quarta-feira, 12 de fevereiro de 2025

A EVIDÊNCIA PLANA, COLHIDA DA SUPERFÍCIE DAS COISAS, MAIS ESCONDE DO QUE REVELA Um exemplo paradigmático: Immanuel Kant, pensador considerado maíúsculo, o filósofo que consolidou com a sua RAZÃO SOBERANA o ideário do liberalismo político, deixou-se levar pela evidência superficial, que suhjaz nas milhares de páginas que escreveu com vistas ao ESFLARECIMENTO (aufkarung, no original alemão) da HUMANIDADE,ou ILUMINISMO,na sua vertente racionalista. Faltou ao filósofo consciência crítica, ele, autor da "CRÍTICA da razão pura").Por "consciência crítica" entenda-se a capacidade espontânea de situar-se em CONTEXTO, somente possível sobre o pano de fundo diferencial de outro contexto. Os idênticos são irreconhecíveis. Em meio acadêmico, a consciência crítica se aloja ad hoc na atualidade na "Antropologia cultural", disciplina que avança celeremente, a ponto de inibir o interesse pela investigação filosófica. A pretensão kantiana de ter despertado a "espécie humana" de seu "sonho dogmático" (sic), 3 mil séculos (300 mil qnos) depois da ocorrência do homo sapiens, na localidade de Köenisberg, na Prússia, onde nasceu o filósofo, levou-o a formular uma visão de igual grandiloqência, feita de uma penca de universalismo VAZIOS (desprovidas de contexto), como "espécie humana","liberdade", "direito" "natureza", "felicidade" e outros. São tais determinações descontextuializadas que qualificam urbi et orbi a RACIONALIDADE,que supostamente lastreia a legitimidade do comportamento e do processo de tomada de decisão, apanágio da civilização OCIDENTAL moderna. O primeiro a contestá-lo foi o seu aluno predileto, Johann Gottfried von Herder(1744 - 1803) precursor da linguística, ao se opor de ofício à ideia do mestre de criação de uma LINGUAGEM UNIVERSAL, algo somente possível nas linguagens formais, tais como a dos bits, da matemática, da lógica, ou do telégrafo. É ignorar o que vem a ser DIVERSIDADE CULTUIRAL, conceito pioneiro do napolitano Giamhattista Vico, contemporâneo de Kant. Moral da história: Sob o pretexto da RAZÃO, considerada como faculdade SOBERANA por sobre as demais (sentimento, intuição, ética e estética) tem-se "realidade como ela é e não pode ser de outra maneira", do PENSAMWENTO ÚNICO, ou liberalismo. Lembre-se de que Kant é celebrado como o "filósofo da liberdade" ((mais de 260 milhões de acessos no google, em contraste com 60 milhões de Marx) Nivaldo Manzano Resulta, a mais das vezes, da necessidade de nomear tal ou tal experiência humana a partir do já conhecido. Por isso não é de estranhar o uso de órgãos do corpo para tornar determinado conceito mais próximo da realidade. Na verdade, os poemas homéricos falarão do corpo em si “enquanto totalidade visível [e por isso] será qualiicado de «estatura» ou «silhueta»”28, mas “enquanto conjunto vivo, ele será designado por um termo colectivo […] (como por exemplo “membros”)”29 , numa clara adaptação de um vocabulário de emoções e sentimentos a órgãos concretos, ou ao seu conjunto, isto é, ao visível, ao palpável. Outro exemplo poderá ser aduzido da própria batalha: o corpo que luta, aquele que se apresenta para ser ferido, é a χϱοιά, isto é, a superfície de corpo, a pele, isto é, a sua visibilidade passível de ser penetrada, e que, em batalha, pode estar revestida das armas que se possui. Assim, Aquiles perscruta o corpo (χϱοιά) de Heitor procurando onde penetrar. Signiicativamente utiliza-se este termo também quando referido ao corpo amoroso, isto é, ao corpo que se deita com outro30 .O corpo tem por “função a marca da pertença do ser humano ao universo da visibilidade e de o localizar”33. É um elemento no espaço, e enquanto cadáver “constitui-se como um estranho e inquietante resíduo de visibilidade, a meio caminho entre dois mundos”34 que será preciso “retirar” da visibilidade para que possa seguir o seu caminho para o Hades. Ora, este corpo assume-se dentro de um quadro antropológico especíico, com características particulares. Em primeiro lugar uma concepção naturalista do tempo e da vida do homem: uma geração dá lugar a outra como as folhas de uma árvore: “Assim como a linhagem das folhas, assim é a dos homens. Às folhas, atira-as o vento ao chão; mas a loresta no seu viço faz nascer outras, O ritmo da existência é dado então pela própria natureza, sublinhando-se assim uma curva vital que termina na morte: “os homens são os «efémeros», aqueles que só vivem o dia-a-dia, do nascimento matinal à noite da morte, mas também aqueles que constatam a cada dia que a sua energia vital, cuja sede é corporal, que se esgota e reclama ser restaurado pela alimentação e [pelo] o sono”36. Diferentemente os deuses, com um corpo muita das vezes antropomorizado, têm em si uma energia vital inesgotável e por isso escapam a essa estrutura vital da natureza. Criados como os humanos, essa geração não exprime uma sucessão temporal mas “os laços de dependência funcional e a estrutura hierárquica do cosmos”37 Esta personalidade orgânica é, no herói, como que um campo corporal, onde encontramos um luxo da força orgânica, psíquica e divina, concentrado na sua tarefa de se tornar imortal pelos seus actos. Na morte do herói, vida e destino coincidem enim. Fama é o único im do herói, mas uma fama que a própria mortalidade torna imperativa65. Assim, o herói será o exemplo a imitar pelo homem comum, não pela sua superação divina, mas porque é verdadeiramente excesso de humanidade66: “a fonte da implacável fúria de Aquiles é precisamente o seu nível de vitalidade sem paralelo”67 .

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