibilitando, desse modo, uma ideologia do 46 Ibidem, p. 100. 47 Faltam dados sobre a eficácia e rentabilidade da escravidão, mas, segundo Finley, é certo que se obtinham lucros satisfatórios, embora não houvesse outra realidade para se comparar. Ibidem, p. 116. 48 VERNANT, Jean-Pierre; VIDAL-NAQUET, Pierre. Trabalho e escravidão na Grécia antiga. Trad. Marina Appenzeller. Campinas: Papirus, 1989, p. 25. trabalho ou um programa trabalhista.49 Inclusive a aquisição de riqueza não era pelo trabalho, se dava principalmente por meios políticos. A ausência de mercado de trabalho não permitia uma racionalidade econômica atuando por trás das escolhas profissionais. Enfim, a produção era de baixa escala e a produtividade também, pois a mentalidade dominante era aquisitiva, não produtiva, afinal a força de trabalho não era uma categoria produtiva central. Na linguagem de Marx prevalecia ainda o valor de uso sobre o valor de troca, assim, mesmo considerando todos os avanços técnicos nos vários setores e a razoável difusão do dinheiro, a produção não visava preponderantemente a troca, mas o consumo interno. 1.2 JUSTIÇA NA TROCA Mesmo que a economia antiga esteja muito longe da estrutura mercadológica do capitalismo, veremos que ela surpreendeu e extrapolou os limites recomendados pelo Estagirita, por isso mereceu cuidado analítico correspondente à sua importância no quadro social e político vigente. Mesmo ocupando escasso espaço na obra de Aristóteles, sua análise econômica nos ajuda a revelar os tipos predominantes de relações sociais e produtivas especificamente nos séculos V e IV da Grécia Antiga cujas transformações econômicas e políticas - marcadas principalmente pela Guerra do Peloponeso (431 a 404 a.C.) e pelo império de Alexandre (336 a 323 a.C.) que deram início à derrocada da cidade-estado grega (por volta de 146 a.C.) – estão também refletidas em seus textos proporcionalmente à importância desse tema no contexto histórico específico. Aristóteles está ciente do espaço que o fenômeno da economia começa a ocupar no mundo grego, influenciando alguns valores morais, religiosos e culturais em geral, constatando, inclusive, que a grande causa dos transtornos políticos é a distribuição de riqueza e de honrarias entre os cidadãos. 49 Para a concepção de trabalho na antiguidade ver: AUSTIN; VIDAL-NAQUET, op. cit., p. 28-29. Também nesta mesma linha de pensamento, Cf. CARDOSO, Ciro Flamarion. O trabalho compulsório na antiguidade: ensaio introdutório e coletânea de fontes primárias. 3. ed. Rio de Janeiro: Edições Graal, 2003, p. 61. Rostovtzeff prefere ignorar estas distinções sobre o trabalho e afirma categoricamente que “O progresso econômico foi poderosamente auxiliado pela ciência grega que voltou sua atenção para melhoramentos técnicos.” Estes melhoramentos, juntamente com o trabalho altamente especializado, se refletiram tanto na agricultura quanto na atividade industrial, embora: “Na verdade, o sistema de fábrica nunca foi adotado; já observei como era difícil o desenvolvimento de um sistema capitalista sólido nas cidades gregas.” (ROSTOVTZEFF, 1986, op. cit., p. 221) Tendo já uma ideia do contexto sócio-econômico em que Aristóteles está envolvido, vamos a partir de agora entrar diretamente em sua investigação sobre o que afinal é a economia, seu escopo e sua relação com a política. Vamos tentar decifrar as preocupações que levam o Estagirita a se ocupar da reciprocidade proporcional, da igualização na troca de bens e serviços, das funções do dinheiro, da equivalência quantitativa e qualitativa, dos possíveis usos de um produto e, principalmente, da diferenciação entre economia e crematística tão necessária para se estabelecer os limites da riqueza. O que poderíamos denominar de economia política em Aristóteles tem início, textualmente, no livro V da Ética a Nicômacos, dedicado especificamente à justiça, lugar em que são listados os diferentes tipos de justiça conforme a motivação. Um dos motivos que leva o Estagirita a se ocupar da economia é sua relação com a distribuição equitativa dos bens (produtos, instrumentos de produção, propriedade, etc.) o que remete, necessariamente, à discussão sobre a justiça. Por outro lado, justiça e virtude caminham juntas em sua filosofia. Aristóteles define a virtude como: uma disposição da alma relacionada com a escolha de ações e emoções, disposição esta consistente num meio termo (o meio termo relativo a nós) determinado pela razão (a razão graças à qual um homem provido de discernimento o determinaria). (EN, 2, 1105b11- 14). A virtude é a disposição que torna o homem bom, que o leva a desempenhar bem sua função que é o agir racionalmente visando a melhor finalidade, o melhor bem possível. A virtude, apesar de ser posterior às coisas que são por natureza, pode e deve imitar a natureza, porque nesta impera