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quarta-feira, 3 de maio de 2023
Kant causalidade e universalidade
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O dever e os postulados da razão prática em Kant
João Roberto Barros II1
Palavras-chave: dever, liberdade, postulados
Key words: duty, freedom, postulates
A possibilidade da liberdade na Crítica da Razão Pura2
Kant afirma na tese da Terceira Antinomia: “A causalidade segundo as leis da natureza não
é a única de onde podem ser derivados os fenômenos do mundo no seu conjunto. Há ainda uma
causalidade pela liberdade que é necessário admitir para os explicar” (1997, p. 406). A razão teórica
exige uma universalidade do princípio de causalidade, exigência esta que leva a uma carência, já
que ela não é satisfeita levando em conta apenas as leis da natureza que regem os fenômenos.
Percebemos então um dilema da razão que se autoflagela por requerer de si mesma uma total
compreensão do encadeamento dos fenômenos, evidentes em sua singularidade, contudo, arredios
quanto a um encadeamento satisfatório, entenda-se completo, em se tratando da pluralidade. Nada
pode faltar ou ficar de fora das leis que a racionalidade promove, já que tais leis são resultado das
categorias puras do entendimento aplicadas à realidade empírica. A temeridade de considerar, no
âmbito teórico, a realidade de uma causalidade livre arredia ao cerco do discurso racional gera uma
incongruência, todavia a sua mera possibilidade salva a razão de um aprisionamento nas leis que
controlam toda a sucessão dos fenômenos ocorridos no mundo empírico. A possibilidade da
liberdade confere ao homem um lugar neste mundo condizente com sua natureza, ou seja, não
determinado pelos fenômenos e capaz de ensejar espontaneamente nele uma série de
acontecimentos.
Kant vê sua época imersa em um dilema do qual a filosofia não está dando conta: se
consideramos os objetos como coisas em si mesmas e as leis que os regem, a humanidade está
fadada a viver de maneira completamente condicionada e predeterminada pelos ininterruptos
acontecimentos que se dão em série; no entanto, se passamos a encarar a humanidade capaz de
viver paralelamente a este mundo de maneira livre e independente de suas leis, vemo-nos em pé
de guerra com estas leis, produtos do nosso entendimento, como que voltando a razão contra seus
próprios princípios e, conseqüentemente, levando a uma anarquia sem igual3
.
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A crítica kantiana vai, então, no sentido de diferenciar o mundo fenomênico do mundo
inteligível. O primeiro é caracterizado pelas coisas constatadas na ordem do espaço e do tempo,
aquelas que aparecem e que podem ser pensadas no nível dos conceitos puros do entendimento
(Weber, 1997). Este é o mundo do conhecimento, onde as categorias do entendimento atuam com
sucesso ao sintetizar os dados empíricos que atacam a percepção do homem, dados caracterizados
pela contingência e mutabilidade. A sensibilidade contribui com a identificação dos fenômenos
condicionados em suas particularidades e o entendimento relaciona-os de maneira a considerar um
fio condutor que perpassa uma série causal no tempo e no espaço. O conhecimento, então, é
vedado para além do campo da experiência. Por seu turno, o mundo inteligível é da ordem das
coisas em si mesmas, elas não são determinadas pelas leis da natureza, as leis que predominam
sobre os fenômenos, e, por conseguinte, não estão submetidas às categorias do entendimento.
Nessa perspectiva não há participação da empiria, portanto também não há a efetividade do
conhecimento, aqui é o campo de atuação da razão pura, limpa de qualquer dado que a possa
macular, é o mundo do simplesmente pensável, daquilo que deve ser, do númeno. Apesar das
idéias da razão não serem passíveis de cognição, seu valor reside no fato de serem imutáveis. São
elas que possibilitam o conhecimento, pois se não as tivéssemos, estaríamos imersos nos dados da
empiria de forma confusa e seríamos levados pela mutabilidade dos fenômenos.
Esta divisão é feita por uma exigência da razão4
; ela, a razão, definitivamente afirma sua
posição ao impor um incondicionado para todo condicionado. Delimitando o domínio do
conhecimento no mundo dos fenômenos, chegamos à conclusão de que a capacidade discursiva da
razão apenas alcança a aparência dos objetos. No entanto, a exigência da razão em buscar um
incondicionado para essas aparências não cala5
. Na série sucessiva de fenômenos, onde o presente
busca sua causa no passado, e este, por sua vez, faz o mesmo com aquele que o antecedeu, o
inteligível assume a figura do incondicionado, daquele que não tem sua causa inscrita no tempo.
Os númenos, apesar de não poderem ser conhecidos, mesmo tendo correspondentes no mundo
dos fenômenos, são pensados como coisas-em-si mesmas, pois há essa possibilidade. Mesmo sem
tais intuições, a distinção entre fenômeno e númeno, coisa-em-si, permite a solução da armadilha
armada pelo determinismo na qual a identificação dos fenômenos como númenos acarreta uma
contradição intransponível para a razão, já que estes são imutáveis e não podem compartilhar da
incessante mudança daqueles, tais como nossas intuições os captam, comprometend a ação livre.
Assim está satisfeita a exigência discursiva da razão.
E aqui é o ponto de fazermos uma distinção quanto às particularidades dessas duas espécies
de causalidades. Kant coloca o seguinte: “Não se trata aqui de um começo absolutamente primeiro
quanto ao tempo, mas sim quanto à causalidade” (1997, p. 410). Qual a diferença? Na filosofia
kantiana, a liberdade é uma causa inteligível, ou numenal, que é capaz de iniciar uma série de
fenômenos sem ser influenciada por nenhuma causa anterior, pois é uma causalidade proveniente
da razão pura. A “razão pura” é uma faculdade tão-somente inteligível (Kant, 1997, p. 474), que,
por sua vez, não é submetida ao tempo, que não vem a ser. O que podemos perceber – essa é a
conclusão a que queremos chegar – é o efeito de sua causalidade no mundo dos fenômenos, uma
série de eventos sucessivos entre os quais identificamos um entrelaçamento causal próprio do
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modo como as categorias do nosso entendimento são aplicadas ao mundo. A razão pura não pode
ser subordinada ao tempo porque esta condição é exclusiva dos fenômenos regidos pelas leis da
natureza. Quando observamos os dados fornecidos pela empiria, relacionamo-los em uma ordem
causal sucessiva: o fato observado remete a uma causa fenomênica anterior, que, por sua vez,
também faz referência a uma outra anteriormente dada no tempo, e assim continuamente. Não há
possibilidade de uma ação espontânea ser iniciada em meio à “série de eventos” já determinados
por antecedentes (Kant, 1997, p. 406). A submissão incondicional às leis naturais levaria o ser
humano a um patamar de amoralidade pela falta da causalidade da liberdade, a lei moral,
acarretando o desperdício de sua característica ímpar que é a possibilidade de uma personalidade.
