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quarta-feira, 9 de abril de 2025
A PROPÓSITO DE TRUMP: O HERÓI OCIDENTAL, OU A HIPERTROFIA DO EU
A PROPÓSITO DE TRUMP: O HEÓI OCIDENTAL, OU A HIPERTROFIA DO EU
A pretensão de se controlar a realidade não é nova.Josué parou o sol na batalha de Jericó, para que seu povo pudesse vencer o inimigo antes do cair a noite. Moisés separou o mar em duas partes com o seu cajado, para que seu povo pudesse atravessá-lo sem molhar os pés.
No Ocidente, do Renascimento ao ILUMINISMO da crença na SUPERIORIDADE da RAZÃO sobre os demais valores humanos (intuição, estética, ética, sentimentos, além da razão),o indivíduo, dentro de seu prê-à-porter do liberalismo econômico e político, se acha no centro da Criação, uma nova dignidade, um demiurgo capaz de refazer o mundo à sua imagem e semelhança. É não ter lido com atenção Maquiavel (1469 – 1527), a quem se atribui equivocadamente a primeira ode moderna à capacidade de empreender. A proósito, escreve o sociólogo francês Julien Freund (1998): “A matéria política, sendo contingente, é apreendida por ele como maleável, portanto, teoricamente transformável, e o indivíduo acredita em ter poder sobre ela, a despeito dos perigos, no intento de dar-lhe forma, na expectativa de ver atendidos os seus desígnios” (Julien Freund, 1998).*
E Freund acrescenta: Nessa perspectiva, "a história intelectual do Ocidente é a edificação progressiva do sujeito da ação, até à sua explosão delirante na hipertrofia do sujeito, capaz de afirmar e de se dotar de uma vontade que o aproximaria de Deus (Descartes), a sua maneira de ser Deus". É a ilusão de crescer puxando para o alto os próprios cabelos. Já não se trata de um ideal de ação que se entrega, com dignidade e reverência, a perscrutar uma ordem de coisas, e sim de um desafio prometeico de reordenar essa ordem de coisas, ao alvitre de sua virtù. Esse é o herói ocidental, diria Freund.
Essa usurpação sacrílega, que se reflete em Francis Bacon (1561-1626),conhecido pejorativamente como "lenhador da natureza", na instauração de um divórcio entre ser humano e natureza, sujeito e objeto, entre conhecimento e ação, entre inteligência e operação, choca-se frontalmente com a visão de mundo do sábio chinês, que, ao invés de desperdiçar esforços na ilusão do controle da realidade, empenha a sua energia em buscar o modo de enxergá-la melhor: observa com atenção os sopros celestes e os sopros terrestres, à espera que de seu entrechoque resulte uma configuração favorável, à qual buscará, em resposta, harmonizar-se, assim como procede o surfista ante as ondas do mar. Em vez de lutar contra as ondas para mudá-las em seu favor, o surfista busca tão somente retirar o melhor proveito de seu balanço imprevisível. Já aqueles acometidos da sensação de impotência comportam-se como um medroso que sonhasse em converter o mar em geleia, para amortecer o movimento das ondas, e poder assim exibir um ilusório controle sobre a realidade. Ignoram o tamanho do mar.
E Karl Marx em seu livro "O 18 Brumário de Luís Bonaparte" em resposta aos filósofos da liberdade ABSOLUTA, como Immanuel Kant, dentre outros iluministas, escreve: "Os homens fazem a sua própria história; contudo, NÃO A FAZEM DE LIVRE E ESPONTÂNEA VONTADE, pois não são eles que escolhem as circunstâncias sob as quais ela é feita..."
Concluir daí que não se pode interferir na realidade, recolhendo-se ao conformismo, é não ter entendido a lição. O que nos ensinam o sábio chinês, o surfista e Marx é que a nossa intervenção deve dar-se, modestamente, na forma de RESPOSTA a um desafio ou a um convite colocado não por nós, mas pela realidade. Não controlamos a realidade, pois é a realidade que nos controla, assim como a ilusão de controlá-la. A iniciativa cabe à realidade, ou ao contexto, que se nos apresenta como instigação e repto: E agora, José? Nivaldo Manzano
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