a ordem. Virtude é sempre um meio termo, a mediania entre uma paixão, sua finalidade é o bem. As virtudes são meios para um fim: a felicidade. O fim é o que desejamos e o meio é o que deliberamos e escolhemos, por isso as ações referentes ao meio devem estar de acordo com a escolha e a voluntariedade. Quanto à justiça, Aristóteles a define como a forma mais elevada da virtude “porque ela é a prática da virtude perfeita. Ela é perfeita porque o homem que a possui é capaz de praticá-la em relação aos outros e não somente a si mesmo.” (EN, 5, 1129b30-32). Justiça não é apenas uma disposição irrestrita da alma para a prática de boas ações, mas é a própria prática destas ações, de ações específicas relacionadas aos outros. Em Aristóteles a justiça/injustiça tem dois sentidos. O primeiro é a justiça universal, tem um sentido amplo, trata de todas as coisas que envolvem as ações humanas, remete sempre à relação com o outro. Como explica Máynez, a justiça nesse sentido “não é a harmonia das partes da alma e suas virtudes correspondentes, como afirmava Platão, mas é a excelência do guardião da lei, o cumpridor da lei”50, é o exercício da própria virtude. O segundo sentido é a justiça particular, faz parte da justiça universal, mas tem um sentido estrito, trata das situações específicas, remete à prática de uma ação virtuosa específica (coragem na guerra) ou de um vício, como a ganância (pleoneci/a), que proporciona determinado prazer oriundo do ganho material. Fred Miller esclarece ainda que do mesmo modo que a injustiça universal e particular são ações que resultam em prejuízos à comunidade, a justiça universal e particular promovem o bem dos outros indivíduos: “Tanto a justiça universal como a particular se preocupam com as coisas comuns aos homens ou com o que forma uma comunidade.”51 A justiça particular se divide ainda em Distributiva e Corretiva. A distributiva trata da distribuição de cargos, de dinheiro e dos benefícios públicos entre os cidadãos, considerando suas desigualdades naturais, ou seja, pessoas desiguais receberão partes desiguais conforme o mérito dos indivíduos e se efetua o cálculo em uma fórmula com base na proporção geométrica. Máynez explica que a justiça distributiva pressupõe: A existência de algo a ser repartido entre os membros da comunidade. De uma instância encarregada de fazer a repartição. De um critério que, ao ser observado, determinará a retidão do ato distributivo.52 A justiça corretiva retifica as partes envolvidas numa relação voluntária (compra, venda, aluguel, contrato) ou involuntária (roubo, assalto, assassinato), abstraindo as desigualdades e méritos pessoais, 50 MÁYNEZ, Eduardo García. Doctrina aristotélica de la justicia. Estudio, selección y traducción de textos. Universidad Nacional Autónoma de México, Instituto de investigaciones filosóficas, 1973, p. 64-65. 51 MILLER JUNIOR, Fred D. Nature, Justice, and Rights in Aristotle's Politics. Oxford University Press, USA, 1995, p. 69. 52 MÁYNEZ, op. cit., p. 75. buscando um meio termo aritmético entre comprador e vendedor na relação voluntária; entre quem prejudicou e foi prejudicado numa relação involuntária. (EN, 5, 1131a2-8). Depois desta distinção Aristóteles, estranhamente, esboça um caso específico de justiça, a da Reciprocidade Proporcional, que se refere também à troca, mas não se incluiria na corretiva de modo irrestrito: pois em muitos casos a reciprocidade e a justiça corretiva divergem [...] mas nas relações de troca é esta espécie de justiça que mantêm os homens unidos, a reciprocidade conforme a proporcionalidade e não na base de igualdade. Pois é a reciprocidade proporcional que mantém a cidade unida. (EN, 5, 1132b26-34).53 Aqui estão em jogo questões de natureza contratual que, entre outras coisas, envolveriam a equivalência econômica entre prestação e pagamento por um serviço. A inclusão repentina de situações que, segundo Aristóteles, não poderiam ser resolvidas pela justiça distributiva – que adota o princípio geométrico - nem pela corretiva – que adota o princípio aritmético -, suscitou grande debate em torno da existência ou não de um terceiro tipo de justiça que recebeu várias denominações: justiça recíproca, retributiva, comutativa ou da troca justa. Eduardo Máynez explica que para tratar de problemas de relações interpessoais voluntárias em que se exija equivalência econômica entre prestações de serviços, é preciso, antes de tudo, considerar o princípio geral em que se baseia a doutrina aristotélica sobre a justiça particular: os iguais devem receber coisas iguais e os desiguais coisas desiguais, proporcionalmente a sua desigualdade. Este é o princípio que permeia toda questão da justiça: Por isso, mais do que três tipos de justiça – distributiva, corretiva e retributiva – deve-se falar em três formas de aplicação daquele princípio