O ser humano como participante do mundo sensível carrega a semente de uma espontaneidade
absoluta; é inerente à natureza racional uma inteligibilidade única capaz de libertar-se da
receptividade da sensibilidade e ser autora de ações puramente guiadas pelas leis oriundas de si
mesma, leis estas com uma “determinação inteligível”, leis da liberdade (Kant, 1997, p. 471).
A liberdade consiste na causalidade inteligível que influencia o mundo dos objetos sensíveis.
Ela age diretamente nas coisas-em-si que são fundamento dos fenômenos. Tal fundamento é
possível por pensarmos os objetos da sensibilidade sob uma dupla perspectiva: sensível, encarando
o objeto da maneira como aparece aos sentidos, e “inteligível”, fundamento que o determina como
simples aparência, já que é dada a diferenciação daquela frente à coisa-em-si (Kant, 1997, p. 467).
O ser racional finito participa do mundo dos fenômenos e se percebe capaz de imiscuir seus atos
na série causal que conduz os objetos da sensibilidade como um amontoado de engrenagens
justapostas umas às outras, cada uma tendo seu movimento condicionado por aquela que a motiva,
uma outra, estranha a ela mesma, condicionando as ações que deverá realizar necessariamente
por estar de maneira irreversível subordinada a uma tal cadeia, que não lhe permite alternativa.
Prisão seria se não fosse ele portador de uma faculdade de representar suas leis. Seu alcance
permite conceber um caráter inteligível dos objetos, dissociando-se dos fenômenos e agindo
eficazmente nos fundamentos destes, isto é, nas coisas-em-si. Ao desligar-se dos fenômenos
quanto à sua identificação com o númeno, ele é capaz de conceber uma causalidade da ordem do
inteligível, uma causalidade que tem por determinação a própria razão não subordinada ao tempo,
já que o tempo predomina sobre os fenômenos. Deste modo, viabiliza uma autonomia das idéias
da razão ao poder ensejar na série causal do mundo fenomênico uma “causalidade atemporal” no
que se refere à sua determinação, afetando as coisas-em-si mesmas que são a base dos
fenômenos, sendo a ação livre possível (Kant, 1997, p. 466).
Esclarecendo, então, a ação do homem apenas pode ser considerada livre na medida em
que é condicionada “fora da série dos fenômenos” (Kant, 1997, p. 474) e é independente de todo
e qualquer móbil sensível, pois qualquer que seja este, estará já determinado pelas leis naturais
que regem os fenômenos, maculando assim a possibilidade do homem iniciar neste mundo uma
série autônoma conforme os ditames da razão pura6
. A diferenciação entre aparência e coisa em si
é que permite pensar o homem como sendo livre, como participante do mundo inteligível, e
conjuntamente ser submetido às leis da necessidade natural, por estar inserido no mundo dos
fenômenos, mas sem ser determinado por elas.
O dever e a liberdade
Uma ação realmente livre é uma ação moral. Para que desenrole um melhor esclarecimento,
a ação moral será sempre dita tal em relação ao conceito de dever, que constitui o corolário
valorativo de todas as nossas ações (Kant, 2002a). A ação por respeito à lei prática é o que lhe
confere necessidade e o que constitui o dever em sua mais profunda essência, sendo ele o único
capaz de motivar a vontade de maneira que sua ação seja tida também por necessária para todos
os seres racionais7
. A ação por dever é uma exigência da razão que prescreve uma lei incondicional
e faz valer sua faculdade determinante da vontade por desprezo a todas as influências externas
que possam servir de fundamento desviante de uma ação completamente livre e perfeitamente
moral; a razão, como parte inteligível constituinte do ser humano, determina a ação exclusivamente
e não deixa margem para que fatores empíricos exerçam atividade na base da ação, o que
descaracterizaria esta de sua universalidade e necessidade, tão caras à moralidade.
Conforme Kant, a razão tem por ofício influenciar a vontade e produzir uma ação moral.
Essa faculdade prática da razão deixa-nos ver um campo onde a razão, como faculdade superior,
coloca-se na base das ações e faz da motivação dessas ações algo que não visa um fim aleatório,
mas encara a ação como fim em si mesma. A necessidade advinda do puro respeito à lei prática
aclara a grandeza do dever e relega à penumbra as inclinações como quaisquer matérias da ação
(2002a, p. 27, 35 e 47).
O que deve acontecer em uma ação moral é a inclinação imediata da vontade em favor dos
mandamentos da razão.
A batalha argumentativa de Kant tem como foco algo muito simples: fazer com que o
princípio da moral não seja tomado de nenhuma matéria, ou seja, nenhum objeto da experiência
ou exemplo que possamos averiguar empiricamente, já que o que aparece é efêmero, é
fenomênico.
Apoiar as ações em algo material é confundir a busca da felicidade com a efetivação da
moralidade, pois a felicidade caracteriza-se como a busca da plena satisfação dos desejos. Ela, a
felicidade, está sujeita a uma infinidade de variantes quanto ao objeto de sua apreciação devido à
grande soma de inclinações que se apresenta nessa idéia. O maior desafio para a fundamentação
de uma moral genuína, diz Kant, é separar e distinguir o “princípio determinante” da felicidade e o
princípio determinante da moral (2002b, p. 149). O primeiro apresenta-se à vontade como um
fundamento determinante empírico que restringe a ação a uma particularidade e contingência
inaceitáveis para uma ação que se quer moral. Todo objeto empírico está susceptível a várias
oscilações, e, portanto, a ação que tiver como seu fundamento determinante um dado empírico
está fadada a fracassar, moralmente falando. Já o princípio determinante da moral tem que brotar
única e exclusivamente da razão, dando a forma que a ação deve seguir, elevando-a ao cimo da
universalidade e da necessidade. A solitária determinação formal por parte da razão é o único
caminho a ser trilhado por um agir que tem como fim a realização do bem supremo da moral.
Buscar a felicidade, contudo, não chega a ser uma jornada execrável. Motivar as ações somente
pela razão não é de todo incongruente com o contentamento das expectativas com relação a algo
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exterior à vontade; devemos atentar, isto sim, para que o “interesse” por algo alheio ao simples
respeito à lei não esteja na base do agir (2002a, p. 29, 2002b, p. 151).
O aceiro teórico feito por Kant na Crítica da razão pura assegura uma autonomia desta
mesma razão pura agora na esfera prática8
. A liberdade somente será possível se nenhuma
interferência ocorrer na determinação da vontade do sujeito, interferência promovida por algum
conteúdo empírico. Razão pura teórica e razão pura prática são a mesma, apenas com uma
diferença quanto ao campo de atuação. A razão prática será eficaz na medida em que tiver como
aio de suas ações uma lei proveniente do seu interior, isto é, tendo uma motivação puramente
racional, ou inteligível, que a livrará de qualquer inclinação em favor de algum objeto material.
