Subsídios ao debate da reforma política, um estudo
Enviado por luisnassif, ter, 09/07/2013 - 14:13
Por Assis Ribeiro
Politizar o debate sobre a reforma política e lutar pela realização da assembleia constituinte exclusiva
05/07/2013
Danilo Enrico Martuscelli
Os protestos recentes, que tomaram as ruas de
várias cidades do país, podem ser caracterizados como uma combinação de
espontaneísmo com movimento organizado. O espontaneísmo tem se
manifestado por meio de pautas difusas que questionam a malversação das
verbas públicas, a corrupção no sistema político, a legitimidade dos
partidos políticos, entre outros pontos. Trata-se de pautas com conteúdo
progressista, mas facilmente apropriadas pelas forças conservadoras,
justamente por se fixarem no plano das denúncias, sem apresentarem
medidas concretas para solucionar as mazelas apontadas. Já o movimento
organizado tem se valido da reivindicação de pautas concretas, frutos,
na maioria das vezes, da experiência de lutas travadas por diversos
grupos políticos e movimentos sociais ao longo das últimas décadas.
Queremos ressaltar, com isso, que as lutas pelo passe livre, por mais
verbas para a educação e para a saúde, pela tributação das grandes
fortunas, pela redução da jornada de trabalho, pela democratização da
mídia, não surgiram em junho de 2013, mas são resultantes de muitos
debates e embates realizados nas ruas e nos mais variados espaços
sociais. São exatamente as pautas concretas, construídas nas lutas, que
têm sido até agora vitoriosas, o que nos leva a salientar a importância
da mobilização e da organização na luta por direitos e pela ampliação de
conquistas democráticas.
Quem tem acompanhado o noticiário deve ter percebido a
dificuldade que os diferentes governos e prefeituras têm tido para
compreender e lidar com os protestos. Entre a indisposição para a
negociação e a tática de neutralizar os protestos, com a inserção de
pautas secundárias presentes nas manifestações de maneira difusa,
governos e prefeituras, com o apoio da mídia, têm tomado clara
orientação, nos últimos dias, no sentido da neutralização dos
movimentos. É preciso ressaltar que, desde a crise política de 2005, a
bandeira da reforma política tem sido defendida com unhas e dentes pela
burguesia brasileira para se livrar de eventuais “conturbações” das
massas. Ao contrário do que pregava a esquerda e a centro-esquerda, não
vivíamos a iminência de um golpe das elites, pois a maior parte destas
vinha defendendo a reforma política – e não, o impeachment de Lula.
Basta ler o documento “Agenda mínima para a governabilidade”, entregue
ao governo Lula por seis entidades empresariais (CNI, CNA, CNT, CNC, CNF
e Ação empresarial), em agosto de 2005, e as declarações dos
presidentes da Fiesp e da Febraban, na mídia, para chegarmos à conclusão
de que a burguesia brasileira não queria conviver novamente com o
movimento de massas que tomou as ruas de todo o Brasil em 1992 para
pedir a cabeça de Collor de Mello - hoje, aliado dos governos Lula e
Dilma. A defesa da reforma política é retomada, agora, não só como uma
forma de neutralizar as manifestações de massa que vêm questionando as
cláusulas pétreas da rolagem da dívida pública e da isenção fiscal, e
concessão de serviços e atividades públicos ao capital privado, mas
também como um meio de superar a instabilidade política que atingiu o
país. Além disso, é uma pauta que pega de surpresa o movimento
organizado, não havendo sequer acúmulo suficiente por parte deste para
debatê-la. Alguns poderiam dizer que a inserção do tema na pauta dos
debates nacionais, ajudaria a fomentar o conhecimento da matéria. No
entanto, é preciso reconhecer que o que se pode ou não fazer com uma
reforma política, o significado de uma assembleia constituinte exclusiva
e as diferenças existentes entre plebiscito e referendo se apresentam
como questões bem distantes da compreensão do grande público e de parte
considerável da intelectualidade e das forças e movimentos progressistas
organizados. Se desejasse realizar mudanças substanciais e
progressistas com a reforma política, o governo Dilma teria que
primeiramente ouvir e negociar a matéria com tais forças e movimentos,
de modo a amadurecer a proposta e permitir que a mesma ganhasse
capilaridade. Nada disso fez, preferiu o voluntarismo, tornando-se presa
fácil da oposição de direita, dos partidos de aluguel aliados e das
forças conservadoras que compõem o seu governo.
