sexta-feira, 30 de outubro de 2020

Mijair, no panteão da desumanidade (II)

 Mijair, no panteão da desumanidade (II)

Nivaldo T. Manzano (30/10/20)

Em busca de parentelas ideológicas que se tenham ombreado com Jair Bolsonaro na falta absoluta de sentimento de humanidade, localizei, depois de Pierre Laval (leia "Mijair, no panteão da desumanidade (I)", o presidente das Filipinas, Rodrigo Roa Duterte, eleito em 2016, graças também ao apoio majoritário de seitas neopentecostais. Assim como Mijair, Duterte na campanha agitava a bandeira do anticomunismo, do combate à corrupção e do restabelecimento da moral e dos bons costumes. Mijair é visto pela imprensa mundial como um dublê de Duterte, que se inspirou nos esquadrões da morte do Brasil para convertê-los em modelo de justiça penal em seu país. Inimigos dos direitos humanos, ambos não toleram opositores – esquecidos de que eles o foram antes de ascender ao poder - e visam a eliminá-los como inimigos da pátria. Dir-se-ia que a semelhança entre ambos é tamanha que é “cara de um, focinho de outro”. Como Duterte assumiu o poder dois anos antes de Mijair, pode dizer-se que o presidente filipino já chegou aonde Mijair pretende chegar – instalar igualmente um dos mais macabros regimes políticos de que se tem notícia sobre os escombros da democracia, ambos igualmente apoiados no voto manipulado e acolitados pelos militares.
À guisa de preâmbulo, atente para a equivalência do teor da agressão verbal de Mijair contra a deputada federal Maria do Rosário e do comentário de Duterte sobre a freira australiana Jacqueline Hamill feita refém, estuprada e assassinada por detentos durante uma rebelião em presídio.
Em 2014, o então deputado Bolsonaro afirmou que a deputada não merecia ser estuprada porque ele a considerava “muito feia” e porque ela “não faz” o "tipo”.
Em um comício em 2016, Duterte lamenta não ter tido a chance de estuprar a freira Jacqueline Hamil. Segundo registrou a BBC, Duterte disse que “quando os corpos foram retirados (…) olhei para o rosto dela, filha da p…, ela parece uma linda atriz americana. Eu estava bravo porque a estupraram, mas ela era tão bonita que (ele) deveria ter sido o primeiro. Que desperdício!”.
“Esqueçam as leis sobre direitos humanos” foi o refrão de Duterte em sua campanha eleitoral. “Traficantes, ladrões armados e vadios, melhor sumirem, porque vou matá-los... Vou jogá-los na Baía de Manila e engordar os peixes”. Ao celebrar a sua vitória, encorajou civis armados a matarem traficantes que resistissem à prisão. “Fique à vontade para nos ligar ou faça você mesmo, se tiver uma arma”, afirmou em discurso transmitido nacionalmente. “Atirem neles e lhes darei uma medalha”. Qual a diferença da proposta de Mijair, de legalizar as milícias? Segundo a ONG Human Rights Watch, já são mais de 12 mil assassinatos - o que inclui inocentes e vítimas atacadas por engano.
Parte dos homicídios é executada por matadores de aluguel atuando sob o comando de autoridades locais. Em 2016, a BBC News entrevistou uma mulher que disse receber US$ 430 (cerca de R$ 2.200) por cada execução de traficantes. Para a Anistia Internacional, trata-se de uma guerra aos pobres e de uma “indústria da morte” que afeta populações carentes urbanas. A polícia também é acusada de matar suspeitos para ganhar recompensas, além de plantar evidências e roubar vítimas. Recentemente, a TV brasileira mostrou a rotina de uma brigada de neopentecostais, vestida com trajes semelhantes aos utilizados pela polícia e transportada por veículo pintado com cores idênticas à de uma viatura policial, adentrando uma favela para "instruir os moradores" na autodefesa contra delinquentes. O bilionário pastor dono da Igreja Universal orgulha-se de ostentar o seu exército particular de soldados neopentecostais, que se adestram há meia dúzia de anos nos estandes de tiro frequentados pelos filhos de Mijair e milicianos agregados ao clã. Esses soldados atuam ao mesmo tempo como militantes de dois partidos políticos de extrema direita de propriedade de pastores igualmente milionários.