Kant coloca que “nos princípios gerais da moral não deve haver nada incerto, porque as
proposições ou são de todo em todo nulas e vazias de sentido ou têm que derivar simplesmente
dos nossos conceitos da razão” (1997, p. 430). Os atos serão ditos livres sob a condição irrevogável
da razão pura prática determinar a vontade do sujeito através de um canal direto de inteligibilidade,
ou seja, estando isenta dos fenômenos, assim como a razão teórica determina as condições de
possibilidade do conhecimento (Weber, 1997).
A moral deve ser entendida como a ciência do bem agir (Kant, 1997). A efetividade da razão
pura no mundo dos fenômenos prescreve uma determinação imediata da vontade do sujeito, assim
a razão pura será prática e a ação terá por fundamento um princípio exclusivamente racional.
Quando a determinação da ação não é ocasionada inteiramente pela razão pura e há a interferência
de móbeis sensíveis no fundamento da mesma, a razão é dita pragmática. Este termo leva em
conta a influência da matéria na base da ação, comprometendo sobremaneira qualquer pretensão
de universalidade que é indispensável para a constituição de uma ciência do bem agir9
. Façamos,
então, uma digressão acerca da discriminação que separa a razão prática da razão pragmática.
A razão prática mantém um caráter puro mediante a abstinência por ela feita de todos os
dados da matéria ao motivar a vontade, sendo “pureza” um estado que acarreta universalidade,
posto que ela representa a exclusividade da razão em determinar a ação de maneira imediata e
formal, sem a paridade de alguma inclinação em favor da matéria. E por que universalidade? Porque
a razão confere ao homem a capacidade de motivar sua vontade levando em conta apenas o
inteligível, o que não é condicionado pelo tempo. Somente o inteligível traz a vontade humana para
uma esfera de necessidade e universalidade onde a forma da ação predomina, em detrimento da
matéria. A aversão à matéria dá-se pela busca de uma autonomia da razão; esta passa a ser
considerada prática unicamente por poder estar na dependência de si mesma, sem o vínculo
comprometedor com quaisquer outros fatores que não sejam a sua capacidade de basilar ações
orientadas pelo respeito aos seus ditames particulares10. “A razão é prática quando possui em si
própria um fundamento suficiente para a determinação da vontade [...], isto é, quando a razão
mesma é determinada pela liberdade” (Rohden, 1981, p. 31). É a pureza na força motriz da ação
que caracteriza a liberdade, visto que a forma nada mais é que a razão exercendo sua capacidade
de determinar a vontade usando somente o inteligível que lhe é peculiar. Considerando todos os
seres racionais, cada um poderá concordar com tal motivação por possuir a aptidão de motivar a
vontade levando em conta a simples ordenança da razão que é comum à totalidade dos indivíduos.
A universalidade da razão prática, então, é fruto de um querer racional que prescinde do material
para determinar a vontade ao estar ela observando as marcas fronteiriças estabelecidas
formalmente pela razão pura na sua faculdade prática.
Ao exilar a matéria do “fundamento determinante da vontade”, resta apenas a forma que
poderá conferir o carimbo de universalidade à ação inserida no mundo fenomênico; não fosse
assim, afirma Kant, a razão pura não poderia ser prática ao determinar a vontade considerando a
contingência; seria levada nas oscilações da matéria que impedem a razão de exercer seu ofício, e
a vontade passaria a escrava (2002b, p. 45).
Por sua vez, a razão pragmática é caracterizada como aquela que determina a vontade de
suas ações de maneira heterônoma. Ela não tem a sua determinação nascendo no seu interior,
mas recebe de uma fonte estranha a lei que governa o seu agir. A heteronomia da razão pragmática
é contraposta à autonomia da razão prática, seu fundamento está calcado nos objetos que o mundo
da matéria tais como aparecem, objetos estes que não podem propiciar uma estabilidade
necessária na qual a vontade esteja apoiada com confiança. A mutabilidade dos objetos percebidos
pelos sentidos acarreta uma variação insustentável para a reta conduta racional. Eles estão
submetidos às leis da natureza e patentemente transformam-se com uma facilidade não aceitável
para uma vontade que necessita ser constante em suas determinações. Os objetos dos sentidos
são mutáveis na sua maneira de aparecer, causando assim uma inconstância na determinação dos
fins vislumbrados. Se a razão passar a buscar neles algo que possa embasar a sua vontade no
momento da ação, ela estará condenada a vasculhar todo o leque de opções do mundo empírico e
chegar apenas a uma mera generalidade, mas nunca à universalidade (Weber, 1996). Esta somente
é possível por via da razão pura, que traz consigo a capacidade de servir de fundamento para a
vontade do sujeito, quando ele dá preferência ao seu caráter numenal e impinge à vontade a
universalidade peculiar da lei racional, a lei da liberdade. Acrescenta-se a isso o fato de serem os
objetos sensíveis estranhos à razão pura, só podendo, conseqüentemente, influenciar a vontade
de maneira externa; o que acontece ao ser a vontade determinada pela matéria da ação é o
fundamento estar fora do próprio sujeito, levando a uma contradição este mesmo sujeito que busca
a liberdade nos objetos do mundo natural para poder exercer o tino concernente apenas a um
sujeito racional. A razão pragmática, então, é motivada por algo que é estranho à racionalidade e,
portanto, cai na contingência e na falta de universalidade tão repudiadas por uma ciência do agir.
A diferença, portanto, pode ser dita com esse delineamento: enquanto a razão quer a
liberdade e a busca empregando suas leis à vontade de maneira autônoma – razão prática –, os
objetos dos sentidos levam o homem pelo desejo de saciar-se desorientadamente nas inúmeras
opções que se apresentam, escravizando-o em um processo que não oferece nenhuma base segura
para suas ações – m razão pragmática – e que não pode ser igualado à determinação racional na
motivação do agir.
Há de se ressaltar que Kant diz ser possível conciliar a causa numenal da liberdade com a
causalidade empírica regente dos fenômenos, propiciando ao homem condição de alcançar a
felicidade, parte constituinte do sumo bem, objeto da lei racional, pois a distinção feita entre
matéria e forma, fenômeno e númeno, não opõe essas duas categorias em primeira instância,
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apenas o faz quanto ao fundamento do agir. A matéria não pode ser em qualquer circunstância
considerada em se tratando da fundamentação das ações, mas sempre participa delas em um
“papel secundário” (2002a, p. 29, 2002b, p. 151). Estando o homem no mundo sob duas
perspectivas, a inteligível e a material, Kant apenas está rejeitando a possibilidade de
fundamentarmos as regras do agir em princípios materiais que não podem nos conceder a
universalidade, mas não está dizendo para nos abstermos deles com a pretensão de formarmos
uma comunidade santa. A influência ou a postura basilar de uma perspectiva para a outra é que
deve ser unilateral, sendo a “razão” sempre preponderante frente às inclinações (Kant, 1997, p.
471, 477).