Para fazer o jogo de que é um governo progressista, a
presidente Dilma sugeriu a ideia de que a reforma política poderia ser
debatida por meio da organização de um plebiscito que aprovaria uma
assembleia constituinte exclusiva sobre o tema. No entanto, em menos de
24 horas depois de ir à rede nacional lançar a proposta, a presidente
Dilma, sob pressão da própria base e da oposição, procurou abortar a
ideia inicial da assembleia constituinte exclusiva. Se acreditássemos no
que diz o governo, a oposição de direita e a imprensa, seríamos levados
a concluir que a medida era inconstitucional e por isso não poderia ser
levada adiante. Do ponto de vista jurídico, não há consenso sobre a
matéria, já que alguns especialistas da área do direito têm defendido a
constitucionalidade da proposta. No entendimento desses especialistas,
para autorizar a realização de um plebiscito para aprovar ou não a
assembleia constituinte exclusiva, a presidente da República precisaria
encaminhar uma proposta de emenda constitucional ao Congresso Nacional,
que, por sua vez, teria que aprová-la por maioria qualificada. Do ponto
de vista político, diferentemente do método adotado pela assembleia
constituinte de “congressistas” de 1987-1988, a realização de uma
assembleia constituinte exclusiva com representantes externos ao
Congresso Nacional poderia abrir precedentes para uma maior politização
do debate acerca da reforma política, algo muito inconveniente para o
governo, a oposição de direita e a imprensa. Obviamente, o problema não
era jurídico, mas político!
A recente divulgação dos cinco temas propostos pela
presidência da República ao Senado indica claramente a natureza
despolitizada do debate em curso sobre a reforma política. Os cinco
temas sugeridos são os seguintes: 1) financiamento de campanha; 2)
sistema eleitoral; 3) suplência do senador; 4) fim do voto secreto em
deliberações do Congresso Nacional; 5) fim das coligações partidárias
proporcionais. Com exceção da questão do fim do voto secreto nas
decisões do Congresso, todos os demais seguem a lógica da reforma
política sem reformas. O ponto do financiamento de campanha é
importante, mas o fundamental é saber como se daria a distribuição do
financiamento público, caso seja aprovado o financiamento público
exclusivo. Já o tema do sistema eleitoral foi inserido no plebiscito
para gerar confusão, pois a votação pode seguir várias diretrizes: voto
majoritário, voto proporcional com lista fechada, voto proporcional com
lista flexível, voto distrital, voto distrital misto. Aqui o propósito
do plebiscito parece se confundir com uma prova objetiva de ciência
política, de marcar “X”. A questão da suplência do senador chega a ser
risível e está muito distante de ser uma preocupação nacional para ser
votada num plebiscito. Imaginem-se as manchetes de jornal informando que
o Brasil realiza plebiscito para aprovar a permanência ou não da
suplência do senador... Por fim, é curioso constatar a inserção da
votação sobre a continuidade ou não das coligações partidárias nas
eleições proporcionais. Isso não faz o menor sentido se colocado no
mesmo regime de votação do sistema eleitoral, pois, caso vencesse a
proposta do voto distrital - tão desejada pela oposição de direita - a
votação das coligações nas eleições proporcionais não teria nenhum
efeito.
Pelo exposto, torna-se urgente ampliar os espaços de
debate sobre a reforma política. Se, num primeiro momento, estava
correta a crítica à manobra do governo de dar centralidade à pauta da
reforma política, consideramos que, agora, chegou o momento de mudar de
posição. A despeito da queda da popularidade da presidente Dilma,
devemos reconhecer que ela conseguiu transformar a pauta da reforma
política numa pauta central. Assim sendo, entendemos que cabe à esquerda
e às forças progressistas enfrentar o debate e politizá-lo. É com essa
preocupação que indicamos abaixo um conjunto de ideias e medidas que
devem ser minimamente debatidas e consideradas, caso não queiramos
transformar a reforma política numa enquete despolitizada que não aponte
para mudanças substanciais, mantendo tudo como está.
Para ser didático e correndo o risco de ser
superficial, apontamos questões que deveriam ser trabalhadas por uma
reforma política ampliada, portanto, não meramente restrita ao âmbito
partidário e eleitoral:
1) Criação de mecanismos de controle popular
a) Criação de mecanismos para a realização de amplos
debates, na sociedade, sobre a reforma política, promovendo-se a reforma
por meio de assembleia constituinte exclusiva desde que garantida a
participação de representantes dos movimentos popular e sindical.
b) Instituição do mandato revogatório. Após metade do
mandato, desde que preenchido o requisito mínimo de 20% de assinaturas
do total de eleitores, seria concedida à iniciativa popular a
prerrogativa de realizar referendo para aprovar ou não a continuidade do
ocupante do cargo executivo. Tal dispositivo existe na Constituição de
outros países, como é o caso da Venezuela.
c) Extensão da prerrogativa de convocar plebiscitos e
referendos sobre temas de relevância nacional à iniciativa popular,
desde que preenchido o requisito mínimo de 20% assinaturas do total de
eleitores.
2) Poder econômico e política
A reforma política não resolverá o problema da
influência do poder econômico sobre o processo eleitoral, pois as
desigualdades socioeconômicas existentes nas sociedades capitalistas não
colocam todos os indivíduos em condições de igualdade de participação
política, seja como candidato, seja como eleitor, nos processos
eleitorais. Nesse sentido, faz-se necessário construir, para além de uma
defesa genérica do financiamento público exclusivo de campanha, uma
pauta que detalhe como se dará a distribuição desse financiamento e que
estabeleça mecanismos para dificultar ou constranger a influência do
poder econômico nos pleitos eleitorais.
