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domingo, 25 de maio de 2025
o EU
EM KANT: O “eu penso” é aquele que pensa as categorias que se aplicam às representações, ele é
um ato da apercepção (entenda-se consciência da percepção), a expressão universal do uno.
Ele é, portanto, o sujeito do conhecimento, uma vez que para poder pensar um objeto, e dele
ter qualquer conhecimento, é necessário que o ‘eu penso’ (entendimento) acompanhe a
representação. Com relação à intuição, deve-se compreender que ela é uma representação que
pode ser dada antes do pensar, mas deve-se também compreender que todo o múltiplo da
intuição possui uma referência ao ‘eu penso’, promovendo assim a unidade da consciência da
apercepção.
Com isso, tem-se que o sujeito transcendental pode ser dito como uma consciência de
um sujeito autossuficiente capaz de ligar todas as representações através de um juízo, o qual
reúne de modo transcendental as condições formais do entendimento e da sensibilidade.
Assim, a produção do conhecimento em Kant está na unidade sintética da consciência, um
sujeito autônomo que por si é autossuficiente sobre ele mesmo e sobre o objeto.
A unidade da apercepção deve ser referente de modo idêntico ao múltiplo das
representações, uma vez que pelo múltiplo dado na intuição o Eu concebe ligação e configura
a consciência da apercepção. Assim, é preciso ser consciente de uma síntese necessária das
representações, ou seja, Kant corrobora que é necessário que o sujeito tenha consciência da
necessidade de uma síntese do múltiplo dado e também da própria unidade da apercepção.
Nas palavras de Kant:
Sou, portanto, consciente de mim mesmo idêntico com referência ao múltiplo das
representações dadas a mim numa intuição, pois denomino minhas todas as
representações em conjunto que perfazem uma só. Isto equivale, porém, a dizer que
sou consciente de uma síntese necessária delas a priori que se chama a unidade
sintética originária da apercepção, sob a qual se encontram todas as representações
Girotti. A Crítica de Hegel ao dualismo....
Rev. Simbio-Logias, V.3, n.4, Junho/2010. 8
dadas a mim, mas sob a qual foram postas por uma síntese. (KANT, 1983, p. 86, grifo
do autor).
O “eu penso” kantiano configura-se como um eu racional que intui a si mesmo no
tempo, reconhece a si, e acompanha as representações, sendo o eu o responsável pela unidade
de toda a apercepção. Ao contrário, o eu “hegeliano”, segundo Moraes (2003), é a
representação do pensar, pois, ele não acompanha, mas está em todas as representações, uma
vez que o eu identifica-se com o pensar.
Hegel interpreta o “eu penso” kantiano “como fundamento determinado dos conceitos
do entendimento” (1988, p. 104, §42, grifo do autor), pois, o múltiplo da sensação ao qual o
eu se refere deve ser reduzido a unidade numa consciência e esse referir, é para Hegel, os
próprios conceitos puros do entendimento – as categorias – que permitem unir o múltiplo
dado na intuição sensível produzindo conceitos e conhecimento.
Em Kant, isso pode ser dito do seguinte modo: tem-se um múltiplo sensível dado na
intuição que deverá ser submetido à unidade da consciência através das categorias (conceitos
puros) do Entendimento, com o auxílio do Juízo, que é a faculdade de ‘por algo sob algo’, ou,
de submeter uma representação a seu conceito. Em outras palavras: as categorias promovem a
unidade da intuição por meio de um juízo sobre o múltiplo submetendo esse à apercepção em
geral (categorias). Assim, o múltiplo é determinado pelas funções lógicas do julgar em
referência aos conceitos em geral, isto é, determinado pelas categorias que são as funções do
julgar. Disso pode-se afirmar o seguinte: o pensamento é papel das categorias, enquanto a
intuição fornece dados para serem pensados. Assim, a conjugação entre os dados e a
promoção da unidade da apercepção através das categorias do entendimento promove o
conhecimento, isto é, a referência do conceito, como unidade processada do múltiplo, à
representação do objeto dada na intuição sensível.
