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quinta-feira, 22 de maio de 2025
LÍNGUA E MARXISMO BBB
A semiótica como força produtiva Gabriel Freitas
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A língua, como prática social corporificada e sistema material (sons, gestos, inscrições), não é um mero reflexo de uma “base material” ou um veículo para “ideias” preexistentes.
Ela é a própria arena onde o material e o semiótico se constituem mutuamente. A “transdução do fenomenal de volta ao fenomenal”, como Halliday descreve a operação do signo linguístico através das interfaces de conteúdo e expressão, demonstra que a produção de significado é uma prática material que engendra o semiótico, e o semiótico só ganha agência e se manifesta através de práticas semiótico-materiais. A evolução da língua, portanto, não nos deu apenas uma ferramenta para descrever o mundo, mas uma tecnologia para ativamente construí-lo e habitá-lo de formas específicas, tornando a experiência humana inseparavelmente sócio-histórica e semioticamente mediada.
...Trata-se de reconhecer que os signos não são meros reflexos ou ferramentas neutras, mas práticas materiais que ativamente constituem os mundos sociais, as subjetividades e as próprias condições de possibilidade da experiência e da transformação.
.. Os fundamentos desta perspectiva se assentam em alguns conceitos-chave, desenvolvidos em diálogo crítico e transdisciplinar:
(i) Linguística ontológica e relativismo semiótico controlado: Partimos da premissa de que a língua não é um sistema de etiquetas para uma realidade preexistente e independente. Ao contrário, as categorias e estruturas de uma língua (ou de um sistema semiótico mais amplo) desempenham um papel fundamental na própria constituição do que conta como “real” para uma determinada comunidade.
Diferentes sistemas semióticos não apenas “descrevem” o mundo de maneiras diferentes; eles ativamente constroem diferentes mundos de significado, diferentes ontologias. Isso não implica um relativismo absoluto onde “tudo vale”, pois, como veremos, a materialidade impõe constrangimentos. Trata-se, antes, de um relativismo semiótico que reconhece que nossa apreensão da realidade é sempre mediada e moldada pelas ferramentas semióticas de que dispomos. A língua, portanto, tem um estatuto ontológico: ela é condição de possibilidade para a emergência de certos tipos de seres, relações e fenômenos sociais.
(ii) Construção de nicho semiótico: inspirado na teoria da construção de nicho da biologia evolutiva, este conceito é transposto para o domínio da semiose humana. Assim como os organismos modificam seus ambientes e, com isso, alteram as pressões seletivas sobre si mesmos e outras espécies, os seres humanos, através de suas práticas semióticas (principalmente a língua, mas também rituais, artefatos, tecnologias), constroem ativamente seus nichos semióticos.
Estes são os ambientes simbólico-materiais que habitamos, que estruturam nossa percepção, cognição, afeto e ação. Um nicho semiótico não é apenas um “contexto cultural”, mas um sistema dinâmico de significados e práticas materiais que são coproduzidos e mantidos pelos seus habitantes. A língua é a principal ferramenta e o principal produto dessa construção de nicho, definindo o que é relevante, o que é possível, o que é valorizado dentro de um determinado universo social. Esses nichos, uma vez estabelecidos, exercem uma poderosa influência sobre as formas de vida que neles se desenvolvem, naturalizando certas práticas e marginalizando outras.
Afirmo que os seres humanos vivem imersos em “nichos semióticos” por considerar como ponto relevante a coevolução entre a língua e o cérebro humano, um processo brilhantemente explorado por Terrence Deacon.
,,, Antes, a ideologia se manifesta nos próprios sistemas semióticos materiais que estruturam nossa percepção, cognição, afetividade e prática social. São as categorias linguísticas que usamos, os rituais em que participamos, os artefatos simbólicos que nos cercam que, em conjunto, tornam certas realidades “pensáveis”, “sentíveis” e “fazíveis”, enquanto outras são sistematicamente marginalizadas ou interditadas.
A ideologia, nesse sentido, é performativa: ela faz o mundo social ao mesmo tempo em que o interpreta. A luta ideológica, portanto, não é apenas uma batalha de ideias, mas uma disputa sobre os próprios meios de produção semiótica, sobre as tecnologias linguísticas e rituais que constituem os nichos onde a vida social se desenrola.
Hegemonia como Disputa de Nichos Semióticos Dominantes: O conceito gramsciano de hegemonia – a capacidade de uma classe dominante de exercer liderança moral e intelectual sobre as classes subalternas, obtendo seu consentimento ativo – ganha nova profundidade quando articulado com a teoria da construção de nicho semiótico.
A hegemonia não se estabelece apenas pela força ou pela coerção, nem somente pela difusão de ideias abstratas. Ela se constrói e se mantém através da criação e sustentação de nichos semióticos dominantes. Estes são ambientes simbólico-materiais onde as “verdades”, os valores e as práticas da classe hegemônica são naturalizados, tornando-se o “senso comum”, o pano de fundo inquestionado da vida social.
A “força semiótica acumulada” – o prestígio, a legitimidade e a autoridade associadas aos signos e rituais do nicho dominante – torna-se um componente central e material do poder hegemônico. A disputa pela hegemonia é, então, uma luta pela capacidade de definir e controlar os nichos semióticos mais influentes, de impor suas gramáticas e seus rituais, e de marginalizar ou cooptar os nichos alternativos ou contra-hegemônicos.
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