ou, de outro modo, de três diferentes funções d Desse modo, a justiça distributiva deve ser aplicada ao que é distribuível entre os membros da comunidade de acordo com seu mérito ou demérito; a corretiva nas relações em que uma das partes causa e a outra sofre um prejuízo indevido. A justiça retributiva ou da reciprocidade seria aplicada nas questões de prestações de serviços que são objeto de intercâmbio voluntário ou de prejuízo resultante de um fato delituoso.55 A diferença entre a justiça corretiva e a da reciprocidade pode ficar mais clara no seguinte exemplo: se um comprador afirma ter sido lesado ao pagar por um produto mais do que ele pensa que deveria, então um juiz intervém e determina uma nova quantia capaz de restabelecer a igualdade entre comprador e vendedor. O juiz toma daquele que estava com um excedente porque, na verdade, recebeu injustamente de outro indivíduo. Houve ganho do indivíduo A devido a perda involuntária por parte do indivíduo B e nesse caso a justiça corretiva deve repor a perda de alguém no momento da troca para corrigir a distribuição. Na justiça da reciprocidade (a)ntipoie/w) proporcional a situação é bem mais complicada. Neste caso os dois indivíduos devem chegar a um acordo para que a troca seja justa, mas sem a intermediação de um juiz formal, um terceiro elemento para intervir e restabelecer as condições entre os lados da relação, como é requisitado na justiça corretiva. A troca deve respeitar a proporcionalidade (a)nalogi/a), uma medida proporcional a algo e esse algo é um padrão de justeza fundamental para que a polis se mantenha unida. Por um lado a justiça corretiva estrita, baseada no modelo aritmético, é quantitativamente formal, serve apenas em situações em que há um contrato, mas não dá conta de julgar e igualar indivíduos e seus produtos totalmente diversos e desiguais respectivamente. Por outro lado, o princípio da proporcionalidade geométrica que sustenta a justiça distributiva também é constitutivo da reciprocidade. Ou seja, a justiça da reciprocidade guarda elementos dos dois outros tipos de justiça, mas não se identifica plenamente com nenhuma delas porque não adota o princípio geométrico nem o aritmético, sim o da reciprocidade proporcional. Com relação ao objeto central de nosso trabalho esta discussão é relevante na medida em que a justiça envolve fatores econômicos em pelo menos três sentidos inter-relacionados. Primeiro, o vício da ganância é citado como uma das possíveis causas dos desvios 55 Enquanto a justiça corretiva corrige uma troca que foi injusta de antemão, a justiça da reciprocidade é o que torna uma troca justa (MILLER JUNIOR, op. cit., p. 73). econômicos e, portanto, de várias querelas que interferem na manutenção da vida boa na polis o que envolve, naturalmente, a virtude da justiça. A ganância claramente viola a justiça porque representa o ganho de alguém a partir do prejuízo de outro. Aristóteles não defende a justiça como sinônimo de igualdade estrita, sem qualificação. Como explica Richard Kraut, certamente é um tipo de igualdade e de desigualdade, afinal: “A pessoa injusta é, num sentido, ilegal; em outro, é desigual. Correspondentemente, a pessoa justa é, num sentido, legal; em outro, igual.” Porém Aristóteles se preocupa em demarcar as diferenças e a simultânea interconexão entre justiça e igualdade: A pessoa injusta é aquela que não está satisfeita com a parcela da igualdade que lhe cabe, ela deseja mais e sua vontade deixa os outros com menos. Isto mostra que a pessoa justa é aquela que se satisfaz com a partilha equânime, escolhe algo entre aquilo que a pessoa injusta reserva para si (o excesso) e o que deixa para os outros (o pouco).56 A justiça consiste na igualdade e é o meio entre dois extremos indesejáveis, o excesso e a carência. O injusto contraria a fórmula da mediania, o princípio da justiça aristotélica. Assim é compreensível a associação entre o injusto e o ambicioso, entre justiça e economia. O injusto viola não somente as leis escritas, mas um conjunto de costumes e normas sociais aceitos e que proporcionam a existência da comunidade57, uma existência estável. A ganância, a ambição, não é apenas um desejo excessivo por ganho monetário, também é por honrarias, por reconhecimento social, por maior segurança ou por outros bens. (EN, 5, 1130b10-14). É violação do princípio da mediania porque para obter mais o ambicioso não se detém ao saber que o outro obterá menos, pelo contrário, acredita que ele merece muito mais que os outros. Richard Kraut é muito perspicaz ao observar que: quando alguém exerce o vício da pleoneci/a, não está violando uma lei ou regra que é 56 KRAUT, Richard. Aristotle Political Philosophy: Founders of Modern Political and Social Thought. Oxford University Press, USA, 2002, p. 102. 