sexta-feira, 3 de maio de 2024

Memoraveis socráticas hamann

Memoraveis socráticas hamann https://revistas.marilia.unesp.br/index.php/ek/article/view/8015/5082 Márcio Suzuki1Mario SpezzapriaJuliana Marton Johann Georg Hamann, MeMoráveissocráticas. Tradução, notas, cronologia e posfácio de José Miranda Justo. Segunda edição revista e aumentada. Lisboa: Centro de Filosofia da Universidade de Lisboa, 2017 Fato a ser comemorado, esta reedição revista e aumentada da versão para o portu-guês das Memoráveis socráticas de Hamann dá ensejo a uma reflexão mais geral sobre as difíceis escolhas com que se vê de hábito confrontado o tradutor. Todo aquele que ousou um dia se aventurar pelos seus labirintos sabe a agrura que é avançar na leitura das obras hamannianas, compostas geralmente de um acúmulo vertiginoso de citações e imagens que parecem não levar a lugar algum. A estratégia adotada por José Miranda Justo para enfren-tar a problema produziu um pequeno prodígio: este autor tão difícil, chamado de Mago do Norte em virtude de seu misticismo e hermetismo, aparece em português numa tradução agradável, que não deixa, porém, o rigor de lado e leva o leitor a entender o conjunto e a coerência da proposta. Para obter esse resultado, o tradutor se vale, além do domínio da língua, de um grande aparato de notas, as quais, embora ocupem geralmente mais espaço que o texto propriamente dito, estão numa tal sintonia com ele, que o leitor não se ressente do constante vaivém entre o texto principal e o seu comentário. O acerto é grande, pois se de fato a legibilidade dos escritos hamannianos requer o recurso da filologia, a filologia aqui não é obstáculo à fruição do texto literário, como parece ser cada vez mais a norma em tempos em que os autores estudados ou traduzidos acabam sumindo sobre os escombros de uma erudição imoderada. As Memoráveis socráticas são o primeiro livro publicado por Hamann, depois dos exercí-cios espirituais das Meditações bíblicas e dos Pensamentos sobre o curso de minha vida, escritos de https://doi.org/10.36311/2318-0501.2018.v6n1.01.p131 146 Estudos Kantianos, Marília, v. 6, n. 1, p. 145-148, Jan./Jun., 2018SUZUKI, M.; SPEZZAPRIA, M.; MARTONE, J.caráter exegético e pessoal, em que a leitura da Bíblia se confunde com a crise existencial e sua superação pelo autor. Todos os traços essenciais do estilo hamanniano estão presentes nessa sua obra inicial: polêmica, ironia, fragmentação, colagem de citações e imagens (“cento”). O livro, porém, se caracteriza especialmente pela combinação perfeita do anedotário referente à vida de Sócrates e as “lições” que dela podem ser tiradas para o presente. É o elemento biográfico que conduz a narrativa e sugere as inferências éticas e morais (“Não foi sem consequências que Sócrates teve por pais um escultor e uma parteira”, Primeira Seção; “Um homem que tinha dinheiro para perder e que presumivelmente também era entendido em perder dinheiro...”, Segunda Seção; “Sócrates terá tomado parte em três campanhas militares”, Terceira Seção). Uma filosofia digna do nome deve se pautar pela inseparabilidade entre reflexão e vida, lição que será sagrada para Herder, Jacobi, Jean Paul, para o romantismo e Kierkegaard e, por meio deles, para o existencialismo. O estudo que fecha o volume é uma tentativa de reconstituir o cerne do pensamento hamanniano pela chave da “singularidade”. Contrariamente à visão difundida sobre o irra-cionalismo de Hamann, o ensaio procura mostrar que a razão não é entendida por ele como uma instância universal, como uma razão única, mas como um conjunto de razões indivi-duais, singulares, das quais resultaria algo como uma “produtividade multidirecional” do pensamento. Mas esse singular seria entendido como uma espécie de desafio hermenêutico que leva a um “mais pensar”; ele seria um núcleo fechado ao exterior, que em sua resistência à abstração e à generalidade, desafia os sujeitos a entrar numa nova relação hermenêutica com as imagens e com a linguagem, o que os colocaria, vencidos os apuros e dificuldades, numa forma mais íntima de comunicação com os homens. Ainda que essa também seja uma razão não-teórica e crítica, a singularidade ha-manniana se distancia bastante da razão iluminista e kantiana por sua ligação indisso-lúvel com o corpo, isto é, com a sensibilidade e com a linguagem. O pensamento seria movido pela constatação da ausência de sentido e pela busca de preenchimento dessa ausência, o que no plano da escrita se traduz na experiência constante da insuficiência das imagens e na busca de substituição incessante delas. O pensar ativo (“mais pensar”, na expressão feliz do tradutor) está sempre em correlação com ataques à linguagem (Eingriffe in die Sprache), pelos quais se procura implodir o pensamento e linguagem pa-dronizados, a racionalidade genérica. Justamente por isso não haveria em Hamann uma teoria geral ou uma filosofia da linguagem, mas procedimentos que procuram desmontar e refazer o discurso “por dentro”, no interior dele. Diferentemente do que ocorre com o positivismo linguístico e com um certo pragmatismo ingênuo, é preciso desconfiar da linguagem, que é sempre, como toda interpretação, impura. O gesto de escrever estaria comandado por essa desconfiança e é por isso que se deve ir na contracorrente da fala comum para chegar ao núcleo inefável da singularidade.O ponto de partida e de chegada é um só: a vida não se dissocia da linguagem, de uma lin-guagem metafórica, que corre sem cessar atrás de uma “verdade” singular – esta que está o tempo todo a fugir. A generalidade linguística nunca dá conta desse singular, e é por isso que a “essência” da linguagem estaria na ironia. Mais uma vez, Hamann antecipa o romantismo e Kierkegaard. Resenhas / ReviewsEstudos Kantianos, Marília, v. 6, n. 1, p. 145-148, Jan./Jun., 2018 147Ainda pouco conhecido no Brasil, o autor do posfácio e da tradução, José Miranda Jus-to, é autor de inúmeros escritos sobre literatura e filosofia e já verteu mais de trinta obras, de poesia e prosa, para o português. Para mencionar apenas algumas dessas traduções relacionadas aos temas aqui abordados da singularidade e da linguagem, é de lembrar O ensaio da origem da linguagem e Também uma filosofia da história para a formação da humanidade, de Herder, a utilíssima seleção de textos Ergon ou Energeia. A filosofia da linguagem na Alemanha nos séculos XVIII e XIX, e A repetição e In vino veritas, de Kierkegaard. Sim, leitor, em todos esses trabalhos, você estará em boas mãos.Grupo de Estudos Iluminismo à ContraluzResumo: Resenha e comentários críticos à tradução das Memoráveis socráticas, de Johann Georg Hamann. Tradu-ção, notas, cronologia e posfácio de José Miranda Justo. Segunda edição revista e aumentada. Lisboa: Centro de Filosofia da Universidade de Lisboa, 2017.AbstRAct: Review and critical coments on the translation of the Sokratische Denkwürdigkeiten in portuguese. Translation, notes, chronology and postface by José Miranda Justo. Second edition, revised and enlarged. NotAs / Notes1 Juliana Ferraci Martone (doutoranda), Mario Spezzapria (Univ. Federal do Mato Grosso) e Márcio Suzuki (USP) fazem parte do grupo de estudos “Iluminismo a Contraluz”.Juliana Ferraci Martone (doctoral candidate), Mario Spezzapria (Univ. Federal do Mato Grosso) e Márcio Suzuki

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