segunda-feira, 1 de julho de 2013

mais uma vez, ainda, pelo começo


Por Marcelo Manzano

(esclarecimento necessário: este texto é um auto-plágio de um artigo que publiquei em março de 2004 na revistaCaros Amigos. Fiz apenas alguns ajustes pontuais, atualizando as datas e alguns fatos. Infelizmente, tantos anos se passaram e o tema volta a fazer sentido)

Duas ou três semanas de asfalto e vinagre foram suficientes para azedar o sabor de prosperidade econômica que há quase dez anos embalava os brasileiros, o governo e o PT.

Porém, muito mais grave do que as fraturas políticas que a crise traz à tona é que um eventual fracasso do atual governo significará muito mais do que o tropeço de um partido ou de um programa político econômico. Não afetará somente nossa vida daqui por diante, mas marcará drasticamente a nossa vida pretérita, nossos tantos anos de construção de uma alternativa para este país.

Como muitas vezes nos ensina a história, o sentido das coisas, o rumo dos processos sociais e políticos são definidos de frente para trás – de hoje para ontem. São os eventos do presente que magicamente dão sentido às trajetórias e escolhas do passado e essas, por sua vez, só podem ser plenamente compreendidas a partir do seu desfecho. Sem ele, não seriam mais do que eventos fortuitos, largados ao acaso, ao lado de tantos mais.

É como quando damos o primeiro beijo na namorada. Resgatando na memória, identificamos naquela festa da escola, ou naquele olhar no retrovisor, um encanto que só poderia desaguar no grande amor de hoje. Ou também no futebol, quando tabelamos desde o nosso campo de defesa numa triangulação predestinada a encher a rede, num belíssimo gol de placa. Mas, quantos foram as tabelinhas desperdiçadas pelo centroavante fominha? E quantos olhares em quantos retrovisores não passaram de olhares nos retrovisores?

Para que nossa arte, nossa labuta, faça algum sentido, é imprescindível que de algum jeito consigamos conectar o presente a nossas ambições de ontem. Se não para construir o futuro - como gostamos de acreditar - talvez para amalgamar o passado. 

Pois é com isso que o governo atual e a Presidente Dilma estão lidando. Tenhamos participado mais ou menos ativamente da política nos últimos 30 anos, temos que reconhecer que o PT foi o portador da caneta que parecia predestinada a ligar os pontos de nossa história. Os chumbos da ditadura, a luta pelas Diretas-Já, os desenhos do Henfil, a Constituinte do Dr Ulisses, o Lula-lá, o impeachement do Collor, o sufoco do FHC,... todo esse amontoado de vida só comporá um roteiro inteligível se, ao fim, formos capazes de desaguar em algum mar. Aquele leito caudaloso, expressão talvez das duras escarpas que nos acompanharam ao longo do tempo, não deveria terminar assim, absorvido pela areia da costa, empapuçando um mangue que parece infinito.

Sem um mar, não haverá rio, nem córregos, nem nascentes. 


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Postado por Marcelo Manzano no o pífano e o escaninho em 6/29/2013 09:08:00 PM

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