Recentemente, Duterte afirmou que a milícia que ele pretende criar vai se chamar "Esquadrão da Morte de Duterte" e terá poderes para matar suspeitos de serem revolucionários, dependentes químicos e pessoas que vaguem sem propósito pelas ruas. O esquadrão deverá integrar o grupo civil armado para eliminar o Novo Exército Popular, um “grupo comunista rebelde”. Alguma semelhança com Mijair, que pretende fortalecer com armamentos as polícias estaduais, tão logo assuma o controle total sobre elas, para as quais se prevê a importação de equipamentos e armas dos EUA e Israel privativas de seu uso bélico?
Com que outro objetivo Mijair estimula o armamento por parte da população? Com que finalidade liberou para uso civil armas e munição de uso militar? Qual a diferença entre as plataformas do brasileiro e do filipino alardeadas no reiterado discurso anticrime, que contempla a mobilização conjunta da violência policial, militar, miliciana e civil? Ambos pregam o assassinato como política de Estado, ao encorajar abertamente policiais e civis a cometerem homicídios.
Ambos são suspeitos de favorecer o tráfico: Mijair insiste em remover o chefe da Polícia Federal no Porto de Itaguaí, no Rio, considerado como duro no combate ao contrabando, ao tráfico de armas e de drogas, por um delegado de sua confiança. E Duterte é suspeito de ter contrabandeado um contêiner com 1,6 tonelada de metanfetamina (https://www.philstar.com/.../magnetic-lifters-contained... ) e é conhecido por assegurar trânsito livre para as atividades de máfias internacionais.
Oportunistas, apoiados na fé doutrinária neopentecostal, ambos não reconhecem idade mínima penal, assim como Calvino, que, em sua República de Genebra, fez condenar à morte uma criança de 11 anos por desobediência aos pais. A desobediência seria a manifestação visível da ação do Diabo no corpo da criança. Covarde, incapaz de eliminar o Diabo, o código penal infantil dos neopentecostais propõe eliminar a criança. Mijair já investiu contra o Estatuto da Criança e do Adolescente, que pretende substituir in totum pela lei dos pais, longe da proteção do Estado, o que na prática equivale ao desrespeito e ao vale tudo no seu trato, como é prova o sequestro e “adoção” irregular de uma criança indígena pela pastora e ministra Damares. Sabe-se que no Brasil 40% dos estupros contra crianças ocorrem no ambiente familiar, para onde os ministros igrejeiros pretendem transferir a educação pública. Dali estaria banida a educação sexual, em grande parte responsável por esclarecer e municiar o enfrentamento das crianças contra as investidas dos estupradores, como o demonstram os incontáveis depoimentos que chegam aos ouvidos dos delegados de polícia.
Assim como Duterte, Mijair é popular, em especial junto aos machos sarados, frustrados e ressentidos por terem sido equiparados em direito de igualdade às mulheres, o que os leva a suspirar pela liderança de um homem forte, capaz de empunhar a arminha de que se sentem incapazes de empinar. “Ele tem aquele apelo populista, o aspecto da conversa direta. É um homem do povo, disposto a dizer o que outros não dirão”, explica à BBC Champa Patel, chefe do programa Ásia-Pacífico do think tank britânico Chatham House. "Em muitos casos eles representam uma projeção para os homens que no cotidiano perderam poder devido à maior igualdade entre homens e mulheres e à diversidade de padrões de sexualidade”, diz o sociólogo Sergio Costa, professor do Instituto de América Latina da Universidade Livre de Berlim. “Homens fortes podem parecer uma resposta, mesmo que isso não seja verdade. Eles prometem soluções simples e insuficientes para problemas complexos. A ideia de que se resolve problema de segurança matando traficante de drogas e usuário é ilusória”
De fato, durante os sete mandatos não consecutivos de Duterte (mais de 22 anos) como prefeito, antes de assumir a presidência, a criminalidade caiu, embora a cidade siga como uma das mais violentas do país. Duterte introduziu o toque de recolher para menores desacompanhados e baniu a venda e o consumo de álcool em certas horas. Mas a melhora nos indicadores de segurança foi resultado, em grande parte, de assassinatos extrajudiciais de suspeitos de crimes e de usuários de drogas.
Para saber mais sobre o irmão siamês de Mijair na desumanidade, leia:
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