Assim, podemos distinguir dois tipos de vontade: a santa e a não absolutamente boa. A
primeira concorda necessariamente com as leis da autonomia, suas máximas nunca se desviam
das diretrizes estabelecidas para uma ação perfeitamente moral; já a última não goza da mesma
reputação. A vontade que não é absolutamente boa tem uma dependência com relação à atuação
do princípio de autonomia em suas máximas que se traduz por uma verdadeira relação de
obrigação. O dever, nos parâmetros de Kant, caracteriza-se pela necessidade objetiva de uma ação
frente ao “princípio” de autonomia que se insinua à vontade (2002a, p. 84).
As máximas são compostas das seguintes partes: uma forma que prega a universalidade
por analogia às leis da natureza; uma matéria como fim a que se destina a ação; e uma
determinação completa para que se possa pensar um reino dos fins possível. A forma, sozinha,
poderia direcionar a vontade em concordância com a lei moral, mas por motivos pedagógicos é
preferível aproximar a lei moral o máximo possível da intuição. Entretanto, por maior que seja
nosso esforço, não poderemos achar na experiência uma única ação sequer da qual possamos
afirmar um respeito indubitável à lei moral. Sendo assim, resta-nos digressionar acerca das regras
universais da razão até que se aclare o conceito de dever em sua faculdade prática.
O dever expressa a universalização de uma máxima como lei universal da natureza ao
desprezar todas as inclinações que podem afetar a máxima da ação e particularizá-la,
proporcionando que dela se faça um estandarte respeitoso da moral, respeito este que brotaria de
todos os seres racionais. Tal sentimento moral é fruto do simples respeito à lei prática da razão
que se faz soberana e louva seus puros princípios. Todos os motivos devem se render ao respeito
à lei prática, e isso é que faz do dever o que ele é, sendo a inclinação de cunho material apresentada
à vontade como determinante da máxima da ação pequena em envergadura e incapaz de motivála de maneira que esta máxima seja universal. Ao apresentar-se a uma vontade finita que não está
necessariamente e a todo tempo em concordância com a razão, o princípio determinante
racionalmente originado faz da sua prescrição um mandamento que traz uma obrigação a ser
cumprida: a motivação da vontade e a realização da ação de acordo com os puros princípios da
moral. O princípio que é proveniente da razão permite que o agir racionalmente seja algo querido
por todos os seres humanos que almejam a construção de uma comunidade na qual os fins mais
nobres imperarão; sendo assim, “racional é o que todos os seres humanos podem querer” (Rohden,
1981, p. 46).
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A necessidade de uma ação por respeito à lei é o que simboliza o dever, pois tal ação se
dará não por inclinação, mas por um respeito que só é direcionado à lei imanente da razão.
Qualquer inclinação exterior tem como alvo um objeto que é contingente e aleatório, já que é regido
pelas leis dos fenômenos e ora pode aparecer de uma maneira, ora de outra. A determinação da
razão, contudo, é a única digna de respeito, pois seu objeto é um simples efeito da ação no mundo
fenomênico, mas é igualmente seu princípio determinante de um mandamento puro com os
atributos da universalidade e da necessidade. Esse princípio determinante do querer independe da
realidade do objeto exterior, e é justamente aí que reside sua grandeza: estando livre das
determinações sensíveis, a vontade determinada racionalmente tem um valor incondicionado, valor
que não varia ou oscila na flutuação dos desejos humanos impertinentes à moralidade, mas se
mantém imaculado e firme, garantindo à ação um propósito moral, bom e livre. O dever é a maneira
pela qual a lei objetiva da razão se apresenta à vontade subjetiva do agente mandando que esta
cumpra seu papel de obediência para uma perfeita conformidade das ações dele com princípios
objetivos que garantam a efetividade de uma moral neste mundo.
Somente a vontade em conformidade com a lei universal da razão e despojada de todas as
tendências que a possam afastar de seu mais glorioso fim último, e que se prestam apenas ao
papel de penduricalhos extravagantes que ornamentam a vaidade daqueles que se deixam levar
pelas seduções deste mundo ímpio, pode ser considerada livre e válida para todos os seres
racionais. O único fundamento que pode assumir o posto de princípio determinante da vontade e,
ao mesmo tempo, ser querido por todos os seres racionais como fim último e almejado é o princípio
determinante da razão assumido como lei a ser seguida. Kant apresenta o respeito prestado à lei
prática como uma exigência da própria razão que se faz sublime frente às seduções dos objetos da
inclinação e admoesta a um louvor da vontade em forma de puro respeito à “lei prática” (2002a,
p. 35). As inclinações materiais são pequenas em envergadura e não são capazes de motivar
máximas universais, por mais que se deva aproximar delas face à constituição finita e carente do
ser humano. Assim, a máxima que é elevada a princípio de uma legislação universal está
perfeitamente em sintonia com a lei prática da razão, caracterizando a relação de dever (d)e
obediência daquela máxima para com esta lei. A lei é incondicional, pois é fim em si mesma, isto
é, expressa uma determinação imediata da vontade pela razão, não estando aquela sujeita a ser
descartada por uma contingência que assole a vontade ao esta ser atacada por uma inclinação.
Estar no âmbito inteligível da razão é, em realidade, perceber que as ações podem mostrar
a presença de uma lei incondicional da razão que se faz efetiva “neste mundo” e exibe toda a
capacidade da razão em ser prática, em ser factível, isto é, em poder determinar a vontade
independentemente de todo fator empírico (Herrero, 1991, p. 19). Que a razão pode determinar
peremptoriamente a máxima da vontade e fazer dela uma lei universal que todos os seres racionais
possam querer é admitido, mas é passível de realização? Ou seja, a mesma razão legislativa se faz
executiva neste mundo, posto que o valor moral de uma ação não está em um ou outro resultado
que dela se apresenta, mas nos princípios íntimos que não se vêem?
Em contraposição àqueles que insistem em considerar os exemplos empíricos como
estandartes das ações morais, Kant simplesmente coloca a obediência que a razão exige da
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vontade, isto é, a noção da lei “incondicional e a priori”, como um fato da razão, uma idéia
determinante da vontade e subsidiária dos motivos dela (2002a, p. 42). A experiência é volátil e
não permite que a moral seja fundada sobre seus objetos de maneira absoluta e necessária; seus
efeitos devem ser desprezados quando nos referirmos à fundação de nossas ações. Desprezar a
influência dos móbeis empíricos e dominá-los pouco a pouco é o que possibilitará ao homem chegar
à consciência plena de sua dignidade, percebendo que os princípios racionais puros são práticos e
supremos, de valor ilimitado. A evidência da existência da liberdade está diretamente ligada à
consciência da lei moral. A lei moral é a primeira oferenda da razão que vem para clarear nossos
pensamentos no sentido de perceber a liberdade como corolário do incondicionalmente prático. A
lei é posta pela razão mesmo antes dos objetos para os quais a faculdade de apetição se insinua.
É totalmente a priori, portanto independente da experiência, esboçando a consciência da razão
prática pura ao se dar sua própria lei, sendo esta o primeiro passo cognitivo da efetividade da razão
no mundo dos fenômenos. A “lei moral”, diz Kant, leva à liberdade, e o inverso não se dá por ser
a liberdade concebida de maneira negativa em primeira instância como independência das
inclinações aos objetos para só posteriormente ser tida como positivamente efetiva (2002b, p. 49).
