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quinta-feira, 6 de março de 2025
DA COISA E DO PROCESSO
DA COISA E DO PROCESSO
Alvin Toffler (1928 - 2016) , estadunidense, escritor e doutor em letras e ciência, de pendores futuristas, maravilhava-se ante o progresso das ciências, cada vez mais analítica na dissecação da realidade em partes cada vez menores. Ao que a opinião contrária vê nisso um retrocesso, ao impulsionar a tendência da pesquisa científica a saber cada vez mais de cada vez menos. Essa visão de mundo de dividir a realidade em partes de um todo que não se estuda, na observação do Prêmio Nobel de Fisiologia, o francês François Jacob, opõe-se frontalmente à sabedoria da Grécia Clássica (e também da sabedoria oriental), que começa pelo todo, a partir do qual estudam-se os seus desdobramentos, não em partes estanques, mas na sua CONTINUIDADE e na sua DESCONTINUIDADE, ao mesmo tempo. É nesse curto circuito da lógica binária do sim x não, do certo x errado que os gregos antigos enxergavam o DEVIR do Cosmos. Ou seja, há uma continuidade descontínua nas manifestações do Cosmos, dos Titãs aos deuses do Olimpo, destes às divindades menores, aos semideuses, aos heróis míticos, aos homens, aos animais, às plantas e às pedras. De acordo com a mitologia grega, tais manifestações engendram-se umas às outras num ciclo recorrente do nascer e do perecer, assim como ocorre na metamorfose dos insetos de ciclo completo, o da borboleta, por exemplo. Da mitologia os gregos retiraram a inspiração de sua filosofia, segundo o historiador francês Jean-Pièrre Vernant, dentre outros. Tem-se, então, do lado dos gregos o PROCESSO e do lado de Alvin Toffler a COISA, na modernidade dos modelos usuais de pesquisa científica. Entendam-se como "coisa" também os conceitos, coisas mentais, abstrações, que se caracterizam por suas DELIMITAÇÕES distintivas, ao passo que o PROCESSO, sem começo nem fim, não se delimita em segmentos, reais ou conceituais. Assim, por exemplo, a criança, que não é uma coisa, não é divisível na sua transição para a adolescência, à diferença de um queijo, divisível em pedaços. É verdade que a arte macabra que tornou célebre Jack Estripador, o bandido londrino que esquartejava as suas vítimas, ao tratá-las como coisa, perde força nos modelos da pesquisa científica, cada vez mais inclinados a tratar a realidade como processo, ou seja, partindo da consideração do todo. Ao entrar em contato, por leitura, com um novo autor por mim desconhecido, intento saber, em primeiro lugar, como ele trata a realidade, se coisa ou se processo. Identifico, assim, um número pequeno, porém, crescente, de autores voltados à ideia de processo, mais consentânea com o modo como experimento minha existência, um desenrolar de mim mesmo rumo à incompletude, graças à qual entrevejo possibilidades de caráter exponencial de permanecer como sou, diferentemente, ao escandir as modalidades lúdicas de papeis que venha a desempenhar. COISA é com Alvin Toffler e seus amigos da dissecação anatômica da existência. Tudo isso para dizer que me é difícil compartilhar do entusiasmo avassalador pela Inteligência Artificial, uma COISA tecnológica, que assusta mais do que empolga. A IA capta fragmentos de minhas manifestações nas redes informáticas e me devolve na forma de um todo vicário, ajambrado estatisticamente, que pretende me convencer de que sou eu, convertido em COISA. Não seria esse o sentido profético da metáfora da barata em Kafka, ou em Clarice Linspector? Nivaldo Manzano
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