Sem-abrigo: De Marselha a Hamburgo, a caça aos pobres generaliza-se
Várias cidades francesas adotaram medidas contra
os mendigos nos últimos meses. Na Alemanha, a instalação de uma vedação
para impedir os sem-abrigo de pernoitarem debaixo de uma ponte de
Hamburgo suscitou protestos. Por toda a parte, os sem-abrigo são
empurrados para fora dos centros das cidades por cercas, multas ou
milícias privadas. Por Christian Jakob
Ponte Kersten-Miles em Hamburgo, na faixa pode ler-se: Exclusão!
Este tipo de medidas não é específico da França. Em Hamburgo, a segunda cidade alemã, a autarquia do bairro de Saint-Pauli desembolsou 18.000 euros em Agosto passado para erigir uma cerca por baixo da ponte Kersten-Miles, onde dormiam pessoas sem-abrigo. Depois de fortes protestos, a cerca foi finalmente removida no fim de setembro.
A caça aos sem-abrigo vai provavelmente prosseguir na Alemanha. Desde o dia 1 de novembro, a Deutsche Bahn (o principal operador ferroviário) dispõe de um “direito especial de utilização” dos terrenos em redor da estação. Contra o pagamento de uma taxa, a sociedade dos caminhos de ferro ficou com o direito de usufruto de uma zona até aqui pública. As empresas privadas de segurança poderão agora decidir expulsar quem queiram. Este procedimento poderá ser estendido a gares noutras cidades. Para Stefan Karrenbauer, trabalhador social no jornal dos sem-abrigo de Hamburgo Hinz & Kunzt, a vedação na ponte é “uma primeira no país”. Mas as diversas tentativas de banir os sem-abrigo da cidade “voltam regularmente”.
22.000 pessoas na rua
Na Alemanha, mais de 240.000 pessoas não têm habitação fixa1, segundo os últimos dados publicados em novembro pelo agrupamento de associações BAWG (Bundesarbeitsgemeinschaft Wohnungslosenhilfe). São mais 10% do que em 2008. 22.000 encontram-se verdadeiramente na rua.
Segundo o diretor da BAWG, Thomas Specht, este número poderá descer “para um nível mínimo” dentro de alguns anos somente graças a um trabalho social de rua consequente e a uma política de construção de habitação. Mas, para o militante, é também uma consequência do processo de gentrificação (valorização imobiliária), que acontece em numerosas cidades alemãs. As casas aumentam a seguir a “modernizações excessivas”. As “habitações normais” tornam-se raras e a Alemanha não constrói suficiente habitação social para compensar. “Em seguida, a pressão aumenta também sobre a rua”, constata Thomas Specht.
Regulamentos de rua...
A vida torna-se então ainda menos confortável para aqueles que pouco têm. E não só desde que a Deutsche Bahn começou, no quadro da sua privatização, a vender as suas gares como centros comerciais. “As condições de vida nos centros das cidades estão sempre mais submetidas ao diktatdo consumo”, lamentava já em 2003 o diretor do serviço de apoio à habitação da Caritas. Entre os meios de fazer pressão sobre os mais pobres, os “regulamentos de rua” espalharam-se pelo país. “Quase todas as grandes cidades adotaram um destes textos indignos nascidos de um furor burocrático de regulamentação”, constatava ainda a Caritas. Atividades totalmente legais na Alemanha, como a de dormir em parques ou espaços públicos, ou consumir álcool em pé tornaram-se assim “utilizações particulares” dos locais públicos, e portanto, proibidas. Em caso de infração, há a multa.
A maior parte destes regulamentos de rua surgiram nos anos 90. Os debates da época são reveladores. A teoria americana das “janelas partidas” (segundo a qual os mais pequenos problemas de degradação do espaço público devem ser rapidamente tratados para não evoluírem para um estado de degradação geral de bairros inteiros) encontrou adeptos na Alemanha. “Onde há lixo também há ratos e onde reina a degradação também há escória”, declarava, por exemplo, o deputado berlinense conservador Klaus-Rüdiger Landowsky no parlamento local.