O fato da razão, a lei moral, é indissoluvelmente ligado à “consciência da liberdade” da
vontade, e essa consciência é o que identifica a moralidade, pois consciência da lei e liberdade
fazem-se uma e mesma coisa, e a consciência da liberdade como consciência do dever é já presente
na razão de todos os seres humanos quando esta os eleva a um reino onde a lei causal da natureza
não alcança a determinação de suas ações, mas estão sob a legalidade de uma perspectiva
inteligível para a qual somos transportados quando tomamos posse da lei moral dada pela razão
ao determinar as ações, não ficando presos à determinação fenomênica do mundo físico, mas
legislando e executando nossas ações com base em uma legislação superior, uma legislação
inteligível, um exercício livre da vontade (2002b, p. 68).
Somente um ser dotado de razão pode agir pela representação de leis, princípios, fazendo
valer sua vontade desembaraçada de toda determinação natural. A vontade, para Kant, é a própria
“razão prática”, é a coincidência da máxima da vontade, subjetivamente necessária, com a lei
moral, objetivamente necessária (Kant, 2002a, p. 47 e 67). O ato de representar é pôr um fim à
vontade, e aceitar o fim é também aceitar os meios para alcançá-lo, por isso a lei moral é um fim
em si, pois só com a sua admissão pela máxima da vontade é que a ação alcança a universalidade
do querer por parte dos seres racionais. A necessidade subjetiva determinada pelos princípios da
razão torna-se necessidade também para todos os seres racionais, necessidade objetiva, e para as
vontades que não são plenamente conformes à razão a lei objetiva impõe uma necessitação11, uma
obrigação. A representação de um princípio objetivo que obriga uma vontade é um mandamento
da razão, e a fórmula do mandamento tem o nome de “imperativo” (Kant, 2002b, p. 130, 2002a,
p. 48).
Na filosofia prática de Kant, o “dever” é o verbo que exprime os imperativos, nomeando a
relação entre uma lei objetiva da razão e uma vontade subjetiva que não é necessariamente
concordante com ela (Kant, 2002a, p. 49). Se admitido o princípio determinante da vontade, o
imperativo é a fórmula de determinação da ação, e nesse caso ele é categórico por determinar a
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ação como objetivamente necessária por si mesma, sem qualquer objetivo ulterior que não o
respeito à lei prática. O imperativo categórico diz que a ação é necessária e vale como princípio
apodítico. A necessidade do uso de imperativos se faz conforme a constituição dos seres agentes,
que são dependentes de um ardil da razão para que suas máximas sejam alinhadas a uma
legislação universal que valha para todos os seres racionais, e não somente para os seres humanos.
Os imperativos da moralidade são a garantia de um bom direcionamento da razão dado à vontade.
Representando a necessidade da conformidade da máxima da vontade com a lei universal da razão,
o imperativo categórico pode ser exposto pela seguinte formulação: “Age apenas segundo uma
máxima tal que possas ao mesmo tempo querer que ela se torne lei universal” (Kant, 2002a, p.
59). Desse único imperativo podem-se derivar todos os imperativos do dever e querer que seus
efeitos façam parte da natureza.
A lei da razão empresta da natureza a forma com que suas leis adquirem e têm validade
universal. Enquanto a natureza se dá a conhecer por leis universais do entendimento e as pressupõe
para seu funcionamento perfeito, a razão também faz suas leis universais tomando única e
exclusivamente a lei da moralidade, que se apresenta sob uma universalidade lógica inconteste,
pois há a necessidade de que todos os seres racionais a queiram para que ela seja tida por universal
e necessária. O objetivo é que a lei moral valha por toda parte como uma lei natural. A liberdade
deve ser realizada no mundo natural conforme a lei da natureza, mas apenas quanto à “forma” que
dela se utiliza para que seja válida universalmente e sem nenhuma contradição; é o tipo da lei
moral emprestado por Kant da física de seu tempo (2002b, p. 110). A comparação das máximas
com leis universais da natureza serve de um tipo de ajuizamento daquelas máximas levando em
conta os princípios morais. Como não há exemplo concreto no qual a ação moral pode ser baseada,
a lei da liberdade é representada da mesma maneira que uma lei da natureza, conforme o seu tipo.
É perfeitamente válido o movimento que a razão faz ao tomar do mundo sensorial a forma com
que deve ser exposto e organizado o mundo inteligível referindo-se à “conformidade” às leis em
geral, por um uso prático puro da razão (Kant, 2002b, p. 112). A função da típica da faculdade de
julgar determinante é conservar a moral imaculada, preservando seus princípios do determinismo
e tirando-os da pura razão no seu intento de ser prática. Assim, a razão pura prática confere
universalidade a suas ações e não substitui o dever por uma inclinação empírica que venha aliciar
as máximas. O querer de um ser finito carente que tem a pretensão da moralidade deve ser tal
que possa ser também cobiçado por todos os seres racionais. E mesmo que exceções práticas
aconteçam, não há um demérito na validade do imperativo categórico, ainda assim o sujeito quer
a lei universal, não obstante a sua infração, encarada por ele como uma concessão que não deve
de maneira alguma servir de regra.
Se o mundo natural deixa-se ver por leis universais como frutos do entendimento, uma
faceta moral neste mesmo mundo também pode ser concebida por leis universais próprias da razão.
O fim que serve de princípio objetivo determinante para a vontade só pode advir da razão como
autodeterminação e é contrastante com um mero meio para o alcance dos objetos da faculdade de
apetição: no primeiro caso, o fim é incondicionado, concedendo a forma da ação e se colocando
como motivo para a mesma; já no último, é apenas um móbil que se prende a efeitos vacilantes,
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sendo insuficiente para uma perfeita fundamentação da moral pura por ser relativo e sempre
condicionado, em última instância, a um objeto do mundo sensível que nunca pode ser objeto de
um querer “universal”, nos parâmetros colocados por Kant (2002a, p. 67). A ação livre pode ser
caracterizada por ter como princípio um fim inextirpável concedido pela determinação imediata da
vontade pela razão, afastada dos móbeis sensíveis que transfiguram a moralidade em um
emaranhado de quereres estranhos e particulares sem a mínima grandeza para embasarem uma
obra tão magnífica e cara à humanidade que é o erguimento do edifício da moral, uma tarefa que
requer o trabalho conjunto de todos os seres que possam usufruir desse benefício, à medida que
representa a máxima realização das disposições postas nos seres humanos sendo a garantia de
uma comunidade moralmente sadia e livre das mesquinharias que reinam sobre os apetites
individuais.
