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terça-feira, 11 de fevereiro de 2025
Valor eurístico do processo
DOS ISMOS E DA ESCALADA DA INTOLERÂNCIA
Machado de Assis faz de sua novela tragicômica "O alienista", uma sátira do POSITIVISMO, filosofia reinante no Brasil de sua época. O protagonista médico alienista, Simão Bacamarte, munido de sua navalha de corte racional, põe-se a separar loucos dos sãos da Vila de Itaguaí, trancafiando os segregados no hospício da Casa Verde, que criara ad hoc. Dado o caráter inseparável da mistura, ao cabo do insucesso trancafia-se ele próprio na Casa Verde. Essa é a alegoria mais percuciente aa história universal dos ISMOS, resultado todos eles de operações de caráter reducionista, que assumem a parte pelo todo. Ou, dito de outro modo, é a contraposição frontal ao ILUMINISMO na sua vertente kantiana, que erige a RAZÃO como faculdade soberana por sobre as demais (intuição, sentimento, ética e estética), como já antecipara Aristóteles em sua FILOSOFIA PRAGMÁTICA: Tais faculdades são distintas umas das outras, de valor equivalente, porém, não separáveis, como atesta o gesto humano. Por isso, na PRÁTICA do comportamento, ou da ação humana, não PRESIDEM a lógica e a matemática, disciplinas da CERTEZA ABSOLUTA (Isso não quer dizer que a ação humana seja ilógica: entre o lógico e o ilógico há o não lógico). Em lugar da certeza absoluta, na PRAGMATICA de Aristóteles tem-se a MELHORIA contínua e recorrente em busca da EXCELÊNCIA, que não se confunde com a estação final iluminista da felicidade bovina da espécie humana de Kant. Não que Machado de Assis seja ele também um louco, por supostamente desconsiderar o valor da RAZÃO. O que ele denuncia em "O Alienista" é a HIPERTROFIA da razão, em prejuízo das demais faculdades. E Machado reitera sua asserção ao dizer, em outra parte de sua obra: "Não há mal que não se possa defender racionalmente. A razão, como o burro atrelado aos varais, puxa todo tipo de carga que se lhe ponha em cima. Com a mesma eficiência e pelo caminhos mais curto, ela nos leva tanto para o céu quanto para o inferno. Quem decide não é ela, e sim o carroceiro". De fato, estaria de acordo com Machado o poeta, ficcionista e ensaísta inglês G. Chesterton (1874 - 1939) de humor sem igual, ao escrever que "o louco é aquele que perdeu tudo menos a razão, ao enxerga intenções no farfalhar das cortinas na janela"* Aqui chego aos ISMOS.TODO ISMO consiste da extrapolação indevida do particular para o universal. Extrapolação: um sujeito trazia sujeira no bigode e dizia que o mundo cheira mal". Assim é o positivISMO, o marxISMO (vulgar) o funcionalISMO,o energetIISMO, o socialISMO, o capitalismo, na sua visão estática, como um fotograma, sem se dar conta de que sob essa caixinha conceitual flui uma corrente. O ISMO é uma borboleta pregada na parede. Com receio e inadequação dos instrumentos para se apreender a realidade em estado de mudança, cria-se o CONCEITO, que resulta de uma empreitada de caráter fixista em disputa com a arte da taxidermia. O modelo do conceito é ESTÁTICO, e a realidade é um estado de mudança: o que era já não é o que virá não é ainda, assim como ocorre nas fases do ciclo da borboleta. Esse é o motivo por que desde Galileu, passando por Newton, os, modelos de investigação científica têm fugido da mudança (transformação, devir, metamorfose) como o diabo da cruz. O ILUMINISMO racional de Kant, que preside à cultura ocidental, é a defesa entrincheirada do status quo. Nivaldo Manzano
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