57 Justiça não são somente os códigos escritos pelos legisladores de uma comunidade, é um amplo conjunto de normas que governam os membros dessa comunidade. Por isso: “a pessoa injusta é caracterizada não somente pela violação dos códigos escritos, mas de modo mais amplo, pela transgressão daquelas regras aceitas pela sociedade em que ela vive.” (Ibidem, p geralmente respeitada em sua comunidade. Ele considera tais regras como restrições ilegítimas ao seu comportamento. Ele não admira aqueles cidadãos que seguem as leis, pelo contrário, considera-os tolos e fracos.58 A injustiça do ganancioso é a expressão de seu pretenso senso de superioridade e seu prazer não é derivado apenas do ganho excessivo, mas da satisfação de ganhar o que o outro perdeu por esse último ser inferior, ser um tolo e fraco. Voltaremos ao problema da ganância para decifrar a causa da confusão quanto ao objeto da economia, no momento basta perceber que a busca pelo ganho material, pela riqueza, estabelece uma relação direta entre as atividades econômicas e a observância da justiça na comunidade, na polis. Num segundo sentido, a justiça envolve fatores econômicos na medida em que a manutenção da justiça é essencial para a formulação de uma constituição capaz de estabelecer critérios para a troca (comercial ou não) e para a distribuição dos bens e das funções dos cidadãos na comunidade. Fred Miller esclarece que a constituição além de incorporar a justiça em seus vários sentidos (universal e particular), também exemplifica suas formas particulares (corretiva, distributiva e da reciprocidade): A justiça distributiva guiará legisladores e outros políticos preocupados com a distribuição de cargos e propriedades entre cidadãos, e ainda as atribuições de encargos (impostos, obrigações militares e serviços públicos). A justiça corretiva será exercida pelos jurados e pelos magistrados encarregados de retificarem as injustiças já cometidas. A justiça da reciprocidade é para orientar os magistrados na regulação do mercado de trocas e também os cidadãos à medida que ocupam cargos públicos.59 Um dos problemas centrais de qualquer constituição é definir não apenas o que distribuir, corrigir ou retribuir conforme a igualdade e a justiça, mas qual o critério para o cumprimento da justiça equânime para que se promova o bem tanto dos ricos quanto dos pobres. A formulação 58 Ibidem, p. 138. 59 MILLER JUNIOR, op. cit., p. 80 do tipo de constituição envolve problemas como distribuição da propriedade, dos encargos financeiros, dos cargos públicos, dos tipos de leis e de educação conforme o propósito da própria constituição – se será mais voltada à aquisição de bens e de honrarias ou ao cultivo das virtudes.60 Finalmente, a justiça envolve fatores econômicos no sentido em que na justiça da reciprocidade proporcional não há um terceiro elemento para resolver questões de intercâmbio, os próprios sujeitos encontram um critério para efetuarem a troca e é a partir daí que tem início a investigação sobre o padrão de troca, um dos problemas centrais na história do pensamento econômico. Desse modo, veremos que, se por um lado Aristóteles condena os vícios, altamente permissíveis ao bem comum, por outro, ele está profundamente preocupado em encontrar um ponto equidistante para que a relação de troca seja efetuada conforme os princípios da justiça. 1.2.1 Significado da troca Visto que na antiguidade a economia não alcançou a autonomia típica da economia na modernidade, sua análise está sempre permeada por outros fatores éticos, religiosos e jurídicos, entre outros. De qualquer modo, é a partir da classificação dos tipos de justiça e de injustiça, elaborada por Aristóteles, que surgem os principais problemas que historicamente suscitaram os primeiros passos da análise econômica, afinal, qual é o padrão que servirá para o julgamento conforme a justiça de reciprocidade proporcional? Ao buscar um padrão a pesquisa aristotélica parece guardar fortes conotações de análise econômica, suscitando em algumas correntes teóricas modernas um grande interesse, pois tudo indica que o instrumento metodológico utilizado para medir a troca de equivalentes é matemático. Essa discussão é muito complexa e abrangente, é sobre um padrão para a troca que, de alguma forma, envolve todas as outras trocas anteriores. Se o padrão for, por exemplo, a virtude (a)reth/), então a justiça de reciprocidade seria apenas uma derivação da justiça distributiva e a questão seria sobre o critério do mérito conforme a riqueza, a virtude, a liberdade, etc. Assim, talvez os problemas pudessem ser resolvidos politicamente a partir da intervenção direta do Estado, porém apesar da sua incontestável importância, nesse momento o Estado não é requisitado, ao menos não antes de encontrar tal padrão. 60 No próximo capítulo trataremos com mais detalhes a relação entre economia e constituiç