Os ladrões reincidentes banidos do centro
Em 1996, o antigo ministro federal do interior, o conservador Manfred Kanther, tinha lançado com a sua “ação securitária” a primeira pedra dos regulamento de rua e das parcerias para a ordem pública, que põem a trabalhar em conjunto empresas de segurança privadas, comerciantes e administrações municipais. À ação de segurança foi atribuído como objetivo “a defesa da ordem pública contra os desordeiros”. Os seus efeitos são visíveis ainda hoje. Mas é sobretudo pela interdição da mendicidade que muitas cidades esperam desembaraçar-se dos indesejáveis. Porém, vários tribunais decidiram que a mendicidade deve ser aceite como um “fenómeno social”. Resta o conceito vago de “mendicidade agressiva”, que se impôs nos regulamentos de rua.
Segundo um estudo de Titus Simon, da universidade de Magdeburgo-Stendal, 72% de 616 cidades alemãs sondadas indicaram ter adotado tais regulamentos no final dos anos 90. Em 2005, a cidade de Colónia ameaçou mesmo multar os que catavam o lixo – os sem-abrigo que procuravam garrafas recicláveis. Os protestos impediram no entanto esta medida.
A cidade de Celle, na Baixa Saxónia, foi mais longe. Desde os finais dos anos 90, os ladrões de lojas reincidentes foram proibidos de entrar na cidade. Se têm lá a sua habitação principal, deixaram de poder ir à cidade velha e ao centro. “Nós fomos os percursores”, afirma o porta-voz da municipalidade. Todos os anos, a cidade de Celle aprova cerca de 14 destas interdições, válidas por um ano. A infração custa 250 euros. “Em geral, estas medidas dizem respeito a toxicómanos”, continua o porta-voz. A cidade não conta mudar de prática, apesar da associação BAGW a considerar contrária à Constituição. Mas os toxicodependentes raramente processam as administrações vexatórias.
As gares, locais de encontro como os outros
Os municípios também atacam os sem-abrigo por meio de estratégias de construção: sistemas de rega, planos íngremes, bancadas curvas, blocos de cimento colocados nas superfícies planas, grades afiadas em torno dos edifícios. “O mundo está cheio de arquiteturas que tornam a vida mais difícil aos sem-abrigo”, constata Stephan Nagel, da Obra diaconal alemã. Em Paris, o coletivo de artistas Survival Groupassumiu como missão o combate a este mobiliário urbano. “O espaço efetivamente público é capturado de maneira autoritária”, explica Arnaud Elfort, do Survival Group”: “Estas instalações modificam a atmosfera social. A cidade torna-se ameaçadora.”
A política de repressão conheceu no entanto um revés jurídico na Alemanha, pelo menos para as gares. Em fevereiro passado, o tribunal constitucional federal declarou que os equipamentos de transporte em parte públicos continuam a ser “locais de encontro públicos”. Concretamente, esta decisão permitiu realizar-se uma manifestação no aeroporto de Frankfurt. “É uma excelente decisão jurídica, segundo Wolfgang Hecker, professor de direito da Escola superior de polícia e da administração de Hesse. Se o direito fundamental de liberdade de reunião está garantido, isso vale sem dúvida ainda mais para o simples direito de passar algum tempo nas gares”. As consequências são claras: “A ninguém pode ser recusada a entrada numa estação simplesmente porque a pessoa não se insere no conceito de marketing da Deutsche Bahn, limitado ao consumo e ao transporte”.
Christian Jakob
Artigo publicado em Jungle World a 20 de outubro de 2011. Traduzido para francês e adaptado para Basta! por Rachel Knaebel. Traduçãode francês para português de Carlos Santos para o esquerda.net
1
Este número engloba as pessoas que ficam em abrigos de emergência ou
num alojamento fornecido pelos municípios sem contrato de arrendamento.
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