No adendo do §20 da Enciclopédia, Hegel expressa sua interpretação do Eu kantiano,
como um Eu que pensa a si mesmo excluindo os outros Eus:
Igualmente quando digo:<>, viso-me a mim como um este que exclui todos os
outros; mas o que eu digo, Eu, é justamente cada um; Eu, que exclui a si todos os
outros. – Kant serviu-se da expressão manca de que o Eu acompanha todas as minhas
representações, e também as sensações, desejos, acções, etc. Eu é o universal em si e
para si; e o comum (Gemeinschaftlichkeit) é também uma forma, mas uma forma
externa da universalidade. Todos os outros homens têm em comum comigo o serem
Eu, como a todas as minhas sensações, representações, etc. é comum serem as minhas.
Mas o Eu como tal, em abstrato, e a pura relação a si mesmo, na qual se abstrai do
representar, do sentir, de todos os estados e de todas as particularidades da natureza,
do talento, da experiência, etc. O eu é, pois, a existência da universalidade totalmente
abstrata, o abstratamente livre. Por isso, o eu é o pensar enquanto sujeito; e visto que
eu estou simultaneamente em todas as minhas sensações, representações, estadoSD ETC
Em Hegel, tem-se que o Eu é uma mediação consigo mesmo para o outro
reconhecendo a si mesmo através do outro de si. O Eu é, portanto, um por-se-a-si-mesmo,
uma mediação consigo mesmo no tornar-se outro, percebendo a si como um outro de si
mesmo. Isso mostra que sujeito e objeto são interdependentes, e o objeto não é meramente
uma projeção do sujeito, visto que o objeto é um ser outro do sujeito ao mesmo tempo em que
é em si mesmo, e o sujeito é para si ao reconhecer-se no objeto como um ser outro de si
mesmo.
Nesse sentido, a união do sujeito e objeto está no conhecer, pois, o sujeito ao conhecer
o objeto o determina e este determina o sujeito. O sujeito reconhece o objeto e reconhece a si
mesmo. O sujeito que conhece, conhece algo, o que configura o próprio autoconhecimento do
sujeito.
Com isso, Hegel configura o sujeito como um sujeito-objeto para si mesmo, pois, seu
objeto é ele mesmo dentro de um movimento de identificação que conduz ao substancial, ao
uno, ao sujeito. O verdadeiro, o substancial, é a Ideia, que é o Absoluto, enquanto que o
verdadeiro é o todo racional, a essência que é obtida no tornar-se, o vir a ser no âmbito do
desenvolvimento do conceito.
Isso tudo é contrário ao Eu kantiano, o Eu que acompanha suas representações e
conhece o objeto por aproximar-se do objeto, mas sem interagir com ele a ponto de se
reconhecer nele, tal como ocorre na dialética hegelian
Disso pode-se compreender o seguinte: Hegel constrói um sistema do todo e o divide
em partes que se completam em um todo orgânico, passando pela Lógica, pela Natureza e
pelo Espírito, como ponto final que também é o início, pois, não há fim e começo, não há
círculo vicioso e sim um movimento dialético em ‘espiral’. Já em Kant, o que se vê é um
sistema que se divide em partes que constitui o aparato cognitivo do sujeito que conhece, Para Hegel, a ideia é a reunião do sujeito-objeto, ela é a verdade, a correspondência
entre a objetividade e o conceito. Enquanto que para Kant, a ideia é uma unidade que não
possui nenhuma relação direta com o sensível, com o mundo dos objetos reais e efetivos, ao
mesmo tempo em que, o conceito em sentido kantiano, só é verdadeiro se o mesmo possui um
representante sensível. Em Hegel, o conceito é efetivo e válido quando se desdobra num
movimento dialético negando a si mesmo e retornando a si, reconhecendo-se em um ser outro,
que é um outro de si mesmo. A ideia hegeliana é a representação do Conceito em sua
efetividade, a reunião de todas as determinações do Conceito.
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