As máximas afetadas por condicionantes empíricos resultam dos desejos e tendências
somados ao concurso da razão, mas as máximas determinadas de maneira realmente pura jamais
são contaminadas com aquela classe de desejos. As inclinações como fonte das necessidades estão
muito distantes de um valor absoluto e, conseqüentemente, do desejo universal de todos os seres
racionais que buscam a liberdade. Não obstante, o ser humano participante da perspectiva
inteligível do mundo através da razão tem a capacidade de ser a base de uma lei prática
incondicionada que ordene seus objetivos e moveres em um mundo onde tudo o mais, a não ser o
ser humano dotado de razão, tem um valor relativo e serve apenas como meio para um fim
realmente virtuoso. Kant salienta que um grande erro é tomar por “fim” as coisas que não são
dignas de tal status e por “meio” as pessoas, que de maneira alguma podem se prestar a um papel
tão vil para com a vontade dos outros e para com a sua própria (2002b, p. 141, 2002a, p. 68). Um
fim é uma representação que determina a vontade. Se a representação é de algum modo exterior
à vontade, não importa que ela seja sensível ou apenas racional; de todo modo, ela só determina
o querer pela satisfação ligada ao “objeto” que representa (Deleuze, 1976, p. 12). As pessoas são
os únicos seres dignos de terem um valor absoluto e serem fins objetivos de toda a ação. A pessoa
humana na sua condição de ser racional é o último refúgio para o fundamento da moralidade. Se,
pois, não ocupasse ela esse posto, nada haveria com valor absoluto, e, em decorrência, não haveria
um princípio prático para a razão, e a moral estaria fadada à relatividade do pragmatismo. O terse a si como fim é algo de querer universal, um princípio objetivo, um objetivo prático supremo do
qual é possível derivar todas as leis da vontade. Diferentemente da ação por inclinação, na qual o
ser humano é apenas um meio para a satisfação de seus desejos sempre em relação a outro objeto
que não é sua própria pessoa, a ação por autodeterminação tem como meio e simultaneamente
como fim o ser humano agente, ou outro que dela participe, visto também como um ser dotado de
razão.
Na sistemática kantiana, o dever expressado pela formulação do imperativo categórico
limita, então, as inclinações do agente e faz imperar a universalidade da pura forma racional da
ação que resulta em uma legislação prática suprema conforme uma lei da natureza. Esta vontade
universal é inseparável de um “interesse” moral12 que tem no cumprimento do dever o seu alvo
primordial (Kant, 2002b, p. 130). O dever, num primeiro momento em que restringe as inclinações,
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exige uma submissão à lei,que, mesmo a contragosto, causa um certo desprazer na ação, mas em
um instante posterior leva a um sentimento de respeito à lei moral justamente por estar, nessa
ação de restrição da ação à motivação puramente racional, levando o princípio que a determina a
um patamar de universalidade. O “dever” de restringir a máxima é o que a leva à condição de lei
para todo sujeito racional (Kant, 2002a, p. 81). Cercar para ser livre, esse é o modo pelo qual a
razão concebida por Kant procede.
Se a razão pura fizer como o entendimento, que exerce sobre os fenômenos o interesse
especulativo, legislando sobre outra coisa que não ele mesmo, ela de maneira alguma estará sendo
prática. Mas se ela se ativ a legislar por um interesse moral, um interesse prático, estará legislando
unicamente “sobre sua existência inteligível independente de qualquer condição sensível”, pois o
núeno estará colocando para a razão a identidade do legislador e do sujeito (Deleuze, 1976, p. 49).
É necessário, afirma Kant, que o princípio supremo do dever seja imanente à razão, e é daí
que brota o conceito de autonomia como o verdadeiro ato de um ser que busca a condição de
legislador universal em um “reino dos fins” como um entrelaçamento de quereres dos vários seres
racionais por leis comuns (2002a, p. 75). Visto que as máximas de seres racionais e finitos não são
necessariamente concordantes com os princípios objetivos que a razão prescreve, o dever expressa
a relação de obrigação, de coação, que a razão exerce para com a vontade do agente, que está
sempre arriscada a perder sua condição de universalidade por sucumbir a um objeto desiderato. O
dever traz consigo a noção de agir por uma necessidade prática segundo um princípio objetivo.
Com um fim independente, a vontade livre passa a lei universal para ações possíveis e, por analogia
com as leis da natureza que regem e ligam as coisas no mundo dos fenômenos, “elemento formal
da natureza”, liga também os quereres de todos os seres racionais como uma lei prática da razão
(Kant, 2002a, p. 80, 2002b, p. 69).
A lei prática pura circunscreve a máxima da ação e limita o amor de si, que é a fonte de
todos os desejos de consumação da felicidade, e, abatendo a presunção do agente, leva a uma
concordância irrestrita da máxima com a lei universal da moralidade, caracterizando o “amor de si
racional” da moral kantiana (Kant, 2002b, p. 119). A lei, portanto, é positiva em si e, com sua
forma pura, libera uma causalidade intelectual fundante de um possível reino dos fins. Essa
causalidade incondicional consiste na consciência da lei incondicionada da vontade, a lei moral.
Esta, por sua vez, confere realidade objetiva à idéia de liberdade, que nada mais é que a
independência das causas determinantes do mundo sensível quando a razão se autodetermina,
efetivando uma realidade “por meio de ações na natureza” (Herrero, 1991, p. 20). A vontade livre
é a vontade submetida a leis morais que não deixa que móbeis da sensibilidade assentem na
motivação da ação e reserva unicamente para a razão a faculdade de determinar suas ações com
vistas não só à sua satisfação, mas também à simples obediência da lei moral.
A liberdade, enfim, é esboçada de uma maneira segura e efetiva como a única idéia da razão
pura da qual temos um saber e que está justificada por uma lei apodítica da razão prática. Mesmo
sendo um postulado da razão pura, ela é intimamente ligada à lei moral, sendo condição de
possibilidade desta, e por isso ganha realidade objetiva. Entretanto, Kant também afirma que a
promoção da felicidade própria é um dever para todo sujeito; que o desejo por ela é comum a
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todos os seres humanos. Mas a felicidade só tem uma dignidade quando submetida à moralidade,
pois esta vem ornamentá-la com os louros da glória e torna-a congruente com a perfeita liberdade.
Assim, a bondade e a maldade das ações estão sujeitas ao crivo da lei moral e só por ela
são julgadas como tais, tendo em vista o fim moral. A moralidade e a humanidade como sua
realizadora são os únicos outeiros onde a dignidade pode ser assentada.
O dever e os outros postulados
O objeto da lei moral que determina a vontade é o sumo bem. A possibilidade de realização
do sumo bem depende, por sua vez, da possibilidade das idéias da razão pura. Essas idéias são
supostas para viabilizar uma necessidade da razão prática de considerar a possibilidade do sumo
bem como fim último da lei moral. As idéias da razão das quais Kant fala aqui são a liberdade, a
imortalidade da alma e Deus. Quanto à primeira, já vimos que é deduzida imediatamente da lei
moral e é condição de possibilidade para a mesma, sendo o único saber sem evidência empírica,
mas conhecida apenas mediante o fato da razão que é a lei moral, com a qual é ligada
umbilicalmente. As demais são exigências da própria razão pura na sua faculdade prática, fundadas
no dever de fazer do sumo bem o objeto da vontade.