No âmbito da reforma política, as seguintes medidas poderiam ser adotadas:
a) Aprovação do financiamento público exclusivo de
campanha. Medida a ser adotada não só para reduzir os custos de
campanha, mas também para ampliar as condições de concorrência dos
partidos que não recebem os volumosos recursos de empreiteiros,
banqueiros e outros financiadores privados, como os principais partidos:
PT, PSDB, PMDB, PSD, etc.
b) Destinação do montante total do fundo partidário
ao financiamento público exclusivo de campanha: 50% do orçamento deveria
ser destinado a todos os partidos de maneira igualitária e 50% dos
recursos restantes deveriam ser distribuídos proporcionalmente de acordo
com a representação de cada partido nas instâncias legislativas
federal, estadual e municipal. Isso garantiria recursos mínimos para
cada partido realizar sua própria campanha e romperia, em certo sentido,
com as assimetrias fomentadas pelo atual modelo;
c) Criação de dispositivos punitivos mais incisivos
para os partidos que fizerem uso do caixa dois em suas campanhas
eleitorais. Uma possibilidade é transformar o caixa dois num crime
inafiançável.
d) Proibição do pagamento de cabos eleitorais, com
previsão de multas com valores correspondentes até 50% do financiamento
público recebido pelo partido, no caso de desrespeito a esse
dispositivo.
e) Garantia de uso de tempo igual no horário eleitoral para todos os candidatos aos cargos executivos.
f) Garantia de divisão igualitária de 50% do tempo do
horário eleitoral para os partidos que disputam as vagas, nos
legislativos, e de distribuição proporcional dos 50% do tempo restante
de acordo com a representação de cada partido nos legislativos federal,
estadual e municipal.
g) Garantir na TV e no rádio, durante o período
eleitoral, o mesmo tempo de cobertura da campanha dos candidatos aos
cargos executivos, seja na publicização das matérias, seja na realização
dos debates entre tais candidatos.
Além disso, seria de suma importância que a reforma
política viesse acompanha da regulamentação da taxação sobre grandes
fortunas e da aprovação do imposto progressivo com vistas a promover
efeitos redistributivos de amplo alcance e tornar o processo eleitoral
menos vulnerável à influência do poder econômico.
3) Combater o carreirismo
a) Indexação do salário de parlamentares e ocupantes
de cargos executivos ao salário mínimo e estabelecimento de um teto de
10 salários mínimos.
b) Permissão de uma única reeleição e de, no máximo,
três mandatos não consecutivos para os ocupantes de cargos parlamentares
e executivos.
c) Matrícula obrigatória aos parlamentares e ocupantes de cargos executivos de seus filhos em escola pública.
4) Voto
a) Manutenção do voto obrigatório.
b) Validação dos votos nulos e brancos, tendo em
vista sua importância para identificar o voto de protesto. Caso a soma
dos votos nulos e brancos seja superior ao percentual atingido pelo
primeiro colocado, convocação de novas eleições.
5) Fidelidade partidária e fortalecimento dos partidos
a) Adoção, para as eleições de cargos legislativos,
da lista pré-ordenada de candidatos por partido, observando-se critérios
de gênero (50% de mulheres e 50% de homens). Tal dispositivo poderá
contribuir para neutralizar a força do personalismo político e para
transferir a posse do mandato para o partido do candidato. O parlamentar
que desejar mudar ou sair do partido de origem perderá o mandato, e o
próximo colocado da lista do partido passará a ocupar o seu lugar.
b) Criação de dispositivo para calcular anualmente a
taxa de infidelidade partidária nas votações, prevendo-se a perda
automática do mandato do parlamentar que contrariar em mais de 20% as
decisões da bancada do partido ou, quando for o caso, as decisões do
Diretório Nacional do seu partido.
Em resumo: para pensar numa reforma política ampliada
e efetivamente participativa, cabe aos setores de esquerda e
progressistas defenderem a realização de uma assembleia constituinte
exclusiva, caso contrário, corre-se o risco de transformar o plebiscito
numa enquete despolitizada e a reforma política numa farsa. Certamente,
as mudanças mais substanciais, ainda que nos limites da democracia
burguesa, não ocorrerão sem mobilização e movimento organizado nas ruas.
Fica aqui também registrada a pergunta: qual partido da ordem abraçaria
o conjunto de medidas acima proposto?
Danilo Enrico Martuscelli é graduado em
Ciências Sociais, com mestrado em Ciências Políticas pela Universidade
Estadual de Campinas (Unicamp). Atualmente é pesquisador do Centro de
Estudos Marxistas da Universidade Federal da Fronteira Sul (UFFS).
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