Para quem acha que Dani Shwery, Thismir Maia e Carla
Dauden são o máximo que a direita “espontânea” conseguiu preparar para
mobilizar seus simpatizantes - no contexto do quadro reivindicatório das
manifestações de junho - podemos dizer que entre os servidores do
Google e da Microsoft e os mouses dos internautas comuns há muito mais
coisas que a nossa vã filosofia possa imaginar.
Uma delas, ficou comprovado, é a espionagem norte-americana na rede, denunciada pelo agora foragido Edward Snowden.
O súbito aparecimento do fenômeno dos hitlernautas é
outra - e esse é um fato que merece ser analisado. O hitlernauta, não é,
na verdade, uma nova espécie no ciberespaço brasileiro. Ele sempre
existiu, embora não fosse conhecido por esse nome. A questão é que,
antes, os hitlernautas só podiam ser encontrados no seu habitat natural,
em reservas quase sempre protegidas, e normalmente produzidas e
consultadas apenas por eles mesmos.
Encontravam-se, assim, ao abrigo do navegante comum,
como nos sites neonazistas, integralistas, da extrema-direita católica,
ou que correspondem, no Brasil, a “espelhos” de certas “organizações”
fascistas internacionais.
Nesses espaços, eles ficaram, por anos, alimentando
suas frustrações, preparando-se para sair à luz do dia tão logo houvesse
uma ocasião mais segura para se apresentarem ao mundo. A oportunidade
surgiu no âmbito das passeatas de junho. Afinal, nessas manifestações,
cada um podia carregar a mensagem que desejasse - desde que não fosse
símbolo de partidos políticos.
Os hitlernautas, além de aparentemente apartidários,
são, principalmente, anti-partidários. Assim, resolveram engrossar, a
seu modo, a procissão mesmo sem conseguir indicar, com clareza, rumo ou
andor que lhes valesse.
É fácil reconhecer o hitlernauta. Nas ruas, é o
“careca”; o de cara coberta por um lenço; pela máscara do movimento
anarquista; o que leva coquetel molotov de casa; joga pedra na polícia;
agride violentamente o militante do PSDB, do PT, ou do PSTU que estiver
carregando uma bandeira; quebra prédios públicos; arranca semáforos;
saqueia lojas; põe fogo em carros da imprensa ou invade o Itamaraty.
Na internet, o hitlernauta é ainda mais fácil de ser
identificado. É aquele sujeito que acredita (piamente?) que estamos
vivendo a penúltima etapa da execução de um Golpe Comunista no Brasil. E
que o Fórum de São Paulo é uma espécie de conclave secreto, destinado a
dominar o mundo via implantação, no continente, de uma União das
Repúblicas Socialistas da América do Sul.
O hitlernauta é o “anônimo” que, atuando no Exterior ou
em nosso território, nos comentários, na internet, tenta convencer os
interlocutores, de que as urnas eletrônicas são manipuladas; de que não
existe oposição no Brasil, porque o PSDB é uma linha auxiliar do PT na
implantação do stalinismo por aqui; que FHC é fabianista, logo, uma
espécie de socialista a serviço da entrega do Brasil aos vermelhos; que a
ONU é parte de uma conspiração mundial, e o único jeito de consertar o
país é acabar com o voto universal, fechar o Congresso, dissolver os
partidos, prender, matar, arrebentar e torturar, no contexto de novo
golpe militar, sob orientação norte-americana.
No dia 10 de julho, os hitlernautas saíram às ruas,
sozinhos, pela primeira vez. Segundo o portal Terra, fecharam a rua
Pamplona, até a esquina com a Consolação, com a Marcha das Famílias
contra o Comunismo, convocada nas últimas duas semanas pela internet.
O portal IG calculou, em cerca de 100 pessoas, o grupo
que se reuniu no vão do MASP e marchou, com bandeiras, pedindo
intervenção militar, até as imediações do Comando Militar do Sudeste.
No Rio, a convocação conseguiu juntar, frente à
Candelária, trinta e poucos manifestantes, em cena em que se viam mais
bandeiras e cartazes sobre as escadas do que pessoas para empunhá-los.
Ao ver a foto da “manifestação”, muita gente os ridicularizou na
internet.
Os primeiros desfiles das SA na República de Weimar
também não reuniam mais que 30 pessoas, que carregavam as mesmas
suásticas hoje tatuadas na pele dos skinheads presentes à Marcha das
famílias contra o Comunismo, em São Paulo, no dia 10. As pessoas
normais, ao vê-los desfilando nos parques, com os seus ridículos
uniformes, acharam, na década de 30, que os nazistas eram um bando de
palhaços. Eles eram palhaços, mas palhaços que provocaram a maior
carnificina da História. Sob seus olhos frios, seus gritos carregados de
ódio, milhões de inocentes foram torturados, levados às câmaras de gás,
e incinerados, em Auschwitz, Maidanek, Birkenau, Dachau, Sachsenhausen –
e em dezenas de outros campos de extermínio montados por ordem de
Hitler.
Os hitlernautas não devem ser subestimados. É melhor
que a sociedade os conheça. A apologia da quebra do estado de direito é
crime e deve ser combatida com os rigores da lei. Cabe ao Ministério
Público, com a ajuda da Polícia Federal, identificá-los e denunciá-los à
Justiça, para que sejam julgados e punidos, em defesa da democracia.
Mauro Santayana é colunista
político do Jornal do Brasil, diário de que foi correspondente na Europa
(1968 a 1973). Foi redator-secretário da Ultima Hora (1959), e
trabalhou nos principais jornais brasileiros, entre eles, a Folha de S.
Paulo (1976-82), de que foi colunista político e correspondente na
Península Ibérica e na África do Norte.
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