Tratando dessas duas últimas, elas são postulados, ou seja, proposições da razão pura
prática que podem ser pensadas sem, com isso, implicarem um alargamento da razão no campo
especulativo. Para Kant, não se trata de objetos supra-sensíveis dados, o que de maneira alguma
é fornecido para a razão, mas de um incremento proveniente da sua “faculdade prática” (Kant,
2002b, p. 217). Na determinação da vontade pela lei, os postulados são condições subjetivas para
a realização do dever e devem ser considerados unicamente em relação à lei moral; eles produzem
uma certeza quanto à efetividade desta lei em um mundo dominado pelas leis da simples
causalidade empírica, com a qual o ser humano atesta sua dignidade. A questão prática não é de
todo abrangida no sistema crítico da razão pura, que somente pode “adiantar os princípios de
possibilidade” de determinação da razão na esfera prática (Terra, 2003, p. 68). Todavia, o que é
possibilidade para a razão pura na sua faculdade de conhecimento é, na sua faculdade prática, ou
seja, no uso prático de seus princípios para determinar a vontade, uma necessidade para a
autodeterminação da razão.
A efetivação da moralidade, entretanto, encontra na própria lei moral o seu primeiro
obstáculo: a consciência da lei moral põe ao ser humano um alvo tão digno quanto distante de ser
alcançado em um tempo de vida sobremodo curto que o agente tem à sua disposição. A sublime
moralidade exigida pela razão na determinação da vontade faz o ser humano esbarrar numa
incapacidade de adequar-se perfeitamente à lei, tendo em vista o curto tempo que lhe é prestado
para tal feito, pois a lei da santidade, a lei da moralidade, exige uma conformidade plena das
máximas da vontade com a sua pureza. Uma vontade santa, contudo, é inalcançável para aquele
que não tem em sua natureza uma submissão completa e a todo tempo das máximas em relação
à razão. Não obstante, o dever também é dever de fazer do sumo bem o objeto da vontade, pois
a lei necessita que o bem supremo seja possível, sem o que o esforço da razão em estabelecer
princípios práticos à vontade cai em um lânguido despropósito que beira a ineficiência.
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A razão na sua faculdade prática postula, com isso, a idéia da imortalidade da alma como
um progresso para o moralmente melhor, um progresso que avança ao infinito para a realização
de uma vontade cada vez mais santa. É pensando em uma gradual e ascendente conversão da
vontade para os puros “princípios” da razão que se admite essa jornada infinita, que tem como
ponto final a consumação da moralidade defendida por Kant (2002b, p. 198). A utilidade desse
postulado é inegável. Segundo o modo em que a imortalidade da alma influencia a determinação
da vontade pela razão, tal é o que acontece com a humanidade ao ser compelida pela natureza a
alcançar a máxima desenvoltura das suas disposições consubstanciada em uma moralidade
possível. O progresso infinito só é possível por uma personalidade infinita, isto é, por uma
imperecível faculdade de determinação da vontade abstêmia da matéria. A “esperança” do agente
em estar conforme com os princípios incondicionados de determinação é o que concede
perseverança a uma vontade que se quer santa (Herrero, 1991, p. 72).
Falando agora da idéia de Deus, mesmo ao buscar a realização da lei moral incansavelmente,
o ser humano não tem nela a garantia da felicidade, mas a união necessária entre moralidade e
felicidade constitui o sumo bem no mundo, e este deve ser possível de ser produzido através da
liberdade. Tal garantia não ocorre por ser a felicidade a realização máxima dos desejos e da vontade
do agente em uma suposta concordância dos fins da natureza com os seus próprios. Para que essa
concordância ocorra, afirma Kant, seria necessário que o ente racional fosse, ao mesmo tempo,
“causa” deste mundo e da natureza nele contida, o que obviamente não é o caso por ser ele próprio
membro da natureza (2002b, p. 201). Deus, então, figura como o autor do mundo e também como
vínculo entre a moralidade e a felicidade, já que a natureza passa a ser originária de uma causa
que dispõe o mundo de maneira que ele venha a corroborar os fins morais do ser humano. A causa
do mundo, que é distinta dele, agora possibilita que aquele contenha uma causalidade congruente
com a causalidade da moralidade.
Nessa concordância entre os fins da natureza e os fins do ser racional finito, a natureza
empírica assume uma posição de condição útil para que o ser humano possa realizar o sumo bem
proposto pela razão. Toda a natureza é disposta no sentido de viabilizar a moralidade, sendo a
humanidade na pessoa de cada um o fim último da natureza e, conseqüentemente, o seu próprio.
A natureza, portanto, é apenas um meio para que a razão prática seja efetivamente livre no mundo,
pois, na mesma medida em que o conjunto de coisas é também um agregado sistematizado pelo
entendimento, a disposição prática é “naturalizada” por um caráter inteligível influente no mundo
sensível (Zingano, 1989, p. 249-50). Quando o ser humano consegue fazer prevalecer sua razão
na determinação da vontade contra todos os móbeis empíricos, a natureza e as leis que a regem
passam a ser aliadas na consecução do fim moral. A moral sustentada por Kant, com esses
esclarecimentos, perfaz a condição “racional” para a felicidade, sendo esta o fim natural de todo
ser humano (Kant, 2002b, p. 210, 2002a, p. 71). É a natureza supra-sensível do ser humano que
opera, assim, um ardil para fazer da natureza sensível um “meio” para a realização do seu fim
último, a promoção do sumo bem no mundo regido pelas leis da natureza (Deleuze, 1976, p. 96).
Além disso, como ser de máxima perfeição, Deus é um exemplo a ser seguido pela vontade
na disposição de suas máximas, pois para uma determinação absoluta é necessária uma finalidade
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absoluta, e Deus, como governante moral do mundo, é um exemplo a ser seguido por todo agente
racional que se interessa pela moralidade. Deus, como “idéia” na argumentação kantiana, gera
uma motivação interior para a vontade que é determinada pela razão prática, unindo à idéia de
perfeição moral o conceito de vontade livre (Kant, 2002b, p. 42).
A esse novo papel não se soma que Deus possa dispor da humanidade conforme os seus
intentos, já que a humanidade, na pessoa de cada um como fonte da lei moral, é um fim em si
mesma e nunca pode servir de meio para algum outro fim que não seja determinado de maneira
autônoma quando se trata da moralidade. O sumo bem, como totalidade incondicionada do objeto
da razão prática pura, é uma comunidade natural de única responsabilidade do agente em realizála e não mais um dom de um Deus que faz justiça por remissão. O postulado da existência de Deus,
tal como o postulado da imortalidade da alma, está intimamente ligado ao dever por contribuir para
a realização do sumo bem no mundo, que é o fim último da lei moral, a lei da liberdade.
Fica claro que as idéias da metafísica tradicional, colocadas como postulados da razão pura
em seu exercício prático, exercem uma simples função de instrumento na sistemática de Kant na
medida em que são de máxima utilidade na consecução de um fim moral que é inerente ao ser
humano. Nesse caso, a teologia é concebida simplesmente sob o ponto de vista moral, e Deus, do
qual é menos necessária a demonstração de sua existência do que a possibilidade de ser pensado,
ganha uma realidade unicamente por conseqüência de um interesse da razão em fazer de seus
princípios determinantes a força motriz de uma vontade que vislumbra nos seus fins uma
“concordância” com os fins da natureza e se vê, desse modo, completamente imbuída da busca de
realização do soberano bem no mundo (Sala, 2002, p. 175). A quimera que Kant acusou envolver
os predecessores é desfeita em uma virada conceitual que anula a manipulação do mundo por parte
de Deus e o coloca como um utensílio do qual a razão lança mão para ser capaz de exteriorizar
uma lei moral universal que seja imanente, adquirindo essas idéias – a da imortalidade da alma
também é arrolada – realidade objetiva unicamente por referência à prática da lei moral, sem
nenhum fim especulativo.
A possibilidade da efetivação do sumo bem está intrinsecamente ligada às idéias da razão.
Este mundo, contudo, não é um campo fértil par a promoção da felicidade, o que emperra o
desenrolar em direção ao máximo progresso moral, pois, subjetivamente, a razão não concebe
uma interconexão, que deve ser exaustiva, entre as causalidades que se dão no mundo com tão
distintas leis; mas a virtude que provém da lei moral e deve ser somada à felicidade para a
promoção do sumo bem torna a humanidade digna da última apenas em um tempo distante, o que
leva a efetivação do sumo bem para um tempo futuro que necessita de uma esperança o mais
durável possível para ser alcançado pela razão; enquanto a moralidade é uma efetividade, a
felicidade é uma promessa para a vontade de um ser racional finito.
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NOTAS
1Mestrando do programa de Pós-Graduação em Filosofia - Unisinos. Bolsista Capes.
2Texto fruto de pesquisa financiada pelo programa de incentivo à pesquisa de alunos da graduação
BIP/UFSC, período 2003-2004.
3
“A natureza e a liberdade transcendental distinguem-se entre si como a submissão às leis e
ausência das leis; pelo que [n]a primeira” o entendimento busca levar ao extremo a série
condicionada dos fenômenos, almejando “uma unidade da experiência universal [...]; enquanto,
pelo contrário, a ilusão da liberdade promete [...] uma causalidade incondicionada, que começa a
agir por si própria, mas como essa causalidade é cega, quebra o fio condutor das regras, único pelo
qual é possível uma experiência totalmente encadeada.” (Kant, 1997, p. 409).
4Na Crítica da razão pura há uma delimitação do alcance do conhecimento no âmbito da experiência.
É uma restrição do uso teórico da razão, dita função negativa, que influencia em seu uso prático
ao pressupor as idéias do mundo inteligível para livrá-la da dependência das sensações, afirmando
a liberdade como causa inteligível capaz de influenciar no mundo dos fenômenos, dita função
positiva.
5O campo da experiência não preenche inteiramente a determinação do entendimento puro, que é
a visualização da totalidade absoluta dos fenômenos, sendo o ponto problemático a razão necessitar
de conceitos complementares, que não os mesmos do entendimento puro, cabíveis apenas aos
dados empíricos (Landim, 1996).
6Esse trecho faz referência ao seguinte anseio de Kant: “[...] temos de admitir uma causalidade,
pela qual algo acontece, sem que a sua causa seja determinada por uma outra causa anterior,
segundo leis necessárias, isto é, uma espontaneidade absoluta das causas, espontaneidade capaz
de dar início por si a uma série de fenômenos que se desenrola segundo as leis da natureza [...],
uma liberdade transcendental, sem a qual, mesmo no curso da natureza, nunca está completa a
série dos fenômenos pelo lado das causas” (1997, p. 406).
7A necessidade e a universalidade são atributos que apenas podem ser remetidos a uma ação
imbuída de boa vontade, e esta está contida no conceito de dever.
8Há uma problemática passagem do conceito de liberdade transcendental para o de liberdade
prática, o que não será tratado neste texto.
9O termo “ciência” é empregado com significado semelhante ao já usado pelas ciências naturais
vigentes no tempo de Kant: a razão apenas encontra as respostas das perguntas que ela mesma
faz de acordo com um projeto predeterminado. Isso significa que qualquer um poderá alcançar as
mesmas respostas caso repita as mesmas condições utilizadas no primeiro caso; assim, voltando
ao caso da moral, a universalidade é alcançada porque todos os sujeitos podem determinar a ação
de maneira idêntica, obedecendo apenas à racionalidade que é comum a todos, tal qual fizeram
Torricelli, Copérnico, Galileu e Newton nas ciências naturais.
10Colocamos uma questão feita por Rohden (1981, p. 107): “Mas que sentido poderia ter para um
ente racional a substituição de uma dependência por outra?” Ao nosso ver, a dependência de si ao
agir é o único caminho para o ser humano depois de conceber uma epistemologia que preferiu a
natureza em detrimento de Deus como fundamento para compreender o mundo.
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11Adotamos aqui a terminologia utilizada por Rohden na tradução da Crítica da razão prática (Kant,
2002b).
12Kant afirma (2002a, p. 74), que o imperativo categórico não se funda em nenhum interesse e
justamente por isso é o único que é incondicional. Entretanto, na p. 112, Kant faz uma diferenciação
entre “ser movido por um interesse” e “tomar interesse por”, dizendo que a segunda acepção é
aquela pela qual a razão se torna prática, posição esta que permanece na Crítica da razão prática.
REFERÊNCIAS
DELEUZE, G. 1976. Para ler Kant. Rio de Janeiro, Francisco Alves.
HERRERO, F. J. 1991. Religião e história em Kant. São Paulo, Loyola.
KANT, I. 1997. Crítica da razão pura. 4ª ed., Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkien.
KANT, I. 2002a. Fundamentação da metafísica dos costumes. Lisboa, Edições 70.
KANT, I. 2002b. Crítica da razão prática. São Paulo, Martins Fontes.
LANDIM, M. L. 1996. A liberdade em Kant. Revista Brasileira de Filosofia, São Paulo, Instituto
Brasileiro de Filosofia, XLIII(182):182-190.
ROHDEN, V. 1981. Interesse da razão e liberdade: ensaios. São Paulo, Ática.
SALA, G. 2002. A questão de Deus nos escritos de Kant. In: OLIVEIRA, M. e ALMEIDA, C. (orgs.),
O Deus dos filósofos modernos. Petrópolis, Vozes, 147-175.
TERRA, R. 2003. Passagens: estudos sobre a filosofia de Kant. Rio de Janeiro, Editora UFRJ.
WEBER, T. 1996. Formalismo e liberdade em Kant. Veritas, Porto Alegre: PUCRS, 41(164):671-
679.
WEBER, T. 1997. Razão teórica e razão prática. Veritas, Porto Alegre, PUCRS,
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